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Entre necessidades e contingências: políticas indígenas nos sertões de Goiás (1781-1832)

Between needs and contingencies: indigenous politics in the hinterlands of Goiás (1781–1832)

Resumo

Este artigo quer intervir na discussão sobre as políticas e estratégias indígenas dos contatos a partir de um contexto concreto: o dos aldeamentos de grupos ‘Cayapó’, em Goiás, entre 1781 e 1832. Com base na análise de parte de uma documentação histórica para o período, é proposto que a aparente conversão esconde processos nos quais atuaram não apenas mudanças, mas continuidades e criações. Se o choque do contato era historicamente inevitável, a política dos indígenas durante o período dos aldeamentos mostrou como esses grupos agiram entre as necessidades das circunstâncias e as contingências das escolhas. Por isso, no diálogo entre a Antropologia e a História, o artigo pretende mostrar como essa história indígena desenhou diferentes rotas e linhas de ação.

Palavras-chave
História indígena; Antropologia e História; Aldeamentos; Grupos Jê ‘Cayapó’ meridionais

Abstract

This essay addresses the discussion on indigenous politics and contact strategies from a concrete context: settlements of Kayapo groups in Goiás between 1781 and 1832. Historical documentation from the period suggests that apparent conversion hides processes involving not only changes, but also continuities and creations. While the shock of contact was historically inevitable, indigenous politics during the settlement period showed how these groups acted, between the needs of the circumstances and the contingencies of their choices. As such, in the dialogue between anthropology and history, this article demonstrates how this indigenous history traced different routes and lines of action.

Keywords
Indigenous history; Anthropology and history; Settlements; Southern Kayapo Jê groups

INTRODUÇÃO

Desde pelo menos o século XVIII, as regiões dos atuais sul de Goiás, Triângulo Mineiro e norte de São Paulo foram ocupadas por diferentes grupos indígenas da família linguística Jê, documentalmente conhecidos pelo termo genérico ‘Cayapó’. Apesar dessa presença, até pouco tempo a história desses grupos foi interpretada como movimento que os levou da guerra à paz, da resistência à assimilação e, às vezes, até mesmo à extinção (Nimuendajú, 1982Nimuendajú, C. (1982). Textos indigenistas. Loyola., p. 219). Ancorada numa velha abordagem evolutiva e linear, ela sugeriu uma história indígena pré-determinada, cujo destino inexorável seria a extinção ou completa assimilação dos índios pela sociedade envolvente. Nessa versão, a história dos índios, e a dos ‘Cayapó’ em particular, traçou uma rota de causalidades e mudanças que transformou o guerreiro cruel no índio indefeso.

Tentativas mais atuais, alinhadas a uma perspectiva cuja base é o foco no protagonismo e na ação política consciente dos indígenas (Monteiro, 2001Monteiro, J. M. (2001). Tupis, tapuias e os historiadores: estudos de história indígena e do indigenismo (Tese de livre docência). Universidade Estadual de Campinas, Campinas.; Almeida, 2010Almeida, M. R. C. (2010). Os índios na história do Brasil. Editora FGV.), sugerem que uma possível história desses grupos esteja situada entre necessidades e contingências. Afinal, o contato era inevitável (e o foi com diferentes outros), mas as estratégias indígenas dependeram dos contextos, dos sujeitos, dos interesses e dos signos envolvidos. Por isso, foram cambiantes, mutantes, constituídas por redes não estruturadas, ramificações e trajetos que resultaram, às vezes, em rotas e destinos inesperados. Já se conhecem muito bem, do século XVIII, as intermináveis guerras com os não índios (Ataídes, 1998Ataídes, J. M. (1998). Sob o signo da violência: colonizadores e Kayapó do sul no Brasil central (Coleção Teses Universitárias). UCG.). Menos estudadas são, no entanto, para o mesmo período, as informações acerca das relações de beligerância com outros grupos indígenas (Noronha, 1751Noronha, M. (1751, abril 13). Carta ao rei [d. José] em resposta à provisão determinando que os índios devam ser aldeados em suas próprias terras (AHU-ACL-CU-008, Caixa 6, Documento 473). Arquivo Histórico Ultramarino, Lisboa.); e, mais recentes, os conhecimentos das relações com os índios aldeados (Mori, 2015Mori, R. (2015). Os aldeamentos indígenas no Caminho dos Goiases: guerra e etnogênese no sertão do Gentio Cayapó (Sertão da Farinha Podre) séculos XVIII e XIX (Dissertação de mestrado). Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia.), as alianças com os negros fugidos da escravidão e com homens livres pobres (Mano, 2015Mano, M. (2015). Índios e negros nos sertões das minas: contatos e identidades. Varia História, 31(56), 511-546. https://doi.org/10.1590/0104-87752015000200009
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), as mudanças de estratégias ao longo do tempo (Mano, 2011Mano, M. (2011). Contato, guerra e paz: problemas de tempo, mito e história. Política & Trabalho, 28(34), 193-212.), a existência de remanescentes no contexto urbano (Ferreira Filho, 2015Ferreira Filho, A. J. (2015). Índios do Triângulo Mineiro. EDUFU.) e evidências de que grupos dos Jê – ‘Cayapó’ meridionais – sejam os atuais Panará ou Kreen-Akroré, localizados na região do rio Peixoto de Azevedo, sul do Pará (Giraldin, 1997Giraldin, O. (1997). Cayapó e Panará – luta e sobrevivência de um povo Jê do Brasil central. Editora da Unicamp.; Heelas, 1979Heelas, R. (1979). The social organisation of the Panará, a Gê tribe of Central Brazil (Tese de doutorado). St. Catherine’s Colege, University of Oxford, Oxford, Reino Unido.).

Em conjunto, os dados que atualmente se tem sobre a história desses grupos mostram as múltiplas vivências dos índios na sociedade colonial. Num mesmo período histórico, suas ações e escolhas no tratamento das diferentes alteridades não foram semelhantes. Em diferentes períodos históricos, não ratificaram ações tomadas no passado. Sincrônica e diacronicamente mutável, o câmbio e a simultaneidade de diferentes relações com as alteridades resultaram também em diferentes rotas históricas, cujas realizações apontam para a existência de debates e cismas sobre a melhor forma de atuação nas relações de contato. Num cenário de intensos conflitos, disputas, negociações e interesses conflitantes que caracterizaram os contatos em contextos coloniais, a história e a cultura, como as identidades e alteridades, não poderiam ser únicas ou estáticas. E de fato não foram para esses grupos dos Jê, que, no século XVIII, assolavam os caminhos das minas de Goiás. Uma possível história desses contatos parece sugerir, no lugar de uma estrutura centrada com pontos fixos, etapas, ciclos ou fases, uma história inspirada na dispersão, na transitoriedade e na fluidez.

Esse argumento, inserido num esforço mais amplo de redesenhar a história desses grupos, está na base deste artigo. Seu foco são os processos de negociação do aldeamento1 1 Ao longo deste texto, o termo aldeamento(s) será usado em referência às aldeias construídas pela administração colonial para abrigar índios (os aldeados); e o termo aldeia(s), em referências às ocupações indígenas tradicionais. de grupos de índios ‘Cayapó’, em Goiás2 2 A capitania de Goiás compreendia os atuais estados de Goiás e Tocantins, Triângulo Mineiro (até 1816) e leste de Mato Grosso. , entre o último quarto do século XVIII e o primeiro do XIX. Assentados em Maria I entre 1781 e 1813, depois transferidos para São José de Mossâmedes, onde permaneceram até 1832, no período de cinquenta anos em que estiveram nos aldeamentos esses grupos revelaram as versatilidades tanto de seus modos de relações com as alteridades, quanto de suas realizações históricas. Ao focá-las, este artigo espera demonstrar que o aldeamento desses grupos não significou uma história traçada linearmente ou em etapas sucessivas, pois que os aldeamentos coloniais, e em especial os aldeamentos do Diretório dos Índios na Capitania de Goiás, foram espaços constantes de negociação e choque entre a política indigenista e a política dos indígenas, cujos encontros, percursos e intersecções desenharam, então, rotas fluidas e linhas dispersas.

CONTATO, GUERRA E PAZ

Quando, em 1723, Antônio Pires de Campos usou pela primeira vez o termo ‘Cayapó’ para se referir a grupos indígenas localizados no atual sul de Goiás, uma constante iria dominar as descrições desses grupos: a guerra. Escreveu esse sertanista: “. . . e seu maior exercício é serem corsários de outros gentios de várias nações e prezarem-se muito entre eles a quem mais gente há de matar” (Campos, 1976 [1723]Campos, A. P. (1976 [1723]). Breve notícia do gentio bárbaro que há na derrota das minas de Cuiabá e seu recôncavo, na qual declara-se os reinos. In A. E. Taunay (Org), Relatos sertanistas (pp. 181-200). Livraria Martins., p. 182). Embora pareça não ter ocorrido nenhum incidente de beligerância entre esses indígenas e as tropas lideradas por Pires de Campo, não tardaria para que as notícias dos contatos viessem recheadas dos ataques, roubos e mortes que continuamente grupos desses indígenas estavam fazendo.

Os repetidos insultos, contínuas mortes, estragos e roubo que o Gentio bárbaro da nação Cayapó, e os mais que infestam o caminho de povoado até as minas de Goiás . . . . matando e roubando aos viajantes que vão, e vem, e aos roceiros insultando-os em suas próprias casas, queimando os sítios, e os paióis em que tem recolhido os seus frutos, matando também os seus escravos, cavalos, porcos, e mais criações havendo-se com tão bárbara crueldade, que nem as crianças perdoam, nem dão quartel a pessoa alguma . . . (L. Mascarenhas, 1896aMascarenhas, L. (1896a). Registro de hum bando sobre a guerra q’ se pretende fazer ao gentio Cayapó, 17 de fevereiro de 1745. In Documentos interessantes para a história e costumes de São Paulo. Bandos, Regimentos e Ordens dos capitães-generaes Conde de Sarzedas e D. Luis Mascarenhas (Vol. 22, pp. 185-187). Tipografia da Companhia Industrial de São Paulo., p. 185).

São tão frequentes as mortes, insultos q’ traidoramente a cada paço está fazendo o Gentio Cayapó nas vizinhanças desta Villa [Vila Boa de Goiás], e com tal tirania executam as suas pessoas . . . . q’ depois q’ cometem . . . . põem logo em fuga espalhando-se pelos campos ou mato . . . . fazendo sempre caminho para as suas aldeias (Oficiais, 1757Oficiais. (1757, junho 11). Carta dos oficiais da Comarca de Vila Boa, ao rei [D. José], expondo as atrocidades cometidas pelos índios Caiapós (AHU-ACL-CU-008, Caixa 14, Documento 856). Arquivo Histórico Ultramarino, Lisboa., fl. 1).

Em outros documentos do mesmo período, lê-se: “. . . hostilidade do Gentio Cayapó nas quais executou algumas mortes, incêndios, destroços de plantas, . . . . que costuma de sua barbaridade” (L. Mascarenhas, 1742Mascarenhas, L. (1742, março 30). Carta ao rei [d. João V] sobre as atrocidades praticadas pelo gentio Cayapó (AHU-ACL-CU-008, Caixa 2, Documento 179). Arquivo Histórico Ultramarino, Lisboa., fl. 1). Ou ainda:

O bárbaro gentio Cayapó assaltou com sua costumada ferocidade algumas roças desta Capitania matando parte dos pretos q. [que] as cultivavam, e dois brancos que nelas assistiam, e levando os despojos as reduzirão a cinzas foi tão grande o terror . . .

(Mello, 1764Mello, J. M. (1764, junho 7). Ofício ao secretário de Estado Francisco Xavier de Mendonça Furtado. Revista do Instituto Histórico Brasileiro, 84(117), 87-88. citado em Mano, 2011Mano, M. (2011). Contato, guerra e paz: problemas de tempo, mito e história. Política & Trabalho, 28(34), 193-212., p. 199).

Uma cronologia das notícias dos ataques impetrados contra os não indígenas durante o século XVIII revelou uma estrutura característica dessas guerras, definida como ‘guerras de saque sem cativos’. Nelas, os guerreiros indígenas matavam a todos, “. . . queimavam as propriedades imóveis e levavam os espólios da guerra: bens materiais móveis” (Mano, 2011Mano, M. (2011). Contato, guerra e paz: problemas de tempo, mito e história. Política & Trabalho, 28(34), 193-212., p. 199), descritos nos documentos com os termos de “roubando os viajantes” (L. Mascarenhas, 1896aMascarenhas, L. (1896a). Registro de hum bando sobre a guerra q’ se pretende fazer ao gentio Cayapó, 17 de fevereiro de 1745. In Documentos interessantes para a história e costumes de São Paulo. Bandos, Regimentos e Ordens dos capitães-generaes Conde de Sarzedas e D. Luis Mascarenhas (Vol. 22, pp. 185-187). Tipografia da Companhia Industrial de São Paulo., p. 185) e “levando os despojos” (Mello, 1764Mello, J. M. (1764, junho 7). Ofício ao secretário de Estado Francisco Xavier de Mendonça Furtado. Revista do Instituto Histórico Brasileiro, 84(117), 87-88.). Ao que tudo indica, essa política indígena parece ter atualizado os mitos de origem e as façanhas de heróis culturais e demiurgos, baseadas, elas também, na morte e no roubo do mundo exterior3 3 Para mais detalhes, ver Mano (2011, 2012). .

