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O futuro social através das plantas

The social future through the plants

MANCUSO, S. Revolução das plantas:. um novo modelo para o futuro. São Paulo: Ubu Editora, 2019. 192 p.

Resumo

Stefano Mancuso fundou o Internacional Laboratory of Plant Neuro- biology (LINV), uma instituição de pesquisa dedicada à neurobiologia vegetal e à comunicação entre as plantas. Revolução das plantas ganhou em 2018 o XII Prêmio Galileo de escrita literária de divulgação científica. O objetivo principal da obra é superar o equívoco sobre a forma com que a própria biologia vem tratando as plantas até aqui, como se elas fossem seres inferiores aos animais. Mancuso desengaveta estudos botânicos pioneiros e apresenta seus autores ao público contemporâneo, dando claros contornos ao seu argumento, que em síntese afirma que devemos ver nas plantas um modelo futuro de sociedade.

Palavras-chave
plantas; biologia; ciências sociais; sustentabilidade; futuro

Abstract

Stefano Mancuso was the founder of the International Laboratory of Plant Neurobiology (LINV), a research institution dedicated to plant neurobiology and plant communication. Plant Revolution won in 2018 the XII Galileo Prize for scientific dissemination literary writing. The main objective of his work is to overcome the misunderstanding about the way which biology itself has been treating plants until now, as if they were inferior to animals. Mancuso unpacks pioneering botanical studies and introduces their authors to the contemporary public, giving clear outlines to his argument, which, in short, affirms that we must see in plants a future model of society.

Keywords
plants; biology; social sciences; sustainability; future

Com as mudanças climáticas, as instabilidades políticas no mundo e os efeitos econômicos sentidos pela pandemia de covid-19, o futuro convoca nossa capacidade de imaginação e de invenção. A proposta de Stefano Mancuso vai nesta direção. Nela, os diversos comportamentos das plantas são guias para repensar a tecnologia e até mesmo nossos sistemas políticos. Olhar o mundo para além da perspectiva humana é um exercício de aprendizagem ético e inadiável. Como tornar o futuro habitável? Revolução das plantas traz ensinamentos sobre tecnologia e robôs, política aberta e descentralizada, arquitetura e práticas verdes que tentam responder a essa e a outras questões de maneira acessível, o que lhe conferiu XII Prêmio Galileo de escrita literária de divulgação científica em 2018.

Stefano Mancuso formou-se na Università degli Studi di Firenzi (UniFI) e fundou o LINV (Internacional Laboratory of Plant Neurobiology) em 2005. O livro tem nove capítulos: “Memória sem cérebro”; “Das plantas aos plantoides”; “A sublime arte da mimese”; “Mover-se sem músculos”; “Capsicófragos e outros escravos vegetais”; “Democracias verdes”; “Arquiplantas”; “Cosmoplantas” e, por fim, “Vivendo sem água doce”.

O objetivo principal da obra é superar a forma equivocada com que a própria biologia vem tratando as plantas até aqui, como se elas fossem seres inferiores aos animais. Esses últimos seriam, segundo ela, os que realmente merecem análise detalhada. A prova é que diversos experimentos que investigaram as especificidades das plantas desde o século XVIII foram senão totalmente esquecidos, colocados de escanteio pela disciplina. Ao longo da argumentação, Mancuso desengaveta estudos botânicos pioneiros e apresenta seus autores ao público contemporâneo, dando claros contornos ao seu argumento, que em síntese afirma que devemos ver nas plantas um modelo de futuro de sociedade.

O capítulo inaugural, “Memória sem cérebro”, demonstra como as plantas aprendem com a própria experiência. Essa capacidade confirma que inteligência e memória são características também encontradas nelas — não sendo, portanto, exclusivas dos animais. O que significa memória para Mancuso é justamente aprender com a experiência passada. Como exemplo, o autor evoca o experimento do botânico francês René Desfontaines (1750-1833) em que ele e seus alunos colocam numa carruagem a Mimosa pudica e percorrem Paris. Primeiramente, observam que a planta reagiu aos abalos fechando as suas pequenas folhas com as sucessivas vibrações. Com o tempo, as diferentes mudas se acostumaram com as vibrações e não fechavam mais as folhas. A capacidade de fixação da memória acontece mesmo sem elas contarem com a organização hierárquica de um cérebro, como no caso dos animais.

