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A lanterna de Diógenes de Sinope: Metáporo e o infinito debate da Comunicação

The Diogenes of Sinope’s lantern: Metaporo and the endless debate on Communication

MARCONDES, Ciro. FILHO. Das Coisas que nos fazem pensar: o debate sobre a Nova Teoria da Comunicação. São Paulo: Ideias & Letras, 192. 2014.

Resumo

Das Coisas que nos fazem pensar: O debate sobre a Nova Teoria da Comunicação é o livro que descreve os primeiros momentos de debate e divulgação, por Ciro Marcondes Filho, da Nova Teoria da Comunicação e do metáporo. O objetivo da presente resenha é demonstrar como o livro se caracteriza enquanto um percurso feito pelo autor de disseminação e defesa de sua construção ontológica, epistemológica e metodológica da Comunicação em sua busca para transformá-la de ciência aplicada para ciência pura.

Palavras-chave
Nova Teoria da Comunicação; metáporo; ontologia; epistemologia

Abstract

On the things that make us think: A debate on the New Theory of Communication is a book that describes the first moments of the debates and disclosures on the new theory of communication and its metaporal method, proposed by Ciro Marcondes Filho. This review aims to characterize the book as the author’s journey to spread and support his ontological, epistemological and methodological construction of the communication during his quest to transform it from an applied science into a pure science.

Keywords
New Theory of Communication; metaporo; ontology; epistemology

Desde seu estabelecimento no Brasil, nos anos de 1960, é possível afirmar que “a chamada ‘pesquisa comunicacional’ não passava de um desdobramento, de uma “aplicação” de pesquisas de outras áreas (da sociologia, da antropologia, da ciência política, da psicologia, da psicanálise, da semiótica ou da semiologia” (MARCONDES FILHO, 2014, p. 7-8). A comunicação é sempre o objeto de saberes mais consolidados. Era ciência aplicada, não tendo a capacidade de ser uma ciência em sua ontologia e epistemologia próprias.

Com essa afirmação, Ciro Marcondes Filho, professor titular da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, reintroduz a sua empreitada de criar a “Nova Teoria da Comunicação”, desenvolvida por ele desde 1989 e consolidada entre 2010 e 2011 com a publicação dos cinco tomos de O princípio da razão durante – a Nova Teoria da Comunicação.

Estamos assim diante de uma comunicação que não é nem informação ou sinalização, mas um processo que rompe e quebra, criando sentidos novos. Marcondes Filho (2014, p. 9) cita Gilles Deleuze para dizer que a “comunicação seria algo que violenta”. Ao contrário de O princípio da razão durante, Das Coisas que nos fazem pensar não é o livro da teoria da Nova Teoria da Comunicação e do metáporo1 1 Marcondes Filho (2014, p. 8) nos diz que “a Nova Teoria dedicou-se à construção de um conceito de comunicação aplicável a todos os fenômenos comunicacionais [...], assim como à constituição de um novo procedimento de pesquisa, o metáporo”. O metáporo se constitui em uma espécie de relato, onde “o relato metapórico, dessa maneira, aproxima-se da produção literária, na qual se tenta atingir certa qualidade estética e artística do texto, necessária para que o leitor faça uma imersão plena na realidade que está sendo descrita. Descreve-se uma cena, apresentam-se os “achados”, esses ficam disponibilizados, tornados públicos, dispostos como numa instalação estética que aspira ter a capacidade de retraduzir por meios linguísticos diversos um contexto para todo aquele que não esteve lá. A preocupação é fazer o leitor sentir junto, na genuína acepção do termo alemão sich einfühler, sentir a coisa por dentro” (MARCONDES FILHO, 2014, p. 142 ). , mas sim do debate acerca dos dois com diversos campos epistemológicos e pesquisadores vinculados à Comunicação.

Esse é um caminho muito claro para o leitor do livro. As páginas que compõem o livro seguem os passos de Marcondes Filho e seu grupo de pesquisa, o Núcleo de Estudos Filosóficos da Comunicação (FiloCom) da Universidade de São Paulo, no trabalho de divulgação e de debate da Nova Teoria da Comunicação. Debate esse que, de certa forma, inicia-se com um portal.