Mas a atualização histórica de estruturas culturais (Sahlins, 1990Sahlins, M. (1990). Ilhas de história. Jorge Zahar., 2008Sahlins, M. (2008). Metáforas históricas e realidades míticas: estrutura nos primórdios da história no reino das Ilhas Sandwich. Jorge Zahar.) não se deu apenas do lado indígena. Porque, se as ‘guerras de saque sem cativos’ parecem ser uma dimensão clara do modo relacional e simbólico de grupos desses indígenas agirem sobre algumas de suas alteridades, para os não indígenas, a história desses contatos foi plasmada com base em alegorias da colonização que atualizaram o mito católico e a missão de um Império – também elas, mitos de origem. Por isso, nos sertões das minas de Goiás, como alhures, a política indigenista reeditou as guerras justas e ofensivas, cujos elementos norteadores foram justamente a representação dos indígenas como selvagens (não cristãos e não civilizados); a missão de cristianizar e civilizar; o destino do Império e da Igreja; e a obediência e a sujeição.

Não tardou, então, para que os grupos indígenas nomeados por ‘Cayapó’ fossem descritos como os que “tudo levam de traição e rapina” (Campos, 1976 [1723]Campos, A. P. (1976 [1723]). Breve notícia do gentio bárbaro que há na derrota das minas de Cuiabá e seu recôncavo, na qual declara-se os reinos. In A. E. Taunay (Org), Relatos sertanistas (pp. 181-200). Livraria Martins., p. 182); como o “mais traidor de todos” (Camello, 1976Camello, J. A. C. (1976). Notícias práticas das minas do Cuiabá e Goiáses, na capitania de São Paulo e Cuiabá, que dá ao Rev. Padre Diogo Juares, o Capitão João Antônio Cabral Camelo, sôbre a viagem que fêz às minas do Cuiabá no ano de 1727. In A. E. Taunay (Org.), Relatos monçoeiros (pp. 114-123). Livraria Martins, p. 115); como “nação que não tem domicílio certo, nem plantas ou lavouras”; como os que “guerreiam com traição . . . . e se sustenta[m] de imundices do mato” (Barros, 1976Barros, M. (1976). Notícia 7a Prática – Roteiro verdadeiro das Minas do Cuiabá, e de todas as suas marchas, cachoeiras, itaipavas, varradouros, e descarregadouros das canoas. In A. Taunay (Org.), Relatos monçoeiros (pp. 141-147). Livrara Martins., p. 148); como selvagens pelados, porque “os trajes desses bárbaros é viverem nus, tanto homens como mulheres” (Campos, 1976 [1723], p. 182); como inimigos cruéis e impiedosos, porque “havendo-se com tão bárbara crueldade, que nem as crianças perdoam” (L. Mascarenhas, 1896aMascarenhas, L. (1896a). Registro de hum bando sobre a guerra q’ se pretende fazer ao gentio Cayapó, 17 de fevereiro de 1745. In Documentos interessantes para a história e costumes de São Paulo. Bandos, Regimentos e Ordens dos capitães-generaes Conde de Sarzedas e D. Luis Mascarenhas (Vol. 22, pp. 185-187). Tipografia da Companhia Industrial de São Paulo., p. 185).

Declarados inimigos selvagens e cruéis, o próprio termo ‘Cayapó’ só pode ser entendido no contexto das estruturas simbólicas e das condições pragmáticas em que se deram os contatos. Termo Tupi, cuja tradução corresponde a algo “como macaco” (Turner, 1992Turner, T. (1992). Os Mebengokre Kayapó: história e mudança social, de comunidades autônomas para a coexistência interétnica. In M. Carneiro da Cunha (Org.), História dos índios no Brasil (pp. 311-338). Companhia das Letras., p. 311), ‘Cayapó’ é claramente uma exonímia que passou a ser aplicada indistintamente a grupos (Akroá, Xavante, Araxá, Xakriabá, Panará) que a moderna etnografia identificaria como grupos dos Jê centrais e/ou setentrionais. No século XVIII, porém, o termo ‘Cayapó’, invariavelmente associado ao termo ‘gentio’ – ‘o gentio Cayapó’ –, era uma construção da etnicidade do mundo colonial e devia se referir não a uma etnia, mas à “. . . categoria de índios independentes, aqueles que não se encontravam ainda sob o domínio da Coroa portuguesa, portanto não catequizados ou civilizados” (Mano, 2015Mano, M. (2015). Índios e negros nos sertões das minas: contatos e identidades. Varia História, 31(56), 511-546. https://doi.org/10.1590/0104-87752015000200009
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, p. 516). E foi justamente contra eles que se atualizou, na política indigenista de Goiás, no século XVIII, a guerra justa como modo operante do império ultramarino português.

Em regimento expedido em 1742 para a conquista dos ‘Cayapó’, as autoridades instruíram, em caso de não rendição, para

. . . passar a espada sem distinção ou diferença de sexo, só não executarão a dita pena de morte nos meninos e meninas de dez anos para baixo, porque estes os conduzirão . . . . para deles se tirar o quinto de Sua Majestade e os mais se repartirem por quem tocar

(L. Mascarenhas, 1896bMascarenhas, L. (1896b). Regimento que há de usar os Capitães de cavalo para a conquista do gentio Cayapó, de 6 de janeiro 1742. In Documentos interessantes para a história e costumes de São Paulo. Bandos, Regimentos e Ordens dos capitães-generaes Conde de Sarzedas e D. Luis Mascarenhas (Vol. 22, pp. 166-169). Tipografia da Companhia Industrial de São Paulo., p. 168).

Mesmo após o Diretório ter abolido as guerras justas, os governadores ainda recomendavam ao rei “. . . que se lhe fizesse guerra ofensiva quando não se sujeitasse a abraçar a Religião Católica, e a ser sujeito a Sua Majestade” (Mello, 1764Mello, J. M. (1764, junho 7). Ofício ao secretário de Estado Francisco Xavier de Mendonça Furtado. Revista do Instituto Histórico Brasileiro, 84(117), 87-88., p. 88). Assim, ao representar os ‘Cayapó’ como povos não cristãos, não civilizados e selvagens, a guerra justa se pautou na representação da missão e do destino do império em promover a ‘correção’, a ‘sujeição’ e a ‘cristianização’ do gentio. Acontece, porém, que mais de meio século de guerras e lutas encarniçadas não foi suficiente, e as autoridades continuaram sempre a duvidar da completa sujeição desses grupos. Quando, em 1764, o governador de Goiás relatou os sucessos do ataque de uma companhia de pedestres contra um assentamento desses índios, ele ainda hesitou: “Não sei se com este castigo terão emenda os seus insultos” (Mello, 1764Mello, J. M. (1764, junho 7). Ofício ao secretário de Estado Francisco Xavier de Mendonça Furtado. Revista do Instituto Histórico Brasileiro, 84(117), 87-88., p. 87).

De fato, o fracasso da política indigenista na capitania de Goiás esteve associado ao malogro de dois de seus princípios norteadores: o da autoridade e o da obediência. No primeiro caso, porque em muitas ocasiões a autoridade teve de ser negociada entre a Coroa e os poderes locais, e entre esses e os indígenas; e, no segundo caso, porque, mesmo quando aliciados, os indígenas permaneciam insubordinados. Como já mostraram vários autores (Karasch, 1992Karasch, M. (1992). Catequese e cativeiro: política indigenista em Goiás, 1780-1889. In M. Carneiro da Cunha (Org.), História dos índios no Brasil (pp. 397-412). Companhia das Letras.; Giraldin, 2000Giraldin, O. (2000). Renascendo das cinzas: um histórico da presença Cayapó-Panará em Goiás e no Triângulo Mineiro. Sociedade e Cultura, 3(1-2), 161-184. https://doi.org/10.5216/sec.v3i1.462
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), foram, em parte, a resistência indígena e os desvios da administração os responsáveis pelo fracasso dessa política indigenista. Tendo de adaptar-se a um contexto de intensos conflitos, disputas e interesses antagônicos, que envolviam diferentes agentes históricos, a ‘prática da estrutura’ confrontou-se com a ‘estrutura da prática’4 4 Por ‘prática da estrutura’, Sahlins (1990, 2008) define um processo nas relações de contatos por meio do qual o evento é interpretado de acordo com as categorias culturais pré-existentes, numa espécie de ordenação cultural da história. E por ‘estrutura da prática’, um processo no qual, nessas mesmas relações, intervêm projetos e interesses – muitas vezes conflitantes – dos agentes e das categorias envolvidas, e tal intervenção pode representar não mais a reprodução da estrutura, mas a sua transformação, numa espécie agora de ordenamento histórico da cultura. (Sahlins, 1990Sahlins, M. (1990). Ilhas de história. Jorge Zahar., 2008Sahlins, M. (2008). Metáforas históricas e realidades míticas: estrutura nos primórdios da história no reino das Ilhas Sandwich. Jorge Zahar.), e o resultado foi uma política indigenista negociada, resultado do jogo histórico de forças, interesses e motivações dos diferentes agentes envolvidos (Coelho & Santos, 2013Coelho, M. C., & Santos, R. R. N. (2013). “Monstruoso systema (...) intrusa e abusiva jurisdicção": o Diretório dos Índios no discurso dos agentes administrativos coloniais (1777-1798). Revista de História, (168), 100-130. https://doi.org/10.11606/issn.2316-9141.v0i168p100-130.
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; Perrone-Moisés, 1992Perrone-Moisés, B. (1992). Índios livres e índios escravos. In M. Carneiro da Cunha (Org.), História dos índios no Brasil (pp. 115-132). Companhia das Letras.; Sampaio, 2011Sampaio, P. M. M. (2011). Espelhos partidos: etnia, legislação e desigualdade na Colônia. Editora da Universidade Federal do Amazonas.).

Desde meados do século XVIII, no auge das guerras justas e ofensivas, o ouvidor geral de Goiás alertava:

. . . Creia, Vossa Excelência, que Goiás é muito diferente do que lá se imagina, lá [em Portugal] cuidam que há governo, que há comércio, que há distritos separados e as coisas estão metidas em ordem; porém cá [em Goiás] nada disto serve

(Sotomaior, 1757Sotomaior, A. C. (1757, outubro 8). Ofício ao secretário de Estado da Marinha e Ultramar Tomé Joaquim da Costa Corte Real (AHU-ACL-CU-008, Caixa 14, Documento 867). Arquivo Histórico Ultramarino, Lisboa., fl. 1)

E, ainda no século XIX, um viajante que passava pelos aldeamentos fundados no período do Diretório lamentava: “. . . É grande, porém, a distância entre Lisboa e Goiás, e essas medidas bem-intencionadas não surtiram nenhum resultado” (Saint-Hilaire, 1975 [1819]Saint-Hilaire, A. (1975 [1819]). Viagem à província de Goiás. Edusp., p. 62).

A verdade é que os conflitos entre o poder metropolitano e os poderes periféricos sempre fizeram com que as pressões exercidas por clérigos, colonos e autoridades locais fossem atendidas em prol do bom andamento das possessões no ultramar. Foi por ceder às pressões dos poderes locais que essa política permitiu, mesmo depois do Diretório, a continuidade da guerra e da exploração. Como antes, na prática a intenção nunca foi proteger os indígenas, mas alargar as fronteiras e ampliar o uso de sua mão de obra. Foi assim que, embora abolida, a escravidão indígena perpetuou-se na figura do “administrador de índios”, “pessoas que voluntariamente do mato as atraíram” (Carvalho, 1774Carvalho, J. (1774, novembro 15). Ofício à Joaquim José Freyre de Andrade. Revista do Instituto Histórico Brasileiro, 84(117), 98-106., p. 101). Por isso que Monteiro (1994, p. 137)Monteiro, J. M. (1994). Negros da terra – bandeirantes e índios na formação de São Paulo. Cia das Letras. considerou o administrador de índios “. . . um artifício no qual [os colonos] se apropriaram do direito de exercer pleno controle sobre a pessoa e propriedade dos mesmos sem que isso fosse caracterizado juridicamente como escravidão”; fato ilustrativo de como o uso da mão de obra indígena foi o principal ponto de negociação entre colônia e metrópole na aplicação do Diretório (Almeida, 2010Almeida, M. R. C. (2010). Os índios na história do Brasil. Editora FGV., p. 110; Coelho & Santos, 2013Coelho, M. C., & Santos, R. R. N. (2013). “Monstruoso systema (...) intrusa e abusiva jurisdicção": o Diretório dos Índios no discurso dos agentes administrativos coloniais (1777-1798). Revista de História, (168), 100-130. https://doi.org/10.11606/issn.2316-9141.v0i168p100-130.
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, p. 117).

Mas, além das negociações decorrentes dos conflitos entre o poder metropolitano e os poderes locais, essa política teve também de negociar continuamente sua existência e sua autoridade com os interesses, os signos e as ações políticas que motivavam os grupos indígenas. Em um fenômeno particular: nos aldeamentos do Diretório, em que grupos de indígenas ‘Cayapó’ decidem se assentar a partir de 1781, é possível visualizar como a política indigenista se chocou com a política dos indígenas. Foi nesses aldeamentos que os processos ininterruptos de negociação e protagonismo indígena obstruíram a realização da roda da história que os levaria da resistência à aculturação, da guerra à paz. Ao contrário, os episódios que se sucederam nos cinquenta anos em que estiveram aldeados revelam diferentes interesses, signos, ações e trajetos.

