Acessibilidade / Reportar erro

Chuvas, erosividade, erodibilidade, uso do solo e suas relações com focos erosivos lineares na alta bacia do rio Araguaia

Rainfall, erosivity, erodibility, land use and their relationships with erosion sites in the upper Araguaia River Basin

Resumos

O intenso processo de ocupação do Centro-Oeste brasileiro nas últimas décadas vem impac-tando, significativamente, os recursos naturais, sendo a erosão hídrica uma das conseqüências mais graves. A alta bacia do rio Araguaia, onde cerca de 300 focos erosivos lineares foram mapeados, é representativa desse processo, devido a uma convergência de fatores, tais como: a existência de solos arenosos altamente suscetíveis, usos e manejos inadequados, elevado índice pluviométrico anual, concentrado em alguns meses e de alta erosividade, principalmente no verão. Esta pesquisa objetivou identificar relações possíveis entre a distribuição e compor-tamento das chuvas, a erosividade, a erodibilidade, o uso e ocupação dos solos e a distribuição dos focos erosivos lineares, visando fornecer subsídios para a avaliação da suscetibilidade e risco à erosão para fins de planejamento ambiental. Os resultados revelam concentração espacial dos focos erosivos em áreas mais suscetíveis, onde a erosividade e a erodibilidade são maiores e o uso e ocupação inadequados, potencializando o risco ao fenômeno. Os valores obtidos encontram-se quantificados.

chuvas; erosão hídrica; erodibilidade; uso e ocupação do solo; risco à erosão


The intensive process of land occupation by farmers in the tropical savanna region of Midwest Brazil during the last three decades has promoted several environment impacts, such as the occurrence of gully erosion processes as a consequence of intensive deforestation. Just in the Upper Araguaia River Basin, it was identified more than 300 large and medium gully features, which are related with the high natural susceptibility of the sandy soils; high erosivity and erodibility; inadequate land-use; lack of soil conservation practices; and a high annual rainfall index during the rainy season. The objective of this research was to identify spatial relationships between rainfall distribution, erosivity, erodibility, land-use, and gully erosion distribution, which may support environmental planning actions related to land use conservation. Quantitative results show a high correlation between gully erosion distribution and high erosivity/erodibility and inadequate land-use.

rainfall; erosivity; gully erosion; erodibility; land use and management; erosion risks


Chuvas, erosividade, erodibilidade, uso do solo e suas relações com focos erosivos lineares na alta bacia do rio Araguaia

Rainfall, erosivity, erodibility, land use and their relationships with erosion sites in the upper Araguaia River Basin

INeiva Maria Pio de Santana; IISelma Simões de Castro; IIILuis Fernando Stone; IVSilvando Carlos da Silva

IPrograma de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal de Goiás, E-mail: neivasantana@yahoo.com.br IIProfessora Doutora do Instituto de Estudos Sócio-Ambientais da Universidade Federal de Goiás, E-mail: selma@iesa.ufg.br IIIPesquisador da Embrapa Arroz e Feijão, E-mail: stone@cnpaf.embrapa.br IVPesquisador da Embrapa Arroz e Feijão, E-mail: silvando@cnpaf.embrapa.br

RESUMO

O intenso processo de ocupação do Centro-Oeste brasileiro nas últimas décadas vem impac-tando, significativamente, os recursos naturais, sendo a erosão hídrica uma das conseqüências mais graves. A alta bacia do rio Araguaia, onde cerca de 300 focos erosivos lineares foram mapeados, é representativa desse processo, devido a uma convergência de fatores, tais como: a existência de solos arenosos altamente suscetíveis, usos e manejos inadequados, elevado índice pluviométrico anual, concentrado em alguns meses e de alta erosividade, principalmente no verão. Esta pesquisa objetivou identificar relações possíveis entre a distribuição e compor-tamento das chuvas, a erosividade, a erodibilidade, o uso e ocupação dos solos e a distribuição dos focos erosivos lineares, visando fornecer subsídios para a avaliação da suscetibilidade e risco à erosão para fins de planejamento ambiental. Os resultados revelam concentração espacial dos focos erosivos em áreas mais suscetíveis, onde a erosividade e a erodibilidade são maiores e o uso e ocupação inadequados, potencializando o risco ao fenômeno. Os valores obtidos encontram-se quantificados.

Palavras-chave: chuvas; erosão hídrica; erodibilidade; uso e ocupação do solo; risco à erosão.

