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A meteorologia popular e seu uso em atividades produtivas na comunidade quilombola Mocambo, em Ourém, Pará, Brasil

Popular meteorology and its use in productive activities in the Mocambo quilombola community in Ourém, Pará, Brazil

Resumo

Diversas sociedades desenvolveram habilidades por meio da observação do ambiente em que vivem, que lhes permitiram sobreviver a eventos atmosféricos inóspitos. Na Amazônia, o conhecimento empírico dos povos e das comunidades tradicionais tem permitido a adaptação aos ciclos climáticos, das águas e da floresta. Na literatura, o etnoconhecimento sobre o clima é tratado como antropologia do clima ou etnoclimatologia ou, ainda, meteorologia popular e se refere à maneira como os povos lidam com o tempo e o clima frente aos seus impactos sobre a sociedade ao longo da história. A proposta deste artigo é investigar práticas e/ou conhecimentos populares ou tradicionais utilizados (ou não), em predição ou diagnóstico do tempo e clima, por pescadores/as e agricultores/as do quilombo Mocambo, em Ourém, Pará, e suas percepções com relação às mudanças (ou variabilidade) climáticas. Entende-se como relevante abordar o tema desde o ponto de vista da comunidade. Norteou-se a investigação à luz da metodologia qualitativa de cunho exploratório. Relatos mostraram conhecimentos baseados em aspectos meteorológicos, fotometeorológicos, astronômicos, hidrológicos, pedológicos, biomarcadores e crenças religiosas. Das narrativas, percebeu-se pouco uso de saberes, motivados pela redução de sua conexão com a natureza, associadas à devastação de seu ambiente ecológico, causando impactos em sua renda e cultura alimentar.

Palavras-chave
Meteorologia popular; Conhecimento tradicional; quilombolas

Abstract

Several societies have developed skills that allow them to survive extreme weather events by observing the environment in which they live. The empirical knowledge of traditional peoples and communities in the Amazon has allowed them to adapt to climate, water, and forest cycles. In the literature the traditional knowledge of climate is treated as climate anthropology, ethnoclimatology, or popular meteorology and refers to the way people address weather and climate considering their impacts on society throughout history. The present article reports on popular or traditional practices and/or knowledge in predicting or diagnosing weather and climate by fishermen and farmers of the quilombo Mocambo in Ourém, Pará, Brazil, and their perceptions of climate change or variability. The research was conducted according to a qualitative exploratory methodology, approaching the topic from the community’s point of view. Reports showed knowledge based on meteorological, photometeorological, astronomical, hydrological, pedological, biomarkers, and religious beliefs. From the narratives it appeared that little use was felt for this knowledge, which can be explained by the reduction of a connection with nature, associated with the devastation of the ecological environment, causing impacts on income and food culture.

Keywords
Folk meteorology; Traditional knowledge; Quilombo

INTRODUÇÃO

Diversas sociedades desenvolveram habilidades que lhes permitiram sobreviver a eventos de tempo e clima inóspitos, por meio da observação do ambiente em que vivem. Nesse sentido, em regiões onde os avisos dos serviços meteorológicos oficiais são difíceis de obter, não são entendidos e/ou não são totalmente aceitos pela comunidade (Chambers et al., 2017Chambers, L. E., Plotz, R. D., Dossis, T., Hiriasia, D. H., Malsale, P., Martin, D. J., Mitiepo, R., Tahera, K., & Tofaeono, T. I. (2017). A database for traditional knowledge of weather and climate in the Pacific. Meteorological Applications, 24(3), 491–502. https://doi.org/10.1002/met.1648
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; Chang’a et al., 2010Chang’a, L. B., Yanda, P. Z., & Ngana, J. (2010). Indigenous knowledge in seasonal rainfall prediction in Tanzania: a case of the South-western Highland of Tanzania. Journal of Geography and Regional Planning, 3, 66–72. http://hdl.handle.net/10625/48748
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; Handmer & Iveson, 2017Handmer, J., & Iveson, H. (2017). Cyclone pam in vanuatu: learning from the low death toll. Australian Journal of Emergency Management, 32(2), 60–65. https://ajem.infoservices.com.au/items/AJEM-32-02-22
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; Plotz et al., 2017Plotz, R. D., Chambers, L. E., & Finn, C. K. (2017). The best of both worlds: a decision-making framework for combining traditional and contemporary forecast systems. Journal of Applied Meteorology and Climatology, 56, 2377-2392. https://doi.org/10.1175/JAMC-D-17-0012.1
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) (seja por imprecisões nos resultados das predições geradas pelas práticas da ciência atmosférica moderna, seja por dificuldades com o uso de tecnologias digitais), há maior dependência do uso de conhecimentos tradicionais em suas interações com fenômenos atmosféricos.

Este é o caso de muitas comunidades agroextrativistas altamente dependentes dos ciclos das chuvas para sobrevivência e nas quais, segundo Handmer e Iveson (2017, pp. 60-61)Handmer, J., & Iveson, H. (2017). Cyclone pam in vanuatu: learning from the low death toll. Australian Journal of Emergency Management, 32(2), 60–65. https://ajem.infoservices.com.au/items/AJEM-32-02-22
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, a “infraestrutura pode ser muito limitada e a logística de transporte e comunicações, desafiadoras”. Esses autores identificaram que o conhecimento local dos habitantes de Vanuatu, na Melanésia, foi um dos principais fatores do baixo número de mortes registradas, quando da passagem de um ciclone tropical, em abril de 2015. Na Tanzânia, Mahoo et al. (2015, p. 8)Mahoo, H., Mbungu, W., Yonah, I., Recha, J., Radeny, M., Kimeli, P., & Kinyangi, J. (2015). Integrating indigenous knowledge with scientific seasonal forecasts for climate risk management in Lushoto district in Tanzania (Working Paper, no. 103). CGIAR Research Program on Climate Change, Agriculture and Food Security (CCAFS). descreveram que muitos agricultores utilizam o conhecimento indígena para prever o tempo por meio da observação do comportamento de grandes animais, pássaros, plantas, insetos e do sistema solar. Em Mérida, nos páramos1 1 O páramo é um ecossistema situado a elevadas altitudes ao norte dos Andes sul-americanos (entre 2.800-4.800 m acima do nível médio do mar). venezuelanos, os conhecimentos sobre o tempo e o clima de seus habitantes incorporam organismos vivos, e dão a pauta ao planejamento de tarefas de subsistência, ao anteciparem nevascas, gelos, fumaças, secas/verões, geadas etc., lidos pelos parameiros de muitas maneiras em seus elementos bióticos e abióticos (Zent, 2002Zent, E. L. (2002). La cultura del frailejón y la papa: Desandando los páramos venezolanos1. La Cultura, 97(98), 3-27., pp. 13-14). Para os Tikuna da Amazônia, “o início da estação chuvosa é anunciado pela ascensão de Baweta2 2 Baweta estaria associado à constelação da Tartaruga na iconografia Tikuna, a qual, em comparação com a astronomia ocidental, estaria relacionada às constelações das Plêyades e Perceu. , que aparece no céu no início da noite a leste no final de novembro” (Faulhaber, 2012Faulhaber, P. (2012). Examinando el conocimiento indígena sobre agrupamientos de estrellas del cielo en registros etnográficos. In Conocimientos astronómicos indígenas (pp. 135-148). Primera Escuela Interamericana de Astronomía Cultural., p. 139). Essa forma distinta de olhar esses fenômenos é chamada, na literatura de antropologia do clima, de etnoclimatologia ou etnometeorologia (Bharara & Seeland, 1994Bharara, L. P., & Seeland, K. (1994). Indigenous knowledge and drought in the arid zone of Rajasthan: weather predictions as a means to cope with hazardous climate. Internationales Asienforum, 25(1–2), 53–71. https://crossasia-journals.ub.uni-heidelberg.de/index.php/iaf/article/download/1555/1527/
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; Faulhaber, 2004Faulhaber, P. (2004). As estrelas eram terrenas: antropologia do clima, da iconografia e das constelações Ticuna. Revista de Antropologia, 47(2), 379–426. https://doi.org/10.1590/S0034-77012004000200002
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, 2012; Lammel et al., 2008Lammel, A., Goloubinoff, M., & Katz, E. (Orgs.). (2008). Aires y lluvias. Antropología del clima en México. Centro de Estudios Mexicanos y Centroamericanos.; Nedelcheva & Dogan, 2011Nedelcheva, A., & Dogan, Y. (2011). Usage of plants for weather and climate forecasting in Bulgarian folk traditions. Indian Journal of Traditional Knowledge, 10(1), 91–95.). De acordo com Rosa e Orey (2014Rosa, M., & Orey, D. C. (2014). Interlocuções polissêmicas entre a etnomatemática e os distintos campos de conhecimento etno-X. Educação em Revista, 30(3), 63-97. https://doi.org/10.1590/S0102-46982014000300004
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citado em Vilhena, 2017Vilhena, J. E. S. (2017). Etnoconhecimento dos fenômenos meteorológicos na Ilha de Santana, Amapá, Brasil [Tese de doutorado, Universidade Federal do Amapá]., p. 22), é definida como:

A intersecção entre as ciências atmosféricas (meteorologia) e as ciências humanas (antropologia) . . . que tratam como os povos lidam com o tempo e o clima frente a seus impactos sobre a sociedade ao longo da sua história, além de reconhecer padrões de comportamento da atmosfera e arriscar previsões.

Atente-se que, para as ciências atmosféricas, há distinções entre clima e tempo e, nesse sentido, definições sobre etnoclimatologia e etnometeorologia podem se confundir, mesclando ambos os conceitos. Contudo, a primeira abrange abordagens de fenômenos de médio a longo prazo, da ordem de eras, milênios, séculos, décadas ou meses. A segunda abrange entendimentos de fenômenos de curto prazo, da ordem de semanas, dias, horas, minutos ou segundos. Assim, ambos os campos de conhecimento podem ser percebidos no âmbito do que se conhece por meteorologia popular, que é um campo da etnologia concentrado no caráter etnológico específico das ideias dos povos do mundo, conectados com fatores meteorológicos (Rudnev, 2002Rudnev, V. (2002). Ethnometeorology: a modern view about folk signs. In E. Katz, A. Lammel & M. Goloubinoff (Orgs.). Entre ciel et terre: climat et sociétés (pp. 183–187). Institut de recherche pour le développement (IRD)/Ibis Press., p. 184) e climatológicos. Abordagens nesse campo podem ser observadas já em 1905, a exemplo do ensaio pioneiro de Marcel Mauss, conforme apontado por Camós (2004, p. 10, tradução nossa)Camós, E. C. (2004). Debates acerca de la antropología del tempo (Estudis D’antropologia Social I Cultural, n. 10). Edicions Universitat Barcelona. sobre as “as variações sazonais na morfologia social das sociedades esquimós”3 3 “. . . variaciones estacionales en la morfología social de las sociedades esquimales” (Camós, 2004, p. 10). (sociedades Inuíts), o qual estabeleceria que o tempo ambiental deveria ser considerado como um indicador do tempo social. Malinowski (2018, p. 529)Malinowski, B. (2018). Argonautas do pacífico ocidental. Ubu Editora., em 1948, observava que, nas ilhas Trobriand, na Melanésia, a magia governaria as “. . . forças da natureza que são de grande importância para o homem, tais como a chuva e o sol, que operando correta e alternadamente fazem a colheita prosperar, ou o vento que precisa ser controlado para a navegação e a pesca”.

