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Espaço, lugar e território no cinema

Space, place and territory in cinema

Resumo

Em um contexto em que tanto os estudos cinematográficos quanto cineastas de estilos variados conferem importância crescente à dimensão espacial dos filmes, este estudo propõe uma forma singular de enxergar as noções de espaço, lugar e território no campo do cinema. O intuito é não somente evitar mal-entendidos, mas sobretudo dar sustentação conceitual à elaboração de operadores analíticos mais específicos àquilo que se deseja estudar na espacialidade de uma obra cinematográfica.

Palavras-chave
cinema; filme; espaço; lugar; território

Abstract

In a context in which both film studies and various filmmakers give increasing importance to the spatiality of films, this paper proposes a particular way of seeing the notions of space, place and territory in the field of cinema. The aim is not only to avoid misunderstandings, but above all to give conceptual support to the elaboration of analytical operators specific to what one wishes to study in the spatiality of a cinematographic work.

Keywords
cinema; film; space; place; territory

Introdução

Em livro dedicado à análise fílmica (AUMONT; MARIE, 2004______. L’analyse des films. Paris: Armand Colin, 2004.), Michel Marie e Jacques Aumont afirmam que o tema não é propriamente uma disciplina. Os autores indicam, contudo, que é uma área propensa à aplicação, ao desenvolvimento e à criação de teorias e de disciplinas. Este artigo resulta, justamente, de um esforço conceitual decorrente de uma empreitada analítica. Seu embrião reside em outra pesquisa, de maior fôlego, em que observamos um grupo de filmes brasileiros realizados nos últimos quinze anos, como O som ao redor, Aquarius (Kleber Mendonça Filho, 2012, 2016), Branco sai, preto fica (Adirley Queirós, 2014), A vizinhança do tigre (Affonso Uchoa, 2014), Um lugar ao sol (Gabriel Mascaro, 2009), Que horas ela volta? (Anna Muylaert, 2015). Constatamos empiricamente, junto com críticos, estudiosos e cineastas como Cléber Eduardo, Juliana Rojas, Mariana Cunha, Érico Araújo e Claire Allouche, que a dimensão espacial tem importância singular no cinema brasileiro recente. A preocupação com o espaço comporia um eixo que perpassa obras de boa parte de uma jovem geração de cineastas, a despeito da diversidade que existe entre elas. Com base nessa primeira observação, damos um passo atrás e colocamos as seguintes indagações: o que designamos, precisamente, quando falamos em espaço? A que a noção de espaço pode se referir no universo do cinema?

O espaço é uma condição de existência da imagem, seja ela uma pintura, uma fotografia ou uma animação. A imagem implica necessariamente uma espacialidade, nem que seja apenas aquela do chamado “espaço plástico” (AUMONT, 1993AUMONT, J. A imagem. Campinas: Papirus, 1993.), que concerne a sua superfície, composição, disposição de cores, zonas de claro e escuro. O teórico francês André Gardies chegou a pensar que, no cinema, o espaço seria anterior ao tempo, já que indispensável desde o fotograma (GARDIES, 1993GARDIES, A. L’espace au cinéma. Paris: Méridiens Klincksieck, 1993.). Élie Faure vai ainda mais longe quando afirma, com convicção, que “o cinema incorpora o tempo ao espaço. Ou melhor, o tempo, por ele, se torna realmente uma dimensão do espaço” (FAURE, 1922FAURE, E. De la cinéplastique. In: L’arbre d’éden. Paris: Crès, 1922. Disponível em: <http://www.uqac.uquebec.ca/zone30/Classiques_des_sciences_sociales/index.html>. Acesso em : maio 2015.
http://www.uqac.uquebec.ca/zone30/Classi...
, p. 14)1 1 Nota a respeito da tradução: todas as citações de livros em língua estrangeira são de nossa tradução. .

Entretanto, a noção de espaço pode suscitar mal-entendidos. Ela é objeto de estudo de áreas do saber extremamente diversas: física, matemática, geografia, arquitetura, astronomia, etc. Ainda que fosse restrita ao campo do cinema, a dimensão espacial englobaria instâncias tão distintas quanto a superfície das imagens, a ilusão de profundidade causada no espectador, os formatos de captação, ou também certos aspectos extrafílmicos, como os espaços de difusão (sala, museu, galeria, quarto) ou os locais de filmagem. Estudos recentes confirmam a amplitude desse leque: o “pensamento cartográfico das imagens” (CASTRO, 2011CASTRO, T. La pensée cartographique des images: cinéma et culture visuelle. Lyon: Aléas, 2011.) estudado por Teresa Castro não se atém às mesmas questões que o “atlas da emoção” (BRUNO, 2002BRUNO, G. Atlas of emotion: Journeys in Art, Architecture, and Film. Nova York: Verso, 2002.), de Giuliana Bruno, cuja visada é também distinta da noção de imagem-espaço (GAUDIN, 2011GAUDIN, Antoine. L’image-espace. Pour une géopoétique du cinéma. Orientador: Philippe Dubois. 2011. Tese (Doutorado) Universidade de Paris 3, 2011.), que Antoine Gaudin assenta sobre bases fenomenológicas.

No âmbito da análise fílmica, não seria insensato afirmar que qualquer grupo de filmes é passível de ser observado sob o prisma espacial. Porém, é provável que haja mais diferenças do que semelhanças entre cineastas como Michelangelo Antonioni, Michael Snow e Elia Suleiman, ainda que o apego ao espaço seja reconhecido e reivindicado pelos três.

Diante de tamanha diversidade, em partes tributária da flutuação semântica do conceito, pareceu-nos pertinente buscar uma noção cuja definição fosse mais restrita e, sobretudo, mais atrelada às especificidades dos filmes brasileiros analisados. Entre essas especificidades, a que se revelou mais pujante, atravessando muitas obras com estilos heterogêneos, diz respeito à dimensão política do espaço. Nos filmes mencionados de Gabriel Mascaro, Anna Muylaert, Kleber Mendonça Filho, Adirley Queirós e Affonso Uchoa, a composição do espaço fílmico corporifica tensões e rupturas do tecido social. O espaço, com frequência o local de moradia dos personagens, emerge como um ponto de confluência entre engajamento social e criação estética. Foi então que o conceito de território se nos impôs, por estar historicamente atrelado às linhas de força que atravessam os espaços ocupados por grupos humanos. O movimento de engajamento vivido pelo cinema brasileiro pós-Retomada estaria, portanto, ao menos parcialmente, ancorado numa tomada de posição de ordem territorial.