ABSTRACT

The intensive process of land occupation by farmers in the tropical savanna region of Midwest Brazil during the last three decades has promoted several environment impacts, such as the occurrence of gully erosion processes as a consequence of intensive deforestation. Just in the Upper Araguaia River Basin, it was identified more than 300 large and medium gully features, which are related with the high natural susceptibility of the sandy soils; high erosivity and erodibility; inadequate land-use; lack of soil conservation practices; and a high annual rainfall index during the rainy season. The objective of this research was to identify spatial relationships between rainfall distribution, erosivity, erodibility, land-use, and gully erosion distribution, which may support environmental planning actions related to land use conservation. Quantitative results show a high correlation between gully erosion distribution and high erosivity/erodibility and inadequate land-use.

Keywords: rainfall; erosivity; gully erosion; erodibility; land use and management; erosion risks.

INTRODUÇÃO

A consciência do agravamento dos pro-blemas ambientais enfrentados pela humanidade centrados, sobretudo, na redução progressiva da disponibilidade dos recursos naturais, bem como no subseqüente comprometimento da qualidade de vida das populações, relaciona-se com freqüência à sua degradação decorrente das formas inadequadas de sua apropriação, uso e manejo, o que impõe cada vez mais uma mudança de postura individual e co-letiva, na busca da sustentabilidade planetária. Se-gundo Peixoto, Silva e Moura (1997), esse aumento no grau de degradação dos recursos naturais tem demandado da ciência e da sociedade providências urgentes visando sua recuperação, manejo e con-servação. Tais providências podem ser entendidas do ponto de vista da diagnose através de avaliação de suscetibilidade e risco de uso desses recursos, bem como da prognose e predição com vistas a am-parar ações de planejamento preventivo e corretivo.

Nesse sentido, o ar, a água, os solos, a bio-diversidade, dentre outros, necessitam de estudos em diferentes escalas, porém, de modo tão integrado quanto possível, e aplicados à solução de problemas sócio-ambientais. Assim, o presente artigo trata da questão da chuva e de suas relações com o fenômeno erosivo de origem hídrica, portanto hidropluvial. O objetivo é identificar áreas onde o cruzamento da erosividade das chuvas com a erodibilidade dos solos e os tipos de usos do solo possa auxiliar na detecção, caracterização e interpretação das áreas de risco ao fenômeno erosivo auxiliando também na descrição dos processos.

Ao presente trabalho interessa a relação entre clima e erosão hídrica, posto que não haja estudos climáticos detalhados da bacia do Araguaia, em particular da alta bacia, até o momento. Admite-se que a chuva é, segundo a literatura corrente, um dos fatores dessa forma de erosão. Contudo, não se tem claro os indicadores pluviais significativos, tais como a distribuição anual, as intensidades e erosividade e suas relações com outros indicadores ambientais que afetam e controlam o fenômeno erosivo em especial com o uso das terras e a erodibilidade dos solos.

Essa pesquisa teve como objetivo principal identificar relações possíveis entre a dinâmica pluvial, erodibilidade, uso das terras e focos erosivos line-ares da alta bacia do rio Araguaia, visando fornecer subsídios para a avaliação da suscetibilidade e risco à erosão para fins de planejamento ambiental.

O PROBLEMA EROSIVO NA ALTA BACIA DO RIO ARAGUAIA

Nas regiões sul e sudeste do país, a diminui-ção da oferta de terras disponíveis e subsequen-temente seu aumento de preço quanto à necessidade de aumento de seu preço paralelamente à necessidade de aumento da produção e produtividade agrícola no país ocorridos no final da primeira metade do século XX, favoreceram a busca de novas áreas, resultando numa notável expansão agrícola. Nesse contexto, a região dos Cerrados dominante no Centro-Oeste do país tornou-se estratégica para a incor-poração dessas novas áreas ao sistema agrícola, tanto pela sua posição geográfica, relativamente central no país, como por suas características físico-ambientais, sobretudo clima, relevo e solos que juntas favoreciam a cultura de grãos, de algodão, além da pecuária, propiciando a expansão da fronteira agrícola nos padrões da chamada agricultura moderna, baseada no pacote tecnológico associado a uma política denominada de Revolução Verde (TEIXEIRA NETO, 2002).

Resumidamente, essa região incorporou-se ao sistema agrícola e pecuário nacional a partir do final dos anos de 1950, com a construção da nova capital brasileira em Goiás, Brasília, no Planalto Central, inaugurada em 1961, que também promove em seu entorno a implantação de um sistema viário ligando-a as demais áreas do país. Isso criou con-dições também para o desenvolvimento urbano e agropecuário das áreas próximas às rodovias e ferrovias, a reestruturação de todas as relações sócio-econômicas regionais e as próprias relações da região e do estado com o país. Somaram-se a esse processo novas políticas e programas governamentais de interiorização de desenvolvimento, dentre outros, o POLOCENTRO (Programa de Desenvolvimento do Cerrado), que durou de 1975 a 1979 e criou linhas creditarias para assegurar a aquisição dessas novas áreas, financiamento das culturas, além da logística necessária para o escoamento de produção para o sudeste e exterior.