Com relação ao conhecimento de fenômenos atmosféricos, Strauss e Orlove (2021, p. 46)Strauss, S., & Orlove, B. S. (Eds.). (2021). Weather, climate, culture. Routledge. ponderam que a abordagem científica universalista enfatiza a comparabilidade de dados e que, em contraste, o conhecimento local dos eventos e padrões climáticos tende a destacar a familiaridade com um local específico. Dessa maneira, Agrawal (2014, p. 4, tradução nossa)Agrawal, A. (2014). Indigenous and scientific knowledge: some critical comments. Antropologi Indonesia, (55). http://doi.org/10.7454/ai.v0i55.3331
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argumenta que, para construir com sucesso novas bases epistêmicas, relatos de inovação e experimentação devem eliminar a divisão indígena/ocidental4 4 “To successfully build new epistemic foundations, accounts of innovation and experimentation must bridge the indigenous/Western divide” (Agrawal, 2014, p. 4). . Esse poderia ser um passo importante para o monitoramento climático na Amazônia, posto que, segundo Nobre et al. (2009, p. 149)Nobre, C. A., Obregón, G. O., Marengo, J. A., Fu, R., & Poveda, G. (2009). Characteristics of Amazonian climate: main features. Amazonia and Global Change, 186, 149-162. https://doi.org/10.1029/2009GM000903
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, o entendimento da complexa dinâmica do clima e de sua variabilidade na região está associado a incertezas significativas, as quais se devem, em parte, à falta de dados observacionais. Foi com esse olhar que Fernández-Llamazares et al. (2017, p. 1673)Fernández-Llamazares, Á., Garcia, R. A., Díaz-Reviriego, I., Cabeza, M., Pyhälä, A., & Reyes-García, V. (2017). An empirically tested overlap between indigenous and scientific knowledge of a changing climate in Bolivian Amazonia. Regional Environmental Change, 17(6), 1673-1685. https://doi.org/10.1007/s10113-017-1125-5
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sobrepuseram saberes indígenas e científicos na Amazônia boliviana, cujas informações sobre o clima, como na Amazônia brasileira, dependem de observações de estações meteorológicas esparsas e se baseiam em dados, em grande parte, interpolados espacialmente e que podem distorcer os resultados.

Nesse contexto, a diversidade da cultura dos povos e das comunidades tradicionais, e seus saberes e práticas locais representam um importante papel no gerenciamento dos efeitos do tempo e do clima, bem como na mitigação e adaptação a impactos provocados por variações e/ou mudanças atmosféricas. Assim, Lucero (2012, p. 7)Lucero, F. G. (2012). Riesgos ambientales, dinámica climática y estrategias de adaptación. El caso de la Pedanía La Carlota, Departamento Juárez Celman (Cba.). [Trabajo Final de Licenciatura, Universidad Nacional de Río Cuarto]. explica que, conceitualmente, ‘prevenção’ “. . . se refere a aplicação de medidas para evitar que um evento se transforme em um desastre”, e ‘mitigação’ se refere “. . . a aplicação das ações para reduzir a vulnerabilidade frente a certas ameaças”. Já o conceito de adaptação seria definido como “. . . o ajuste ocorrido em um sistema natural humano em resposta a estímulos climáticos atuais ou esperados, ou a seus efeitos, que modere os danos ou que aproveite oportunidades benéficas” (Intergovernmental Panel on Climate Change - IPCC5 5 Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima. citado em Lucero, 2012Lucero, F. G. (2012). Riesgos ambientales, dinámica climática y estrategias de adaptación. El caso de la Pedanía La Carlota, Departamento Juárez Celman (Cba.). [Trabajo Final de Licenciatura, Universidad Nacional de Río Cuarto]., p. 7). Destaca-se, então, que o conhecimento empírico dos povos e das comunidades tradicionais da Amazônia – como os ribeirinhos, vazanteiros, quilombolas, seringueiros, coletores, povos indígenas – lhes tem permitido adaptar-se aos ciclos: climáticos, das águas, da floresta – em condições consideradas normais e extremas –, moldando sua sobrevivência, conectada às percepções e aos ciclos, regulando as atividades produtivas, especialmente no tocante ao acesso aos alimentos, por meio de cultivo ou extrativismo. No entanto, muitos desses saberes não são documentados, mas sim transmitidos de uma geração para outra por meio da história oral, criando um amplo fosso intergeracional entre os seus guardiões e os mais jovens (Mahoo et al., 2015Mahoo, H., Mbungu, W., Yonah, I., Recha, J., Radeny, M., Kimeli, P., & Kinyangi, J. (2015). Integrating indigenous knowledge with scientific seasonal forecasts for climate risk management in Lushoto district in Tanzania (Working Paper, no. 103). CGIAR Research Program on Climate Change, Agriculture and Food Security (CCAFS)., p. 26), pois elementos tradicionais podem sofrer atualizações, uma vez que “as sociedades contemporâneas e ocidentais mudam constantemente em decorrência do aumento de informações, da diversidade cultural dos diferentes grupos sociais, da globalização e da intensificação dos meios de comunicação” (Figueiró & Renk, 2019Figueiró, C. C., & Renk, A. A. (2019). Percepções intergeracionais de agricultores familiares sobre a produção de alimentos e sustentabilidade. Desenvolvimento Rural Interdisciplinar, 2(1), 50-78. https://seer.ufrgs.br/revpgdr/article/view/94603
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, p. 52).

Dessa forma, este ensaio propõe uma análise interdisciplinar, ao buscar aproximações entre as ciências atmosféricas e das humanidades. Assim, são adotados enfoques teóricos situados nas correntes que tratam das inter-relações entre sociedade e cultura, tempo e clima, perpassando por conexões entre homem e natureza. Este estudo torna-se, portanto, relevante, pois se observa o empreendimento de grandes esforços e recursos mobilizados para o entendimento dos fenômenos físicos das dinâmicas meteorológica e climatológica e, sobretudo, no tocante às suas mudanças e efeitos, mas verifica-se que pouco se faz para entender o ponto de vista dos povos e comunidades tradicionais, particularmente, os quilombolas da região amazônica. Ao trazer essa perspectiva, pretende-se, aqui, ampliar as discussões em torno do campo da meteorologia popular ou antropologia do tempo e clima na Amazônia brasileira, contribuindo para a valorização de saberes e o engajamento de comunidades tradicionais na integração entre conhecimentos tradicionais e os debates científicos. Nesses termos, a proposta é investigar práticas/conhecimentos populares ou tradicionais, utilizados (ou não) em predição/diagnóstico do tempo e clima por pescadores/as e agricultores/as do quilombo Mocambo, em Ourém, Pará, e suas percepções sobre mudança e/ou variabilidade climática.

O QUILOMBO MOCAMBO EM OURÉM, PARÁ

Originada de processos de territorialização promovidos pela Coroa portuguesa em seu projeto de colonização do século XVI, a freguesia de Ourém teria sido erigida a partir da Casa Forte do rio Guamá, uma construção, que, de acordo com Cruz (1963, p. 647)Cruz, E. (1963). História do Pará (Coleção Amazônica, Série José Verissimo, Vol. 2). Universidade Federal do Pará., seria “. . . o ponto de ancoragem das embarcações que, saindo de Belém, percorriam o primeiro trajeto do ‘caminho’ que ligava o Pará ao Maranhão, através de Bragança”. Nesse ponto, Ourém seria um lugar estratégico para conectar a vila de Bragança à cidade de Belém, uma vez que Bragança seria “. . . ponto de passagem quase obrigatório dos produtos que circulavam entre o Pará e o Maranhão” (Maués, 1967Maués, R. H. (1967). Origens históricas da cidade de Bragança. Revista de História, 35(72), 377-392. https://doi.org/10.11606/issn.2316-9141.rh.1967.126795
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, p. 377). Em novembro de 1752, ano em que a freguesia teria sido promovida a vila, teriam chegado, segundo Cordeiro e Madeira (2003, p. 110)Cordeiro, C. A. D. C., & Madeira, A. B. (2003). A emigração açoriana para o Brasil (1541-1820): uma leitura em torno dos interesses e vontades. Arquipélago-Revista da Universidade dos Açores, 7, 99-122. http://hdl.handle.net/10400.3/384
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, “. . . mais 430 pessoas das ilhas [dos Açores]” e, “segundo Francisco Xavier de Mendonça Furtado, estes ilhéus participaram na colonização das vilas de Bragança e de Ourém, nas ‘margens dos rios Guaçu e Caeté’”. Foi Sebastião José de Carvalho, o Marquês de Pombal, irmão do governador, o Capitão General do Grão Pará, Mendonça Furtado, quem teria sido o encarregado pelo governo colonial por fazer diversas reformas, entre as quais “. . . a introdução de escravos africanos para servir de mão de obra” (Tavares, 2008Tavares, M. G. C. (2008). A formação territorial do espaço paraense: dos fortes à criação de municípios. Acta Geográfica, 2(3), 59-83., p. 61).

Assim é que, no período compreendido entre 1755 e 1778, teriam desembarcado dos navios da companhia de comércio do Grão-Pará e Maranhão “53.072 escravos, trazidos de Guiné Bissau, Cabo Verde, Angola, Quênia, Tanzânia e Moçambique. Sua direção estava definida para os engenhos de cana, plantios de arroz e cacau, as fortificações militares, as olarias, áreas de mineração e fazendas de pecuária” (Vergolino-Henry & Figueiredo, 1990Vergolino-Henry, A., & Figueiredo, N. (1990). A presença africana na Amazônia Colonial: a notícia histórica. SECULT. citado em Marin & Castro, 2009Marin, R. E. A., & de Castro, E. M. R. (2009). Mobilização política de comunidades negras rurais. Domínio de um conhecimento praxiológico. Novos Cadernos NAEA, 2(2), 76-106. http://dx.doi.org/10.5801/ncn.v2i2.110
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, p. 90). É nesse panorama que essas pessoas tiveram de se adaptar às novas condições ambientais em que movimentos de fuga contribuíram “para abrandar o ‘rigor do cativeiro’, mas o quilombo principalmente serviu ao desbravamento das florestas, além da zona de penetração dos brancos e à descoberta de novas fontes de riqueza” (Carneiro, 1958Carneiro, E. (1958). O quilombo dos Palmares (2 ed.). Brasiliana., p. 25).