Concebemos, então, baseados em conceituação oriunda sobretudo da geografia, uma distinção entre as ideias de espaço, lugar e território, indicando aspectos de filmes variados que estariam mais próximos de cada uma delas. É essa distinção que gostaríamos de apresentar ao leitor, na esperança de que ela possa contribuir com outras análises e ajudar a preencher uma lacuna conceitual recorrente em trabalhos dedicados ao estudo da dimensão espacial do audiovisual. A fim de testar a pertinência da proposta em outras cinematografias, daremos menor ênfase ao cinema brasileiro, diferentemente da pesquisa que nos conduziu a formular esse arcabouço conceitual. Uma vez que a finalidade do texto é antes teórica que analítica, comentaremos apenas superficialmente um conjunto bastante heterogêneo de filmes, sem a pretensão de a constituir um corpus coeso, mas somente de ilustrar a que podem aludir as ideias abstratas enunciadas.

Cabe indicar, ainda, que não temos a pretensão de cunhar uma conceituação restritiva ou normativa, mas simplesmente compartilhar uma visada que se mostrou frutífera em um estudo específico e pode eventualmente servir a outras finalidades.

Espaço

Entre os close-ups da areia do deserto e as imagens de satélite de galáxias longínquas, o documentário Nostalgia da luz (2010), de Patricio Guzmán, descortina um amplo espectro de escalas espaciais, indo do infimamente pequeno ao imensamente grande. Esse filme nos lembra que há espaços aquém e além das escalas implicadas em nossas práticas cotidianas. Ele acaba por frisar, talvez de modo involuntário, que o espaço compreende todas as escalas da matéria, tanto microscópicas quanto interestelares. Essa é uma especificidade importante da ideia de espaço com relação àquela de lugar ou de território. Ela está menos diretamente vinculada à atividade humana2 2 Se essa asserção não se aplica tão diretamente à geografia, que tende a restringir o espaço a sua relação com sociedades humanas, ela pode ser averiguada no campo da física (JAMMER, 2008) e da filosofia (KANT, 2012). .

Já a noção de lugar é mais restrita, e pode ser definida como uma porção de espaço significada e nomeada pelo humano, que nela costuma desenvolver práticas e atividades. É o caso, para dar exemplos aleatórios, de uma cozinha, uma rua, uma colina, um edifício, um porto, etc. O lugar é, segundo o dicionário geográfico de Michel Lussault e Jacques Lévy, a unidade básica da relação dos seres humanos com o espaço (LÉVY; LUSSAULT, 2013LÉVY, J.; LUSSAULT, M; (org.). Dictionnaire de la géographie et de l’espace des sociétés. Paris: Belin, 2013., p. 613).

Se a maioria dos filmes representa ou apresenta uma série de lugares em suas imagens, uma incursão pelo cinema experimental permite constatar que certos cineastas trabalham com espacialidades que escapam da categoria de lugar. Por vezes, esses realizadores elaboram espacialidades abstratas, inomináveis, não identificáveis. São espaços que não estabelecem relação de analogia com aqueles de nosso uso corrente. A escolha de se contrapor à prática cinematográfica dominante e de se eximir de figurar lugares é feita frequentemente em prol da espacialidade própria às imagens, a saber, a superfície plana. Mesmo que essa superfície sobre a qual desfilam cores, texturas, zonas de sombra e luz não remeta à noção de lugar ou de território, ela permanece, contudo, dentro do espectro do espaço. Com efeito, a categoria de espaço é, entre todas elas, a mais vasta e maleável. Presente em todas as imagens, ela pode se tornar, ipso facto, pouco eficaz para expressar especificidades. Talvez seja, portanto, preferível reservá-la para os parâmetros imagéticos irredutíveis à ideia de lugar e de território. Eis abaixo alguns exemplos dessa irredutibilidade.

Há muitos séculos, os seres humanos recorreram a aparelhos, como a luneta, o telescópio e o microscópio, para ampliar seu espectro de visão e discernir espacialidades dificilmente perceptíveis a olho nu. Pode-se considerar a câmera cinematográfica uma dessas invenções técnicas que permitem enxergar espaços ínfimos ou monumentais, inabituais na vida ordinária, ainda que, diferentemente do telescópio e do microscópio, ela tenha sido construída, fundamentalmente, para emular a visão humana. Entusiasmado pelo novo horizonte de possíveis aberto pela relação entre homem e câmera, Dziga Vertov concebeu o conceito de kinoglaz, cine-olho, (AUMONT; MARIE, 2003AUMONT, J; MARIE, M. Dicionário teórico e crítico do cinema. Campinas: Papirus, 2003.), celebrando a possibilidade de auscultar, com o auxílio do cinematógrafo, o que seria imperceptível sem ele. (Fig. 1 e Fig. 2)

Figuras 1 e 2
Fotogramas do filme Tom, Tom, The Piper’s Son, de Ken Jacobs, 1969. Fonte: Ken Jacobs, Tom, Tom, The Piper’s Son, 1969.

A variação de escala é uma das múltiplas formas pelas quais o cinema, sobretudo o cinema experimental, vislumbra espacialidades pouco familiares e dá ênfase a topografias insubmissas ao reconhecimento e às práticas humanas. Em Tom, Tom, The Piper’s Son (1969), o cineasta Ken Jacobs retoma um filme homônimo de 1905 e opera reenquadramentos às vezes suficientemente pronunciados para extrair espaços abstratos de onde originalmente eram vistos lugares imediatamente reconhecíveis. A intervenção do cineasta chama a atenção do espectador para o fato de que determinada porção de espaço (possivelmente organizada como um lugar identificável) contém virtualmente uma infinidade de outras espacialidades que passam desapercebidas ao modo como costumamos olhar o mundo que nos cerca. Jacobs faz aparecer, ali onde notávamos apenas um local relativamente comum, espaços outros. Dá a ver, também, por alterações na velocidade da projeção da película, aquilo que boa parte dos filmes quer escamotear: a imagem enquanto superfície plana, seus grãos, e o movimento descontínuo da película. Os indivíduos na imagem deixam de ser percebidos como seres humanos. Seus movimentos passam a compor uma dinâmica exclusivamente plástica. Sendo o lugar a unidade básica da relação dos sujeitos com o espaço, é comum que filmes que se libertam dessa categoria se desapeguem também da figura humana. (Fig. 3)

Figura 3
Fotograma do filme Night Music, de Stan Brakhage, 1986. Fonte: Stan Brakhage, Night Music, 1986.