O portal do qual mencionamos é o primeiro capítulo, intitulado “A questão do outro, o segredo”. Nele, o autor introduz a questão do Outro já em uma era contemporânea, digital, fazendo menções aos últimos autores de tradicionais escolas de pensamento filosófico tal como o Existencialismo e o Pós-Estruturalismo.

Da diferença insignificante, que introduz o outro, e passando pela ética da relação, há a conclusão de um olhar interessante acerca do fenômeno comunicacional. Para Ciro Marcondes Filho (2014, p. 23), a ação de relacionar e abrir-se com o Outro “nos libera caminhos, opções, alternativos, propostas, projetos, iniciativas. Isso é resultado da comunicação. Mas o que ocorre daí para frente, o que vai acontecer, é de responsabilidade de cada um e por isso ele responde perante si, seu povo e sua história”.

Isso nos leva para o capítulo dois, que propõe uma revisitação a Emmanuel Levinas a partir da questão do feminino. Aqui, Marcondes Filho constrói um Outro que opera para além da aceitação da diferença, e sim em sua abertura, mesmo na diferenciação de similaridade. Tendo caracterizado o Outro, o autor passa para a dimensão temporal da comunicação, o kairós, o durante em seu capítulo três. Lembrando-se de noções temporais de clássicas de experiência, tal como thauma, Erfahrung e Erlebnis, há uma aforização pela busca do tempo apropriado, do momento oportuno, do presente que se coloca disponível. Esse seria o tempo da Comunicação e o principal cronógrafo do acontecimento comunicacional.

Acontecimento esse que é o tema do quarto capítulo, focado no debate com Lucrécia d’Aléssio Ferrara. A professora, que defende a construção dos acontecimentos comunicacionais para estudá-los, “acontecimentalizando-os”, foca em uma crítica posta muito próxima daquela feita por Derrida. Para responder a isso, há uma caracterização mais complexa daquilo que é a proposta metapórica enquanto metodologia comunicacional, respondendo acerca de sua passividade:

“Passivo” em nosso caso quer dizer não interveniente, não interventor, não manipulador. Não tem nada a ver com inércia, indiferença, inação ou submissão. Nosso pesquisador da comunicação é um estudioso engajado, interessado, dinâmico, atento a cada minúcia do acontecimento, preocupado em apreender tudo que o envolve, um verdadeiro leitor atento da cena. No dizer de Husserl, ele é um “espectador do mundo” (MARCONDES FILHO, 2014, p. 87).

Com isso, chegamos na metade do livro com um método que valoriza a abertura ao Outro, calcado em um tempo durante, estudado por um pesquisador “espectador do mundo”. Estamos diante de uma epistemologia “proustiana” que começa a investigar suas profundezas.

Uma profundeza é a própria incomunicação, tema do quinto capítulo centrado no debate com José Luiz Braga. Aqui, pela primeira vez no livro, há o embate de duas epistemologias bem demarcadas enquanto propostas para o campo da Comunicação: o metapórico contra o praxiológico. Esse embate, calcado nas diferenças fáticas, esportivo-lúdicas e, até mesmo, na diferença, serve de introdução para a ideia do próximo capítulo, que possui o interessante título de “Do quase-método”.

Eis aqui o ser da comunicação enquanto “evento-enquanto-ocorrência, que tem lugar em coordenadas de espaço e tempo próprias, circunstância na qual sente-se que coisas mudaram, consciências se transformaram, modos de ver o mundo sofreram viradas substantivas, que a comunicação, em suma, aconteceu” (MARCONDES FILHO, 2014, p. 112).

Após essa definição, o último embate que a Nova Teoria da Comunicação e o metáporo precisa passar em sua jornada é acerca da questão etnográfica-complexa posta pelo pensamento de Edgar Morin, tema do oitavo e último capítulo. Nele, metáporo precisa se diferenciar tanto do etnográfico como do recepcional para se consolidar enquanto epistemologia autônoma.