Entretanto deve-se ressaltar que esse pro-cesso de desenvolvimento agropecuário da região desconsiderou as limitações físicas do meio ambiente, sendo a alta bacia do rio Araguaia, situada na região Centro-Oeste, abrangendo terras dos Estados de Goiás e Mato Grosso, uma área representativa desse processo de ocupação de áreas do Cerrado. Nos últimos cerca de vinte anos, essa área vêm sofrendo um processo intenso de conversão da cobertura vegetal nativa para cultivo de grãos, sobretudo soja, além de gado bovino para carne, e a instalação quase que imediata (início da década de 1980) e desen-volvimento de erosões hídricas lineares de médio e grande porte, como ravinas e voçorocas, principal-mente à sua montante (alta bacia), relacionados espacialmente com as áreas onde dominam solos frágeis (Neossolos Quartzarênicos) evoluídos dos arenitos eólicos finos da Formação Botucatu, dis-postos em interflúvios amplos de baixos declives, mas de rampas longas, intensamente desmatados e submetidos à pastagem e agricultura sem práticas conservacionistas. Tal fenômeno trouxe e traz ainda, como conseqüência, grandes prejuízos ambientais, sociais e econômicos (Barbalho, 2002; Xavier, 2003; Marinho, 2003; Medeiros, 2002; Oliveira, 2004; Castro et al., 2004; dentre outros), pela perda de solos agricultáveis, de biodi-versidade, pelo rebaixamento e comprometimento dos aqüíferos freáticos e assoreamento dos canais fluviais e baixas encostas.

Para Boin (2000), no caso da erosão dos solos, é necessário que se conheçam as características geológicas, geomorfológicas, pedológicas e climáticas da área em estudo, pois os processos morfogenéticos hoje atuantes sobre o meio antropogênico são agra-vados pela introdução de tecnologias inadequadas e práticas associadas às economias destrutivas que podem desencadear a dinamização destes processos de forma drástica e catastrófica.

A declividade das vertentes e as caracte-rísticas intrínsecas dos solos são fatores importantes na compreensão dos processos erosivos. Mas, se-gundo ele, é o clima, mais especialmente a sucessão de eventos pluviais, bem como sua intensidade e duração, que ocasionam os impactos que favorecem a erosão hídrica, ressaltando ainda o papel da chuva, tanto em termos de totais pluviais, como de inten-sidade, duração e freqüência dos episódios pluviais, tendo em vista que a mesma representa uma parti-cipação causal em até 80% na ocorrência do fenô-meno da erosão.

Ainda hoje, acrescenta Boin (2000), parte dos estudos sobre erosão privilegia enfoques sobre a erodibilidade dos solos suscetibilidade que os solos têm em ser erodidos, que é influenciada pelas suas características físicas, principalmente aquelas que afetam sua capacidade de infiltração e permeabilidade, e sua capacidade de resistir ao desprendimento e transporte pela chuva e enxurrada em detrimento do estudo da erosividade das chuvas que é a capacidade da chuva, esperada em dada localidade, de causar erosão em uma área sem proteção (BER-TONI, LOMBARDI NETO e BENATTI JÚNIOR, 1975). O clima, principalmente no que se refere à variabilidade e irregularidade das chuvas, assume um papel extraordinariamente decisivo no entendimento da erosividade no tempo e no espaço. Assim, os temas chuva e erosão estão intimamente ligados.

Entretanto, mesmo que a chuva possa ser considerada como um dos principais fatores con-dicionante de processos erosivos, em situação de equilíbrio, isto é, de área ou região preservada e estável, ela contribui para a formação dos solos numa escala temporal de milhares de anos, nesse sentido sendo considerada uma erosão normal ou geológica. Somente quando essa situação de equilíbrio é rom-pida pela interferência antrópica, é que este processo é intensificado sobrepujando-se à formação dos solos. Neste caso considera-se a erosão como acelerada. (BERTONI, LOMBARDI NETO e BENATTI JÚ-NIOR, 1975; BOTELHO, 1999; dentre inúmeros outros).

Assim, estudo das relações entre o clima e a erosão hídrica implica, necessariamente, no estudo e representação de todos estes elementos, ou seja, deve ser entendido dentro de um conjunto sistêmico. Assim, as respostas interativas entre clima, vegeta-ção, solo e formas de uso e ocupação precisam ser adequadamente quantificadas e monitoradas.