A tentativa de desarticular a relação de analogia entre imagem e mundo se exprime também em boa parte da filmografia de Stan Brakhage, cuja pesquisa artística mira um tipo de saber visual “estrangeiro à linguagem” (BRAKHAGE, 2001BRAKHAGE, S. Essential Brakhage: selected writings on filmmaking. Nova Iorque: Documentext, 2001., p, 12). Em Dog Star Man (1961-1964), por exemplo, ele engendra espacialidades radicalmente divergentes daquelas experimentadas pelo espectador em sua vida cotidiana, com sua própria forma, cosmogonia, movimentos e temporalidades. O título Dog Star Man já indica que o referencial humano será apenas um dos três componentes do filme, ao lado do cão e da estrela, que evocam respectivamente o mundo animal e o espaço sideral. O caso de seus filmes pintados à mão é ainda mais extremo, à medida que renunciam à ilusão de profundidade e até mesmo ao procedimento de captação da imagem fotográfica, criando figuras puramente abstratas. Trata-se de afirmar, com maior veemência, o espaço plástico da imagem, que, de acordo com Jacques Aumont, é mais flagrante em imagens abstratas do que em quaisquer outras (AUMONT, 1993AUMONT, J. A imagem. Campinas: Papirus, 1993., p. 49). Brakhage se esforça, realmente, segundo seus próprios escritos, para produzir “aventuras perceptivas” a partir de “um olho que ignora a composição lógica” (BRAKHAGE, 1998BRAKHAGE, S. Métaphores et vision. Paris: Stan Brakhage Éditions du Centre Pompidou, 1998., p. 19) e que estaria desprovido da bagagem cultural das sociedades humanas, mesmo que isso seja propriamente impossível.

Já em La région centrale (1971), de Michael Snow, a iniciativa de ir em direção ao inumano não passa pela abstração ou pela variação de escala. Ela repousa numa experiência fílmica que sugere uma dissociação entre o olhar da câmera e o olhar de um homem ou de um fotógrafo. Michael Snow encomendou uma máquina munida de braços articulados capazes de rotacionar a câmera em todos os sentidos. Os longuíssimos planos registrados com esse sistema deixam pressentir, por movimentos acrobáticos incessantes, que o que é visto na tela não foi filmado por uma pessoa que enxergava através das lentes do aparelho. As circunvoluções produzem uma espacialidade que alude à orbita dos astros, ainda mais se levarmos em conta que o sol e a lua fazem parte dos poucos elementos identificáveis nas imagens. Nenhum ser humano é visto, e a presença do ciclo entre o dia e a noite, que prescinde do homem, parece reforçar o interesse pelo não humano.

Em certo sentido, La région centrale remete aos filmes do primeiro cinema chamados pelos anglófonos de phantom rides (GRIEVESON; KRAMER, 2004GRIEVESON, L; KRAMER, P. (org.). The Silent Cinema Reader. Londres: Routledge, 2004.). Trata-se de pequenos filmes, realizados desde o fim do século XIX, em que a câmera se encontra presa ao maquinário de um trem ou de um automóvel. Tais imagens surpreendiam porque colocavam o espectador numa posição que uma pessoa não poderia ocupar, daí a ideia do ponto de vista de um fantasma (panthom). Se La région centrale não é um ride, pois não efetua nenhuma trajetória, os movimenos voltejantes da câmera também geram a impressão de que não correspondem a um olhar humano.

Décadas antes do underground norte-americano, as vanguardas dos anos 1920 já haviam desafiado amplamente a vocação mimética da imagem cinematográfica, elaborando espacialidades que não se apresentam como lugares comuns, conhecidos pelas sociedades. Em 1921, Hans Richter, em Rhythmus 21, e em 1926, Marcel Ducham, em Anemic cinema, conferem movimento a figuras geométricas simples, brincando com a superfície da imagem, testando os limites da ilusão de profundidade.

Se a noção de espaço engloba todo o espectro de espacialidades possíveis, talvez ela não seja a mais profícua para a análise de obras que convocam e concebem majoritariamente espaços familiares, identificáveis, nomeáveis, relacionados a sentidos atribuídos pelas sociedades humanas, ou seja, lugares.

Lugar

A noção de lugar é menos abrangente que a de espaço e compartilha com a ideia de território o fato de passar por uma elaboração humana, senão fisicamente, ao menos em termos de significado. Nas palavras do geógrafo Michel Lussault, “o lugar constitui o espaço de base da vida social” (LÉVY; LUSSAULT, 2013LÉVY, J.; LUSSAULT, M; (org.). Dictionnaire de la géographie et de l’espace des sociétés. Paris: Belin, 2013., p. 613). Trata-se, sumariamente, de uma área antropizada. Portanto, apesar de sua abrangência, a ideia de lugar descarta os extremos da escala espacial, como o infinitesimal e o astronômico.

Michel Lussault postula que:

um verdadeiro lugar só existe plenamente quando possui uma dimensão social, tanto em termos de práticas quanto de representações, quando ele se inscreve como um objeto identificatório, num funcionamento coletivo, carregado de valores comuns nos quais os indivíduos podem potencialmente — não sistematicamente — se reconhecer.

(LÉVY; LUSSAULT, 2013LÉVY, J.; LUSSAULT, M; (org.). Dictionnaire de la géographie et de l’espace des sociétés. Paris: Belin, 2013., p. 613)

No âmbito do cinema, a maioria dos filmes não demonstra a intenção de se apartar da categoria de lugar. Pelo contrário, propõe um universo diegético com espaços relativamente familiares, nomináveis, em profundidade. Os cineastas podem, contudo, utilizar sua criatividade para alterar o sentido ordinário dos lugares, tratá-los de forma singular, recriá-los cinematograficamente. É o caso do aeroporto-hospital de Playtime (1967), forjado por Jacques Tati com a curiosa fusão de dois lugares bem conhecidos em nossa sociedade. Trata-se da criação de um lugar peculiar, que não excede, ainda assim, os limites daquilo que entendemos por lugar. Tati expressa, cinematograficamente, por meio da estranheza entre os personagens e os lugares, suas ressalvas acerca da arquitetura/sociedade moderna. (Fig. 4)

Figura 4
Fotograma do filme Playtime, de Jacques Tati, 1967. Fonte: Jacques Tati, Playtime, 1967.

No início dos anos 1990, André Gardies percebeu, com grande acuidade, que:

tão logo entramos no mundo diegético, uma abundância de objetos se oferece aos olhos e ouvidos. Isso é uma banalidade. Não exatamente, no entanto. Porque até o presente momento estávamos tratando nas páginas anteriores somente da questão do espaço; não obstante, com a entrada no mundo diegético, o espaço tende a atenuar-se em benefício de uma outra entidade, também uma realidade perceptiva, aquela dos lugares. O que se oferece aos olhos e ouvidos são objetos locativos: uma planície, uma montanha, uma cidade, uma casa, uma falésia em que ondas se arrebentam, uma rua deserta ou transbordando de atividades urbanas, etc. (GARDIES, 1993GARDIES, A. L’espace au cinéma. Paris: Méridiens Klincksieck, 1993., p. 69).