Foi então que comunidades negras, percorrendo “. . . paisagens de rios e floresta, de ecossistemas diversos[,] construíram experiências coletivas, saberes e práticas singulares que lhes permitiram viver e se reproduzir em territórios onde hoje ainda encontramos seus prováveis remanescentes” (Castro, 2002Castro, E. (2002, maio). Terras de preto entre igarapés e rios. Anais do Encontro da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Ambiente e Sociedade., p. 9). Porém, na Amazônia, como bem denunciou Vicente Salles (1971, p. 67)Salles, V. (1971). O negro no Pará, sob o regime da escravidão (Coleção Amazônica, Série José Verissimo). Fundação Getúlio Vargas/Universidade Federal do Pará., “a contribuição cultural do negro é sistematicamente diminuída, e até negada, no conjunto dos seus valores constitutivos”, pois “quando Charles Wagley e Eduardo Galvão realizaram em conjunto o estudo de uma comunidade amazônica, uma presença não dominante, mas em todo o caso atuante, foi por eles observada: a do negro” (Salles, 1971Salles, V. (1971). O negro no Pará, sob o regime da escravidão (Coleção Amazônica, Série José Verissimo). Fundação Getúlio Vargas/Universidade Federal do Pará., p. 67). Ourém, entretanto, “. . . não estava pelas estatísticas entre [os locais] mais populosos de escravos. A vizinhança com Bragança potencializava, no entanto, um território mais amplo de fuga e refúgio” (Castro, 2002Castro, E. (2002, maio). Terras de preto entre igarapés e rios. Anais do Encontro da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Ambiente e Sociedade., p. 18). É nesse cenário que “um determinado lugar, chamado de João Pereira e Tumtum, às margens do rio Guamá, foi abrigo de povos que chegaram fugidos de senhores de origem europeia e se amocambavam em casas de palha, barro e sororoca” (Professores e alunos da Escola Maria Epifânia dos Santos, n. d.Professores e alunos da Escola Maria Epifânia dos Santos. [n. d.]. Album do projeto arte, cultura e identidade para a diversidade étnico racial. 26. Quilombo Mocambo, Ourém, Pará, PA, Brasil., p. 4).

Perpassando tal conjuntura, a comunidade remanescente de quilombo, Mocambo, distante três quilômetros da sede do município de Ourém, pela rodovia estadual PA-251, região nordeste do estado do Pará, microrregião Guamá (Figura 1), por intermédio da Associação Comunitária Agrícola Remanescente Quilombolas do Mocambo (ACOARQUIM), após um processo de 15 anos, obteve seu título de reconhecimento de domínio coletivo de áreas de terras. Esse reconhecimento foi outorgado pelo governo do estado do Pará, por meio do Instituto de Terras do Pará (ITERPA), no dia três de dezembro de 2012. Segundo dados desse órgão, a comunidade era composta por 120 famílias, em uma área de 657,6820 ha (seiscentos e cinquenta e sete hectares, sessenta e oito ares e vinte centiares) (ITERPA, 2012Instituto de Terras do Pará (ITERPA). (2012). Título de reconhecimento de domínio coletivo. http://portal.iterpa.pa.gov.br/wp-content/uploads/2020/04/26._mocambo.pdf
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, p. 2) e foi a única naquele mesmo ano a ter seu título homologado no estado do Pará, conforme demonstrado na Figura 1.

Figura 1
Localização do território quilombola Mocambo em Ourém, Pará. Mapa: Hélio de Souza Morais Junior (2020).

Na atualidade, a população do quilombo Mocambo distribui-se espacialmente ao redor da escola municipal Maria Epifânia dos Santos que, juntamente com a igreja católica e o barracão da ACOARQUIM, congregam o núcleo central da comunidade. A maioria dos moradores reside em casas de alvenaria, sendo algumas construídas por programas governamentais, como “Minha Casa Minha Vida”. Várias famílias estão inseridas em programas de transferência de renda, como o “Bolsa Família” e outras recebem aposentadoria rural. De acordo com Silva et al. (2021, p. 5)Silva, J. S. da; Andrade, L. S., Souza, A. M. de., & Halmenschlager, F. (2021, agosto). Cultivo da mandioca e produção da farinha no Quilombo Mocambo em Ourém-PA. Transformações e mudanças intergeracionais no tempo e espaço. Anais do 59º Congresso da Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural (SOBER) e 6º Encontro Brasileiro de Pesquisadores em Cooperativismo (EBPC). https://even3.blob.core.windows.net/anais/341455.pdf
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, “quanto à saúde, não há posto na comunidade, porém ocorrem consultas itinerantes, e nos casos mais graves os moradores se locomovem até a cidade de Ourém”. No que diz respeito à comunicação, a proximidade do quilombo com a sede municipal lhe confere acesso à internet, sobretudo via aparelho celular. Canais de televisão aberta funcionam, mas, para operar adequadamente, necessitam de antenas que amplificam o sinal.

Em relação às atividades produtivas, a agricultura é voltada principalmente para a ‘roça’, com o plantio de mandioca (Manihot esculenta), para produção de farinha e/ou para venda da macaxeira, que, às vezes, é negociada ainda no ‘pé’, dado o baixo valor dos preços da farinha produzida que não contava, por exemplo, com políticas de preço e valorização de seu produto. Para Silva et al. (2021, p. 8)Silva, J. S. da; Andrade, L. S., Souza, A. M. de., & Halmenschlager, F. (2021, agosto). Cultivo da mandioca e produção da farinha no Quilombo Mocambo em Ourém-PA. Transformações e mudanças intergeracionais no tempo e espaço. Anais do 59º Congresso da Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural (SOBER) e 6º Encontro Brasileiro de Pesquisadores em Cooperativismo (EBPC). https://even3.blob.core.windows.net/anais/341455.pdf
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, “por outro lado, os preços são controlados pelas farinheiras e normalmente são bem abaixo dos preços de mercado”. Existem, ainda, outras atividades complementares e diversificadas, como o plantio de hortaliças, árvores frutíferas e madeireiras, além da apicultura, da criação de gado, porcos e frango caipira.

Plantas medicinais são comumente cultivadas nos quintais dos moradores, preferencialmente pelas mulheres, sendo utilizadas para chás e banhos. Alguns agricultores participam como fornecedores do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA)6 6 “O Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) é uma política de apoio e incentivo à agricultura familiar no Brasil. Por meio dessa iniciativa, agricultores, cooperativas e associações vendem seus produtos para órgãos públicos que compram os alimentos da agricultura familiar, sem necessidade de licitação” (ver Gov.br, 2020). . Para a subsistência, os moradores contam com a caça, a pesca, de onde coletam peixes para consumo, além do consumo de tracajá (Podocnemis unifilis), espécie de quelônio cujos ovos também são bastante apreciados por algumas pessoas da localidade. A pesca é realizada artesanalmente, com redes do tipo ‘tarrafas’ ou linha de pescar, no rio Guamá, em local pertencente à comunidade. No entanto, ocorrem conflitos, devido à precária fiscalização e à inexistência de acordos de pesca, a fim de regularizar as atividades.

No Mocambo, a religião católica é predominante, tendo no Círio de Nossa Senhora Santa Maria, padroeira da localidade, que dá nome à igreja, sua manifestação religiosa mais importante, a qual ocorre no último final de semana de setembro. Há, ainda, o culto a São Benedito, cujos relatos apontaram ser uma tradição anterior em relação à da padroeira. Existem também duas igrejas neopentecostais, porém com atuação mais reduzida. Experiências advindas de religiosidade afro-indígenas foram observadas, mas de forma discreta (ou mesmo reprimida). A Ciramba e o Boi-Bumbá configuram-se como duas das principais expressões coletivas da cultura popular no quilombo. A instituição no Brasil do dia da Consciência Negra promoveu um novo espaço de celebração, bastante significativo e simbólico, sendo um momento muito comemorado pelos residentes de Mocambo e no qual suas tradições são expressas.

Apesar da transmissão de seus elementos culturais e legados históricos, que parecem perdurar na comunidade, em muitos aspectos eles se chocam com o modelo dominante da economia de Ourém, a qual, nas últimas décadas, se tornou o eixo da indústria de mineração de seixo no Pará, pois as áreas circunvizinhas ao quilombo são dominadas por seixeiras, com escoamento pela rodovia PA-251, que corta a parte central do território. O modelo predatório de exploração e o constante tráfego de caminhões e carretas trazem grandes desafios para a comunidade com relação à manutenção de sua cultura e de seu modo de vida, além de provocarem impactos sobre o meio ambiente, especialmente com a destruição das nascentes de água, a contaminação de igarapés e o assoreamento do rio Guamá.

METODOLOGIA

Esta pesquisa foi realizada no âmbito de uma especialização em Gestão em Sistemas Agroextrativistas para Territórios de Uso Comum na Amazônia (GESAM), do Instituto Amazônico de Agriculturas Familiares (INEAF), da Universidade Federal do Pará (UFPA), entre os anos de 2019 e 2020. Realizada em cooperação entre quatro pesquisadores do programa (três discentes e um docente), formou-se uma parceria que instituiu o quilombo Mocambo no município de Ourém, como base para esta e mais duas pesquisas interdisciplinares. Essa escolha se deu pela temática do programa, bem como pelo entendimento de que há ciência no saber, vivência e práticas muitas vezes ‘subalternizadas’ das populações afrodescendentes, cujo protagonismo é frequentemente invisibilizado.

Desse modo, à luz da metodologia qualitativa de cunho exploratório, norteou-se esta investigação por meio de entrevistas, notas de campo e observação participante. Todos os registros verbais e imagéticos foram realizados com anuência da comunidade e, por intermédio de seu representante comunitário, foi assinado um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Foram realizadas três imersões, com duração de uma semana cada, considerando aspectos como os prazos da especialização, a disponibilidade financeira, bem como as condições sazonais da região (inverno e verão paraense/amazônico). Este estudo considerou as estações do ano divididas em período mais chuvoso e menos chuvoso, conforme o entendimento regional, cujo contexto climático é conhecido como ‘inverno e verão amazônico’ ou, ainda, em termos locais, como ‘inverno e verão paraense’, caracterizado como um período diferenciado em relação ao restante do país.

Assim é que, na primeira ida a Mocambo, no mês de setembro de 2019 (a fim de se vivenciar a estação do ano vigente com os envolvidos), foram feitos contatos informais com lideranças locais em que foram experienciadas as primeiras impressões entre pesquisadores e moradores do quilombo. A partir de então, iniciou-se, com base na técnica conhecida por ‘bola de neve’ (Parker et al., 2019Parker, C., Scott, S., & Geddes, A. (2019, julho). Snowball sampling. In P. Atkinson, S. Delamont, A. Cernat, J. W. Sakshaug & R. A. Williams (Eds.). SAGE Research Methods Foundations. https://dx.doi.org/10.4135/9781526421036831710
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; Dewes, 2013Dewes, J. O. (2013). Amostragem em bola de neve e respondent-driven sampling: uma descrição dos métodos [Monografia, Universidade Federal do Rio Grande do Sul].), a realização da investigação a partir do encadeamento de indicações. Dessa forma, solicitava-se aos participantes que recomendassem outros contatos com características voltadas aos critérios do estudo e que potencialmente também pudessem estar dispostos a colaborar. Estes, por sua vez, recomendavam outros participantes em potencial, e assim por diante. A segunda ida ocorreu no mês de dezembro, momento de início do inverno, em que foi dada continuidade às investigações em campo. Ali, a partir da experiência anterior, prosseguiu-se com a identificação das principais práticas e/ou saberes meteorológicos e climatológicos populares. Por fim, a terceira estância culminou na entrega do trabalho finalizado à comunidade, com apresentação em linguagem popular, em descontraída roda de conversas, com apresentação de imagens e vídeos.