No Setor Sul da alta bacia do rio Araguaia, conhecido como Nascentes do Araguaia observações do uso do solo nas décadas de 1960 a 1970, com base em fotos aéreas e imagens de satélite permitiram constatar a ausência de feições erosivas lineares de médio e grande porte, as quais passam a aparecer na década de 1980 (CASTRO et al., 2004). Nesse período a conversão dos Cerrados em áreas agro-pecuárias na região é corroborada nos censos agro-pecuários do IBGE no que se refere, por exemplo, à produção de carvão vegetal, soja e milho (CASTRO, XAVIER e BARBALHO, 2004) onde a substituição de áreas de Cerrado por usos agropecuários chega a quase 70% de toda a área, quando se compara o índice de cobertura vegetal de meados da década de 1970 com 1999. Nesse período, entretanto, os índices pluviométricos anuais e sazonais não revelaram qualquer mudança significativa para os padrões regionais, apesar dos poucos pontos meteorológicos com séries históricas longas e dos poucos estudos realizados pelos especialistas (RAMOS, 2003).

Esse fato permitiu levantar a hipótese inicial de que o entendimento sobre a relação entre chuva e erosão nessa região passaria necessariamente pela questão relativa à transformação do uso das terras, hipótese esta considerada neste artigo.

Essas condições somam-se à elevada e in-tensa precipitação e à insuficiência de práticas con-servacionistas que se traduz em maior suscetibilida-de erosiva, como constataram estudos anteriores para o setor das nascentes (CASTRO et al., 2004).

Diante do exposto, torna-se evidente a im-plementação de estudos que melhor contribuíam para uma avaliação ambiental que possibilite o enten-dimento do aparecimento de focos erosivos na área e favoreça a tomada de medidas preventivas, princi-palmente no que diz respeito ao uso e ocupação dos solos.

METODOLOGIA

A alta bacia do rio Araguaia localiza-se na região Centro-Oeste do Brasil, a sudoeste do Estado de Goiás e sudeste do Mato Grosso, abrangendo áreas desses dois estados, situada entre as coordenadas geográficas 54°00' a 50°00' W e 15º15' a 18º10' S, totalizando aproximadamente 62.000 km2. Encon-tram-se nessa área 44 municípios, sendo que destes, 27 tem seu território totalmente dentro da bacia e outros 17 municípios tem parte significativa dentro da região (Figura 1).


Para esse trabalho utilizou-se de metodo-logias específicas diversas, com o intuito de obter, tratar e interpretar dados espaciais sobre a área e dados relativos às chuvas, como a seguir.

· O mapa de uso das terras para o ano de 2003 foi compilado de Faria (2006), cuja me-todologia para a elaboração baseou-se numa classi-ficação segmentada por regiões elaborada no SIG (Sistema de Informações Geográficas) Spring 4.3.1 Sistema de Processamento de Informações Georre-ferenciadas, software livre, produzido pelo INPE/DPI (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais/Divisão de Processamento de Imagens), disponibilizado no site: http://www.dpi.inpe.br/spring/, onde a classi-ficação foi feita a partir da informação espectral de cada pixel e sua relação com pixels vizinhos, a partir de uma imagem de satélite LANDSAT ETM7+ de 2003 recortada para a área de estudo.

· O mapeamento de focos erosivos foi elaborado a partir de interpretação visual da mesma imagem de satélite LANDSAT ETM7+ de 2003, no Spring 4.3.1, dando prioridade as áreas mais de-gradadas e com solos com maior evidência erosiva visível, sobretudo as cores claras associadas a ausên-cia ou baixa densidade de cobertura vegetal e dispo-sição erosiva linear, não excluindo, contudo, a possi-bilidade de ocorrências erosivas em outras áreas não visíveis. Esse mapeamento foi validado em campo, através de reconhecimento dos focos, os quais foram situados com auxílio de GPS, com precisão de 12 satélites. A imagem foi cedida pela Secretaria da Fazenda de Goiás e do sensor SRTM Shuttle Radar Topography Mission, do acervo de imagens do LAPIG (Laboratório de Processamento de Imagens e Geoprocessamento) do IESA (Instituto de Estudos Sócio-Ambientais) da UFG (Universidade Federal de Goiás). A partir dos pontos georreferenciados no SPRING 4.3.1 optou-se por adotar técnicas de aná-lise espacial baseando-se na criação de superfícies de densidade de Kernel a partir da localização dos focos erosivos existentes na área e de sua concen-tração em áreas preferências para interpretação e análise de áreas mais críticas quanto a sua presença.