O que Gardies afirma a propósito dos lugares não é válido somente para os filmes de ficção, mas também para a maioria dos documentários, bem como para parte do cinema experimental. Podemos retroceder até as primeiras vues de Lumière, como a do trem na estação de Ciotat, ou a da saída dos trabalhadores da usina. Tais exemplos indicam que o o cinemató-grafo, destinado, por sua própria etimologia, a grafar movimentos quaisquer, tende geralmente a restringir seu campo de observação e a se apresentar como uma combinação entre uma antropo-grafia e uma sito-grafia, dando a ver, globalmente, seres humanos e lugares, aos quais se acrescentam os objetos.

Um grande número de cineastas fez da concepção dos lugares e do tratamento cinematográfico a eles conferido uma marca registrada de seu estilo de mise-en-scène, opondo-se assim ao modelo fornecido pelo cinema clássico hollywoodiano. No classicismo de Hollywood, tal como descrito por David Bordwell e Kristin Thompson (BORDWELL; THOMPSON, 1976BORDWELL, D; THOMPSON, K. Space and narrative in the films of Ozu. In: Screen, v. 2, n. 17, 1976.), os lugares fílmicos são subordinados à ação, submetidos a uma relação de causalidade, devendo passar desapercebidos, a não ser quando respondem diretamente a uma necessidade narrativa. Entre os vários realizadores que não se enquadraram nesse esquema e que atribuíram centralidade aos locais filmados e a sua interação com os personagens, Yasujiro Ozu foi o que mais interpelou Bordwell e Thompson, com a paciência e a frontalidade com que filma, em contra-plongée, os cômodos das moradas de seus personagens. Podemos citar outros casos, como o de Friedrich Murnau, que mobilizou a dicotomia entre campo e cidade em Aurora (1927), além de ter elaborado (com a ajuda de seu exímio fotógrafo, Karl Freund) uma espacialidade cinematográfica própria por meio da técnica da câmera desencadeada (unchained; déchaînée). Caberia lembrar ainda do destaque dado às cidades nas sinfonias urbanas; do trabalho de John Ford, em Stagecoach (1939), que inaugura no cinema a paisagem que se tornou célebre nos westerns; ou mesmo dos cenários do expressionismo alemão; e ainda do apreço dos neorrealistas pelas ruas, periferias e outros rincões das cidades italianas no pós-guerra. Mais recentemente, a pesquisadora Corinne Maury escreveu um livro dedicado a mostrar que a composição de lugares está no cerne da obra de uma parcela dos realizadores mais criativos da contemporaneidade, como Pedro Costa, Chantal Akerman e Lisandro Alonso.

Se “a caracterização de um espaço como um lugar é o resultado de uma construção” (LÉVY; LUSSUALT, 2013LÉVY, J.; LUSSAULT, M; (org.). Dictionnaire de la géographie et de l’espace des sociétés. Paris: Belin, 2013., p. 612), tal construção se dá notadamente por meio do uso (DUARTE, 2002DUARTE, F. Crise das matrizes espaciais: arquitetura, cidades, geopolítica, tecnocultura. São Paulo: Perspectiva, 2002., p. 65), e uma das utilizações mais primordiais que o ser humano faz do espaço consiste, simplesmente, em habitá-lo. O verbo habitar não se reduz ao seu sentido principal, que designa o ato de morar em um local, inclui também a ideia de estar habituado3 3 O verbo habitar deriva do latim habitare, “ter frequentemente”, de que deriva também habituado e hábito (LUSSAULT; PAQUOT; YOUNÈS, 2007, p. 10). a ele, ambientado, ou nele exercer regularmente certa atividade. Nesse sentido, não habitamos somente em nossas casas, mas também numa rua, num bairro, numa cidade, num país. Por isso, Corinne Maury escreve que “no centro da noção de lugar se encontra, portanto, o habitar, estruturado por elos complexos, incessantemente atualizados, entre sujeito e espaço” (MAURY, 2018MAURY, C. Du parti pris des lieux dans le cinéma contemporain: Akerman, Alonso, Costa, Dumont, Huilet & Straub, Mograbi, Tarr... Paris: Hermann, 2018., p. 9). De fato, muitos filmes que dão ênfase aos lugares se compõem como poéticas do cotidiano, atentos às habitações dos personagens. É o caso de alguns filmes de Yasujiro Ozu ou de Chantal Akerman, entre muitos outros. No célebre Jeanne Dielman, 23 Quai du Commerce, 1080 Bruxelles (Chantal Akerman, 1975), o próprio título do filme, composto de um nome e um endereço, sublinha o vínculo da protagonista com seu domicílio. A obra se restringe a um único local, refletindo assim o confinamento domiciliar da figura da dona de casa em seu dia a dia. A mise-en-scène pela qual os ambientes domésticos e os hábitos a ele associados vem à tona tem grande relevância e se imprime, entre outras dimensões, na espacialidade dos planos, geralmente médios e frontais, com poucas variações, emanando certa monotonia plástica. O efeito de repetição e a longa duração das tomadas narrativamente esvaziadas parecem provocar no espectador a exasperação tacitamente contida na protagonista. A poética de Jeanne Dielman, com todo seu potencial crítico acerca do papel da mulher na sociedade, reside notadamente na forma de encenar práticas cotidianas associadas à esfera do lar.

Se, na esteira de geógrafos como Michel Lussault, o lugar seria uma unidade espacial de pequena escala, outros autores chegam a considerar o próprio planeta Terra um lugar, à medida que ele é por excelência o habitat da espécie humana (DARDEL, 1990DARDEL, É. L’homme et la Terre: nature de la réalité géographique. Paris: CTHS, 1990.). É a ideia de ecúmena4 4 O autor ressignifica a noção de ecúmena, atribuindo-lhe uma dimensão ontológica: o ser humano é, ele próprio, definido com base em sua economia com a superfície terrestre. (BERQUE, 1987BERQUE, A. Écoumène: introduction à l’étude des milieux humains. Paris: Belin, 1987.), que designava na Grécia Antiga a terra habitada ou habitável; a Terra como lar do homem. A utilidade do termo na Antiguidade se dava notadamente porque muitas regiões hoje povoadas não podiam ser ocupadas naquela época. Com base nessa definição, pode-se pensar que haveria um cinema da ecúmena, um cinema que observa os lugares e os espaços fílmicos como habitados ou potencialmente habitáveis, interrogando ao mesmo tempo os lugares e aqueles que os ocupam. Os exemplos possíveis são incontáveis, como No quarto de Vanda (Pedro Costa, 2000) ou O segredo das águas (2014) e Sabor da vida (2015), ambos de Naomi Kawase, ou o clássico A aventura (1960), de Michelangelo Antonioni.