Destarte, tanto na primeira quanto na segunda estadia, foram realizadas entrevistas abertas, com perguntas iniciais pré-estabelecidas, buscando condicionar o mínimo possível as respostas, a fim de conduzi-las sutilmente à temática principal: o tempo e o clima. A intenção foi possibilitar, a partir dos diálogos estabelecidos, o acesso às experiências, valores e práticas dos interlocutores. As conversas foram registradas em formato audiovisual, utilizando ferramentas como câmera digital, tabletes e telefone celular. Os encontros foram pré-agendados e sempre precedidos de uma breve apresentação das/dos pesquisadoras/es, seu âmbito institucional e explicação sobre o estudo desenvolvido, procurando enfatizar a importância da participação das/dos envolvidas/os na pesquisa. Em adição às entrevistas, foram utilizados cadernos (ou notas) de campo como fonte de dados secundária, com observações e reflexões próprias, de experiências do intercâmbio com os demais. Quando possível, as conversas ocorreram no local das atividades produtivas dos quilombolas.

Foram entrevistados 13 homens e cinco mulheres, com idade entre 40 a 80 anos, que exercem ou exerceram atividades produtivas relacionadas à agricultura e à pesca, indicados como possíveis conhecedores do ‘tempo’ e que se disponibilizaram a participar. Alguns destes eram casais que foram entrevistados juntos e enriqueceram com suas visões os aportes a respeito do tema. Desse modo, foram totalizadas 18 pessoas, em uma amostra representativa com relação ao total de famílias (120, segundo o ITERPA, 2012Instituto de Terras do Pará (ITERPA). (2012). Título de reconhecimento de domínio coletivo. http://portal.iterpa.pa.gov.br/wp-content/uploads/2020/04/26._mocambo.pdf
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), correspondendo a 15% da comunidade. Com a intenção de preservar a identidade das pessoas cujos relatos são utilizados neste artigo, optou-se por mencioná-las de acordo com suas respectivas idades, que foram usadas como marcadores temporais dos conhecimentos e das práticas investigadas. Considerou-se que tais atividades requerem conhecimentos do tempo e do clima local, que podem ser ensinados e aprendidos ao longo de gerações ou, ainda, atualizados a partir de percepções próprias ou de conexões com o meio em que vivem.

A maior parte das contribuições diz respeito à visão de agricultores/as, pois observou-se que, apesar de alguns/mas deles/as também pescar, esta atividade ocorre de maneira ocasional, apenas como lazer. A pesca como atividade essencialmente produtiva é exercida por poucas pessoas no quilombo Mocambo, o que resultou em reduzida participação de pescadores entrevistados.

É importante destacar que a meteorologia popular praticada ou conhecida em Mocambo pelas/os agricultoras/es e pescadoras/es advém principalmente da praticidade e da ancestralidade e em razão da observação diária do ambiente natural. Ademais, observou-se que poucos acreditam em previsões apresentadas na TV, dado que as escalas se dão em nível regional, e não na esfera local. Assim, o agricultor (78 anos, comunicação pessoal, 2019) relata: “a previsão, às vezes vejo no jornal, mas não acerta. Só dá lá de outras regiões”.

Desse modo, de acordo com a seleção das falas contendo informações consideradas importantes à temática da pesquisa, as (etno)previsões do tempo e do clima foram categorizadas em: curto prazo (utilizada nas pautas cotidianas) e médio prazo (interanual ou sazonal), conforme a Tabela 1, e as percepções sobre variabilidade e mudanças climáticas, conforme a Tabela 2. Dos 18 entrevistados, nem todos discorreram sobre todas as categorias mencionadas.

Tabela 1
Categorias de análise de (etno)previsão do tempo.
Tabela 2
Categorias de análise das percepções climáticas.

Ressalta-se que não houve a pretensão de generalizar os resultados como representativos de toda a comunidade, mas sim apresentar outras formas de interpretar a dinâmica dos fenômenos atmosféricos, a partir de visões particulares, as quais, acredita-se, refletem uma amostra vivaz do modo de vida e de saberes no quilombo, de acordo com o explicitado nas Tabelas 1 e 2.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

PRÁTICAS E SABERES POPULARES DE PREVISÃO DO TEMPO A CURTO PRAZO

A previsão do tempo a curto prazo refere-se às ‘estimativas’ para o planejamento diário das pautas cotidianas. Nessa perspectiva, foram narradas práticas que consideraram a direção, o deslocamento, a velocidade e a abrangência da nebulosidade, a temperatura do ambiente, bem como o comportamento e/ou a vocalização de pássaros, conforme as observações e os relatos expostos a seguir.

Uma das participantes (agricultora, 43 anos, comunicação pessoal, 2019), ao observar a localização, a concentração e a abrangência das nuvens, mostrou seu ‘método’ de previsão a curto prazo, a partir da dinâmica das nuvens e de sua percepção da temperatura do ambiente, afirmando que:

Quando num vai chover, a nuvem passa rápido assim, da chuva. E quando vai chover ela fica parada assim um pouco, a gente percebe no tempo que... Vai chover. A quentura aumenta mais. Depois que chove a quentura aumenta mais ainda.

Outra agricultora (42 anos, comunicação pessoal, 2019), ao apontar para o quadrante leste, reafirmou a prática dessa observação para a previsão, tipificando a chuva e destacando aspectos de direção e concentração de nuvens, colocando que: “. . . quando ‘ela’ tá assim, tudo espalhada assim, a gente sabe que ‘ela’ não vai chover toda hora [chuvas esparsas]. Aí quando o tempo tá fechado, a gente sabe que vai chover numa parte grande [chuva mais intensa]”. Esse ‘saber’ da rota de nuvens de chuva também foi apontado por outra agricultora (63 anos, comunicação pessoal, 2019), a qual relatou: “não vai chover não... Tá limpo pra cá, ó! A chuva pra nós vem ‘daqui’ ó [mostra o quadrante leste]”.

Pode-se dizer que, de maneira semelhante, a observação do padrão da nebulosidade para predizer o tempo também é utilizada na ciência formal, em que meteorologistas se valem do “Atlas Internacional de Nuvens” (WMO, 1969World Meteorological Organization (WMO). (1969). International Cloud Atlas: Abridged Atlas. World Meteorological Organization.), o qual é recomendado pela Organização Meteorológica Mundial (OMM). Também, em outras sociedades e regiões, como em Retirolândia, na Bahia, “as nuvens foram registradas como sinal de chuva a partir da sua quantidade no céu, bem como seu aparecimento durante o pôr-do-sol” (Bastos & Fuentes, 2015Bastos, S., & Fuentes, M. C. (2015). O uso da etnoclimatologia para a previsibilidade de chuvas no município de Retirolândia-BA. Revista do CERES, 1(2), 176-183. https://periodicos.ufrn.br/Revistadoceres/article/view/15127
https://periodicos.ufrn.br/Revistadocere...
, p. 181). Orlove et al. (2011Orlove, B., Roncoli, C., Kabugo, M., & Majugu, A. (2011). Conocimiento climático indígena en el sur de Uganda: múltiples componentes de un sistema dinámico regional. In A. Ulloa (Org.), Perspectivas culturales del clima (pp. 183-222). Universidad Nacional de Colombia., p. 200, tradução nossa), por exemplo, relataram que, em Rakai, na Uganda, “entre as observações do tempo reportadas com maior frequência se encontram as nuvens escuras que se reúnem no horizonte ou aquela massa no céu”7 7 “Entre las observaciones del tiempo reportadas con mayor frecuencia se encuentran las nubes oscuras que se reúnen en el horizonte o aquella masa en el cielo” (Orlove et al., 2011, p. 200). .

Já outros moradores apontaram como referência de previsão do tempo o comportamento ou a vocalização dos pássaros, conforme agricultor (81 anos, comunicação pessoal, 2019) destacou: “os pássaros do rio que eles passam de noite, de madrugada cantando, a gente sabe que tá pra chover, né? Até marreca [Anas querquedula] passa [imita a marreca] de madrugada, a gente já sabe. Vai mudar o tempo”. Sua esposa, também agricultora (74 anos, comunicação pessoal, 2019), exclamou: “É uma animação de coró-coró [Mesembrinibis cayennensis], é uma animação de... de sei lá... de saracura [Aramides saracura]”. Para ela, os ‘tetéu’ (Vanellus chilensis) adivinham a chuva, conforme comentou:

Os tetéu, quando começa a chover, de noite ou de dia. Aí, aparece uma turma de tetéu [imita o canto do tetéu]... Naquela agonia. Eu digo: – Hum, vai chover muito! Olha os tetéu... Aí, deixa que quando eles caba, se acomoda tudo, quando é de noite ou de dia, no outro dia... Chuva! Mas os bicho são danado pra adivinhar chuva

(agricultora, 74 anos, comunicação pessoal, 2019).

A vocalização das aves como (etno)preditor de chuvas foi investigada por Araujo et al. (2005, p. 764)Araujo, H. F. P. de, Lucena, R. F. P. de, & Mourão, J. S. (2005). Prenúncio de chuvas pelas aves na percepção de moradores de comunidades rurais no município de Soledade-PB, Brasil. Interciencia, 30(12), 764–769. http://ve.scielo.org/scielo.php?script=sci_abstract&pid=S0378-18442005001200008&lng=pt&nrm=iso
http://ve.scielo.org/scielo.php?script=s...
, em Soledade, na Paraíba. Seus resultados mostraram que o principal sinal observado por seus habitantes seria a vocalização de aves. Em Mocambo, a previsão a curto prazo foi apontada por seis dos participantes (referente a 33,33% dos 18 entrevistados). Observou-se que, dentre os principais elementos utilizados, a dinâmica de nuvens foi o preditor predominante, com representatividade de 50% desse universo. Os que relacionaram a previsão baseados na vocalização de pássaros, que, para eles, influenciaria ou ‘adivinharia’ aspectos atmosféricos, corresponderam a 33,33% e, na temperatura do ambiente, aproximadamente, 16,66%, conforme se verifica na Tabela 3.

Tabela 3
Quantitativo do uso de (etno)previsão do tempo a curto prazo, de acordo com o indicador. Contribuição de seis pessoas que descreveram cada uma apenas um indicador. Legenda: * = dinâmica de nuvens: direção (rota), velocidade (rápida/lenta) e concentração da nebulosidade.

PRÁTICAS E SABERES POPULARES DE PREVISÃO DO TEMPO A MÉDIO PRAZO

Previsões a médio prazo estão relacionadas às estações do ano, ou seja, ao inverno e/ou verão amazônico, os quais norteiam a pauta para o planejamento interanual das atividades produtivas dos habitantes do quilombo. Assim, no inverno, os pescadores devem respeitar o defeso8 8 Segundo o Ministério da Agricultura “O defeso é a paralisação temporária da pesca para a preservação das espécies, tendo como motivação a reprodução e/ou recrutamento, bem como paralisações causadas por fenômenos naturais ou acidentes” (Gov.br, 2019). e os agricultores planejam o plantio de suas roças, após terem preparado a terra no verão, utilizando a prática de corte e queima ou mecanização.

Foi, então, relatada a presença de indicadores fotometeorológicos e astronômicos, como descargas elétricas atmosféricas, halos (fenômeno que se forma devido à refração do reflexo do sol e da luz da lua, em cristais de gelo de nuvens cirrus e cirrostratus) e o movimento das estrelas. Verificou-se, ainda, a existência de bioindicadores, como o comportamento de animais, a exemplo de sapos e pássaros marreca (Anas querquedula), coã (Herpetotheres cachinnans) e saracura (Aramides saracura), insetos, como cigarras (Cicadidae), floração de plantas (café e laranjeira) e o ciclo do rio (aumento/redução do volume da água no leito do rio), além de experiências ligadas a crenças religiosas que predizem a chegada das chuvas ou do verão.