· O mapa de erodibilidade dos solos foi elaborado com base nos valores de erodibilidade calculados por Scopel e Silva (2001) para o Estado de Goiás. Os valores de erodibilidade encontrados para a área foram agrupados em intervalos mínimo e máximo constituindo em classes, variando de 0,0 a 0,34, de acordo com o grau de erodibilidade de cada solo, formando assim quatro classes de erodibilidade, variando de forte a muito fracamente erosiva. Esse agrupamento foi inspirado em Salomão (1999).

· O estudo das chuvas iniciou-se pela criação de um banco de dados no Excel, Microsoft Excel 2003 da Microsoft Corporation, a partir de dados pluviométricos disponibilizados pela ANA/CPRM, totalizando 28 postos com séries de dados acima de 20 anos, situadas entre as coordenadas geográficas 15º e 18º S e 54º e 50º W (Figura 2). Posteriormente foi possível aplicar cálculos estatís-ticos básicos, como média (X), desvio padrão (S) e coeficiente de variação (CV), onde:

Onde, xi = dados pluviométricos e n = número de observações.

· Para o cálculo da erosividade utilizou-se de metodologia proposta por Tommaselli, Freire e Carvalho (1997), elaborada a partir de estudos de Lombardi Neto e Moldenhauer (1980), que possibilitou trabalhar os dados pluviométricos através da na equação a seguir, a qual também foi validada por Boin (2000):

EI30 = 111,6 * (p2/ P)0,714

Onde: EI = média mensal do índice de erosão (MJ. mm h -1 ha-1)

p = precipitação média mensal em milímetro

p = precipitação média anual em milímetro.

Os valores calculados que definem o com-portamento pluvioerosivo da área foram espacializa-dos no Spring 4.3.1.

Clique para ampliar a imagem

RESULTADOS E DISCUSSÕES

Chuvas, erosividade, erodibilidade, uso das terras e focos erosivos lineares na alta bacia do rio Araguaia

· Distribuição pluviométrica

Na alta bacia do rio Araguaia a distribuição pluviométrica média mensal, sazonal e anual, com base nos dados acumulados nas séries históricas de postos existentes na área, apresenta variação signi-ficativa, sendo que as maiores variações são observa-das nos índices mensais e sazonais. Mesmo que bem servida por chuvas, nessa área essas precipitações se distribuem de forma bem irregular através dos meses. De acordo com a Figura 3, os meses de dezembro e janeiro são aqueles que apresentam maior média pluviométrica, acima de 250 mm. fevereiro, março e novembro possuem médias bem próximas a essa, sempre acima de 200 mm. abril e setembro podem ser considerados como meses de transição, pois ainda possuem uma média pluviométrica significativa. O primeiro representa a transição do período chuvoso para o seco com uma média plu-viométrica relativamente alta de 95,6mm, e o segundo representa a transição do período seco para o chu-voso, com média pluviométrica de 56,4, bem inferior ao primeiro. junho, julho e agosto são os meses mais secos. Esses meses costumam apresentar umidade relativa do ar consideravelmente baixa.


Considerando a sazonalidade climática, o regime pluviométrico se distribui de forma bastante irregular como se observa na Figura 4. Com máxima concentração no verão e mínima no inverno, 85% do total de chuvas acumuladas durante o ano pre-cipita-se na primavera-verão (outubro a março), concentrando-se principalmente no verão, carac-terizando a estação chuvosa. Entretanto, a diferença entre a primavera e o verão não é tão significativa. Essas chuvas são influenciadas pelo sistema de correntes perturbadas de oeste e sul, sendo o mês de janeiro representativo do período chuvoso, com maior média pluviométrica, 291,3 mm. Do contrário, a ca-rência de chuvas no outono-inverno (abril a setembro) deve-se à diminuição da ação das correntes pertur-badas de oeste.


Através das médias anuais também foi pos-sível verificar se houve, no período estudado, acrés-cimo ou decréscimo no volume pluviométrico para a região. A precipitação média anual na área apresentou índices superiores a 1300 mm em todas as estações estudadas, sendo que apenas oito estações apresen-taram médias anuais inferiores a 1500 mm, caracte-rizando a área como de médias pluviométricas altas. A média pluviométrica anual encontrada na área foi de 1557,91, com pequena variação entre as médias anuais. Contudo, a menor média é de aproximada-mente 1327,3.