Na Antiguidade, à ecúmena se opunha o eremos, o deserto, região inabitável por definição (BERQUE, 1987BERQUE, A. Écoumène: introduction à l’étude des milieux humains. Paris: Belin, 1987.). O eremos era habitado apenas pelo eremita, aquele que não tem casa. Podemos tentar imaginar também o que seria um cinema do eremos, no qual os espaços fílmicos não parecem habitáveis (por sua falta de profundidade ou por seu aspecto abstrato, por exemplo). O cinema do eremos talvez devesse incluir também os filmes que exploram as potencialidades dos desertos e ruínas. Em La région centrale (1971), de Michael Snow, a desumanização inscrita no próprio processo fílmico ecoa na escolha de posicionar a câmera justamente em um deserto, na região central do Canadá. Em No home movie (2015), Chantal Akerman vincula as imagens de um deserto à dificuldade de se sentir em casa em Israel ou onde quer que seja. Em Paris Texas (Win Wenders, 1984), a travessia de um deserto instaura um devir eremita no protagonista, Travis, que chega a perder momentaneamente as funções de linguagem próprias aos humanos.

Além de apresentar lugares com ilusão de profundidade, identificáveis e nomeáveis, os filmes podem ainda dar primazia às relações de poder que se imprimem nesses lugares e que se tornam perceptíveis por meio deles. Há cineastas que se esforçam para relacionar os locais filmados a tensões políticas, explicitando as linhas de força que estão em jogo em sua composição (ou na forma como são frequentados e habitados). As habitações e o habitar são, em alguns filmes, enxergados não apenas em sua dimensão íntima, familiar, mas também como parte de um tecido urbano e social urdido numa dinâmica de conflitos. Nas palavras de Raquel Rolnik (2015)ROLNIK, R. Guerra dos lugares: a colonização da terra e da moradia na era das finanças. São Paulo: Boitempo, 2015., uma “guerra dos lugares” estaria em marcha, e quando o cinema decide enxergar os lugares por esse prisma, adentra-se no âmbito do território.

Território

Se toda imagem é dotada de espacialidade (contém um espaço plástico), ela não representa necessariamente lugares, como mostram os filmes pintados à mão por Stan Brakhage, em que local algum é reconhecível ou nomeável. Entre os filmes que figuram lugares, que são majoritários no universo do cinema, apenas uma parcela demonstra franco interesse pela dimensão territorial. Assim, o arco estabelecido entre a ideia de espaço e aquela de território vai do geral ao específico. Resta descrever contudo, algumas especificidades que diferenciam a noção de território da de lugar e de espaço.

Já comentamos brevemente que, como o lugar, mas diferentemente do espaço, o território é uma produção humana. Sem ser ocupado, transformado, possuído, representado ou controlado por indivíduos, um espaço será dificilmente considerado um território. O geógrafo Guy Di Méo afirma que “é a partir de nossas experiências vividas, no sentido triplo de nossas práticas, representações e capacidade de conceitualizar, que chegamos a territorializar o espaço” (DI MÉO, 1991DI MÉO, G. L’homme, la société, l’espace. Paris: Anthropos, 1991., p. 144-145). O espaço seria a matéria-prima a partir da qual o território é fabricado, e sua fabricação compreende uma série de operações. Claude Raffestin acrescenta que:

é essencial compreender que o espaço ocupa posição de anterioridade com relação ao território. O território é gerado a partir do espaço, ele é o resultado de uma ação conduzida por um ator sintagmático (ator que realiza um programa) a qualquer nível que seja. Se apropriando concretamente ou abstratamente (por exemplo, pela representação) de um espaço, o ator “territorializa” esse espaço. [...] O território, nessa perspectiva, é um espaço no qual foi projetado um trabalho, ou seja, energia, informação, e que, por consequência, revela relações marcadas pelo poder.

(RAFFESTIN, 1980RAFFESTIN, C. Pour une géographie du pouvoir. Paris: Librairies techniques, 1980., p. 129)

Derivada do latim territorium, a etimologia de território confirma que o termo está historicamente atrelado a um exercício de poder: “territorium designava, primeiramente, na Idade Média, um certo número de feudos e localidades pelos quais se estendiam a autoridade e o poder eclesiásticos e, mais tarde, as terras sobre as quais pesavam as leis e os poderes de um Estado”. (LACOSTE, 2003LACOSTE, Y. De la géopolitique aux paysages: dictionnaire de la géographie. Paris: Armand Colin, 2003., p. 379-380). O território é, portanto, um conceito eminentemente político ou, mais precisamente, geopolítico. Pressupondo uma relação de força, a territorialização do espaço acarreta uma economia relacional. Assim como falamos em relações de classe ou em relações de gênero, é possível pensar também em relações de território, designando os embates entre indivíduos e coletividades que agem sobre o espaço.

Desse modo, o território não deve ser confundido com a terra. Um realizador pode se interessar profundamente pelo motivo ou os efeitos da terra, sem interrogá-los sob o prisma do território. É o caso do cineasta experimental Emmanuel Lefrant. Uma de suas práticas enquanto realizador consiste em enterrar latas de películas cinematográficas em diferentes locais do globo, deixando a terra (a umidade, os minerais) agirem sobre o suporte fílmico durante alguns meses. As reações químicas ocorridas nesse ínterim produzem efeitos visuais diversos, como se nota no curta-metragem Underground, de 2001. Nessa obra, a ação telúrica é visceral, mas o viés territorial está ausente.