OS ALDEAMENTOS ‘CAYAPÓ’

Durante o período do Diretório dos Índios (1757-1798), a política indigenista levou os governadores da capitania de Goiás a fundarem aldeias para “cristianizar e civilizar . . . ‘índios pacíficos’ que concordassem em acabar com as lutas e assentarem-se em missões como vassalos da Coroa e sob a proteção do governador de Goiás” (Karasch, 2017Karasch, M. (2017). Índios aldeados: um perfil demográfico da Capitania de Goiás (1755-1835). Habitus, 15(1), 21-38. http://dx.doi.org/10.18224/hab.v15i1.5898
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, p. 27). Dentre os aldeamentos fundados no período, dois receberam grupos ‘Cayapó’: o de Maria I e o de São José. Maria I, “distante dessa capital [Vila Boa] para a parte sul 14 léguas, na margem do rio chamado dos Índios [rio da Fartura]” (L. Menezes, 1781Menezes, L. C. (1781, julho 20). Ofício ao secretário de Estado da Marinha e Ultramar Martinho de Mello e Castro. Revista do Instituto Histórico Brasileiro, 84(117), 139-143., p. 142), foi fundado em 1780 exclusivamente para receber grupos indígenas ‘Cayapó’ e ficou ativo entre 1781 e 1813. O de São José, fundado em 1755 e remodelado em 1775, quando foi rebatizado com o nome de São José de Mossâmedes, “fica a cinco léguas de Vila Boa” (Pohl, 1951 [1817]Pohl, J. E. (1951 [1817]). Viagem ao interior do Brasil. INL., p. 358), sobre uma “colina dominada pela Serra Dourada, légua ao norte do Ribeirão da Fartura, braço direito do rio Pilões que também é do rio Claro” (Silva, 1973 [1861]Silva, J. N. S. (1973 [1861]). Biographia: Damiana da Cunha. Revista do Instituto Histórico Geographico e Etnographico Brasileiro, 24(1861), 525-538., p. 528). Com a desativação do aldeamento de Maria I, em 1813, os ‘Cayapó’ foram transferidos para São José de Mossâmedes, onde permaneceram até 1832.

Embora o aldeamento dos primeiros grupos desses índios tenha ocorrido durante o Diretório, o período em que estiveram aldeados – de 1781 a 1832 – cobriu dois momentos históricos e políticos distintos: do Diretório à ausência de uma política indigenista geral; e da Colônia ao Império. Tal como mostra uma vasta historiografia (Almeida, 2010Almeida, M. R. C. (2010). Os índios na história do Brasil. Editora FGV.; Coelho & Santos, 2013Coelho, M. C., & Santos, R. R. N. (2013). “Monstruoso systema (...) intrusa e abusiva jurisdicção": o Diretório dos Índios no discurso dos agentes administrativos coloniais (1777-1798). Revista de História, (168), 100-130. https://doi.org/10.11606/issn.2316-9141.v0i168p100-130.
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; Monteiro, 2001Monteiro, J. M. (2001). Tupis, tapuias e os historiadores: estudos de história indígena e do indigenismo (Tese de livre docência). Universidade Estadual de Campinas, Campinas.; Perrone-Moisés, 1992), após a revogação do Diretório, coexistiram práticas e experiências diversas entre os índios aldeados, a depender da região, das circunstâncias, dos agentes, dos interesses e dos signos envolvidos. Apesar dessa diversidade, os dados acerca dos aldeamentos ‘Cayapó’ indicam algumas tendências gerais, entre elas: as tentativas de continuidade do processo assimilacionista, por meio de novos descimentos; o paulatino abandono e a extinção dos aldeamentos, como ocorreu com os dois em que estiveram os ‘Cayapó’; e o interesse dos colonos voltado não apenas para a mão de obra, mas também para as terras indígenas, já que o esgotamento das minas auríferas em Goiás, a partir de 1780, levou nas três primeiras décadas do século XIX a uma crescente e bem-sucedida economia pecuária. É neste cenário de continuidade e de mudanças que se deram, então, as experiências do aldeamento dos ‘Cayapó’.

Foi no governo de Luís da Cunha Menezes (1778-1783) que o primeiro grupo desses índios negociou seu aldeamento. De acordo com as informações documentais, a bandeira que em 1780 realizou a aproximação era formada por indígenas dos grupos Akroá e Bororo já aldeados, os primeiros em São José e os segundos em Rio das Pedras, no Triângulo Mineiro. Até aí nenhuma novidade, exceto o fato de essa bandeira ter sido a primeira a usar índios/índias ‘cayapós’ prisioneiros das bandeiras de guerra para servirem de ‘línguas’, isto é, índios aldeados usados como intérpretes dos contatos. Na carta em que o governador deu conhecimento essa bandeira, ele escreveu:

Com os mesmos úteis fins, e as utilidades das civilizações destas silvestres Nações, e a grande necessidade que esta Capitania tem de serem povoados os seus vastíssimos sertões e o redutável obstáculo a este importantíssimo objeto lhe opõe a nação Cayapó me fez . . . . formar uma Bandeira de 50 armas de fogo, composta esta de 26 Índios Bororo da Aldeia de rio das Pedras, 12 Acroás da de S. José de Mossâmedes e 12 Pedestres comandada por um Pedestre chamado José Luiz Pereira . . . . com ordens de que na abalroada que fizerem as Aldeias do dito Gentio Cayapó cercando-as para lhes poderem falar (pelos línguas ou intérpretes que levou para o mesmo fim, e da mesma Nação, que eu mandei civilizar e instruir de uns prisioneiros, que vieram na última bandeira que lhe tinha mandado fazer guerra antecedentemente à minha chegada a esta Capitania) de amizade não lhe fazer mal algum . . .

(L. Menezes, 1780Menezes, L. C. (1780, março). Ofício à Martinho de Mello e Castro. Revista do Instituto Histórico Brasileiro, 84(117), 133-136., p. 135).

As instruções dadas pelo governador aos comandantes dessa bandeira – um “mulato José Luiz Pereira” e o “bororo Ignácio Pires na Via Boa” (Karasch, 1981Karasch, M. (1981). Damiana da Cunha: catechist and sertanista. In D. Sweet & G. Nash (Orgs.), Struggle and survival in colonial America (pp. 102-120). University of California Press., p. 104) – eram para convidar os ‘Cayapó’ a juntarem-se “. . . com os mais que cá tenho da mesma Nação, e as mesmas línguas na Aldeia de São José para depois de verem o modo com que os faço tratar, e os mais que lá se acham Aldeados” (L. Menezes, 1780Menezes, L. C. (1780, março). Ofício à Martinho de Mello e Castro. Revista do Instituto Histórico Brasileiro, 84(117), 133-136., pp. 134-135). Está claro, portanto, que alguns/algumas índios/índias ‘cayapós’ tomados/as prisioneiros/as nas guerras ofensivas estavam aldeados/as na aldeia de São José. Esta, incialmente criada para o aldeamento dos Akroá, recebeu também nesse período indígenas dos grupos Javaé e Karajá (Karasch, 2017Karasch, M. (2017). Índios aldeados: um perfil demográfico da Capitania de Goiás (1755-1835). Habitus, 15(1), 21-38. http://dx.doi.org/10.18224/hab.v15i1.5898
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, p. 27). Esses homens e essas mulheres ‘cayapó’, em intenso processo de contato com índios aldeados e não indígenas, tornaram-se intérpretes do contato e parecem ter exercido papel fundamental nas negociações. O sucesso dessa estratégia para a política indigenista do Diretório em Goiás foi, desde o início, bastante visível, não só pelos resultados dessa bandeira, mas pelo permanente uso de línguas ou interpretes ‘cayapós’ nas bandeiras que, entre 1781-1830, procuraram atrair esses indígenas.

Em ofício datado de 20 de julho de 1781 (L. Menezes, 1781Menezes, L. C. (1781, julho 20). Ofício ao secretário de Estado da Marinha e Ultramar Martinho de Mello e Castro. Revista do Instituto Histórico Brasileiro, 84(117), 139-143., pp. 139-143), reproduzido por viajantes (Saint-Hilaire, 1975 [1819]Saint-Hilaire, A. (1975 [1819]). Viagem à província de Goiás. Edusp., p. 63; Pohl, 1951 [1817]Pohl, J. E. (1951 [1817]). Viagem ao interior do Brasil. INL., pp. 316-317), o governador da capitania de Goiás informou sobre o sucesso da bandeira enviada em 1780 e da proposta de criação de uma aldeia para abrigar esses índios. De acordo com esse documento, em 21 de setembro de 1780,

. . . entrou em Vila Boa a Bandeira sem ter perdido, nem um só soldado acompanhando um velho da mesma nação, que voluntariamente veio, fazendo as vezes de cacique e 6 mais homens de guerra com suas famílias que perfaziam no total 36 pessoas

(L. Menezes, 1781Menezes, L. C. (1781, julho 20). Ofício ao secretário de Estado da Marinha e Ultramar Martinho de Mello e Castro. Revista do Instituto Histórico Brasileiro, 84(117), 139-143., p. 139).

Esse velho ‘Cayapó’, chamado Romexi, fora enviado diplomático do chefe Angrai-oxá (Karasch, 1981Karasch, M. (1981). Damiana da Cunha: catechist and sertanista. In D. Sweet & G. Nash (Orgs.), Struggle and survival in colonial America (pp. 102-120). University of California Press., p. 104). Depois de quase um mês em visitas à Vila Boa e ao aldeamento de São José, em 16 de outubro de 1780, a comitiva saiu da cidade levando presentes e, sete meses depois (29 de maio de 1781), voltou com duzentos e trinta e sete ‘cayapós’ de ambos os sexos e de diferentes idades, contando nesse número dois caciques, aos quais se somariam mais seis crianças que nasceram nos dias subsequentes à chegada dos índios em Vila Boa (L. Menezes, 1781Menezes, L. C. (1781, julho 20). Ofício ao secretário de Estado da Marinha e Ultramar Martinho de Mello e Castro. Revista do Instituto Histórico Brasileiro, 84(117), 139-143., p. 141). Para instalar esses indígenas, o governador de Goiás os mandou, então, “. . . aldear no sítio que eles mesmos escolherão distante dessa capital da parte sul 14 léguas na margem do rio chamado dos Índios . . .” (L. Menezes, 1781Menezes, L. C. (1781, julho 20). Ofício ao secretário de Estado da Marinha e Ultramar Martinho de Mello e Castro. Revista do Instituto Histórico Brasileiro, 84(117), 139-143., p. 141), aldeamento este então batizado de Maria I.

A julgar por essas informações, a movimentação em massa de homens, mulheres (algumas das quais gestantes), jovens, velhos e crianças de várias idades indica o deslocamento de aldeias inteiras e, para uma velha história indígena, isso parecia inicialmente confirmar a suspeita de que a história desses grupos lhes conduzia à assimilação. Dois outros episódios poderiam, ainda, confirmar essa visão. O primeiro foi a facilidade com que uma série de aldeias indígenas ‘Cayapó’ da região do Camapuã e do alto Araguaia decidiu se somar aos índios aldeados em Maria I. Relataram-se situações nas quais, às vezes, apenas dois soldados pedestres e um ‘língua’ ou intérprete ‘cayapó’ eram suficientes para descer aldeias inteiras (L. Menezes, 1781Menezes, L. C. (1781, julho 20). Ofício ao secretário de Estado da Marinha e Ultramar Martinho de Mello e Castro. Revista do Instituto Histórico Brasileiro, 84(117), 139-143.). De acordo com essas mesmas fontes, em dezembro de 1782, o aldeamento contava com “. . . 555 índios da referida nação Cayapó”, dos quais 328 eram batizados (T. Menezes, 1784aMenezes, T. C. (1784a, janeiro 16). Ofício ao secretário de Estado da Marinha e Ultramar Martinho de Melo e Castro. Revista do Instituto Histórico Brasileiro, 84(117), 152-156., p. 153). O sucesso alcançado em tão pouco tempo pode ainda ser medido na atração que Maria I exerceu sobre grupos ‘Cayapó’ de outras regiões, como a do atual Triângulo Mineiro. Em 1783, chegaram a Maria I dez guerreiros ‘cayapós’ que, depois de verem como viviam os índios aldeados,

. . . se resolveram a irem buscar as suas gentes, fazendo a promessa de que dentro de sete luas ou meses haviam ali chegar de volta, por ser a sua Aldeia situada nas margens do Rio Grande, mais na Capitania de São Paulo do que nesta de Goiás (T. Menezes, 1784aMenezes, T. C. (1784a, janeiro 16). Ofício ao secretário de Estado da Marinha e Ultramar Martinho de Melo e Castro. Revista do Instituto Histórico Brasileiro, 84(117), 152-156., p. 153).

Em face desses fatos, em 1784, o governador da capitania de Goiás, Tristão da Cunha Menezes, sucessor de Luís da Cunha Menezes, escreveu que

. . . 4 aldeias de índios da nação Cayapó que se acham aldeados em Maria I, eram dos que habitavam as Campanhas do varadouro de Camapuã . . . . Os que presentemente chegarão a dita Aldeia Maria são os que habitavam as margens do rio Grande . . .

(T. Menezes, 1784aMenezes, T. C. (1784a, janeiro 16). Ofício ao secretário de Estado da Marinha e Ultramar Martinho de Melo e Castro. Revista do Instituto Histórico Brasileiro, 84(117), 152-156., p. 155).

O segundo episódio que supostamente poderia confirmar o destino da integração dos ‘Cayapó’ aldeados foi a existência de índios que viveram toda a sua vida em situação colonial e acabaram, em parte, servindo aos propósitos da administração. Dentre eles, dois merecem destaque: Damiana e Manuel, netos do maioral Angrai-oxá, batizados ainda crianças pelo governador Luís da Cunha Menezes (Karasch, 1981Karasch, M. (1981). Damiana da Cunha: catechist and sertanista. In D. Sweet & G. Nash (Orgs.), Struggle and survival in colonial America (pp. 102-120). University of California Press., p. 106; Saint-Hilaire, 1975 [1819]Saint-Hilaire, A. (1975 [1819]). Viagem à província de Goiás. Edusp., pp. 70-72; Silva, 1973 [1861]Silva, J. N. S. (1973 [1861]). Biographia: Damiana da Cunha. Revista do Instituto Histórico Geographico e Etnographico Brasileiro, 24(1861), 525-538., pp. 525-527), e daí em diante conhecidos na documentação como Damiana da Cunha e Manuel da Cunha. Damiana foi importante intérprete do contato, tendo sido responsável por pelo menos quatro entradas aos sertões, com novos descimentos de grupos ‘Cayapó’ e de índios fugidos dos aldeamentos. O seu irmão, Manuel, foi, pelo menos desde 1828, diretor da aldeia de São José de Mossâmedes; e o seu fim (preso pelas autoridades coloniais) ilustra o caráter ambíguo dessas personagens e aponta problemas para aquela suposta assimilação e ‘pacificação’.