No mapa de precipitação média anual (Figura 5) encontram-se algumas áreas com médias pluvio-métricas altas e outras com valores menores de média pluviométrica. Numa faixa de sul a sudoeste encon-tram-se valores de média pluviométrica anual, entre 1600-1750 mm. Essa faixa caracteriza-se por uma área de alto índice pluviométrico com médias acima de 1600 mm e, é onde se encontram os menores desvios e coeficiente de variação. No centro e norte da área são encontrados os menores valores pluvio-métricos, abaixo de 1500 mm. Essa situação também se repete a oeste da área. A estação de Piranhas é responsável pela alta pluviometria no centro da área, sendo a estação que apresentou a segunda maior média pluviométrica de toda a série de dados estudada para toda a área, perdendo somente para a estação de Guiratinga já no estado de Mato Grosso.


Essa característica de epicentros de alta ofer-ta pluviométrica encontrada na alta bacia, também foi verificada por outros autores que estudaram o setor sul da alta bacia (Oliveira 2004; RAMOS, 2003; Marinho, 2003).

Na Figura 6, gráfico de dispersão, nota-se uma tendência à diminuição no volume precipitado na área de 1970 a 2005. Essa diminuição deve ser considerada, pois que vem corroborar com as preo-cupações acima relatadas. Entretanto, a dispersão dos pontos demonstrados pelo fato do valor de R2 estar próximo a zero demonstra que essa diminuição não é significativa, visto que os pontos estão muito dispersos. Considera também que o período de estu-do é relativamente pequeno para uma conclusão mais precisa a esse respeito. Além disso, esse pode ser um fato isolado que ocorreu apenas nessas últimas três décadas e meia.


Os motivos dessa diminuição não são alvos deste artigo, no entanto, apesar de sugerir possi-bilidade de relação com o período posterior à alta conversão do Cerrado em áreas agropastoris, necessi-ta de investigação mais aprofundada e complemen-tada por demais dados climáticos, além daqueles dos sistemas atmosféricos e fenômenos como El Nino.

A diminuição dos volumes de chuva pre-cipitados tem sido bastante debatido nesses últimos anos no discurso sobre aquecimento global e a região Centro-Oeste tem estado no centro desse debate. Recentemente, em várias reportagens sobre a última reunião do Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática (IPCC) (SANSINE, 2007) a comunidade científica teceu considerações preocupantes sobre mudanças climáticas que poderão estar ocorrendo nessa região caso não sejam tomada medidas pre-ventivas urgentes. Essas ações humanas resultarão num acréscimo da temperatura e conseqüente di-minuição da precipitação como relatado na repor-tagem acima. José Merengo, do Instituto de Pesqui-sas Espaciais (INPE), adaptando as conclusões do IPCC sobre o clima brasileiro acrescenta que no Centro-Oeste do país irá alternar épocas de chuvas fortes com períodos de secas prolongadas, fa-vorecendo fortemente a erosão do solo. A reporta-gem foi publicada no Jornal Diário da Manhã em março de 2007 (Amazônia superaquecida 2007).

Porém, vale lembrar que a maioria dos gran-des focos erosivos existentes na área deste estudo iniciou-se nos primeiros anos da década de 1980 (CASTRO et al., 2004; MARINHO, CASTRO e CAMPOS, 2006).

· Erosividade e erodibilidade

A configuração da distribuição dos valores médios de erosividade está fortemente relacionada à precipitação, sendo que seu cálculo se baseia nas médias anuais e mensais. Assim, como era esperado a erosividade é bastante concentrada no período chuvoso, cerca de 90%, que vai de outubro a março, sendo o mês de outubro o de menor erosividade desse período. Julho, mês de menor precipitação é, tam-bém, o de menor erosividade, praticamente insigni-ficante fato corroborado, pois nesse mês dificilmente ocorrem precipitações intensas e seqüências de dias chuvosos, e sim, eventos isolados. A influência da movimentação atmosférica, que é responsável pela distribuição da precipitação nessa área, principalmente das massas Equatorial Continental e da Polar Atlân-tica, já mencionadas anteriormente relacionam-se com essa distribuição de chuvas e, consequentemen-te da erosividade.

A erosividade anual média do período estudado mostra que na referida área encontram-se valores entre 7812,33 a 9654,68, com média de 8803,85 MJ.mm.h-1.ha-1, e as áreas de maior erosivi-dade localizam-se a oeste, no estado de Mato Grosso, e centro-nordeste de Goiás, bem como no setor sul, com erosividade acima de 8000 MJ.mm.h-1.ha-1 (Figura 7).


Quanto ao potencial erosivo das chuvas, com base na erodibilidade, Chueh (2004), com base na classificação de Santos de 1997, quantifica o potencial erosivo da chuva em débil (2500 < E <5000), médio (5000 < E <7500), forte (7812 < E <9654) e erosivi-dade muito forte (E >10000) em MJ.mm.h-1.ha1, pode-se afirmar que a área, ela toda, se caracteriza por apresentar erosividade forte, acima de 8000 MJ.mm.h1.ha1, o que por si favorece a instalação de processos erosivos hídricos.