A citação de Claude Raffestin evocada acima traz ainda um elemento que rege a relação entre cinema e território. O autor sustenta que a elaboração dos territórios se dá também por meio de produções discursivas. Ou seja, entre os gestos que territorializam o espaço e lhe conferem uma dimensão política, como ocupá-lo, estabelecer fronteiras, encontra-se sua formulação simbólica. Isso ocorre desde a atribuição de um topônimo5 5 Um indício da importância que o cinema brasileiro recente confere aos lugares e territórios se apresenta no próprio título dos filmes, que contém amiúde topônimos reais ou imaginários, ou mesmo instâncias espaciais mais abstratas. É o caso, entre tantos outros, de Um lugar ao sol, Avenida Brasília Formosa (Gabriel Mascaro, 2009, 2011); A cidade é uma só?, Era uma vez Brasília (Adirley Queirós, 2011, 2017); A vizinhança do tigre (Affonso Uchoa, 2014); O som ao Redor, Aquarius, Bacurau (Kleber Mendonça Filho, 2012, 2016, 2019); Baronesa (Juliana Antunes, 2018); ou mesmo de Corumbiara (Vincent Carelli, 2009) e de Serras da Desordem (Andrea Tonacci, 2006), realizados por cineastas de gerações anteriores. até a formulação de enredos históricos, podendo passar por produções artísticas e midiáticas variadas. Por isso, o cinema não deve ser considerado unicamente um sintoma ou um decalque do território, mas um de seus agentes. O audiovisual tem a capacidade de fazer território. Jean-Louis Comolli chegou a escrever, em tom baudrillardiano, que “a cidade filmada substitui aos poucos a cidade real, ou melhor, ela se torna o real da cidade” (COMOLLI, 2004COMOLLI, J.-L. Voir et pouvoir. L’innocence perdue: cinéma, télévision, fiction, documentaire. Lagrasse: Verdier, 2004., p. 545). Assim, quando Chantal Akerman dedica um documentário-instalação à fronteira entre o México e os Estados Unidos (De l’autre côté, 2002), ela confere novas camadas de sentido a essa fronteira, tomando posição diante das linhas de força que nela se travam. O desejo de modificar concretamente a repartição de um território é mais explícito no cinema militante, como em Martírio (2017), no qual Tatiana Almeida, Ernesto de Carvalho e Vincent Carelli visam assegurar o direito dos povos indígenas sobre suas terras, ou em Vingue tudo, mas deixe um de meus olhos (2005), em que Avi Mograbi insulta soldados israelenses por não abrirem a fronteira a palestinos que esperam para passar durante horas sob o sol.

Essas características do território já bastariam para marcar a oposição entre um filme como Brasília: a construção de um sonho6 6 Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=XepohaDjNQo>. Acesso em: maio 2018. (Rodrigo Astiz e Pedro Gorski, 2010) e A cidade é uma só? (Adirley Queirós, 2011). Realizados praticamente ao mesmo tempo, e com temáticas aparentemente similares, as iniciativas são antagônicas. O primeiro enxerga Brasília unicamente como um lugar, isento de conflitos, descrevendo suas características urbanísticas e arquiteturais. Já o segundo vislumbra a capital brasileira como um território, com tensões de diferentes ordens, injustiças históricas, preconceitos e fraturas entre o centro e as cidades-satélites. A diferença apontada não reside, então, apenas no desnível qualitativo entre os filmes (em termos de criatividade cinematográfica), mas também na forma como os espaços e lugares são encarados e formulados pelos cineastas.

Se o termo território é frequentemente empregado para designar uma região ou um país sobre o qual um Estado exerce poder soberano, a “geografia do poder”, de Claude Raffestin, reclama uma mudança de paradigma. O autor remete a uma “crítica à geografia política clássica” (RAFFESTIN, 1980RAFFESTIN, C. Pour une géographie du pouvoir. Paris: Librairies techniques, 1980., p. 7), alegando que nela “tudo se passa como se o Estado fosse a única instância do poder, como se todo o poder estivesse nele concentrado” (RAFFESTIN, 1980RAFFESTIN, C. Pour une géographie du pouvoir. Paris: Librairies techniques, 1980., p. 10). Raffestin defende que uma verdadeira geografia do poder deve cessar de ser exclusivamente uma geografia do Estado, para enxergar tanto o político quanto o territorial além e aquém dos governos. O autor afirma, desse modo, que “do Estado ao indivíduo, passando por todas as organizações pequenas e grandes, encontramos atores sintagmáticos que ‘produzem’ território” (RAFFESTIN, 1980RAFFESTIN, C. Pour une géographie du pouvoir. Paris: Librairies techniques, 1980., p. 138). A necessidade apontada pelo geógrafo de ir das macroestruturas à escala individual foi constatada também em outras disciplinas das ciências humanas, como a sociologia e a história, nas quais surgiram, respectivamente, o livro A representação do eu na vida cotidiana, de Erving Goffman (2002)GOFFMAN, E. A representação do eu na vida cotidiana. Petrópolis: Vozes, 2002., e o artigo La micro-histoire [A micro-história], de Carlo Ginzburg e Carlo Poni (1981)GINZBURG, C; PONI, C. La micro-histoire. In: Le Débat, n. 10, 1981..

Nesse contexto, o cinema ocupa posição estratégica, uma vez que parte dos enredos cinematográficos demonstra certa desenvoltura na realização de idas e vindas entre um território concebido (abstrato, de grande escala) e um território vivido (individual ou comunitário, de pequena ou média escala). Em muitos filmes que trazem questões territoriais, os poderes exercidos e seus efeitos são tratados de uma perspectiva aproximada de um número relativamente restrito de lugares e personagens, convocando suas experiências pessoais, mesmo quando os poderes em questão remetem a esferas nacionais ou mesmo internacionais. É assim, por exemplo, quando Sylvain George lida, em Qu’ils reposent en révolte (Des figures de guerres I), com o tema da imigração na Europa, observando e interagindo, com olhar documental e lúdico, com alguns imigrantes que se encontram nos acampamentos de Calais, no norte da França. Em A cidade é uma só?, para retomar um filme já mencionado, o espectador convive tanto com uma dimensão estatal, referente à gestão do território urbano, que causou a expulsão de dezenas de milhares de habitantes pobres de Brasília, quanto com situações mais ou menos recorrentes da vida de alguns habitantes da cidade-satélite de Ceilândia. Duas instâncias análogas convivem também no documentário Cinco câmeras quebradas (2012), realizado pelo camponês palestino Emad Burnat e por seu colaborador israelense Guy Davidi. Quando Burnat comprou sua primeira câmera, sua intenção era registrar a infância de seu filho, até que a invasão de seu vilarejo pelo exército israelense transformou seu filme de família em filme militante. Burnat se concentrará, desde então, nas manifestações de seus conterrâneos contra as novas fronteiras impostas por Israel, e suas câmeras serão sucessivamente visadas e destruídas pela tropa israelense. Nem por isso o documentarista expurga a dimensão intimista a que visava inicialmente, questionando o suposto conflito entre Israel e Palestina com base em suas relações mais próximas e concretas.

Tanto no filme brasileiro quanto no palestino, a esfera local remete a um território mais amplo, extrapolando as dimensões concretas dos lugares filmados. Por um lado, toda a governança brasileira, com seu descaso histórico ante as classes populares, por outro, o conjunto de ações israelenses em terras palestinas. Em ambos os filmes há conflito de interesses e dissimetria de poderes, que são também características frequentes de obras interessadas na dimensão territorial.