OS ALDEAMENTOS E A POLÍTICA DOS INDÍGENAS

O que impressiona nos relatos acerca dos aldeamentos desses grupos é a aparente voluntariedade e/ou facilidade com que se deixaram seduzir e atrair. Essa mudança abrupta de estratégia foi até agora considerada com base em três motivos: a insustentabilidade logística e humana dos ‘Cayapó’ perpetuar as guerras; uma seca prolongada que ocasionou fome; e uma epidemia de varíola (Karasch, 1981Karasch, M. (1981). Damiana da Cunha: catechist and sertanista. In D. Sweet & G. Nash (Orgs.), Struggle and survival in colonial America (pp. 102-120). University of California Press., p. 105, 2017, p. 29; Giraldin, 1997Giraldin, O. (1997). Cayapó e Panará – luta e sobrevivência de um povo Jê do Brasil central. Editora da Unicamp., p. 94, 2000Giraldin, O. (2000). Renascendo das cinzas: um histórico da presença Cayapó-Panará em Goiás e no Triângulo Mineiro. Sociedade e Cultura, 3(1-2), 161-184. https://doi.org/10.5216/sec.v3i1.462
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, p. 167). É certo que as guerras prolongadas de extermínio e escravização movidas pela política indigenista levaram esses grupos a uma inevitável fuga de suas aldeias, à depopulação, à abrupta desarticulação social, política e econômica, e isso tudo teve consequências drásticas para o seu regime de produção e reprodução social. Somada à fome e às doenças, essas três forças seriam imponderáveis suficientemente para esses grupos indígenas pedirem arrego. A partir dessa constatação, a história narrada foi a de que “. . . Os conflitos permaneceram até que se iniciasse um processo de convivência pacífica, através dos aldeamentos, fato que somente ocorreu após 1780, quando o primeiro grupo foi convencido a aceitar viver aldeado” (Giraldin, 2000Giraldin, O. (2000). Renascendo das cinzas: um histórico da presença Cayapó-Panará em Goiás e no Triângulo Mineiro. Sociedade e Cultura, 3(1-2), 161-184. https://doi.org/10.5216/sec.v3i1.462
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, p. 164).

Há, porém, nesse raciocínio, o vício que leva da guerra à paz, da resistência à aculturação. Por mais tenebrosas que sejam essas três causas ou motivos para o aldeamento, há de se considerar dois fatos. Primero, as origens de todas as causas são externas, independentes dos Cayapó; e, segundo, a aparente voluntariedade parecia conter em si a rebeldia. Ainda no século XVIII, o sargento regente da aldeia de Maria I relatava “as desconfianças e falsidades dos índios” (T. Menezes, 1784aMenezes, T. C. (1784a, janeiro 16). Ofício ao secretário de Estado da Marinha e Ultramar Martinho de Melo e Castro. Revista do Instituto Histórico Brasileiro, 84(117), 152-156., p. 154). Na mesma época, o governador de Goiás, Tristão da Cunha Menezes, também reclamava que “a sombra da paz” em que viviam os ‘Cayapós’ poderia “. . . ser bem depressa perturbada pela natural inconstância dos índios” (T. Menezes, 1784cMenezes, T. C. (1784c, dezembro 28). Carta à Vossa Real Majestade. Revista do Instituto Histórico Brasileiro, 84(117), 160-170., p. 169). E um viajante do século XIX, ao descrever os índios “Coiapos” da aldeia de São José, escreveu: “. . . De resto, esses índios são como todos os outros, volúveis e totalmente imprevidentes” (Saint-Hilaire, 1975 [1819]Saint-Hilaire, A. (1975 [1819]). Viagem à província de Goiás. Edusp., p. 69). Assim, ao invés de uma subserviente pacificação, talvez valha aqui a mesma conclusão de Viveiros de Castro (1992, p. 38)Viveiros de Castro, E. (1992). O mármore e a murta: sobre a inconstância da alma selvagem. Revista de Antropologia, 35, 21-34. para os Tupinambás: a de que estes índios “faziam tudo quanto lhe diziam padres e profetas, exceto o que não queriam”.

É nesse jogo entre aceitar e não aceitar, entre dar e exigir, entre voluntariedade e inconstância, entre submissão e insubordinação, entre devoção e teimosia que devemos encontrar a ação política consciente dos indígenas, em específico a dos ‘Cayapó’ no aldeamento. Ela era reconhecida, inclusive, pelas próprias autoridades coloniais na “. . . malícia e os mais claros conhecimentos que tem esta Nação de Gentio . . .” (T. Menezes, 1784bMenezes, T. C. (1784b, junho 20). Ofício à Martinho de Mello e Castro. Revista do Instituto Histórico Brasileiro, 84(117), 136-138., p. 137). Por meio deles, eles manipularam circunstâncias (mesmo as mais adversas), sujeitos, interesses e signos. Isso implica pensar que se a ‘guerra indígena de saque sem cativos’ era o modo relacional e simbólico desses indígenas incorporarem a alteridade não indígena, o aldeamento revelou como a ‘prática da estrutura’ teve de se confrontar com a ‘estrutura da prática’. Mas, ao contrário da fadada assimilação, o choque inexorável entre estrutura e evento, cultura e história, revelou, também aqui, “a transformação como modo de reprodução” (Sahlins, 1990Sahlins, M. (1990). Ilhas de história. Jorge Zahar., p. 174). Talvez isso explique, em parte, como o sucesso alcançado em tão pouco tempo pelo aldeamento de Maria I contrastou com a sua efemeridade. Em 1781, ele foi inaugurado com os primeiros Cayapó liderados pelo chefe Angrai-oxá. Três anos depois, o aldeamento era um “. . . estabelecimento de mais de 600 homens de guerra da dita nação Cayapó” (T. Menezes, 1784aMenezes, T. C. (1784a, janeiro 16). Ofício ao secretário de Estado da Marinha e Ultramar Martinho de Melo e Castro. Revista do Instituto Histórico Brasileiro, 84(117), 152-156., p. 154). Mas, apesar dos vultuosos gastos e das renovadas esperanças da política indigenista, bastaram três décadas para o aldeamento de Maria I ser desativado e os últimos índios serem transferidos para São José de Mossâmedes.

A falência dos aldeamentos do Diretório em Goiás esteve tanto relacionada à inépcia da administração colonial, como, e mais preponderantemente, à ação política indígena. Vistos mais de perto, alguns dados comprovam que aceitar o aldeamento não significou a rendição; pelo contrário, significou continuar a guerra por outros meios. Ao aceitarem o aldeamento, grupos ‘Cayapó’ passaram de um combate violento a um combate negociado, por meio do qual continuaram a exercer uma ação política movida por seus próprios signos e interesses. Passar das guerras às barganhas não foi, porém, ação exclusiva desses grupos, mas mudança estratégica bastante comum empregada por povos indígenas de diferentes regiões, como os Guarani das missões do Sul do Brasil (Garcia, 2007Garcia, E. F. (2007). As diversas formas de ser índio: políticas indígenas e políticas indigenistas no extremo sul da América portuguesa (Tese de Doutorado). Universidade Federal Fluminense, Rio de Janeiro.). Em todas elas, e no caso ‘Cayapó’ em particular, a história se fez num misto de continuidade e mudança, porque, apesar da aparente pacificação, esses indígenas continuaram a manipular as imagens de guerreiros bravos; a conduta de aferir bens e riquezas dos não índios; de negociar e exigir serviços, dinheiro, bens e comodidades; de se posicionar politicamente na administração do aldeamento; de exercer práticas culturais indígenas etc.; e, mesmo continuamente atendidos, de estarem prontos para abandonar tudo e voltar às suas correrias e aos combates violentos.

BENS MATERIAIS E OCUPAÇÃO ESPACIAL

Desde os primeiros momentos, foram nítidos os sinais desse combate negociado. Alguns episódios mostraram como, ao dialogarem com a política indigenista, esses indígenas foram capazes de se apropriar de algumas de suas práticas, invertendo-as a seu favor. A começar pela chantagem econômica, como forma de atração, persuasão e controle, praticada pelos agentes coloniais. Foram sucessivos os documentos do período (Carvalho, 1774Carvalho, J. (1774, novembro 15). Ofício à Joaquim José Freyre de Andrade. Revista do Instituto Histórico Brasileiro, 84(117), 98-106., pp. 99, 100-101, 102; Vasconcellos, 1775, p. 112; Fonseca, 1775Fonseca, J. P. (1775, agosto 4). Ofício à Jozé d’Almeida Vasconcellos. Revista do Instituto Histórico Brasileiro, 84(117), 115-125., p. 116; L. Menezes, 1781Menezes, L. C. (1781, julho 20). Ofício ao secretário de Estado da Marinha e Ultramar Martinho de Mello e Castro. Revista do Instituto Histórico Brasileiro, 84(117), 139-143., p. 140) que dimensionaram os constantes presentes e as comodidades que o governo da capitania usou no aldeamento dos índios, em geral, e dos ‘Cayapó’, em particular. Eles receberam em grande quantidade ferramentas, roupas e produtos manufaturados, descritos como “benefícios”, “presentes”, “bagatelas e drogas”, além de “. . . promessas . . . . e vantajosas proposições, se quisessem aldear-se” (Vasconcellos, 1775Vasconcellos, J. A. (1775, julho 21). Ofício ao Marques de Pombal. Revista do Instituto Histórico Brasileiro, 84(117), 112., p. 112). Entre as vantagens estava a de receberem provisões alimentares às custas da Real Fazenda. Acontece, porém, que o apetite dos ‘Cayapó’ se mostrou insaciável, e continuamente pediram mais. Sinais claros de apropriação e inversão da chantagem econômica como práticas da política indigenista podem ser reconhecidos numa “Resolução da Junta para o estabelecimento de uma fazenda de gado no lugar de Salinas para subsistência dos Índios da nação Cayapó situados na Aldeia de Maria”.

Em Junta de dezoito de janeiro de mil setecentos oitenta e seis, propôs o Ilustríssimo e Excelentíssimo Presidente haver justo receio de se rebelar o gentio Cayapó, situado na Aldeia de Maria, por dissenções, que entre si tinham com as outras Nações, Javaé, Carajá e Xacriabá, aldeadas na de S. José, além de outras causas domésticas, sendo a principal a da falta de vaca, que experimentavam, para a sua sustentação, por haverem consumido os fornecimentos desta criação feitos pela Real Fazenda, passando a matar os gados dos moradores vizinhos, de que resultavam continuadas queixas

(Resolução de 18 de janeiro de 1786Resolução de 18 de janeiro de 1786. Resolução da Junta para o estabelecimento de uma fazenda de gado no lugar de Salinas para subsistência dos Índios da nação Cayapó situados na Aldeia de Maria. (Fundo Real Fazenda, Sessões da Junta, Atas, vol. I, 04.02.013, Caixa 194, fl. 64v-65). Museu das Bandeiras, Goiás., fl. 64v).

Os ‘Cayapó’ de Maria I tinham não apenas consumido todo o gado a eles destinado, mas atacado rebanhos dos não índios, ameaçado se rebelar e cultivado inimizades com outros grupos indígenas aldeados em São José de Mossâmedes. Ora, se os combates violentos (as tais ‘guerras de saque sem cativos’) eram mostras de bravura e oportunidades de pilhagem dos bens móveis dos não índios, com o ‘fim’ das hostilidades, os resultados do combate permaneceram os mesmos. Continuaram a ser guerreiros bravos, prontos a virarem-se tanto contra os inimigos como contra os aliados; e continuaram a receber, agora de maneira voluntária, comercial ou por exigência, objetos e bens que antes só conseguiriam mediante guerras, mortes, pilhagens e roubos. Esse estado de relações se coaduna, inclusive, com dados etnológicos recentes acerca de grupos Kayapó Mebêngôkre: “. . . Guerra ou paz, o interesse dos Mebêngôkre não era tanto o kube [branco] em si, mas aquilo em que ele se objetivava e que dele se pretendia apropriar: seus objetos, sua cultura material, sua expressividade técnica e estética” (Gordon, 2006Gordon, C. (2006). Economia selvagem: ritual e mercadoria entre os Xikrin-Mebêngôkre. Editora da Unesp, ISA e NUTI., p. 143). A história dos aldeamentos ‘Cayapó’ no século XVIII oferece, assim, oportunidades para aprofundar temporalmente a compreensão da ação política indígena como misto de continuidade e mudança, e como resultado estratégico da apropriação e inversão de elementos materiais e simbólicos dos não índios.

O mesmo parece ter ocorrido com a escolha do local onde foi fundado o aldeamento de Maria I. De acordo com algumas autoras (Boaventura, 2012Boaventura, D. M. R. (2012). A formação do território goiano e a política indigenista do século XVIII. Revista Mosaico, 5(2), 191-205., p. 202; Nascimento, 2019Nascimento, P. E. (2019). Protagonismo indígena na Capitania de Goiás e suas estratégias e atuação frente às políticas indigenistas no século XVIII (Tese de doutorado). Universidade Federal de Goiás, Goiânia, Brasil., p. 179), o fato de o aldeamento ter sido edificado próximo a uma rede hidrográfica foi a suspeita de que se tratava aí de um plano proposital e racional do governador. Para elas, sua localização facilitaria a ocupação do território por meio da comunicação fluvial entre núcleos urbanos. Acontece, porém, que, de acordo com os documentos, o local foi escolhido pelos próprios índios. Na carta na qual o governador Luís da Cunha Menezes deu ciência sobre o primeiro aldeamento desses índios, ele escreveu:

. . . os mandei aldear no sítio que eles mesmos escolherão . . . . na margem do rio chamado dos Índios abundantíssimo de peixe . . .

Eu não deixei de estimar que eles escolhessem semelhante sítio para a sua Aldeia, por ficar este nas seguintes circunstâncias não pouco atendíveis como são de poder esta Capitania alargar-se (mais para aquela parte, em novos e úteis estabelecimentos de lavras e roças aproveitando de umas campanhas conhecidas pelas mais abundantes e sadias que esta mesma Nação impossibilitava a sua cultura . . .