“Das plantas aos plantoides”, o capítulo seguinte, apresenta os novos tipos de robôs bioinspirados pelas plantas. Bioinspiração é a abordagem que toma a natureza como modelo a ser imitado para a construção de tecnologia que visa a resolução de determinados problemas. Ela é, assim, distinta da abordagem que tem no homem a inspiração unívoca para robôs e outros dispositivos. O homem deixou de ser o único modelo inspirador. Mancuso defende que as plantas consomem pouca energia, pois fazem movimentos passivos (utilizam apenas a energia presente no ambiente); são constituídas em módulos, são robustas e apresentam a inteligência distribuída (em oposição aos animais, nos quais a inteligência é centralizada num cérebro). O neurobiólogo cita nesta parte seus estudos vinculados à European Space Agency (ESA) sobre o projeto de plantoide adequado para explorar Marte, vide as características mencionadas acima. “Como as plantas são os organismos pioneiros por excelência, estudando seus sistemas de sobrevivência e replicando-os nos plantoide, poderíamos criar uma máquina com maiores chances de resistir em ambientes hostis (como o espaço e Marte em particular)”, justifica (MANCUSO, 2019______. Revolução das plantas: um novo modelo para o futuro. São Paulo: Ubu Editora, 2019., p. 37).

A terceira parte, “A sublime arte da mimese”, traz a mimese como uma vantagem evolutiva das plantas. O processo de mimese garante a vantagem evolutiva da planta que imita a planta hospedeira. A Boquila trifoliata é considerada a rainha da mimese, já que a espécie não só imita as folhas da planta hospedeira como também pode copiar simultaneamente uma gama variada de plantas que a amparam. A imitação assegura que ela não seja comida por insetos. Como, então, ela sabe o que precisa imitar? Mancuso diz que a presença de ocelos (espécie de olhos primitivos) nas células epidérmicas dessas plantas faz com que elas percebam imagens.

O capítulo “Mover-se sem os músculos” relembra um experimento fotográfico de 1896 a partir da técnica de time lapse, até então inovadora. Nele, o botânico Wilhelm Friedirch Phillip Pfeffer (1845-1920) registrou o movimento das plantas, colocando-as como organismos inteligentes e não como meros objetos sem vida. O time lapse tornou observáveis os movimentos e comportamentos delas. “As plantas — que representam quase toda a vida na Terra —, até então percebidas mais como objetos do que como seres vivos, começaram a revelar seus mistérios e a variedade desconcertante de seus movimentos”, avalia Mancuso (2019, p.62)______. Revolução das plantas: um novo modelo para o futuro. São Paulo: Ubu Editora, 2019.. Os exemplos são diversos, como o florescimento da tulipa, os movimentos diurnos e o sono (nictinastia) das plantas da Mimosa pudica e o movimento contínuo dos Desmodium gyrans (planta-telégrafo ou planta dançante). Além disso, o time lapse foi capaz de demonstrar o movimento exploratório da raiz no solo.

O capítulo “Capsicófragos e outros escravos vegetais” coloca em xeque a visão errônea na ecologia de que as plantas são apenas seres passivos. Certos tipos de plantas são, na realidade, capazes de manipular e enganar na sua relação com outros seres, sejam eles insetos ou até mesmo humanos. A acácia, por exemplo, utilizam seu néctar extrafloral para atrair formigas, manipulando-as. A dosagem da substância açucarada faz com que as formigas atuem espantando pragas e também não permitam o desenvolvimento de outra vegetação no raio dessas árvores. Mancuso relembra ainda sua infância na Sicília para demonstrar como os capsicófagos, pessoas que adoram a picância da pimenta, são verdadeiros viciados na ardência que essas lhe ofertam. Isso transforma as plantas em traficantes que fazem a gestão de vícios e, portanto, forjam seus próprios escravos humanos e animais.

No capítulo mais extenso e que substancia a reflexão contida no título do livro, “Democracias verdes”, é desvelada e rechaçada a miopia humana que entende que na natureza todas as decisões são tomadas de maneira irracional e que prevalece sempre o indivíduo mais forte. Por um breve momento, as plantas vão para segundo plano e as abelhas são usadas como exemplo da democracia no reino animal, com sua “inteligência de enxame” ou “inteligência coletiva”. O pensador italiano detalha como é teatral, coletiva e democrática a tomada de decisão do enxame de abelhas, que dançam na tentativa convencer as demais de que o lugar escolhido para ser a nova colmeia é realmente o melhor. Não é, assim, a abelha-rainha que decide o lugar da nova sede de forma despótica e vertical. São simplesmente as operárias que dançam e, assim, convencem o maior número delas sobre sua visão, de forma horizontal. Assim, avalia Mancuso:

As sociedades declinam sob o peso de sua própria organização rígida, o que impede a flexibilidade necessária para enfrentar um ambiente em constante mudança. Portanto, modelo animal é apenas mais estável e eficiente na aparência: na realidade, é engessado. O futuro precisa tomar para si a metáfora das plantas. As sociedades que no passado se desenvolveram graças a uma rígida divisão funcional do trabalho e a uma estrita estrutura hierárquica devem, no futuro, estar ao mesmo tempo ancoradas no território e descentralizadas, deslocando o poder decisório e as funções de comando para as várias células de seu corpo e transformando-se de pirâmides em redes distribuídas horizontalmente.