As classes de erodibilidade na área (Figura 8) decrescem da mais forte para a muito fraca, sendo esta última quase insignificante, representando menos de 2% do total. Mesmo que não se tenha erodi-bilidade Muito Forte na área, a classe de erodibilidade Forte representa mais de 45% e se encontra dispersa por toda a área, concentrando-se principalmente numa faixa que vai de leste para oeste ou vice-versa. A oeste principalmente nas áreas de nascentes en-contra-se grande parte dos solos em condições de erodibilidade alta. Essa situação também ocorre ao sul da área, principalmente na área das nascentes do Araguaia.


A classe de erodibilidade Moderada repre-senta mais de 30%, concentrando-se principalmente numa faixa de leste a oeste da área e também no noroeste. Juntas, as classes de erodibilidade Forte e Moderada representam 74,74% do total para a área. Esses valores de erodibilidade variando de moderado a forte podem resultar em solos altamente suscetíveis à erosão, principalmente nas áreas com Neossolos Quartzarênicos. Segundo Scopel e Silva (2001), mesmo que estes solos apresentem permeabilidade acentuada, eles são solos completamente desa-gregados e desprovidos de teores adequados de ma-téria orgânica, o que os torna pouco coesos e alta-mente suscetíveis à erosão, principalmente quando situados em condições de relevo ondulado (divisores de água), falta de cobertura vegetal (áreas com pas-tagens e agricultura) e sob clima com chuvas intensas e de alta erosividade. Sabe-se que essas condições convergem em diversas localidades nessa área de estudo, como no Setor Sul das nascentes do rio Araguaia.

Na figura 7, distribuição espacial da erodibi-lidade permite constatar ainda um fato curioso, certo paralelismo entre as zonas com erodibilidade forte, de orientação NNW-SSE. A erodibilidade moderada e fraca acompanham essa tendência, porém, de modo menos evidente. A explicação possível encontra-se nas litologias que favorecem a erosão de solos mais frágeis, os quais obedecem aos interflúvios entre os eixos linearmente estruturais.

· Uso das terras

Mesmo que as políticas de investimento na agropecuária na área de estudo tenham se inten-sificado a partir de 1975 com o POLOCENTRO, políticas essas que duraram até 1985, a ocupação da área com agricultura e pastagem do início da década de 1980 ainda apresentava uma significativa conservação da sua vegetação natural.

De acordo com as Figura 9, em 1981 a classe de Cerrado Ralo era a que mais se destacava, si-tuando-se acima de 30% do total da área. Em seguida aparecia a classe de Cerrado Denso, com mais de 20%. As áreas de pastagens correspondiam a apenas 18,73%. Somadas, as classes que representavam à vegetação natural na área contemplavam 71,16% do total. As áreas agrícolas e de pastagem, somadas, representavam 28,84%.


Os dados obtidos na elaboração do mapa de uso para 2003 comprovam inversão desse quadro como mostra a Figura 10, onde se observa que so-mente a atividade de pastagens passa a correspon-der, sozinha, a 46,5% da área e está distribuída por toda a bacia, portanto respondendo por quase a metade da área total. Essa atividade se desenvolve por pastos formados, geralmente por Brachiara sp, ruzizienses e decumbens, que acabaram por atingir áreas com solos frágeis, como os Neossolos Quartza-rênicos (ex-Areias Quartzosas), os quais associados à presença de trilheiros e superpastoreio para o gado resultam na degradação do solo através de sulcos, ravinas e voçorocas, como constatado em pesquisas anteriores para o sul dessa Alta Bacia (BARBALHO, 2002; CASTRO et al., 2004).


As atividades agrícolas em 2003 corres-pondiam a 5,9% da bacia, as maiores áreas estão localizadas principalmente nos topos das chapadas, onde se desenvolvem monoculturas de soja e algodão e nas planícies, na porção norte da bacia, onde se cultiva arroz. Essa atividade também ocupou áreas de solos frágeis e inadequados, que necessitam do uso intensivo de maquinário e suplementos químicos para ajustes das limitações naturais.

Os remanescentes identificados nessa bacia (FARIA, 2006), quando somadas todas as fitofisio-nomias, correspondem a 45% da área da bacia (contra os cerca de 70% de 1981). Estão restritos a frag-mentos de cerrado, raramente grandes, a pequenas áreas com veredas e a alguns pontos de matas em terrenos muito declivosos e dissecados do relevo, como as escarpas das chapadas, as Áreas de Proteção Permanente (APPs) e as Reservas Legais (Rls), ou mesmo áreas que ainda não foram incorporadas ao processo produtivo e se encontram "ilhadas" pelas atividades agropecuárias.