Desse modo, para o agricultor (78 anos, comunicação pessoal, 2019): “Quando tava próximo do inverno, a gente percebia que começava a clarear daqui. Relâmpago, às vezes um trovão longe. Já era... Dando sinal... Começava a relampear a noite assim, a gente já sabia que a chuva tava próxima”. Sobre o halo, uma das agricultoras (63 anos, comunicação pessoal, 2019) relatou que: “tem o anel da chuva e tem o anel do sol. O anel da chuva é bem escuro e o anel do sol é bem vermelho, aquela... Em volta do sol... Da lua, tá vermelhinho, já sabe que é sol”. Dessa forma, a agricultora assinalou que os halos, em volta do sol ou da lua, a depender de sua cor, apontam a chegada do inverno ou do verão. Nesse sentido, G. Cunha (1997, p. 24)Cunha, G. R. (1997). Meteorologia: fatos & mitos. Embrapa-CNPT. afirmou que tal fenômeno já era observado como preditor há “. . . quatro mil anos antes de Cristo na região da Babilônia, onde, em uma placa de barro, que se encontra sob a guarda do Museu de Londres, lê-se: ‘Quando um anel circunda o sol, chuva cairá’”.

Ambos agricultores recordam ainda: “Tinha outro... O sete-estrela, quando tiver na altura de 12 horas, empinadinho, que é sete horas da noite, o inverno tá chegando”. Ele complementou que “as pessoas idosas, do tempo do meu pai, do meu avô, tudo já tinha essa experiência”. A agricultora (63 anos, comunicação pessoal, 2019) reafirmou: “sete horas, o sete-estrelas tá na altura de meia-noite, mas é sete horas da noite... É a chuva que tá perto”. Outro pescador e agricultor recordou também o uso das sete-estrelas por seu pai:

Aparece próximo do inverno. O papai, ele se baseia nos planeta. Tem uma estrela chamada sete-estrela. Quando chega essa época ele se baseia nela. Aí, quando ela tá a uma certa altura, umas oito horas da noite, ele diz que ainda tá longe as chuvas. Aí, quando chega naquela hora que ela já tá numa certa altura já, num nível bem alto, ele diz assim: ‘vai chover, se preparem que vai chover... Vamo plantar, que já vai chover’

(agricultor, 42 anos, comunicação pessoal, 2019).

Abbeville (1995Abbeville, d’, C. (1995). Histoire de la mission des Pères Capucins en l’sle du Marignan et terres circonvoisines ou est traicté dês singularites admirables & des moeurs merveilleuses des indiens habitans de ce pais. Gallica. citado em Afonso, 2009Afonso, G. B. (2009, julho). Astronomia indígena. Anais da 61a Reunião Anual da SBPC. http://www.sbpcnet.org.br/livro/61ra/conferencias/co_germanoafonso.pdf
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, p. 4) descreveu: “Os tupinambás conheciam muito bem o aglomerado estelar das Plêiades e o denominavam ‘Seichu’. Quando elas apareciam, afirmavam que as chuvas iam chegar, como chegavam, efetivamente, poucos dias depois”. Complementa que: “Da mesma maneira, atualmente para os tembés, que habitam o norte do Brasil, o nascer helíaco das Plêiades anuncia a estação da chuva e o seu ocaso helíaco aponta a estação da seca” (Afonso, 2006Afonso, G. B. (2006). Mitos e estações no céu Tuipi-Guarani. Scientific American Brasil 14, 46–55. https://sciam.com.br/mitos-e-estacoes-no-ceu-tupi-guarani/
https://sciam.com.br/mitos-e-estacoes-no...
, p. 54). Segundo esse autor:

. . . As Plêiades (Eixu, em guarani) são um aglomerado de estrelas jovens, azuis, que se localizam na constelação ocidental do Touro. A olho nu, longe da iluminação artificial e sem lua, podemos ver, normalmente, sete dessas estrelas e, por isso, as Plêiades são conhecidas, também, como as sete-estrelas ou as sete-irmãs . . .

(Afonso, 2006Afonso, G. B. (2006). Mitos e estações no céu Tuipi-Guarani. Scientific American Brasil 14, 46–55. https://sciam.com.br/mitos-e-estacoes-no-ceu-tupi-guarani/
https://sciam.com.br/mitos-e-estacoes-no...
, p. 53).

De outro relato, verificou-se que a chegada do período chuvoso pode ser observada de acordo com aspectos do sol: “nesse tempo agora, pra nós já tá se aproximando o inverno, porque a modo assim que o sol fica mudado assim, a cor dele. A modo fica branco assim”; e do solo: “e quando é do verão... A modo assim que isso aí [o solo] fica tudo avermelhado, meio amarelado” (agricultora, 42 anos, comunicação pessoal, 2019).

Outro entrevistado declarou que faz uso do ‘conhecimento’ transmitido por sua mãe, que observava o céu de madrugada e fazia sua ‘previsão’ de acordo com a feição do céu que via:

Sempre a mamãe me acostumou eu a me alevantar assim, quatro horas da manhã... Quatro e meia... Até hoje eu tenho esse costume. Aí, a mamãe falava... Olhava assim pro tempo e dizia assim: – Olha, tá muito nevoado... Tá pra começar o inverno, já vai começar a chover. – Porque mamãe? – Porque num tem quase estrela de madrugada, tá nevoado.... Aí, eu me acostumei naquilo. Aí, quando eu me alevanto, é a primeira coisa que eu olho

(agricultor, 53 anos, comunicação pessoal, 2019).

Um dos agricultores (42 anos, comunicação pessoal, 2019) narrou que, alertado pelo coaxar de sapos e trovões, foi um dos poucos da comunidade que conseguiu preparar a roça antes do inverno. Ele descreveu:

fui queimar roça porque o inverno veio mais cedo, né? A minha, eu queimei. Tem um sapo do inverno que... aqueles que faz assim [imita o coaxar]. Aqueles sapo... Quando ele começa a fazer assim... Meu amigo! Nesse dia, eu tava caçando... Tava caçando pro outro lado do rio aqui. Aí, esse sapo começou a fazer isso e começou o trovão aí pro rumo de cima, né? Começou a trovejar... Aí, eu digo... Rapaz!... O inverno tá próximo, amanhã eu vou queimar a minha roça! Aí, eu queimei num dia e quando foi no outro a chuva começou... Mas, rapaz, eu queimei num dia e quando foi no outro começou o inverno. Eu custei a plantar, porque eu achava que aquilo era só uma chuva falsa... Que nada! Já era o inverno mesmo

(agricultor, 42 anos, comunicação pessoal, 2019).

A agricultora (43 anos, comunicação pessoal, 2019) – que, apesar de ter afirmado que sua família perdeu o momento de preparo da roça, em 2018, e ficou sem produção no ano seguinte – expôs perceber a chegada das chuvas pela vocalização dos sapos: “eu percebo assim um pouco do tempo do inverno, né? Quando chega o tempo do inverno, os sapinho começam muito... Aí, quando dá assim uma chuvinha... Três hora assim... Aí, eles começam... Aquele grita, grita de sapo. Até anoitecer”. Assim também recordou outro entrevistado: “geralmente, quando dava um chuvisquinho, que... Um chuvisco assim que o sapo começa a cantar, a mamãe chamava Joé: – Olha, o Joé tá cantando, capaz do inverno ir pra frente agora. Aí, o inverno começava logo” (agricultor e pescador, 53 anos, comunicação pessoal, 2019).

De igual maneira, outras culturas utilizam o sapo como indicador do período chuvoso. Nogueira e Silva (2015, p. 28)Nogueira, M. M. T., & Silva, D. P. da. (2015). Prenúncio de chuvas por animais na visão de moradores da zona rural do município de Cuité-PB, Brasil. Anais do V Congresso Nordestino de Biologia. http://congresso.rebibio.net/congrebio2015/trabalhos/pdf/congrebio2015-et-05-001.pdf
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apontaram, por exemplo, que o período reprodutivo do sapo-cururu (Bufo marinus) – o qual apresenta comportamento diferente nos dias que antecedem a chuva – foi colocado como o preditor de chuvas mais eficaz para moradores da zona rural do município de Cuité, na Paraíba. Para os indígenas da Amazônia colombiana, a sequência de ciclos e estações se define em estreita relação com a presença massiva (ou não) de determinadas espécies, pois: “O tempo do sapo se chama assim devido ao canto deste animal, que define o início de um inverno ou final do verão”9 9 “El tiempo del sapo se llama así por el canto de este animal, que define el inicio de un invierno o final de un verano” (Rodriguez & van der Hammen, 2014, p. 92). (Rodriguez & van der Hammen, 2014Rodriguez, C. A., & van der Hammen, M. C. (2014). Cuando el tiempo no hace caso: la memoria profunda de los eventos climáticos extremos y adaptación al cambio climático en comunidades indígenas de la Amazonia colombiana. In R. Lara & R. Vides-Almonacid (Orgs.), Sabiduría y adaptación: el valor del conocimiento tradicional en la adaptación al cambio climático en América del Sur (pp. 81-99). UCN-Unión Internacional para la Conservación de la Naturaleza y de los Recursos Naturales., p. 92, tradução nossa). Na Espanha mediterrânea, a meteorologia popular replica que: “Quando os sapos (Bufo bufo e Bufo calamita) saem nos caminhos é que logo vai chover”10 10 “Cuando los sapos (Bufo bufo y Bufo calamita) salen a los caminos es que pronto va llover” (Mesa Jimenez et al., 1997, p. 104). (Mesa Jimenez et al., 1997Mesa Jimenez, S., Delgado Hierro, A. B., & Blanco Castro, E. (1997). Ritos de lluvia y prediccion del tiempo en la España mediterranea. In M. Goloubinoff, E. Katz, A Lammel (Orgs.), Antropología del clima en el mundo hispanoamericano (pp. 93–126). Abya-Yala., p. 104, tradução nossa).

Importa notar que a vocalização dos anfíbios está diretamente ligada ao seu período reprodutivo. Assim, Lima et al. (2006, pp. 25-24)Lima, A. P., Magnusson, W. E., Menin, M., Erdtmann, L. K., Rodrigues, D. J., Keller, C., & Hödl, W. (2006). Guia de Sapos da Reserva Adolpho Ducke, Amazônia Central. Áttema. explicam que “a maioria dos cantos produzidos pelos sapos é usada para cortejo” e que, por exemplo, “as rãs fossoriais Synapturanus mirandariberoi e S. salseri podem ser ouvidas vocalizando em túneis no subsolo durante chuvas fortes durante todo o ano. De fato, elas podem usar os trovões como um sinal de aproximação de uma tempestade . . .”. Conforme esses autores, “. . . a chuva e a consequente disponibilidade de corpos d’água e sítios terrestres com alta umidade atmosférica são provavelmente os fatores ambientais que influenciam a reprodução de muitos sapos”.