(MANCUSO, 2019______. Revolução das plantas: um novo modelo para o futuro. São Paulo: Ubu Editora, 2019., p.123).

A inteligência em rede, adaptativa e flexível das plantas (a exemplo do seu sofisticado sistema radicular) rompe com o mundo hierárquico e burocrático (advindo do modelo animal, em que o cérebro é o centro de poder que rege todo o resto). Esta é a revolução que as plantas nos propõem.

O capítulo “Arquiplantas” elenca projetos de prédios bioinspirados pelas plantas, nos quais há menor consumo de energia e água. A capacidade evolutiva das plantas é reiterada e isso fica evidente na arquitetura das folhas, caules e espinhos que estão se adaptando a todo momento, tendo em vista o ambiente. A surpreendente arquitetura de sustentação da vitória-régia (Victoria amazônica) e da figueira-da-índia (Opuntia fícus-indica) — com sua capacidade de resiliência no ambiente desértico, graças ao completo desaparecimento de suas folhas — dá poderosas ideias que podem ser aplicadas à arquitetura de prédios. Por exemplo, o projeto do arquiteto Saleh Masoumi de um arranha-céu em forma de torre filotática garante eficiência energética, uma vez que todos os apartamentos recebem a mesma incidência de luz. Do mesmo modo, o Prédio do Ministério da Agricultura do Qatar e o protótipo Warka Water na Etiópia, ambos apresentam grande eficiência hídrica com a coleta e condensação de água a partir de sua arquitetura.

Em “Cosmoplantas”, a constatação é que se somos dependentes das plantas, elas deverão certamente estar presentes em nossa expedições espaciais, especialmente em viagens a Marte. “Deveríamos ter consciência do fato de que as plantas são o motor da vida. E, em vez disso, sofremos de uma persistente e inexplicável plant blindness (cegueira para plantas)”, alerta Mancuso (2019, p. 144)______. Revolução das plantas: um novo modelo para o futuro. São Paulo: Ubu Editora, 2019.. O mundo botânico nos oferta saúde física em forma de alimento, e saúde mental no convívio.

“Vivendo sem água doce” discute diretamente as alternativas verdes para lidar com o aquecimento do planeta. O crescimento da população e os padrões de produção e consumo atuais são insustentáveis para a permanência da humanidade na Terra. Por questões óbvias, o desmatamento com objetivo de expandir as áreas cultiváveis está fora de questão. A saída para a fome é “revolucionar nossa compreensão de produção agrícola”, diz Mancuso (2019, p. 164)______. Revolução das plantas: um novo modelo para o futuro. São Paulo: Ubu Editora, 2019.. Os oceanos seriam novas áreas de cultivo com plantas tolerantes à salinidade, como as halófitas, nativas de desertos de sal e áreas costeiras. Os estudos em curso estão averiguando como essas fazendas flutuantes poderiam incluir novas espécies alimentícias. O obstáculo é que a grande maioria das culturas convencionais não são tolerantes ao sal e mesmo as que são, aceitam apenas 30% de água salgada diluída em água doce.

Apesar de A planta do mundo (2021______. A planta do mundo. São Paulo: Ubu Editora, 2021.) e A incrível viagem das plantas (2022MANCUSO, S. A incrível viagem das plantas. São Paulo: Ubu Editora, 2022.) serem seus lançamentos mais recentes no Brasil, as bases do pensamento de Mancuso e as hipóteses sobre o papel das plantas no nosso cotidiano estão em Revolução das plantas. Em última análise, o presente livro é um manifesto da relevância das plantas para a nossa vida presente e futura. Contra a tendência zoocêntrica que contamina ciência e senso comum, as dinâmicas evolutivas e a arquitetura cooperativa e em rede delas têm o potencial de inspirar experiências e práticas inclusivas, diversas e democráticas em nossas sociedades.

Referências

  • MANCUSO, S. A incrível viagem das plantas São Paulo: Ubu Editora, 2022.
  • ______. A planta do mundo São Paulo: Ubu Editora, 2021.
  • ______. Revolução das plantas: um novo modelo para o futuro. São Paulo: Ubu Editora, 2019.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    11 Jul 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    06 Maio 2022
  • Aceito
    01 Jun 2022
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