(L. Menezes, 1781Menezes, L. C. (1781, julho 20). Ofício ao secretário de Estado da Marinha e Ultramar Martinho de Mello e Castro. Revista do Instituto Histórico Brasileiro, 84(117), 139-143., pp. 141-142).

O relato entusiasmado do governador revela que, se houve frutos colhidos pela política indigenista na escolha do local de edificação de Maria I, eles foram secundários, isto é, não derivaram de uma escolha racional e projetiva da administração colonial. Ao invés disso, as pistas indicam o contrário. Foram os ‘Cayapó’ que escolheram o local, próximo a um rio conhecido pelas autoridades coloniais como ‘dos Índios’, e a partir do qual se abria uma campanha fértil que os mesmos índios impossibilitavam de ser ocupada. Tratava-se, portanto, de um território eminentemente indígena e, por isso, o mais provável é que o local escolhido para o aldeamento, a 14 léguas ao sul de Vila Boa, ficasse nos limites do território original desses grupos, o que leva a crer que não só o rio, mas o local todo era ‘dos Índios’, agora tomado, ocupado e demarcado por eles por meio da negociação. Outros elementos ainda fortalecem essa hipótese.

Quando alguns naturalistas (Pohl, 1951 [1817]Pohl, J. E. (1951 [1817]). Viagem ao interior do Brasil. INL.; Saint-Hilaire, 1975 [1819]Saint-Hilaire, A. (1975 [1819]). Viagem à província de Goiás. Edusp.) passaram pelos aldeamentos de Maria I e São José de Mossâmedes, no final da segunda década do século XIX, eles relataram não apenas a decadência e descreveram suas ruínas, mas informaram que os índios habitavam fora dos aldeamentos. Ao visitar São José de Mossâmedes, Saint-Hilaire (1975 [1819]Saint-Hilaire, A. (1975 [1819]). Viagem à província de Goiás. Edusp., p. 66) teve de viajar uma légua para encontrar as casas dos índios:

Depois de termos andado uma légua, sempre atravessando matas de árvores baixa e pouco vigorosas, chegamos a uma pequena elevação que defronta a Serra Dourada e na qual se viam árvores enfezadas. É nesse local que os Coiopós construíram suas casas. . .

A mesma informação foi fornecida por Pohl (1951 [1817]Pohl, J. E. (1951 [1817]). Viagem ao interior do Brasil. INL., p. 360): “. . . Os índios, porém, preferem habitar cabanas construídas por eles próprios . . . . Construíram-nas do lado ocidental da aldeia e também nas plantações denominadas roças, a uma légua de distância . . .”. Embora ambos naturalistas tenham relatado os aldeamentos já em abandono, fontes do período inicial dos aldeamentos também chamaram a atenção para este fato. Em carta de 16 de janeiro de 1784, o governador de Goiás relatou a chegada de um grupo de índios ‘Cayapó’ à aldeia de Maria I, “. . . ficando espalhados uma parte dos homens de guerra pelos matos que cercam a referida Aldeia . . .” (T. Menezes, 1784aMenezes, T. C. (1784a, janeiro 16). Ofício ao secretário de Estado da Marinha e Ultramar Martinho de Melo e Castro. Revista do Instituto Histórico Brasileiro, 84(117), 152-156., p. 153). Parece evidente que, durante os aldeamentos do Diretório, as ocupações espaciais e territoriais dos ‘Cayapó’ foram bastante instáveis e flexíveis. E isso, provavelmente, era proposital, fazia parte da sua política de negociação. Por meio dela, os índios conseguiram construir uma rede de caminhos que levavam ao trânsito constante entre o aldeamento e as aldeias ‘Cayapó’ situadas mais para o interior, o que aumenta a suspeita do local de edificação de Maria I ser estratégico para os índios na ocupação de um território reivindicado. De acordo com o diário de exploração dos rios Claros e Pilões, da qual participaram dois índios ‘cayapós’ (Lourenço e Manuel) da aldeia de Maria I que serviam de ‘línguas’, no dia 1 de outubro de 1803 a comitiva encontrou

. . . uma grande rancharia de Cayapós e o Índio Lourenço da mesma nação . . . . disse que tinha muito conhecimento daquele lugar, que por ele passavam seus parentes, isto é os de sua nação mansos e bravos, quando procuravam as aldeias uns dos outros, e disse mais que a Aldeia de Maria ficava dali rumo ao Norte . . .

(J. C. Oliveira, 1804Oliveira, J. C. (1804, novembro 1). Diário e roteiro de exploração dos rios Claro e Pilões. Revista do Instituto Histórico Brasileiro, 84(117), 198-250., p. 214).

Doze dias depois, em 13 de outubro de 1803, quando perdida, cansada, sem mantimentos e à procura do aldeamento, a comitiva seguiu “. . . rumo do Nordeste, que iam dando os índios a fim de encontrarem a sua estrada, que vai da Aldeia Maria para as suas terras . . .” (J. C. Oliveira, 1804Oliveira, J. C. (1804, novembro 1). Diário e roteiro de exploração dos rios Claro e Pilões. Revista do Instituto Histórico Brasileiro, 84(117), 198-250., p. 219). Ao encontrá-la, a comitiva fez pouso “. . . perto de uma rancharia dos Índios . . .” (J. C. Oliveira, 1804Oliveira, J. C. (1804, novembro 1). Diário e roteiro de exploração dos rios Claro e Pilões. Revista do Instituto Histórico Brasileiro, 84(117), 198-250., p. 219). Portanto, existiam, de fato, estradas e pousos que ligavam o aldeamento às aldeias e existia, também de fato, um tráfego constante entre os índios aldeados e os não aldeados; e foi por isso que “. . . os índios aldeados tratando com os bárbaros da sua nação conservam a sua língua, e os seus ritos supersticiosos e seus costumes; facilmente desertam e se rebelam . . .” (F. A. Mascarenhas, 1806Mascarenhas, F. A. (1806, maio 15). Ofício ao visconde d’Anadia. Revista do Instituto Histórico Brasileiro, 84(117), 269-294., p. 279).

O plano ‘Cayapó’ de ocupação elástica de seu território deu a eles várias vantagens estratégicas. Por meio dela, construíram entre aldeados e não aldeados uma rede de comunicação e tráfego de bens, serviços e pessoas; tiveram rotas de fuga, abrigo e refúgio nos momentos de deserção; mantiveram ampla e livre mobilidade entre a vida na aldeia e as benesses e ofertas dos aldeamentos; e exerceram a liberdade de, mesmo aldeados, manterem muitos aspectos de seu modo de vida tradicional. Perplexo, um daqueles viajante do século XIX escreveu:

Apesar de serem todos batizados, estes índios não têm a menor ideia da religião cristã. Nenhum deles sabe rezar o Padre-nosso e, entretanto, alguns estão há mais de vinte anos na aldeia, como é o caso de uma filha de cacique . . .

(Pohl, 1951 [1817]Pohl, J. E. (1951 [1817]). Viagem ao interior do Brasil. INL., p. 361).

Assim, e como ora mencionado, pode-se facilmente supor que o fracasso da política indigenista do Diretório em Goiás não foi apenas resultado da inépcia, da corrupção e dos desvios da administração colonial; mas foi também, preponderantemente, resultado da ação política indígena. Não se deve, porém, ver essa ação com base numa suposta oposição entre aparência e essência. A conversão ‘Cayapó’ não foi um simulacro, ela foi a sincera continuidade de uma abertura para o outro, mas uma abertura dirigida pelos índios e ao modo indígena. Foi por isso que, mesmo aldeados em Maria I e depois em São José de Mossâmedes, eles mudaram para continuar. De acordo com as fontes, nem o plano espacial do aldeamento parece ter seguido o traçado colonial. Embora houvesse casa para o governador, edifício para alojamento das tropas, igreja, engenho de açúcar e aguardente, Maria I possuía “sala de dança, coberta, para os índios” e as “. . . cabanas dos índios, pobremente construídas da madeira e fibras de palmeiras, formavam um círculo em torno do paiol, sendo enfileiradas uma ao lado da outra . . .” (Pohl, 1951 [1817]Pohl, J. E. (1951 [1817]). Viagem ao interior do Brasil. INL., p. 368). Não bastou habitarem em sua maioria fora do aldeamento, dentro dele o arranjo espacial foi feito à maneira Jê: aldeias circulares dispostas em torno de uma praça central ou uma casa comunal, das quais o paiol de Maria I fazia as vezes.

PERTENCIMENTO E DIFERENÇA

A presença da “sala de dança, coberta, para os índios” (Pohl, 1951 [1817]Pohl, J. E. (1951 [1817]). Viagem ao interior do Brasil. INL., p. 368) é mais uma constatação do misto entre mudança e continuidade vivido durante o período de aldeamento. Embora as tais danças tenham sido pouco descritas no século XVIII ou, quando muito, descritas com base em ‘alegorias da colonização’, elas parecem ter sido bastante frequentes. Cartas dos governadores de Goiás durante o período do Diretório dos Índios as mencionaram tanto entre os aldeados em Maria I, como em São José de Mossâmedes (Silva, 1973 [1861], p. 533; Dias, 2017Dias, T. C. (2017). O língua e as línguas: aldeamentos e mestiçagens entre manejos de mundo indígenas em Goiás (1721-1832) (Tese de doutorado). Universidade Federal de Goiás, Goiânia, Brasil., p. 272). Mas, por razões óbvias, foram os naturalistas do XIX (Saint-Hilaire, 1975 [1819]Saint-Hilaire, A. (1975 [1819]). Viagem à província de Goiás. Edusp.; Pohl, 1951 [1817])Pohl, J. E. (1951 [1817]). Viagem ao interior do Brasil. INL. que deixaram as melhores descrições das danças e dos rituais dos índios aldeados. Saint-Hilaire (1975 [1819], p. 66), em passagem pelo aldeamento de Maria I, assistiu a três danças dos homens, duas das quais ele nominou como dança do urubu e da onça. Além disso, ele relatou a celebração dos casamentos “. . . com um grande banquete e com danças, durante as quais a recém-casada segura uma corda amarrada à cabeça do marido . . .” (Saint-Hilaire, 1975 [1819]Saint-Hilaire, A. (1975 [1819]). Viagem à província de Goiás. Edusp., p. 71), e mencionou, ainda, a corrida de tora.

Defronte de quase todas as casas dos Kayapó vi grandes pedaços de troncos de árvores de 2 a 3 pés de comprimento, escavados nas duas pontas e terminando com uma borda grossa, de 2 a 3 polegadas de altura. Esses pedaços de paus, chamados touros [toras], são usados para o jogo favorito dos índios. Um deles segura o touro [tora] pelas pontas, coloca-o sobre os ombros e parte em desabalada carreira. Um segundo índio corre atrás do primeiro e, quando consegue alcançá-lo, coloca-o por sua vez sobre os ombros, sem interromper a corrida, até ser alcançado por um terceiro, e assim sucessivamente. O jogo termina quando eles chegam a um alvo pré-determinado. É principalmente na época de Páscoa que os índios se entregam aos seus divertimentos

(Saint-Hilaire, 1975 [1819)Saint-Hilaire, A. (1975 [1819]). Viagem à província de Goiás. Edusp., p. 71).

Outro naturalista oitocentista que, em viagem à província de Goiás, visitou os aldeamentos ‘Cayapó’ também foi detalhista nas suas descrições:

. . . Conservam ainda algumas formas de seu antigo modo de vida, por exemplo, certas danças, que, em determinadas épocas, praticam à noite, à luz de chamejantes fogueiras. Para esse fim se reúnem num local de uns nove metros de diâmetro, pintam-se com urucu (Bixa brasiliensis, de cor vermelha) e com jenipapo (Genipa americana, cujo suco tinge de preto) em riscas longitudinais desordenadas, ornam-se com joelheiras feitas de garras de animais atadas por meio de cordéis, que produzem forte ruído a cada movimento do pé, e entoam um canto peculiar, dissonante, uivado, com o eco de compridas cabaças recurvadas ou instrumentos de sopro de madeira, com embocadura de chifre de boi, fabricados por eles próprios . . .

(Pohl, 1951 [1817]Pohl, J. E. (1951 [1817]). Viagem ao interior do Brasil. INL., pp. 361-362).