Partindo da distinção do dizer e do dito, bem como o uso de diagramas para o posicionamento do fenômeno comunicacional, Ciro Marcondes Filho se distingue de Morin quando diz que o filósofo francês

quer revelar os mistérios, quando a intenção não é revelar nenhum mistério, pois assim cairíamos novamente nas armadilhas de significação, da compreensão, da interpretação, em suma, da posse da verdade. A nossa intenção, em nosso caso, é fazer a imersão para sentir e apresentar a comunicação (MARCONDES FILHO, 2014, p. 184).

Nessa jornada que Ciro Marcondes Filho faz o leitor vivenciar em Das Coisas que nos fazem pensar parece, no limite, caracterizá-lo enquanto um Diógenes de Sinope do campo de comunicação que, com sua lanterna (o metáporo), busca aquilo que muitos acreditam que é impossível, especialmente em tempos interdisciplinares: transformar a Comunicação de ciência aplicada para ciência pura.

A virtude do metáporo, tal como apreendemos nas páginas do livro, está no debate significativo que ele promove ao se chocar com outras teorias. O metapórico nasceu comunicacional enquanto tudo que ele embate é filosófico, sociológico, historiográfico, antropológico. Sua vantagem parece clara e seu método parece o sonho de todo pesquisador de comunicação, pois está enraizado no saber-fazer das profissões que o campo científico visa formar.

No entanto, tal como Diógenes de Sinope, o metáporo também cria a sua própria armadilha. Relembrando que o relato metapórico do acontecimento não pode cair naquilo que se pode chamar de reconstrução porque “qualquer remontagem será necessariamente uma representação, uma elaboração outra, uma ficção” (MARCONDES FILHO, 2014, p. 112), o risco “proustiano” está no fato de que, mesmo descrevendo, ainda estamos no limite de uma estória. Aquele que assiste o mundo, tal como Husserl diz tanto, está vivenciando um teatro dele, tal como bem diz Descartes que, para Husserl, é o grande inspirador das reflexões fenomenológicas.

Assim, o pharmakon do metáporo reside que ele, em si, ao relatar-descrever também pode se “estoricizar”, transformar-se em representação tal como as outras. O seu durante pode se tornar o relativo e múltiplo e toda forma de demarcação se transformar em uma violência da violência que comunicação promove.

O problema da Nova Teoria da Comunicação reside no mesmo risco vivenciado pela Fenomenologia de Husserl, pela Teoria dos Conjuntos de Cantor e pela Conceitografia de Frege. Sua completude pode trazer os paradoxos tão bem definidos por Gödel, mas também por Russell, e se transformarem problemáticos em uma dimensão metalinguística.

Afinal, há possibilidade de fazer o metáporo do metáporo, ou seja, relatar metaporicamente o pesquisador comunicacional que relata metaporicamente? Talvez esseseja mais um dos debates que o professor Ciro Marcondes Filho necessita fazer no avanço de sua Nova Teoria da Comunicação. Afinal, ela, ao ser comunicada a seus pares, precisa ser violentada, modificada, caso contrário, ela se contradiz a si mesma, invalidando-se.

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    Marcondes Filho (2014, p. 8) nos diz que “a Nova Teoria dedicou-se à construção de um conceito de comunicação aplicável a todos os fenômenos comunicacionais [...], assim como à constituição de um novo procedimento de pesquisa, o metáporo”. O metáporo se constitui em uma espécie de relato, onde “o relato metapórico, dessa maneira, aproxima-se da produção literária, na qual se tenta atingir certa qualidade estética e artística do texto, necessária para que o leitor faça uma imersão plena na realidade que está sendo descrita. Descreve-se uma cena, apresentam-se os “achados”, esses ficam disponibilizados, tornados públicos, dispostos como numa instalação estética que aspira ter a capacidade de retraduzir por meios linguísticos diversos um contexto para todo aquele que não esteve lá. A preocupação é fazer o leitor sentir junto, na genuína acepção do termo alemão sich einfühler, sentir a coisa por dentro” (MARCONDES FILHO, 2014, p. 142 ).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Apr 2016
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