Também foi mencionado que pássaros e insetos indicam a aproximação do inverno, conforme narrado pelo agricultor (41 anos, comunicação pessoal, 2019) que citou a cigarra e o pássaro cauã: “a cigarra canta no pau seco é verão”; “tem um passarinho chamado coã, se ele cantar no pau seco é verão, se ele cantar no pau verde é inverno”. Outro agricultor (42 anos, comunicação pessoal, 2019) relatou ter perdido sua roça do ano anterior e expôs o ensinamento de seu pai, que atualmente não utiliza mais:

A saracura, um pássaro daqui da região. Quando ela começa a cantar pela parte da manhã, no município aqui, eles diz: – Olha! Tá próxima a chuva... Ela continuava sempre cantando, né? Aí, ele dizia: – Tá próxima a chuva! Aí, a gente aprende com ele [seu pai]. Eu aprendi com ele... Hoje, está mais pela palavra de Deus. Só Deus que sabe todas as coisas...

O agricultor e pescador (53 anos, comunicação pessoal, 2019) afirmou que sua mãe também observava a vocalização e o comportamento da saracura como bioindicador do inverno:

Aí, ele canta sempre assim de madrugada, cinco horas, né? Aí, a mamãe: – Olha! A saracura tá cantando, meu filho... Tá pra chover, tem que queimar o roçado. O seu roçado... Vai lá, se tiver bem seco, taca fogo, que já tá pra chover.

Similarmente aos sapos, pássaros como o cauã (Herpetotheres cachinnans) e o tetéu (Vanellus chilensis) indicam a chegada das chuvas em outras regiões brasileiras (Araujo et al., 2005Araujo, H. F. P. de, Lucena, R. F. P. de, & Mourão, J. S. (2005). Prenúncio de chuvas pelas aves na percepção de moradores de comunidades rurais no município de Soledade-PB, Brasil. Interciencia, 30(12), 764–769. http://ve.scielo.org/scielo.php?script=sci_abstract&pid=S0378-18442005001200008&lng=pt&nrm=iso
http://ve.scielo.org/scielo.php?script=s...
; Magalhães, 1952Magalhães, J. (1952). Previsões folclóricas das secas e dos invernos no nordeste brasileiro. Revista do Instituto do Ceará, 66, 253-268.; Marques, 1998Marques, J. G. W. (1998). Do canto bonito ao berro do bode: percepção do comportamento de vocalização em aves entre camponeses alagoanos, Revista de Etologia, (n. especial, 1998), 71–85. http://www.etologiabrasil.org.br/media/upload/publicacoes_revista/edicao-especial-1998_071.pdf
http://www.etologiabrasil.org.br/media/u...
, 2000Marques, J. G. W. (2000). Da gargalhada ao pranto: inserção etnoecológica da vocalização de aves em ecossistemas rurais de Brasil [Tese de Progressão Universidade Estadual de Feira de Santana].). Na Zâmbia, por exemplo, as pessoas preveem chuvas a partir do grito das cigarras. Para elas, quanto mais alto o som, mais chuva se espera (Mbata, 1999Mbata, K. J. (1999). Traditional uses of arthropods in Zambia: Medicinal and miscellaneous uses. Ethnobiology, 25(1), 93-114. citado em Sumi, 2018Sumi, A. (2018). Ethnoecological knowledge of the Sumi tribe of Nagaland: insects as bio-indicators of weather prediction. International Journal of Multidisciplinary and Current Research, 6, 1300–1304., p. 1300). Analogamente, para os indígenas da Amazônia colombiana, “os insetos, como a cigarra, com suas populações enormes e seus fortes cantos, marcam também uma época de verão para o início do ano, apontada como verão de cigarra por todas as comunidades indígenas”11 11 “Los insectos como la chicharra, con sus poblaciones enormes y sus fuertes cantos, marcan también una época de verano hacia principios del año, señalada como verano de chicharra por todas las comunidades indígenas” (Rodriguez & van der Hammen, 2014, p. 92). (Rodriguez & van der Hammen, 2014Rodriguez, C. A., & van der Hammen, M. C. (2014). Cuando el tiempo no hace caso: la memoria profunda de los eventos climáticos extremos y adaptación al cambio climático en comunidades indígenas de la Amazonia colombiana. In R. Lara & R. Vides-Almonacid (Orgs.), Sabiduría y adaptación: el valor del conocimiento tradicional en la adaptación al cambio climático en América del Sur (pp. 81-99). UCN-Unión Internacional para la Conservación de la Naturaleza y de los Recursos Naturales., p. 92, tradução nossa). Pellegrino (2011, pp. 15-14)Pellegrino, A. C. (2011). Influência da pressão atmosférica no comportamento sexual dos insetos [Tese de doutorado, Universidade de São Paulo]. afirma que “tempestades acompanhadas por diferentes combinações de ventos, chuvas, variações bruscas de temperatura e de radiação solar são manifestações climáticas frequentemente associadas com queda na pressão atmosférica”. Essa autora acrescenta que “os insetos podem detectar mudanças relacionadas à queda de pressão atmosférica, podendo indicar chuva”.

Houve, ainda, recordações de práticas transmitidas (não necessariamente utilizadas), sem conexões de causa e efeito aparente, ligadas a crenças cristãs, conforme a seguinte narração:

O papai fazia uma experiência no sal. Fazia as bolinhas do sal e colocava assim na quina da tábua. Acendia lá uma vela. Mas eu num sei se é dia de Santa Luzia e lá ele me chamava e escorria. O mês que ia chover... Escorria e o mês que não ia chover não escorria. E acontecia mesmo... Mês de maio às vezes escorria muito, às vezes... – Mês de maio vai ser forte! O papai... Ele não contava pra ninguém, ele falava só pra mim... (agricultor, 41 anos, comunicação pessoal, 2019).

Euclides da Cunha, em 1902, em sua obra “Os sertões”, já relatara o uso pelo sertanejo das pedras de sal no dia de Santa Luzia:

. . . E espera, resignado, o dia 13 daquele mês. Porque em tal data, usança avoenga lhe faculta sondar o futuro, interrogando a Providência. É a experiência tradicional de Santa Luzia. No dia 12 ao anoitecer expõe ao relento, em linha, seis pedrinhas de sal, que representam, em ordem sucessiva da esquerda para a direita, os seis meses vindouros, de janeiro a junho. Ao alvorecer de 13 observa-as: se estão intactas, pressagiam a seca; se a primeira apenas se deliu, transmudada em aljôfar límpido, é certa a chuva em janeiro; se a segunda, em fevereiro; se a maioria ou todas, é inevitável o inverno benfazejo . . .

(E. Cunha, 1984Cunha, E. (1984) [1902]. Os sertões. Três. [1902], p. 59).

Bioindicadores como o momento da floração da laranjeira e do café também foram colocados pelos entrevistados como um sinal de que ‘o inverno chega pra ficar’. Mesquita (2012, p. 65)Mesquita, E. (2012). Ver de perto pra contar de certo: as mudanças climáticas sob os olhares dos moradores da floresta [Tese de doutorado, Universidade Estadual de Campinas]., em seus estudos com habitantes do alto Juruá, encontrou várias falas que expuseram as mudanças na floração de algumas árvores da mata, indicando a chegada do verão. Ainda, a observação do volume do leito do rio mostraria a chegada do inverno, segundo relatos de um dos pescadores.

Desse modo, do universo de 18 entrevistados, entre pescadores/as e/ou agricultores/as, nove pessoas, ou seja, 50%, narraram saberes sobre predição de tempo a médio prazo. Destes, aproximadamente 88%, a grande maioria, relataram perceber a chegada do inverno associada a indicadores fotometeorológicos e/ou astronômicos. Os bioindicadores corresponderam à segunda categoria mais utilizada para prever a chegada dessa estação do ano (aproximadamente 66%), sendo os mais utilizados para prever o verão (22,22%). Outros sinais, categorizados como hidrológicos e crenças religiosas, disseram respeito a apenas 11,11% para prever o período chuvoso, conforme descrito na Tabela 4.

Tabela 4
Quantitativo do uso de (etno)previsão do tempo a médio prazo, de acordo com o indicador e a estação do ano. Legenda: * = contribuição de nove pessoas que usam ou não mais de um indicador.

PERCEPÇÕES DE MUDANÇAS E/OU DE VARIABILIDADE NO CLIMA E NO MEIO ECOLÓGICO

Um aspecto importante do clima é, sem dúvida, sua variabilidade, que se manifesta em distintas escalas de tempo e espaço e se caracteriza por flutuações frequentes em torno das médias climatológicas. Também, a mudança climática estaria relacionada a câmbios extremos nos regimes de chuva e temperatura, mas se caracterizaria por anomalias significativas no padrão de eventos atmosféricos, ou seja, no estado médio do clima ou de sua variabilidade por longos períodos. Porém, “cada cultura tem diferentes formas de conhecer, interpretar, perceber, representar, atuar e reacionar frente ao tempo atmosférico”12 12 “Cada cultura tiene diferentes formas de conocer, interpretar, percibir, representar, actuar y reaccionar frente al tiempo atmosférico y a los fenómenos y cambios climáticos, las cuales están ligadas a concepciones culturales particulares, situadas en lugares específicos” (Ulloa, 2014, p. 18). (Ulloa, 2014Ulloa, A. (2014). Dimensiones culturales del clima: indicadores y predicciones entre pobladores locales en Colombia. Batey: Revista Cubana de Antropología Sociocultural, 6, 17–33., p. 18, tradução nossa). Nesse sentido, López (2011López, N. M. (2011). Reflexiones sobre la perspectiva cultural en las políticas de cambio climático en Colombia: un acercamiento al análisis cultural y espacial de las políticas públicas. In A. Ulloa (Org.), Perspectivas culturales del clima (pp. 495–527). Universidad Nacional de Colombia., p. 496, tradução nossa) afirmou que:

. . . o clima é antes de tudo o resultado da forma com que os indivíduos percebem, se apropriam e interpretam os eventos meteorológicos e climáticos que ocorrem ao seu redor. Portanto, o conceito de clima é uma construção cultural que se elabora a partir de processos materiais e simbólicos, e que denota aspectos culturais, espaciais e históricos13 13 “. . . el clima es ante todo el resultado de la forma en que cada individuo percibe, se apropia e interpreta los eventos meteorológicos y climáticos que ocurren a su alrededor. Por lo tanto, el concepto de clima es una construcción cultural que se elabora a partir de procesos materiales y simbólicos, y que denota aspectos culturales, espaciales e históricos” (López, 2011, p. 496). .

No quilombo, percepções de ‘anomalias climáticas’ sazonais foram expressas, expondo sentimentos de mudanças ou variações nos padrões do clima local. Desse modo, o plantio estaria sendo afetado pela dificuldade de antecipar a chegada da época chuvosa, advertido pela desorientação das pessoas com relação ao período habitual de inverno e verão. Assim, um fenômeno tido como atípico foi o início do inverno em meados do mês de novembro de 2018, incorrendo em anomalia para alguns (principalmente aqueles com idade inferior a aproximadamente 60 anos) e relatado como algo que ocorria em sua infância ou juventude, na época de seus antepassados, de quem aprenderam que o roçado deveria ser preparado até o dia 15 de novembro, tido como marcador do início do inverno por outros (com mais de 60 anos).