Há nessas observações vários indícios para os que querem entender o aldeamento como um combate negociado. Entre eles, sinais claros de diferenciação dos ‘Cayapó’ em relação às outras categoriais e sujeitos sociais em trânsito nos aldeamentos. A dança era acompanhada por pintura corporal, adereços, cantos e instrumentos rituais indígenas e, às vezes, a ela aderiram soldados, como “. . . José Antônio do destacamento da Aldeia de São José [que] ficava nu e pintava o corpo como os índios . . .” (Ataídes, 2001Ataídes, J. M. (2001). Documenta indígena do Brasil central. UFG., p. 95). Inusitado, esse fato demonstra como as alianças entre índios e não índios passou também pela adaptação dos sertanistas aos hábitos indígenas (Monteiro, 1994Monteiro, J. M. (1994). Negros da terra – bandeirantes e índios na formação de São Paulo. Cia das Letras., p. 36). Mas, do ponto de vista indígena, danças, cantos, parafernália cerimonial e pintura corporal formaram traços culturais distintivos em relação aos seus outros. E a eles se somaram, ainda, os nomes pessoais e a autodesignação dos ‘Cayapó’ aldeados. Com relação ao primeiro caso, Saint-Hilaire (1975 [1819], p. 71)Saint-Hilaire, A. (1975 [1819]). Viagem à província de Goiás. Edusp. enfatizou que, ao nascer uma criança, “eles não se contentam com o nome de batismo português. Um dos anciãos da tribo dá um outro ao recém-nascido . . .”. Com relação à autodesignação, Saint-Hilaire (1975 [1819]Saint-Hilaire, A. (1975 [1819]). Viagem à província de Goiás. Edusp., p. 66), confirmado por outra fonte do XIX (1861) (Silva, 1973 [1861]Silva, J. N. S. (1973 [1861]). Biographia: Damiana da Cunha. Revista do Instituto Histórico Geographico e Etnographico Brasileiro, 24(1861), 525-538., p. 536), mencionou que esses índios, chamados de “Coiapós ou Caipós”, usam “. . . a palavra panairá a fim de se distinguirem, como raça, dos negros e dos brancos . . .”. O raciocínio parece claro, mas ao contrário do ilustre viajante que intuiu tratar-se de palavra usada posteriormente ao contato com os não índios, parece que o uso do termo ‘Panariá’ foi estratégia de diferenciação enraizada em uma continuidade cultural (afinal, antes do contato eles tinham de se diferenciar dos outros índios) que apontou, ainda, para uma rota de fuga na história desses grupos. Com base em dados linguísticos e culturais, já existe hoje um consenso de que parte de grupos ‘Cayapó’ meridionais do XVIII seja composta pelos atuais ‘Panará’ ou ‘Kreen-Akarôre’, contatados na década de 1970 na região norte de Mato Grosso, nas margens do rio Peixoto de Azevedo (Giraldin, 1997Giraldin, O. (1997). Cayapó e Panará – luta e sobrevivência de um povo Jê do Brasil central. Editora da Unicamp., p. 121; Heelas, 1979Heelas, R. (1979). The social organisation of the Panará, a Gê tribe of Central Brazil (Tese de doutorado). St. Catherine’s Colege, University of Oxford, Oxford, Reino Unido.; Turner, 1992, pp. 312-313).

Além desses indícios de diferenciação e pertença, outros sinais das danças e dos rituais como performance de um combate negociado revelador da continuidade podem, ainda, ser observados em outra descrição de um daqueles naturalistas:

Ao tempo de nossa quaresma eles celebram uma festa inteiramente especial. Chama-se quebra-cabeças. O chefe que, imitando os costumes portugueses, eles denominam coronel, coloca-se no meio do círculo com uma clava de uns setenta centímetros de comprimento, que se alarga para o fim e termina em ponta. Começa uma dança de passos preguiçosos em volta do círculo. Durante esta dança, um índio joga o mencionado tronco contra outro, salta em direção ao chefe, ajoelha-se diante dele, e recebe na testa um golpe com a maça, que deve ser bastante violento para que o sangue escorra. As mulheres, dançando e cantando, ou antes, uivando, limpam o sangue do ferido . . .

(Pohl, 1951 [1817]Pohl, J. E. (1951 [1817]). Viagem ao interior do Brasil. INL., p. 362).

Não podia deixar de ser! Na “festa inteiramente especial”, os índios encenaram o golpe de borduna na testa, “o quebra cabeça” (Pohl, 1951 [1817]Pohl, J. E. (1951 [1817]). Viagem ao interior do Brasil. INL., p. 362). Ora, desde o primeiro registro do termo ‘Cayapó’, a borduna, porrete ou bilro foi arma continuamente mencionada entre eles e descrita como

. . . garrotes, que são de páu de quatro ou cinco palmos com uma grande cabeça bem-feita, e tirada, com os quais fazem um tiro em grande distância, e tão certo que nunca erram a cabeça; é a arma de que mais se fiam, e se prezam muito dela

(Campos, 1976 [1723]Campos, A. P. (1976 [1723]). Breve notícia do gentio bárbaro que há na derrota das minas de Cuiabá e seu recôncavo, na qual declara-se os reinos. In A. E. Taunay (Org), Relatos sertanistas (pp. 181-200). Livraria Martins., p. 182).

Nos períodos de guerra e combate violento, a borduna foi tão difundida nos ataques dos ‘Cayapó’ que alguns autores (Neme, 1969Neme, M. (1969). Dados para a história dos índios Caiapó. Anais do Museu Paulista, 23, 101-147., pp. 114-117; Monteiro, 1994Monteiro, J. M. (1994). Negros da terra – bandeirantes e índios na formação de São Paulo. Cia das Letras., p. 63) já levantaram a hipótese de, no século XVII, eles serem conhecidos como Bilreiros ou Ibirajara, “senhores do tacape”, segundo Schaden (1954, p. 397)Schaden, E. (1954). Os primitivos habitantes do território paulista. Revista de História, 8(18), 396-411. https://doi.org/10.11606/issn.2316-9141.v8i18p385-406
https://doi.org/10.11606/issn.2316-9141....
. Portanto, parece claro pensar na ‘dança quebra cabeça’ como performance do combate violento e manejo proposital da imagem de índios bravos, fortes e guerreiros. Devia funcionar como um lembrete aos não índios da força, coragem e valentia5 5 Pohl (1951 [1817], p. 266) também mencionou práticas de escarificações entre os ‘Cayapó’ aldeados. desses índios ‘inconstantes’ (T. Menezes, 1784aMenezes, T. C. (1784a, janeiro 16). Ofício ao secretário de Estado da Marinha e Ultramar Martinho de Melo e Castro. Revista do Instituto Histórico Brasileiro, 84(117), 152-156., p. 154; T. Menezes, 1784cMenezes, T. C. (1784c, dezembro 28). Carta à Vossa Real Majestade. Revista do Instituto Histórico Brasileiro, 84(117), 160-170., p. 169; Saint-Hilaire, 1975 [1819]Saint-Hilaire, A. (1975 [1819]). Viagem à província de Goiás. Edusp., p. 69), a qualquer momento prontos para sair do combate negociado e voltar ao violento; fato que parece não ter ficado apenas nas insinuações e ameaças.

Em realidade, as insurgências dos índios aldeados aconteceram tanto dentro como fora dos aldeamentos. Isso indica que a separação entre combate violento e combate negociado nunca foi absoluta, mas sim firmada numa linha muito tênue e porosa, facilmente transposta. Ao constantemente atravessá-la, os índios demonstraram como esses dois combates, ao invés de opostos, foram intercambiáveis. Mesmo quando estavam sendo atendidos com suprimento de gado às custas da Fazenda Real, como mencionado, atacaram o rebanho dos não índios, ameaçaram se rebelar e cultivaram inimizades com outros índios aldeados. De todas as formas, os índios impunham medo nos administradores e nos padres dos aldeamentos. Desde o período inicial, levantes e rebeliões dos ‘Cayapó’ aldeados foram preocupações constantes dos administradores coloniais. Menos de três anos desde a fundação de Maria I, o governador de Goiás, em ofício de 16 de janeiro de 1784, deliberava

. . . elevar a Companhia de Pedestres ao estado completo de 178 praças de soldados para poder por uma guarnição de 80 soldados naquela Aldeia que fizesse ao dito índio mais sujeição e ainda aos trabalhos de suas plantações e construção da dita Aldeia Maria . . .

(T. Menezes, 1784aMenezes, T. C. (1784a, janeiro 16). Ofício ao secretário de Estado da Marinha e Ultramar Martinho de Melo e Castro. Revista do Instituto Histórico Brasileiro, 84(117), 152-156., pp. 154-155).

Isso significa mais do que ameaças, levantes e rebeliões, mas também o fato de que eles não se sujeitaram às regras do trabalho nos aldeamentos, pois não trabalhavam nas plantações e nem nas edificações. Por isso, e apesar das renovadas esperanças da política indigenista na sujeição dos ‘Cayapó’, mesmo aldeados, eles continuaram insubordinados. Ao se referir à administração do aldeamento de São José de Mossâmedes, no século XIX, Pohl (1951 [1817], p. 361)Pohl, J. E. (1951 [1817]). Viagem ao interior do Brasil. INL. deu pistas claras do constante estado de guerra:

. . . O administrador era um vulgar cavalariano, grosseiro, ignorante e cruel; e temia tanto os índios que não saía de casa sem desembainhar o sabre. Durante o serviço religioso, aos domingos e dias santos, os soldados, de espingardas carregadas, tinham de ficar de guarda, porque uma vez um padre fora assassinado, no altar, pelos índios.

Portanto, guerrear e negociar foram estratégias coexistentes entre os ‘Cayapó’ durante o período em que estiveram aldeados. E se nenhuma surtisse o efeito desejado, havia sempre as possibilidades de fugas. Elas foram constantes e os motivos, diversos, mas sempre facilitadas pela ocupação elástica do território e pela existência de rotas e pousos que levavam do aldeamento às aldeias. Por elas, deviam trafegar bens e pessoas que abasteceram e fortaleceram as fronteiras do território tradicional, pois, quando em fuga, levavam consigo ferramentas e armas que lhes haviam sido oferecidas, entre as quais as espingardas. De acordo com Pohl (1951 [1817]Pohl, J. E. (1951 [1817]). Viagem ao interior do Brasil. INL., p. 153), a administração do aldeamento “. . . distribuiu espingardas com vários desses índios; eles recebem-nas com muito prazer, conservam-nas limpas e servem-se delas com muita habilidade”. Desde antes, e mesmo depois de os ‘Cayapó’ negociarem seu aldeamento, outros grupos indígenas aldeados durante o sistema do Diretório, tais como Akroá, Xakriabá, Karajá, Xavante e Javaé, tiveram o hábito de fugir levando consigo essas espingardas que haviam aprendido a manejar (Karasch, 1992Karasch, M. (1992). Catequese e cativeiro: política indigenista em Goiás, 1780-1889. In M. Carneiro da Cunha (Org.), História dos índios no Brasil (pp. 397-412). Companhia das Letras., pp. 402-403, 2017Karasch, M. (2017). Índios aldeados: um perfil demográfico da Capitania de Goiás (1755-1835). Habitus, 15(1), 21-38. http://dx.doi.org/10.18224/hab.v15i1.5898
https://doi.org/10.18224/hab.v15i1.5898...
, p. 27; Silva, 1973 [1861]Silva, J. N. S. (1973 [1861]). Biographia: Damiana da Cunha. Revista do Instituto Histórico Geographico e Etnographico Brasileiro, 24(1861), 525-538., p. 529). Os ‘Cayapó’ não foram exceção.

Os Cayapós . . . . sujeitando-se momentaneamente à civilização, aprendiam o manejo das armas de fogo e depois abandonavam o lar doméstico, corriam de novo a entranhar-se nas florestas [agora] sem temor dos homens que outrora tinham por deuses, e manejando também como eles os terríveis trovões. Assim continuavam a ser o terror dos habitantes pacíficos, que, surpreendidos por suas correrias, viam roubadas e incendiadas as suas casas e pagavam com a vida e defesa de seus haveres

(Silva, 1973 [1861]Silva, J. N. S. (1973 [1861]). Biographia: Damiana da Cunha. Revista do Instituto Histórico Geographico e Etnographico Brasileiro, 24(1861), 525-538., p. 529).

Enquanto, por um lado, receberam em negociação armas de fogo, por outro, as usaram nos enfrentamentos violentos que, apesar de tudo, nunca cessaram. Seja no período inicial do aldeamento, na década de 1780, ou no seu declínio, nas décadas de 1820-1830, os ataques continuaram a ser impressionantes. No mesmo ofício de 16 de janeiro de 1784, em que pediu aumento da guarnição de soldados em Maria I, Tristão da Cunha Menezes narrou que, em sua viagem de São Paulo a Goiás, encontrou um destroço descrito como um ataque ‘cayapó’ a um comboio, que teria culminado na morte da mulher do dono do comboio, de seu primo e de oito ou dez bestas. De acordo com o governador, os índios, confessos responsáveis por esse ataque, eram recém-chegados à capitania de Goiás e faziam parte do grupo que seria aldeado em Maria I (T. Menezes, 1784aMenezes, T. C. (1784a, janeiro 16). Ofício ao secretário de Estado da Marinha e Ultramar Martinho de Melo e Castro. Revista do Instituto Histórico Brasileiro, 84(117), 152-156., p. 154). Cerca de quarenta anos depois, os documentos, após mencionarem as fugas das aldeias de Maria I e de São José de Mossâmedes, também informaram ataques destes índios na estrada de Goiás a Cuiabá: “. . . atacam as tropas ou caravanas que atravessam de deserto cem léguas, e não poucas vezes roubam e matam os viajantes sem piedade . . .” (Ataídes, 2001Ataídes, J. M. (2001). Documenta indígena do Brasil central. UFG., p. 192).

Em face desses dados, parece certo concluir que, mesmo aldeados, os ‘Cayapó’ nunca escolheram entre ser violentos ou pacíficos, e nunca fizeram da paz uma renúncia da guerra. Nessa história indígena dos contatos, os caminhos não levaram do guerreiro ao aculturado; e mesmo os colaboradores indígenas (‘línguas’, capitães e soldados), supostamente assimilados por terem vivido quase a vida toda em situação colonial, não foram o testemunho desse fim. Ao contrário, ilustram como o choque entre a política indigenista e a política (do) indígena foi negociação processual, e não construção, porque se esta pressupõe um produto final, os aldeamentos em Goiás testemunharam um eterno processo, um devir mutante na forma de uma negociação sociopolítica contínua.

COLABORAÇÃO E TRAIÇÃO

De diversas formas, a administração colonial e a política indigenista incentivaram a participação dos indígenas aldeados em seus projetos. Esses índios, reconhecidos na documentação como mansos ou ladinos, no geral, serviram, em Goiás, como “. . . soldados nas bandeiras formadas pelos governadores da capitania e pedestres . . . .; guias, canoeiros e remadores dos barcos; guardas dos registros e correios; intérpretes, diplomatas e pacificadores; sertanistas e catequistas” (Karasch, 2000Karasch, M. (2000). Índios ladinos, intérpretes e intermediários na Capitania de Goiás 1775/1835. Revista da Sociedade Brasileira de Pesquisa Histórica, (19), 61-69., p. 65). Alguns eram pagos, outros, além de pagos, receberam títulos e ocuparam cargos administrativos nos aldeamentos. Foi muito comum, durante o sistema do Diretório, as autoridades coloniais se aproximarem e adularem as lideranças indígenas e seus familiares, num gesto que repetia a economia das mercês, típica da administração portuguesa. No caso em tela, talvez não tenha sido mesmo por acaso que os dois netos do chefe ‘cayapó’ Angrai-oxá (Damiana da Cunha e Manuel da Cunha) tenham sido batizados pelo governador Luís da Cunha Menezes; e muito menos ocasional foram os caciques, e mais tarde a própria Damiana e Manuel, terem sido feitos capitães.