É válido indicar, antes de tudo, que espaços e lugares convivem e coligam-se a uma perspectiva territorial em muitos filmes, em relações de complementaridade. É inegável, por exemplo, que algumas obras mencionadas no tópico anterior, dedicado à ideia de lugar, tragam também dimensão territorial. É o caso de Jeanne Dielman, 23 Quai du Commerce, 1080 Bruxelles, de No quarto de Vanda, ou mesmo de Playtime.

Em certos filmes brasileiros recentes, como O som ao redor e Que horas ela volta?, são sobretudo as habitações que aparecem de modo territorializado. Seus muros, grades, histórias, arredores, distâncias encarnam sobretudo conflitos de classe, mas também de raça e de gênero. O território fílmico é composto de modo a tornar visível, em situações concretas, disputas sociais de diferentes ordens. Essas duas ficções focalizam particularmente a relação entre patrões e empregados domésticos, e a desigualdade dessa relação, bem como o exercício de poder que ela implica, transparece nos hábitos mais banais, na forma de ocupar os espaços, na oposição, por exemplo, entre o quarto de empregada e o resto da casa (que reproduz no seio do lar a dicotomia entre centro e periferia).

Algo similar ocorre no longa-metragem de Bong Joon-ho recentemente agraciado com o Oscar de melhor filme, Parasita (2019). A diferença social é territorialmente evidenciada, primeiro pela dicotomia entre uma habitação subterrânea da periferia e uma opulenta mansão, depois pela cisão entre a mansão, habitada por uma família abastada, e seu porão secreto, onde os funcionários vivem uma série de desgraças. Assim como em O som ao redor e Que horas ela volta?, a própria estrutura narrativa de Parasita, com seus nós dramáticos, é balizada em razão de uma disposição territorial das habitações. Jordan Peele também recorre a esse tipo de estratégia. Em Get out (Corra, 2017), por exemplo, um rico casarão e a família burguesa branca que o habita dão corpo ao racismo que ameaça o protagonista negro, Chris, interpretado por Daniel Kaluuya. No filme brasileiro Branco sai, preto fica, a cisão territorial, como seu título indica, também está imbuída em racismo, embora se dê de modo distinto. Numa espécie de ficção científica da quebrada, homens negros vítimas de violência de Estado se encontram confinados em um universo periférico distópico, apartado da capital brasileira. Já em Nós, para voltar a Jordan Peele, toda uma população é mantida em um mundo subterrâneo, lembrando, ainda que vagamente, o universo diegético de Metrópolis (Fritz Lang, 1927), em que a população privilegiada mora em cima, numa cidade bela e harmoniosa, e os trabalhadores no subterrâneo, num contexto laborioso e infernal.

Assim como os significados dos lugares têm a ver com os hábitos que neles se desenvolvem, na lógica territorial esses hábitos podem tomar a forma do que Pierre Bourdieu (1972)BOURDIEU, P. Esquisse d’une théorie de la pratique. Genebra: Droz, 1972. chamou de habitus, segundo o qual as atividades, valores e costumes dos indivíduos são fortemente condicionados por esquemas sociais. Assim, as práticas e situações mais banais podem se tornar reveladoras de engrenagens sociais mais amplas. É o que se nota em Parasita, em que o patrão elogia seu motorista porque ele não ultrapassa os limites, mas o repele porque seu cheiro sempre ultrapassa os limites. Isso aparece também em Que horas ela volta?, por exemplo, quando Jéssica, filha da empregada doméstica, é expressamente proibida de frequentar a piscina da casa dos patrões de sua mãe, na qual está provisoriamente instalada.

A territorialização do universo diegético está presente ainda na obra de outros cineastas contemporâneos, como Akram Zaatari, Jafar Panahi, Elia Suleiman, Avi Mograbi e Jia Zhangke. Em O que resta do tempo (Elia Suleiman, 2009), o cineasta explora, por meio da ficção, na escala de uma vizinhança de Nazaré, a maneira como a vida cotidiana da população árabe é perturbada pela vigilância, pelas provocações e pelas microfronteiras visíveis e invisíveis impostas por certos israelenses, além dos traumatismos históricos relativos ao dito conflito israelo-palestino.

Importa acrescentar que

se fizermos a soma dos ingredientes que compõem o território, a espessura histórica ocupa um lugar importante [...]. Raffestin, Barel, Marié... As opiniões convergem, o território corresponde a uma construção, produto da história que reconstitui e deforma, ao longo de suas práticas e representações, cada ator social.

(DI MÉO, 1991DI MÉO, G. L’homme, la société, l’espace. Paris: Anthropos, 1991., p. 14).

Os discursos históricos, versem eles sobre a esfera individual ou coletiva, são primordiais na territorialização do espaço. Eles forjam o imaginário do território ao determinar o que deve ser lembrado e esquecido, o que se dá em razão das preocupações e da perspectiva daqueles que elaboram a história. A historicidade contribui com a desnaturalização do que está posto no presente, que tende a se apresentar como fato absoluto, espontâneo, como se não fosse forjado por ações deliberadas exercidas no decorrer do tempo.

No caso de O som ao redor, Kleber Mendonça Filho se esforça para auscultar, sem sacrificar a organicidade da elaboração ficcional, as raízes coloniais e escravocratas que jazem sob a estrutura urbana das cidades brasileiras. Já no documentário Nostalgia da luz, além de se interessar por questões puramente espaciais, Patricio Guzmán se propõe a enxergar o deserto de Atacama como um território quando vai em busca dos vestígios da história da ditadura militar chilena que jazem sob a areia. O filme retoma o fato de que membros da resistência ao regime de Pinochet eram presos em um campo de concentração situado no deserto. As ruínas desse campo ainda deixam entrever os nomes que os prisioneiros gravaram nas paredes. Outros resistentes foram assassinados e enterrados clandestinamente no deserto, o que equivale a condenar suas famílias (sobretudo mulheres, entrevistadas no filme) à condição de eremita, errando no deserto em busca de vestígios de seus familiares desaparecidos. Numa obra como La région centrale, em que o deserto não é vislumbrado em suas tensões territoriais, o espectador não é exposto a esse tipo de densidade histórica. O filme nem sequer explicita o local ou o país em que as filmagens ocorreram, o que não constitui, por si só, uma crítica.

Entretanto, nem todos os estratos do passado convocados por Nostalgia da luz dizem respeito ao território. Se o território exclui as extremidades da escala espacial, ele tampouco engloba todas as escalas temporais. O passado descrito, por exemplo, pelo personagem astrônomo, referente às galáxias, a todo o universo, bem antes da aparição da espécie humana, implica um espaço, mas não um território. O espaço está para o território assim como o tempo está para a história; o território é fabricado com base no espaço, enquanto a história é uma produção humana a partir do tempo.