Nesse sentido, um agricultor (78 anos, comunicação pessoal, 2019) afirmou que aprendeu dos antigos que o roçado deveria ser queimado até o dia 15 de novembro, narrando que:

Antes, dos mais velhos, assim que eu cheguei aqui, se você não queimasse seu roçado até pelo dia 15 de novembro, já ia de ficar dificultoso pra queimar, porque o inverno chegava cedo. Olha, no ano passado, foi um ano que ficou muito roçado sem queimar, porque o povo já tava naquele costume, porque teve um verão muito forte, foi fazer inverno já em fevereiro. Aí, eles... Se despreocuparam. Só quem queimou por aqui foi eu, o [cita o agricultor de 69 anos], pouca gente. Quem tem roçado do ano passado... De mandioca já...

A agricultora (63 anos, comunicação pessoal, 2019) corroborou a afirmação ora mencionada, enfatizando o que aprendeu de sua mãe. Colocou o desmatamento como principal motivo de ‘mudança’ do clima local: “Antes era assim, até dia 15. Depois do dia 15 já esperava inverno. Aí, depois, eu acho que com a desmatação e tudo, né? Já ficou fazendo verão mês de dezembro, janeiro... Às vezes, já ia chover em fevereiro”. Também relatou variabilidade no calendário das chuvas, o que teria prejudicado o plantio da maioria dos agricultores:

Só que o ano passado, como o povo já tava acostumado nisso, deixaram pra botar roçado já no mês de novembro, dezembro, só que não queimaram, porque o inverno começou em novembro, como era antes. Pouca gente, é conferido as pessoas que queimou... Os mais velho que são mais cuidadoso pra colocar mais cedo. Até janeiro queimava. Aí, esse ano passado... Deu um susto... Era muita chuva. Num tinha quase verão pra cá não, era mais era chuva

(agricultora, 63 anos, comunicação pessoal, 2019).

Essa visão de variabilidade foi reafirmada pela narrativa de outro agricultor (81 anos, comunicação pessoal, 2019), o qual enfatizou: “a gente botava em setembro o roçado, pra queimar antes de janeiro. Às vezes, era sempre provável, quando o inverno não começava dia de finado, mas... Num demorava nadinha”.

O agricultor (42 anos, comunicação pessoal, 2019) que não perdeu a roça afirmou que o ‘descontrole’ do comportamento das estações do ano interferiu no planejamento das atividades da maioria dos agricultores do quilombo que não preparou seus roçados em tempo hábil, conforme relatou: “hoje em dia, o tempo já tá meio descontrolado, a gente num sabe quando é que vai começar o inverno, né? Aí, a gente já fica... No caso, muita gente perdeu a roça... Por causa disso, eu fui esperto, porque eu tava caçando e eu vi... Na beira do rio [Ele ouviu o coaxar dos sapos]”. Outro agricultor (41 anos, comunicação pessoal, 2019), que, apesar de não ter plantado devido à perda da janela de plantio causada pela ‘antecipação’ do período chuvoso (esperado por ele somente a partir do mês de janeiro), descreveu: “eu nunca tinha visto. Geralmente chegavam umas chuvazinhas logo no começo do inverno, mas davam um tempo. Mas os nossos antigos mesmo, eles diziam pra queimar roçado até o dia 15 de novembro, depois é por conta de Deus”. Segundo sua reflexão, o aumento da temperatura não é decorrente da mudança no clima, e sim da desflorestação. Dessa forma, expôs que “foi o desmatamento, seca, queimada mesmo . . . . não foi o tempo que esquentou mais, foi a devastação mesmo”. Comentou que havia igarapés que teriam secado, afirmando sobre esse fato que:

O igarapé eu chegava lá e pulava de frechada. Hoje não tem como. Tá seco, acabado, abandonado! Tem a casa de forno lá, não funciona... Não funciona porque agora não tem água. O igarapé era uma maravilha. A gente não tem é relatos fotográficos da época. Tem de agora. Mas eu me lembro assim, na mente eu sei como era tudinho (agricultor, 41 anos, comunicação pessoal, 2019).

O agricultor (78 anos, comunicação pessoal, 2019) recordou ser o igarapé chamado Paruru o que foi mencionado pela agricultora de 63 anos: “Secou... E era muito bonito lá, muito bonito, mas também... É só um lavado lá, não tem mais uma árvore! Ainda tem parece que uma ilha de mato lá, mas de vez em quando entra gente pra querer derrubar”.

Esse igarapé era drenado pelo rio Guamá e, uma vez que foi assoreado, teria deixado apenas um rastro de lama no local, especialmente no período chuvoso, quando as águas do rio se elevam. Apesar de tentativas de recuperação, como a construção de uma barragem, ainda não teriam obtido sucesso. O agricultor (41 anos, comunicação pessoal, 2019) apontou como causa do assoreamento as atividades de seixeiras e olarias (por conta da extração da argila) e do desmatamento. Para ele, essas mudanças em seu meio ecológico, apesar de interferirem no microclima do território quilombola, uma vez que afirmou perceber temperaturas mais elevadas (ao menos dentro de sua casa), não estariam exatamente associadas às mudanças no padrão do clima, pois reconhece que os antigos já teriam vivenciado comportamento semelhante. Para ele, a causa seria o desflorestamento, a devastação e as queimadas na área.

Uma das entrevistadas (42 anos, comunicação pessoal, 2019) relatou que, no ano anterior, não chegou nem a queimar a roça pelo adiantado das chuvas e afirmou: “a gente fiquemo esperando chegar mais perto de dezembro, né? Aí foi que a chuva começou em novembro, aí todo mundo se atrasou”. Com relação ao ‘tempo’ de seus pais, expôs que tanto a paisagem como o ‘tempo’ atmosférico e o ‘tempo’ de pôr a roça eram distintos, segundo narrou:

Nesse tempo também, aqui pra onde nós trabalha era muito diferente porque era muito sombrio e as árvores eram muito grande, e hoje não, elas já são mais pequena, né? Naquele tempo, tinha que botar o roçado mais antes, porque passava mais tempo pros paus murcharem... E agora não, a gente tem isso, botando, quando é com dez dias, 15 dias, já tá bom de botar fogo

(agricultora, 42 anos, comunicação pessoal, 2019).

A agricultora prosseguiu ponderando sobre a desorientação das estações do ano e sua influência na floração das plantas, afirmando estarem distintas: “pra cá, né? Foi misturado o verão com inverno. Com muita chuva, quer dizer... É difícil... Quando chove assim elas botam a flor já diferente”. E concluiu: “Eu acho que tem uma diferença sim, porque tem muita gente que fala que aonde tá descampado o sol habita mais, faz mais quente. E naquele tempo não”.

Outros/as dos/as que participaram da pesquisa relacionaram alterações percebidas às mudanças climáticas a entendimentos abstraídos de notícias difundidas pelos meios de comunicação. Nesse sentido, o agricultor (81 anos, comunicação pessoal, 2019) conjecturou: “isso aí é porque o pessoal tão acabando com as mata né? Aí, vai mudando o clima. Já tem até estrangeiro se preocupando com o Amazonas, né? A gente assiste no jornal. A natureza se vinga...”.

Do mesmo modo, outro agricultor (69 anos, comunicação pessoal, 2019) também ‘percebeu’ alterações relativas à chegada e à intensidade do inverno: “eu tô achando que tá chovendo mais agora que antes. Eu tô com 69 anos, nunca tinha visto... Este ano choveu muito! Todo mundo se admirou”. Ele afirmou não perder um programa jornalístico apresentado durante a madrugada: “Tô achando que o tempo tá mudando muito. Dá muita coisa que passa contando no meio do mundo”. Uma agricultora (68 anos, comunicação pessoal, 2019) relatou como causa de mudanças no clima, além do desmatamento, profecias relacionadas ao ‘fim das épocas’ narradas por antepassados que se manifestariam em câmbios climáticos: “eu acho que, pelos velho, diziam assim pra gente: que por fim das época, tudo ia acontecer. Aquilo que nunca tinha acontecido ia acontecer. Então, eu acho que... é isso... os início dessas coisa que tá vindo, né?”. Refletiu sobre o calor, que, segundo ela, estaria “acima do que era antes”. Concluiu, no entanto, que: “Também num era muito descampado e agora é mais descampado...”.

Uma das agricultoras (43 anos, comunicação pessoal, 2019) contou perceber que chove mais atualmente e que ‘antes’ chovia menos e fazia mais frio. Sempre no verão, sente que faz muito frio e, no inverno, faz calor. Ela e seu esposo perderam a roça no ano anterior porque o inverno chegou mais cedo, no dia 26 de novembro. Ele, agricultor de 42 anos, assegurou que o inverno chegava em janeiro, mas, no ano passado (2018), chegou em novembro e, em 2019 (ano da pesquisa), em meados de dezembro ainda não havia chegado. Ele, assim como a agricultora de 68 anos, ora mencionada, atribuiu tais mudanças ‘ao fim dos tempos’:

Eu tenho aprendido sobre a palavra de Deus. O próprio Jesus, ele nos ensina na palavra que, no final dos tempos, o sol ele ia baixar mais, e isso também é ciência, né? Os estudioso da ciência sabe disso, né? O verão ou o inverno ia ficar mais curto. O tempo, ele ia passar mais rápido e a gente tá percebendo isso, né? Então, já houve muita mudança sim. Eu tenho sentido que isso tá acontecendo. O tempo tá mudando sim, com certeza. Tá ficando mais quente. Nos últimos dia, tem chovido muito, né? Ele mudou muito de uns dias pra cá. Inclusive este ano, o inverno chegou mais cedo, né? E mais forte de que alguns já uns oito a dez anos, né? Que tem acontecido isso e veio acontecer agora...

(agricultor, 42 anos, comunicação pessoal, 2019).

Já para o pescador de 74 anos, mudanças no tempo teriam sido observadas a partir da diminuição dos recursos pesqueiros, comparado ao tempo de sua infância, lamentando em seu relato:

O clima todo é mudado, é... Eu pesco há 50... 60 anos... Comecei a pescar com oito anos. Naquele tempo, tinha muita fartura. Eu tava com 5, 6 anos de idade... O futuro hoje tá muito fracassado, né? Então, como eu falei, no inverno, muita fartura de peixe, o rio baixou, calmou o peixe. O peixe desce, né? Já na época que eu me criei, não, cansei de sair onze horas de casa, meio-dia chegava. U’mora dessas tava em Ourém, com 25, 28 quilos de peixe vendendo, dava pros meu pais, dava pra minha sogra, meu sogro. Ficava peixe pra comer, né? E hoje ninguém... ninguém faz isso, nem no... Como que faço... Nunca mais...

(pescador, 74 anos, comunicação pessoal, 2019).

Os diálogos apresentados corresponderam à opinião de 11 pessoas que discorreram sobre suas percepções a respeito de eventos que remeteriam a possíveis mudanças ou variabilidades em torno do clima. Destes, 36,36% demonstraram ter vivido – ou saber pelos seus ‘antigos’ – acontecimentos a exemplo das chuvas que teriam se antecipado no ano de 2018, como já havia ocorrido e que estava voltando a ocorrer de modo semelhante, logo, passível de padrão de variabilidade climática. E 72,72%, corroboraram a ocorrência das mudanças climáticas. Metade destes possui uma média de 40 anos de idade. Duas pessoas com mais de 60 anos também disseram perceber mudanças, ainda que relacionadas, em parte, à divulgação advinda dos telejornais. Um destes agricultores (81 anos), inclusive, observou tendências para ambas as percepções.