A estratégia da política indigenista era a de angariar a simpatia e a colaboração das lideranças. Apadrinhar, doar títulos, distribuir signos distintivos, pagar, ensinar etc. foram, então, mecanismos produtores dos índios ladinos. Mas o resultado esperado dessa política não confirmou a conversão e/ou a assimilação, porque o resultado inesperado foi a construção de um índio novo, situado naquele misto entre continuidade e mudança. Denominados, às vezes, de índios coloniais (Spalding, 1982Spalding, K. (1982). Essays in the political, economic, and social history colonial Latin America. University of Delaware Press.), índios misturados (J. P. Oliveira, 2016Oliveira, J. P. (2016). O nascimento do Brasil e outros ensaios: “pacificação”, regime tutelar e formação de alteridades. Contracapa.), índios cristãos (Carvalho Jr., 2005Carvalho Jr., A. D. (2015). Índios cristãos: a conversão dos gentios na Amazônia Portuguesa (1653-1769) (Tese de doutorado). Universidade Estadual de Campinas, Campinas, Brasil.) etc., e com sua construção considerada como etnogênese (Almeida, 2013Almeida, M. R. C. (2013). Metamorfoses indígenas – identidade e cultura nas aldeias coloniais do Rio de Janeiro. FGV.; Monteiro, 2001Monteiro, J. M. (2001). Tupis, tapuias e os historiadores: estudos de história indígena e do indigenismo (Tese de livre docência). Universidade Estadual de Campinas, Campinas.), o certo é que, em cada caso particular, eles mantiveram uma identidade e um comportamento diferenciado dentro da sociedade colonial, como os dados até aqui apresentados confirmam para o caso dos ‘Cayapó’ aldeados.

É por isso que, pelo lado dos indígenas, a estratégia política pode ter sido um processo individual de apropriação de signos da cultura das mercês, como cargos e elementos distintivos, com base em signos, elementos e interesses indígenas. A condição especial na qual viveram os índios ladinos em Goiás, como, aliás, os índios aldeados em diferentes regiões do Brasil (Corrêa, 2018Corrêa, L. R. A. (2018) Feitiço caboclo: um índio mandingueiro condenado pela Inquisição. Paco Editorial.; Sampaio, 2011Sampaio, P. M. M. (2011). Espelhos partidos: etnia, legislação e desigualdade na Colônia. Editora da Universidade Federal do Amazonas.; Santos, 2012Santos, R. R. N. (2012). Diz o índio... Políticas indígenas no final do século XVIIII. Aedos, 10(4), 52-75.), deu a eles a possibilidade de transitarem entre dois espaços: o mato, as aldeias e o seu idioma nativo; e as vilas, os aldeamentos e o idioma português. Ao contrário, então, da aculturação e da colaboração, esses sujeitos parecem, na verdade, ter ocupado um papel-chave, e ao mesmo tempo delicado, nos contatos. Ao transitarem entre dois mundos, serviram de mediadores culturais e políticos entre códigos e interesses de indígenas e de não indígenas. Situaram-se, assim, na transculturalidade ou no ‘entre-lugar’, fronteiras porosas onde se processam articulações, sobreposições e deslocamentos das diferenças (Bhabha, 1998).

No caso dos ‘Cayapó’ aldeados, a posição de cacique pode ser vista como a desse fuso em torno do qual se entrelaçaram diferentes linhas e fios. Alguns desses fios alinhavam-se à ordem colonial, outras à ordem indígena. Foram aí situados que esses índios usaram signos e elementos desses dois mundos, a depender do contexto, dos sujeitos e dos interesses.

. . . são encontrados todos nus, na maioria; homens e mulheres trazem apenas um pedaço de tecido de algodão envolvendo-lhes os quadris. Quando há procissão em Vila Boa, o coronel dos índios aparece de calças curtas e camisa de algodão, chapéu de três bicos, fivela de ouro e uma espingarda. Em estado selvagem tem o lábio inferior perfurado, com um pedaço de madeira de uma polegada de tamanho no orifício. Assim, a já mencionada filha do cacique [Damiana], a quem os índios prestam cega obediência, andava na aldeia com pedacinhos de pau nas orelhas como sinal de sua elevada origem . . .

[ênfase no original] (Pohl, 1951 [1817]Pohl, J. E. (1951 [1817]). Viagem ao interior do Brasil. INL., pp. 363-364).

Não podia ser mais ilustrativo. Quando visitava a capital em dias de celebrações religiosas, o ‘coronel’ dos índios vestia-se e adornava-se como capitão, na exata medida da representação construída pela administração colonial. No aldeamento, ele se vestia e se adornava como cacique, com o uso do tembetá associado, às vezes – como nos aldeamentos do norte de Goiás –, ao porte do machado semilunar, peça etnográfica e arqueologicamente relacionada aos Jê centrais: “. . . Como insígnia de sua dignidade, o capitão e seu subchefe trazem debaixo do braço um machado formado de granito . . . . em forma de meia lua . . .” (Pohl, 1951 [1817]Pohl, J. E. (1951 [1817]). Viagem ao interior do Brasil. INL., p. 153).

É por isso que, a despeito das diversas visões, por exemplo de Damiana da Cunha como sertanista e missionária (Karasch, 1981Karasch, M. (1981). Damiana da Cunha: catechist and sertanista. In D. Sweet & G. Nash (Orgs.), Struggle and survival in colonial America (pp. 102-120). University of California Press.; Silva, 1973 [1861]Silva, J. N. S. (1973 [1861]). Biographia: Damiana da Cunha. Revista do Instituto Histórico Geographico e Etnographico Brasileiro, 24(1861), 525-538.), o certo é que ela, como outros índios na mesma situação (Corrêa, 2018Corrêa, L. R. A. (2018) Feitiço caboclo: um índio mandingueiro condenado pela Inquisição. Paco Editorial.; Sampaio, 2011Sampaio, P. M. M. (2011). Espelhos partidos: etnia, legislação e desigualdade na Colônia. Editora da Universidade Federal do Amazonas.), trafegou, usou e manipulou interesses e signos dos dois grupos, muitas vezes em proveito próprio, noutras em favor dos índios. Na verdade, não só os capitães, mas também os/as ‘línguas’ negociaram suas formas de participação, apresentaram exigências e interpretaram as normativas e as práticas coloniais a seu favor. No auge da chegada de grupos ‘Cayapó’ em Maria I, após o sucesso de outro descimento ocorrido em 1782, dois pedestres e o “língua Feliciano” pediram para ver o “Capitão Grande”, com o aval do capitão de pedestres (L. Menezes, 1782Menezes, L. C. (1782, dezembro 18). Ofício ao secretário de Estado da Marinha e Ultramar Martinho de Melo e Castro (AHU-ACL-CU-008, Caixa 33, Documento 2076). Arquivo Histórico Ultramarino, Lisboa.). O “língua Feliciano” era um dos índios ‘cayapós’ aldeados em São José de Mossâmedes antes da construção de Maria I responsável por servir de ‘língua’ na atração do primeiro grupo ‘Cayapó’, em 1780 (L. Menezes, 1780Menezes, L. C. (1780, março). Ofício à Martinho de Mello e Castro. Revista do Instituto Histórico Brasileiro, 84(117), 133-136., p. 135). Em 1782, ele voltava do sertão com um novo descimento. Parece evidente que os sucessos resultantes de suas atividades devam ter facilitado o seu encontro com o ‘Capitão Grande’, o governador de Goiás, durante o qual talvez possam ter ocorrido negociações que lhe garantiriam liberdades, comodidades e salários. Embora não haja fonte direta que assim o prove, transcorrido pouco mais de um ano desde essa audiência, entre 1783-1784, Feliciano e outro ‘língua’ – José – foram os líderes de revoltas malogradas no aldeamento de Maria I, durante as quais foi atribuída a Feliciano a morte de um soldado (Dias, 2017Dias, T. C. (2017). O língua e as línguas: aldeamentos e mestiçagens entre manejos de mundo indígenas em Goiás (1721-1832) (Tese de doutorado). Universidade Federal de Goiás, Goiânia, Brasil., p. 26).

Incrível a velocidade com a qual passaram da colaboração à traição. Fielmente infiéis, quando não atendidos em suas exigências, eles não titubearam em passar do combate negociado ao combate violento, incitando e organizando revoltas e fugas, desarticulando bandeiras e sabotando iniciativas. Cientes desse jogo, as autoridades coloniais tiveram de constantemente ceder. Prova disso é que, mesmo nos últimos suspiros de vida do aldeamento de São José de Mossâmedes, o governador Miguel Lino de Moraes enviou ofício ao “Intendente dos Armazéns Nacionais para liberar trezentos e vinte réis a cada um dos Índios da Aldeia de São José de Mossâmedes, José Antonio, Maria de Jesus, Manoel José e Maria da Luz que regressaram para a dita Aldeia” (Moraes, 1828Moraes, M. L. (1828, agosto 6). Ofício ao Intendente dos Armazéns. Palácio do Governo de Goiás [Livro de Registro de Ofícios e Ordens Expedidas pelo Governo Provincial (1828-1830), n. 0155, f. 9v]. Arquivo Histórico Estadual de Goiás, Secretaria de Governo, Goiânia., f. 9v). Tratavam-se, certamente, de índios a serviço nos sertões, muito provavelmente em busca de índios fugidos do aldeamento.

Dentre os principais índios ‘cayapó’, cujas trajetórias ilustraram bem o jogo entre a política indigenista e a dos indígenas, obviamente estão os netos do cacique, afilhados do governador. Damiana foi simultaneamente ‘língua’ na tropa de pedestre e principal liderança indígena no aldeamento, exercendo diferentes atividades: “mestra, missionária, mediadora de conflitos, mulher de fronteira e cabeça de expedições” (Karasch, 1981Karasch, M. (1981). Damiana da Cunha: catechist and sertanista. In D. Sweet & G. Nash (Orgs.), Struggle and survival in colonial America (pp. 102-120). University of California Press., p. 105). Criada na casa do governador até pelo menos 1783, quando seu padrinho deixou o governo da capitania (Julio, 2017Julio, S. S. (2017). Damiana da Cunha: uma índia entre a “sombra da cruz” e os caiapós do sertão (Goiás, c.1780-1831) (Série Nova Biblioteca, Vol. 21). Ed. da UFF.), ela recebeu desde criança instruções culturais e religiosas de acordo com a sociedade colonial. A parir de 1808, quando iniciaram suas entradas aos sertões, ela foi ovacionada pelas autoridades, instruída pessoalmente no comando das tropas de resgate, recebida pelos governadores e presidentes de província, festejada em seus regressos com a presença de autoridades, clérigos e danças (Silva, 1973 [1861]Silva, J. N. S. (1973 [1861]). Biographia: Damiana da Cunha. Revista do Instituto Histórico Geographico e Etnographico Brasileiro, 24(1861), 525-538., p. 533); e, apesar disso, concomitantemente exerceu liderança entre os aldeados. Saint-Hilaire a descreveu como muito inteligente, que falava bem o português e a qual os ‘Cayapó’ prestavam cega obediência, pois “o respeito que eles me têm, disse-me ela, é grande demais para que não façam o que eu mandar” (Saint-Hilaire, 1975 [1819]Saint-Hilaire, A. (1975 [1819]). Viagem à província de Goiás. Edusp., p. 72). Pohl (1951 [1817]Pohl, J. E. (1951 [1817]). Viagem ao interior do Brasil. INL., p. 364) também descreveu o respeito por ela, inspirado nos índios aldeados e no uso que ela fazia de “pedacinhos de pau nas orelhas” como insígnia indígena de liderança. Como afilhada do governador, Damiana alinhava-se à ordem colonial e buscava garantir poder diante dos administradores, e como neta do cacique buscava exercer poder político e espiritual diante dos ‘Cayapó’. Ora missionária e sertanista, ora índia adornada, Damiana esteve por toda sua vida no ‘entre-lugar’ (Bhabha, 1998Bhabha, H. (1998). O local da cultura. Editora da UFMG.), uma “índia entre a ‘sombra da cruz’ e os caiapós do sertão” (Julio, 2017Julio, S. S. (2017). Damiana da Cunha: uma índia entre a “sombra da cruz” e os caiapós do sertão (Goiás, c.1780-1831) (Série Nova Biblioteca, Vol. 21). Ed. da UFF.). Situada nessa fronteira espacial e cultural, Damiana colaborou com os planos coloniais tanto quanto garantiu para os aldeados condições de sobrevivência. De acordo com a documentação, desde o final do século XVIII, havia uma forte pressão e um avanço cada vez maior dos não índios pelos territórios dos ‘Cayapó’6 6 Esse fato pode, inclusive, corroborar a escolha do local onde se erigiu o aldeamento de Maria I como estratégia indígena de demarcar posse de um território reivindicado e ameaçado, como já discutido. , com a abertura de fazendas de criar e prospecção de ouro, tornando o aldeamento uma estratégia econômica e politicamente segura. Durante o período de sua atuação (1808-1831), Damiana, por meio de negociações e de seu livre trânsito entre esses dois mundos, garantiu aos aldeados alimentação, armas e conhecimentos que, integrados à maneira de ser dos próprios indígenas, os fortaleceram para a sobrevivência em um novo contexto de contatos. Com isso, mais uma vez ilustraram a adaptação e as respostas ativas e criativas em acionar dinamicamente mudanças e permanências em suas culturas, histórias e identidades.