As diferentes camadas temporais abordadas em Nostalgia da luz revelam o seguinte paradoxo: por que o Chile coloca tanta atenção e investimento no estudo de um passado extremamente longínquo, observado a partir do deserto de Atacama, mas se recusa a enfrentar histórias recentes que são visíveis nesse mesmo deserto? A situação revela as escolhas históricas feitas pelas instâncias oficiais, e ressalta a dificuldade de se fazer história com base em uma posição marginalizada. A historicidade dos territórios está presente no trabalho de muitos outros cineastas, dedicados à ficção ou ao documentário, como Wang Bing (Jiabiangou, 2010; Traces, 2014), Jia Zhangke (Still Life, 2006) e o próprio Elia Suleiman (O que resta do tempo, 2009). No cinema brasileiro, ela está presente em filmes diversos, de Serras da desordem (Andrea Tonacci, 2006) ao cinema de Adirley Queirós, ou ainda nos filmes militantes de movimentos como o Ocupe Estelita7 7 Filmes disponíveis em: <https://www.youtube.com/channel/UCtAgqLC_iC4qwEoQsWB9PKQ>. Acesso em: fev. 2020. . Esse é um dos dados que nos levam a pensar que, se o cinema mundial está, como afirma Corinne Maury, particularmente atrelado aos lugares, o cinema brasileiro teria vivido uma guinada mais precisamente territorial. (Fig. 5)

Figura 5
Fotograma do filme Brasil S/A, de Marcelo Pedroso, 2014. Fonte: Marcelo Pedroso, Brasil S/A, 2014.

Conclusão

Para que o fim se una ao princípio, podemos retornar ao livro de Jacques Aumont e Michel Marie mencionado na introdução (2004). Nele, os autores se recordam que a raiz grega do verbo analisar tem o sentido de decompor. Por isso, escrevem que “o olhar que se lança sobre um filme se torna analítico quando decide dissociar certos elementos do filme e se interessar mais particularmente por um momento, uma imagem ou parte da imagem, uma situação” (AUMONT; MARIE, 2004______. L’analyse des films. Paris: Armand Colin, 2004., p. 8).

O objetivo deste artigo é, de fato, favorecer o desmembramento dos filmes com maior acuidade, concentrando-se nas várias dimensões espaciais de uma obra cinematográfica. O esforço nos pareceu pertinente, pois as noções de espaço, lugar e território são por si só bastante complexas, e sua aplicação na área do cinema suscita comumente mal-entendidos e imprecisões. O percurso estabelecido pelo texto confere-lhes maior especificidade, atenuando tais imbróglios. Com base em uma gama de exemplos diversificados, ainda que comentada superficialmente, esperamos ter explicitado características fílmicas que se relacionam mais intimamente a cada uma dessas ideias. Entretanto, é importante frisar que essas três dimensões espaciais não são mutuamente excludentes. A fronteira que as separa não é estanque. Pelo contrário, elas convivem e estão imbricadas em muitas obras, como indicam nossos comentários acerca de Nostalgia da luz.

Cabe reforçar que a perspectiva adotada se restringe ao que se passa no interior das obras, ignorando, portanto, o que lhes excede. Caso o espectro do estudo fosse expandido, poderíamos considerar, por exemplo, que o espaço cinematográfico não diz respeito somente às imagens e aos sons dos filmes, mas também aos lugares onde os filmes são registrados durante as filmagens, e aos locais e dispositivos em que são projetados. Analogamente, é perfeitamente possível vislumbrar instâncias territoriais do cinema externas às obras. Nesse caso, ainda estaríamos no âmbito do território cinematográfico ao lembrar que o cineasta finlandês Aki Kaurismäki se recusou a participar da cerimônia do Oscar, em que seu filme O homem sem passado concorria ao prêmio de melhor filme estrangeiro, por discordar radicalmente da invasão americana no Iraque. O mesmo ocorreria ao considerar que a equipe de Aquarius (Kleber Mendonça Filho, 2016) levantou cartazes no Festival de Cannes denunciado o golpe de estado que destituiu a então presidenta Dilma Rousseff. Mas essas ponderações seriam o objeto de um outro estudo.

  • 1
    Nota a respeito da tradução: todas as citações de livros em língua estrangeira são de nossa tradução.
  • 2
    Se essa asserção não se aplica tão diretamente à geografia, que tende a restringir o espaço a sua relação com sociedades humanas, ela pode ser averiguada no campo da física (JAMMER, 2008JAMMER, M. Concepts d’espace: une histoire des théories de l’espace en physique. Paris: Vrin, 2008.) e da filosofia (KANT, 2012KANT, I. Crítica da razão pura. Petrópolis: Vozes, 2012.).
  • 3
    O verbo habitar deriva do latim habitare, “ter frequentemente”, de que deriva também habituado e hábito (LUSSAULT; PAQUOT; YOUNÈS, 2007LUSSAULT, M; PAQUOT, T; YOUNÈS, C. (org.). Habiter, le propre de l’humain: villes, territoires et philosophie. Paris: La découverte, 2007., p. 10).
  • 4
    O autor ressignifica a noção de ecúmena, atribuindo-lhe uma dimensão ontológica: o ser humano é, ele próprio, definido com base em sua economia com a superfície terrestre.
  • 5
    Um indício da importância que o cinema brasileiro recente confere aos lugares e territórios se apresenta no próprio título dos filmes, que contém amiúde topônimos reais ou imaginários, ou mesmo instâncias espaciais mais abstratas. É o caso, entre tantos outros, de Um lugar ao sol, Avenida Brasília Formosa (Gabriel Mascaro, 2009, 2011); A cidade é uma só?, Era uma vez Brasília (Adirley Queirós, 2011, 2017); A vizinhança do tigre (Affonso Uchoa, 2014); O som ao Redor, Aquarius, Bacurau (Kleber Mendonça Filho, 2012, 2016, 2019); Baronesa (Juliana Antunes, 2018); ou mesmo de Corumbiara (Vincent Carelli, 2009) e de Serras da Desordem (Andrea Tonacci, 2006), realizados por cineastas de gerações anteriores.
  • 6
    Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=XepohaDjNQo>. Acesso em: maio 2018.
  • 7
    Filmes disponíveis em: <https://www.youtube.com/channel/UCtAgqLC_iC4qwEoQsWB9PKQ>. Acesso em: fev. 2020.
  • Errata

    No artigo “Espaço, lugar e território no cinema“, com número de DOI: http://dx.doi.org/10.1590/1982-2553202255455, publicado no periódico de publicação continuada Galáxia, nº 47, e55455, na página 1 e cabeçalho:
    Onde se lia:
    “Victor Zan”
    Leia-se:
    “Vitor Zan“

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    24 Jun 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    28 Ago 2021
  • Aceito
    21 Dez 2021
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