Arguez e Vose (2011, p. 699)Arguez, A., & Vose, R. S. (2011). The definition of the standard WMO climate normal: the key to deriving alternative climate normals. Bulletin of the American Meteorological Society, 92(6), 699-704. https://doi.org/10.1175/2010BAMS2955.1
https://doi.org/10.1175/2010BAMS2955.1...
discorreram que a Organização Meteorológica Internacional (OMI), precursora da Organização Meteorológica Mundial (OMM), já preconizava uma definição do clima como resultado de uma média de trinta anos das condições atmosféricas, que seriam decorrentes da síntese das variáveis meteorológicas que o compõem, tais como: precipitação, temperatura, pressão atmosférica, umidade, vento e radiação solar. Se atentarmos para o que preconizava a OMI (atual OMM) sobre essa definição, apenas pessoas com cerca do dobro de idade correspondente aos trinta anos poderiam ter experiências com relação a repetições do padrão climático (conforme entendido pela ciência formal). Nesse aspecto, a memória e a transmissibilidade de saberes ‘assumem’ um papel essencial, uma vez que conhecimentos e percepções podem sofrer atualizações, com base em influências e experiências mais recentes. Nesse sentido, Santos Junior (2014, p. 79)Santos Junior, R. A. O. (2014). Notas sobre o dualismo sociedade/natureza e o papel das ciências sociais na questão ambiental. In I. C. G. Vieira, P. M. de Toledo & R. A. O. Santos Junior (Eds.), Ambiente e sociedade na Amazônia: uma abordagem interdisciplinar (pp. 79-100). Garamond. atenta para percepções que seriam imputadas às mudanças no clima pelo senso comum, as quais poderiam tornar-se “. . . passíveis, portanto, de uma apropriação nos termos de uma experiência imediata de ‘leigos’ [sic]”, pois, “quando se fala assim em mudanças climáticas, trata-se de transformações numa escala de tempo de muitos anos a várias décadas ou mais . . .”.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este artigo investigou o uso (ou não) das práticas e conhecimentos populares ou tradicionais sobre predições ou diagnóstico de fenômenos atmosféricos a curto e médio prazos, bem como percepções sobre mudança e/ou variabilidade climática dos habitantes do quilombo Mocambo, em Ourém, Pará. A partir dos diálogos expostos, verificou-se que, na maioria dos casos apresentados, os/as saberes/práticas pesquisados/as também são (ou foram) utilizados em outros ambientes (como no sertão nordestino) e outras culturas – como a indígena, ibérica e africana –, de acordo com o encontrado na literatura. Muitos, apesar de não expressarem saberes ou conhecimentos naturais e climáticos próprios, revelaram que seus ‘antigos’ detinham esse conhecimento e que esses saberes e seus usos foram ensinados por meio da tradição oral e da observação de elementos da natureza. Isso leva a crer que a ancestralidade seria um elemento determinante para uso de análises e prognósticos em Mocambo. Contudo, há que se considerar que a carência em habilidades digitais, especialmente para os mais idosos, bem como o acesso a computadores, por exemplo, sejam fatos que poderiam favorecer a permanência da prática de não aceder às previsões de órgãos oficiais, ainda que para corroborar ou complementar as suas (e vice-versa). Ademais, esta prática não seria fomentada por esses órgãos em comunidades como as quilombolas. Ainda, nem todos têm aparelhos, como televisores e antenas, que lhes permitam aceder a previsão do tempo exibida em telediários, e os que os têm apresentaram nela pouca confiança, pois são apresentados em escala regional, e não local. Observou-se que algumas das técnicas por eles utilizadas não foram necessariamente incompatíveis com conhecimentos obtidos pela ciência formal, apesar de se fundamentarem, sobretudo, em conhecimentos empíricos antigos e/ou intuitivos.

De um modo geral, pode-se inferir que houve considerável desuso ou atualizações de experiências mais recentes, dos saberes ou práticas populares, transmitidas ou aprendidas dos antepassados dos moradores entrevistados do quilombo Mocambo, bem como houve certa desconexão com seu meio natural. Essa perda e/ou desconexão se refletiu, por exemplo, na perda da safra do ano de 2019, em que a maioria dos agricultores não preparou a terra antes do inverno ‘amazônico/paraense’, em 2018, com impactos em sua renda e hábito alimentar. Muitas podem ser as causas para que tais práticas sejam raramente (ou não) utilizadas, mas pôde-se constatar, a partir dos relatos, que aqueles (poucos) que dela lançaram mão como ferramenta de predição se abstiveram do mesmo destino dos que não as observaram. Destarte, em face à vulnerabilidade socioambiental a que a comunidade parece estar exposta, considera-se que a valorização de seus conhecimentos, saberes ou práticas populares certamente contribuirá para a prevenção e a mitigação dos impactos provocados por variações, anomalias ou alterações do tempo e do clima. Tal valorização não deveria ser desconsiderada ou estar dissociada do conhecimento científico formal e das discussões climáticas, que vêm ocupando o centro dos debates globais e no qual a Amazônia e suas populações tradicionais também estão inseridas.

  • 1
    O páramo é um ecossistema situado a elevadas altitudes ao norte dos Andes sul-americanos (entre 2.800-4.800 m acima do nível médio do mar).
  • 2
    Baweta estaria associado à constelação da Tartaruga na iconografia Tikuna, a qual, em comparação com a astronomia ocidental, estaria relacionada às constelações das Plêyades e Perceu.
  • 3
    “. . . variaciones estacionales en la morfología social de las sociedades esquimales” (Camós, 2004Camós, E. C. (2004). Debates acerca de la antropología del tempo (Estudis D’antropologia Social I Cultural, n. 10). Edicions Universitat Barcelona., p. 10).
  • 4
    “To successfully build new epistemic foundations, accounts of innovation and experimentation must bridge the indigenous/Western divide” (Agrawal, 2014Agrawal, A. (2014). Indigenous and scientific knowledge: some critical comments. Antropologi Indonesia, (55). http://doi.org/10.7454/ai.v0i55.3331
    https://doi.org/10.7454/ai.v0i55.3331...
    , p. 4).
  • 5
    Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima.
  • 6
    “O Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) é uma política de apoio e incentivo à agricultura familiar no Brasil. Por meio dessa iniciativa, agricultores, cooperativas e associações vendem seus produtos para órgãos públicos que compram os alimentos da agricultura familiar, sem necessidade de licitação” (ver Gov.br, 2020Gov.br. (2020, fevereiro 2). Entenda como funciona o Programa de Aquisição de Alimentos. [site]. https://www.gov.br/pt-br/noticias/agricultura-e-pecuaria/2020/01/entenda-como-funciona-o-programa-de-aquisicao-de-alimentosGov.br. (2022, junho 26).
    https://www.gov.br/pt-br/noticias/agricu...
    ).
  • 7
    “Entre las observaciones del tiempo reportadas con mayor frecuencia se encuentran las nubes oscuras que se reúnen en el horizonte o aquella masa en el cielo” (Orlove et al., 2011Orlove, B., Roncoli, C., Kabugo, M., & Majugu, A. (2011). Conocimiento climático indígena en el sur de Uganda: múltiples componentes de un sistema dinámico regional. In A. Ulloa (Org.), Perspectivas culturales del clima (pp. 183-222). Universidad Nacional de Colombia., p. 200).
  • 8
    Segundo o Ministério da Agricultura “O defeso é a paralisação temporária da pesca para a preservação das espécies, tendo como motivação a reprodução e/ou recrutamento, bem como paralisações causadas por fenômenos naturais ou acidentes” (Gov.br, 2019Gov.br. (2019, janeiro 1). Solicitação de Seguro Desemprego do Pescador Artesanal – SDPA “Seguro-Defeso”. [site]. https://www.gov.br/agricultura/pt-br/assuntos/aquicultura-e-pesca/pesca/periodo-defeso
    https://www.gov.br/agricultura/pt-br/ass...
    ).
  • 9
    “El tiempo del sapo se llama así por el canto de este animal, que define el inicio de un invierno o final de un verano” (Rodriguez & van der Hammen, 2014Rodriguez, C. A., & van der Hammen, M. C. (2014). Cuando el tiempo no hace caso: la memoria profunda de los eventos climáticos extremos y adaptación al cambio climático en comunidades indígenas de la Amazonia colombiana. In R. Lara & R. Vides-Almonacid (Orgs.), Sabiduría y adaptación: el valor del conocimiento tradicional en la adaptación al cambio climático en América del Sur (pp. 81-99). UCN-Unión Internacional para la Conservación de la Naturaleza y de los Recursos Naturales., p. 92).
  • 10
    “Cuando los sapos (Bufo bufo y Bufo calamita) salen a los caminos es que pronto va llover” (Mesa Jimenez et al., 1997Mesa Jimenez, S., Delgado Hierro, A. B., & Blanco Castro, E. (1997). Ritos de lluvia y prediccion del tiempo en la España mediterranea. In M. Goloubinoff, E. Katz, A Lammel (Orgs.), Antropología del clima en el mundo hispanoamericano (pp. 93–126). Abya-Yala., p. 104).
  • 11
    “Los insectos como la chicharra, con sus poblaciones enormes y sus fuertes cantos, marcan también una época de verano hacia principios del año, señalada como verano de chicharra por todas las comunidades indígenas” (Rodriguez & van der Hammen, 2014Rodriguez, C. A., & van der Hammen, M. C. (2014). Cuando el tiempo no hace caso: la memoria profunda de los eventos climáticos extremos y adaptación al cambio climático en comunidades indígenas de la Amazonia colombiana. In R. Lara & R. Vides-Almonacid (Orgs.), Sabiduría y adaptación: el valor del conocimiento tradicional en la adaptación al cambio climático en América del Sur (pp. 81-99). UCN-Unión Internacional para la Conservación de la Naturaleza y de los Recursos Naturales., p. 92).
  • 12
    “Cada cultura tiene diferentes formas de conocer, interpretar, percibir, representar, actuar y reaccionar frente al tiempo atmosférico y a los fenómenos y cambios climáticos, las cuales están ligadas a concepciones culturales particulares, situadas en lugares específicos” (Ulloa, 2014Ulloa, A. (2014). Dimensiones culturales del clima: indicadores y predicciones entre pobladores locales en Colombia. Batey: Revista Cubana de Antropología Sociocultural, 6, 17–33., p. 18).
  • 13
    “. . . el clima es ante todo el resultado de la forma en que cada individuo percibe, se apropia e interpreta los eventos meteorológicos y climáticos que ocurren a su alrededor. Por lo tanto, el concepto de clima es una construcción cultural que se elabora a partir de procesos materiales y simbólicos, y que denota aspectos culturales, espaciales e históricos” (López, 2011López, N. M. (2011). Reflexiones sobre la perspectiva cultural en las políticas de cambio climático en Colombia: un acercamiento al análisis cultural y espacial de las políticas públicas. In A. Ulloa (Org.), Perspectivas culturales del clima (pp. 495–527). Universidad Nacional de Colombia., p. 496).
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Editado por

Responsabilidade editorial: Claudia Leonor López Garcés

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    15 Ago 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    28 Mar 2021
  • Aceito
    03 Nov 2021
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