Além disso, Damiana também garantiu para si, e para seus familiares, posições importantes nos aldeamentos. Seu marido, um sargento dos pedestres, Manoel Pereira da Cruz, exerceu durante muitos anos a direção do aldeamento (Saint-Hilaire, 1975 [1819]Saint-Hilaire, A. (1975 [1819]). Viagem à província de Goiás. Edusp., p. 72; Ataídes, 2001Ataídes, J. M. (2001). Documenta indígena do Brasil central. UFG., p. 94). Damiana também recebeu em vida uma pensão anual pelos serviços prestados, que foi produto de litígio após sua morte, no início de 1831. O seu irmão, Manuel da Cunha, foi, pelo menos desde 1828, diretor do aldeamento de São José de Mossâmedes. De 1829 a 1831, são inúmeras as ordens do governador Miguel Lino de Moraes a Manuel da Cunha como diretor do aldeamento de São José (Moraes, 1830Moraes, M. L. (1830, maio 8). Ordem ao Diretor da Aldeia de São José [Manoel da Cunha] [Livro de Registro de Ofícios e Ordens Expedidas pelo Governo Provincial (1828-1830), n. 0155, f. 12]. Arquivo Histórico Estadual de Goiás, Secretaria de Governo, Goiânia., f. 12, 1831Moraes, M. L. (1831, março 9). Ordem ao Diretor da Aldeia de São José (Correspondência do Governo Provincial aos Capitães-mores, Comandantes de Distritos e Diretores de Aldeias, n. 0161, f. 16). Arquivo Histórico Estadual de Goiás, Secretaria de Governo, Goiânia., f. 16) nas quais transparecem sua função de colaborador. Dentre essas atividades, estavam as de fazer o inventário dos bens da aldeia, conduzir mantimentos requisitados pela sua irmã, quando de sua entrada em 1830-1831, agenciar os trabalhos no aldeamento, organizar intrusões aos sertões atrás de índios fugidos etc.

Quando Damiana da Cunha, já adoecida de sua última entrada ao sertão, faleceu entre fevereiro e março de 1831, seu marido e seu irmão se dirigiram às autoridades para dividirem os espólios. O marido, Manuel Pereira da Cruz, solicitou pensão anual de 20$000 e a administração para novas entradas aos sertões dos ‘línguas’ José e Luiza, que serviram Damiana (Silva, 1973 [1861]Silva, J. N. S. (1973 [1861]). Biographia: Damiana da Cunha. Revista do Instituto Histórico Geographico e Etnographico Brasileiro, 24(1861), 525-538., p. 538). Ao que tudo indica, suas aspirações não foram atendidas, pois, por ofício de 29 de novembro de 1832, confirmado por decisão da secretaria do Império de 10 de abril de 1833, ficou “. . . indeferida a pretensão do soldado . . . . Manoel Pereira da Cruz, de receber a quantia de 20$000 réis anuais pelos serviços prestados na catequese dos índios Kayapó, de que ele participou com sua falecida mulher Damiana da Cunha” (Ataídes, 2001Ataídes, J. M. (2001). Documenta indígena do Brasil central. UFG., p. 97). O mesmo ocorreu com o irmão de Damiana, o então diretor da aldeia de São José. Seu pedido dos iguais 20$000 réis anuais foram também negados.

A partir de 1832, a situação do aldeamento mudou drasticamente. Fugas massivas passaram a ocorrer. Apesar das pretensões em preparar expedições para irem atrás dos fugidos, elas nunca ocorreram. Quando, finalmente, em outubro de 1832, Manuel da Cunha foi substituído na direção do aldeamento, além das fugas e do retardamento das entradas, a colheita estava atrasada, o plantio para o ano seguinte não havia sido iniciado e as edificações precisavam de reformas (Ataídes, 2001Ataídes, J. M. (2001). Documenta indígena do Brasil central. UFG., p. 96). Se a sua posição de diretor era, então, garantir essas atividades, como índio fiel ele foi também um traidor. Mas, afinal, não é verdade que “para ser fiel, é preciso aprender a ser um pouco infiel – crescer um pouco fora do tom [?]. Mas, o quanto pode-se ser infiel? Eis a questão colonial” (Bhabha, 1998Bhabha, H. (1998). O local da cultura. Editora da UFMG., p. 196). Esta foi uma linha de fronteira incerta e perigosa pela qual trafegou, entre outros, o irmão de Damiana, neto do cacique e afilhado do governador. Seu destino ilustrou muito bem essa situação. Acusado de incitar os aldeados a revoltas e fugas, foi preso pelas autoridades. Em carta ao vigário do aldeamento, o presidente de Província, José Rodrigues Jardim, escreveu:

Constando-me que os Índios desta Aldeia se aproveitaram para fugir seduzidos por Manoel da Cunha, a quem fiz recolher a esta cidade e ficando convencido que o dito Cunha se aprontava para o dito fim, até que pediu imediatamente a sua baixa . . .

Fica no calabouço o dito Cunha até que venham os que determinam e já bem informado do que há a este respeito, Cidade de Goiás, 11 de outubro de 1832

(Ataídes, 2001Ataídes, J. M. (2001). Documenta indígena do Brasil central. UFG., p. 97).

Sem a colaboração indígena, selou-se, enfim, o destino dos aldeamentos ‘Cayapó’ em Goiás. Em 11 de maio de 1833, a notícia era que “de acordo com proposta do Sr. Presidente, era desnecessária a permanência do vigário Missionário na Aldeia de São José de Mossâmedes; tendo-se retirado para o mato os índios da nação Kayapó que residiam nesta aldeia” (Ataídes, 2001Ataídes, J. M. (2001). Documenta indígena do Brasil central. UFG., p. 97).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

No curto período em que estiveram aldeados, os grupos ‘Cayapó’ mostraram as versatilidades tanto de seus modos de relações com as alteridades, quanto de suas realizações históricas. Se antes a história dos contatos com os não índios fora marcada por combates violentos (‘guerras de saque sem cativos’), numa visão tradicional, o aldeamento deveria representar uma suposta pacificação. Mas não foi isso o que os dados mostraram. Ao contrário de uma história linear ou em etapas sucessivas, os aldeamentos desses grupos, e em especial os aldeamentos do Diretório na capitania de Goiás, foram espaços constantes de negociação e choque entre a política indigenista e a política dos indígenas.

Por isso, se o fracasso da política indigenista em Goiás se deu, em parte, pela inépcia ou descaso, ela foi fatalmente ferida porque desde o início os índios não cumpriram duas condições indispensáveis para o seu sucesso: a obediência e a sujeição. Em choque com a política dos indígenas, a política indigenista foi negociação processual; e, a bem da verdade, foi processo histórico transpassado por vários elementos, categorias e sujeitos. As determinações dessa política não se encontraram associadas somente a dois polos; de fato, foram compostas por um emaranhado de linhas de ação histórica de uma miríade de sujeitos e instituições (colonos, religiosos, câmaras, potentados locais, administradores, índios etc.) com diferentes interesses e signos que se cruzaram, tocaram, distanciaram, entrelaçaram... Portanto, uma breve história dos índios não esgota a história dos aldeamentos do Diretório em Goiás, mas “. . . muito pouca história (já que tal é, infelizmente, o quinhão do etnólogo) vale mais do que nenhuma história . . .” (Lévi-Strauss, 1989Lévi-Strauss, C. (1989). Antropologia estrutural. Tempo Brasileiro., pp. 26-27).

Nessa pouca história, a ação política dos ‘Cayapó’ ensinou muito. Mesmo aldeados, nunca puderam ser considerados passivos ou objetos da ação dos outros; afinal, entrar e sair desse modo histórico de contato sempre foram escolhas deles. Como sujeitos históricos conscientes, mantiveram o controle da situação de contato: eles escolheram, exigiram, negociaram, reivindicaram, ameaçaram, se rebelaram, fugiram, roubaram etc. Por isso, não passaram de guerreiros a pacificados, mas a um novo modo de combate, no qual misturaram-se mudanças e continuidades, necessidades e contingências.

À altura dos contatos, relacionar-se e posicionar-se politicamente face à alteridade não índia e à nova estrutura da conjuntura eram para os grupos ‘Cayapó’ uma necessidade, mas as estratégias e as ações estiveram no campo das contingências, das escolhas entre um universo de possibilidades que se construiu em relação tanto a uma ordem de estruturações, como ao campo das experiências concretas. Ou, em outros termos, um universo de possibilidades cuja matéria se constituiu de uma ordem cultural e de um campo de ação histórica.

Neste caso, “cultura não [é] simplesmente um conjunto de crenças, mas – já que deve ser algo – [é um] conjunto de estruturações potenciais das experiências” (Viveiros de Castro, 1992Viveiros de Castro, E. (1992). O mármore e a murta: sobre a inconstância da alma selvagem. Revista de Antropologia, 35, 21-34., p. 33). Então, ao considerarem-se as experiências históricas dos povos, tal como o caso aqui tratado, uma teoria da história na Antropologia deve reconhecer que as estruturações potenciais, que Sahlins (1990Sahlins, M. (1990). Ilhas de história. Jorge Zahar., 2008)Sahlins, M. (2008). Metáforas históricas e realidades míticas: estrutura nos primórdios da história no reino das Ilhas Sandwich. Jorge Zahar. chamaria de ‘prática da estrutura’, podem “fornecer a arquitetura lógica”, mas os “desenvolvimentos históricos podem ser [em si] imprevisíveis” (Lévi-Strauss, 1989Lévi-Strauss, C. (1989). Antropologia estrutural. Tempo Brasileiro., p. 39). Até antes de se realizarem, os acontecimentos se situam no campo das possibilidades, das escolhas e das avaliações dos sujeitos, pois “. . . no presente nada permite prever o que acontecerá entre tantos concebíveis possíveis e outros totalmente inconcebíveis” (Lévi-Strauss & Eribón, 1990Lévi-Strauss, C. & Eribón, D. (1990). De perto e de longe. Nova Fronteira., p. 162). Parece, assim, devidamente aceitável que as histórias e culturas são regidas tanto por diferentes combinatórias de princípios estruturantes, como por ações concretas dos sujeitos que, em suas intervenções, articulam redes com o mundo externo. Por isso, ao inventário de possibilidades, somaram-se as próprias experiências históricas anteriores e concomitantes ao período de negociação do aldeamento. Neste caminho, é certo que o inventário de possibilidades se enriqueceu à medida em que ocorriam seus agenciamentos e suas conexões, num processo de retroalimentação contínua entre estruturações potencias, experiências concebidas e experiências vividas. No caso do aldeamento dos ‘Cayapó’, não se aplicou, então, lei alguma de desenvolvimento histórico. Em suas ações, da ordem das estruturações parecem pertencer o combate e a abertura ao exterior – a continuidade –; e da ordem das experiências o modo violento e/ou negociado – a mudança – no qual o combate se travou. E, mesmo assim, eles continuaram inconstantes e imprevisíveis, já que a separação entre as duas formas do combate nunca foi absoluta, mas firmada numa linha muito tênue, porosa e relativa, a depender dos sujeitos, das condições, dos interesses e dos signos envolvidos. Durante esses encontros, percursos e intersecções, a história desses grupos não foi, portanto, o resultado inexorável de um único devir possível.

  • 1
    Ao longo deste texto, o termo aldeamento(s) será usado em referência às aldeias construídas pela administração colonial para abrigar índios (os aldeados); e o termo aldeia(s), em referências às ocupações indígenas tradicionais.
  • 2
    A capitania de Goiás compreendia os atuais estados de Goiás e Tocantins, Triângulo Mineiro (até 1816) e leste de Mato Grosso.
  • 3
    Para mais detalhes, ver Mano (2011Mano, M. (2011). Contato, guerra e paz: problemas de tempo, mito e história. Política & Trabalho, 28(34), 193-212., 2012)Mano, M. (2012). Sobre as penas do gavião mítico: história e cultura entre os Kayapó. Tellus, 12(22), 133-154. Recuperado de https://www.tellus.ucdb.br/tellus/article/view/277
    https://www.tellus.ucdb.br/tellus/articl...
    .
  • 4
    Por ‘prática da estrutura’, Sahlins (1990Sahlins, M. (1990). Ilhas de história. Jorge Zahar., 2008)Sahlins, M. (2008). Metáforas históricas e realidades míticas: estrutura nos primórdios da história no reino das Ilhas Sandwich. Jorge Zahar. define um processo nas relações de contatos por meio do qual o evento é interpretado de acordo com as categorias culturais pré-existentes, numa espécie de ordenação cultural da história. E por ‘estrutura da prática’, um processo no qual, nessas mesmas relações, intervêm projetos e interesses – muitas vezes conflitantes – dos agentes e das categorias envolvidas, e tal intervenção pode representar não mais a reprodução da estrutura, mas a sua transformação, numa espécie agora de ordenamento histórico da cultura.
  • 5
    Pohl (1951 [1817], p. 266)Pohl, J. E. (1951 [1817]). Viagem ao interior do Brasil. INL. também mencionou práticas de escarificações entre os ‘Cayapó’ aldeados.
  • 6
    Esse fato pode, inclusive, corroborar a escolha do local onde se erigiu o aldeamento de Maria I como estratégia indígena de demarcar posse de um território reivindicado e ameaçado, como já discutido.

AGRADECIMENTOS

Esta pesquisa foi financiada pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), por meio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) (chamada MCTIC/CNPq nº 28/2018 – processo 425161/2018-8).

  • Mano, M. (2021). Entre necessidades e contingências: políticas indígenas nos sertões de Goiás (1781-1832). Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas, 16(2), e20200055. doi: 10.1590/2178-2547-BGOELDI-2020-0055

REFERÊNCIAS

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Editado por

Responsabilidade editorial: Márcio Couto Henrique

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    21 Jun 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    12 Maio 2020
  • Aceito
    19 Out 2020
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