No entanto, como o processo de ocupação ocorreu de forma diferenciada na bacia e o processo de fragmentação da vegetação nativa foi mais intensivo na parte goiana, no lado mato-grossense, as fitofisionomias relativas às formações florestais encontram-se mais preservadas, bem como a no-roeste.

Os remanescentes mapeados foram identi-ficados como Matas (matas ciliares e matas decidual), Cerradão, Cerrado Denso, Campo Cerrado (classes de campo sujo, cerrado ralo e cerrado rupestre), Campo Limpo Úmido (FARIA, 2006).

O fato de o sul da bacia ter sido contemplado com inúmeros mapeamentos do meio físico, com base em documentos datados desde a década de 1970 até 2003, é possível tecer algumas comparações. Sa-be-se que mesmo que os totais pluviométricos mé-dios tenham tido alguma alteração durante esse período, essa seria insignificante quanto à sua ero-sividade. De 1960 até a década atual essa área foi notadamente desmatada e convertida para o uso agropecuário. O estudo do processo erosivo da área mostra que dessa década em diante inúmeros focos erosivos surgiram, especialmente após 1980, reve-lando quase uma centena desses focos no final da década de 1990, concentrados principalmente em porções de solos constituídas por Neossolos Quartza-rênicos, desenvolvidos sobre arenitos de substrato rochoso e aqueles arenosos recentes da planície aluvial.

· Os focos erosivos lineares

O mapeamento elaborado a partir da imagem de satélite LANDSAT ETM7+ de 2003 e auxílio do Google Hearth, e do SIG SPRING 4.3.1, possibilitou identificar mais de 300 feições erosivas na área na escala adotada no estudo.

No Setor Sul da área as erosões já mapeadas em imagens de satélites de 1999, validadas em campo por trabalhos anteriores já mencionados nessa pesquisa, foram confirmadas para 2003, com algumas exceções, possivelmente mascaradas pela vegetação que se recuperou ou mesmo em fase de recuperação. Algumas medidas adotadas por fazendeiros da região como cercamento, reflorestamento e curvas de nível na área de contribuição de algumas voçorocas vem sendo apresentando significativo sucesso, princi-palmente nesse setor, que passou por um processo contínuo de voçorocamento nas últimas duas déca-das, fato notificado pela mídia escrita (MARCOS, 2006). Muitas das erosões ai existentes, algumas até "famosas", como aquela batizada de Chitolina, grande voçoroca, uma das maiores da região do Araguaia, já se encontra contida pelo sistema de curvas de nível em sua cabeceira e reflorestamento com plantas nativas adotado pelo fazendeiro res-ponsável pela área. Entende-se que o processo pode ser contido com atitudes muitas vezes simples.

Foram encontradas 304 feições erosivas nos 62.000 Km2 que compõem a alta bacia (Figura 11). O que não seria muito significativo se considerar a área como um todo, visto que, daria um foco de erosão para cerca de 200 km2. Entretanto, em algu-mas áreas esses focos erosivos mostraram-se mais concentrados, principalmente nas áreas onde conver-ge alta erodibilidade dos solos com algum tipo de uso, como pastagem e agricultura, confirmando a hipótese que motivou essa pesquisa. A erosividade nesse caso não foi determinante, já que áreas com valores de erosividade menores apresentaram signi-ficativa concentração de focos erosivos, contudo, não se pode esquecer que a erosividade á alta em toda a área.


Desses 304 focos erosivos encontrados na alta bacia foram selecionados alguns para verificação em campo. Como aqueles do setor sul já haviam sido verificados em trabalhos anteriores, priorizou-se áreas de maior concentração a leste. Foram sele-cionados 30 pontos em áreas diferenciadas, sendo concretizada a visita a 11 deles. Dentre os 11 pontos visitados, somente um não se confirmou, o que mos-trou uma porcentagem significativa de acerto de mais de 90%. Esses 11 pontos somados aos outros 91 pontos validados no setor sul totalizam 112 pontos validados, daqueles 304 mapeados em imagem de satélite. Tem-se aí mais de 33% das erosões que foram mapeadas confirmadas, credibilizando a me-todologia adotada no mapeamento de focos erosivos para a área.

As erosões variaram de extensas ravinas a voçorocas, ou as duas, ravinamento a montante se-guido de voçorocamento do trecho médio a jusante. Quando no campo, pode observar também flagrante desrespeito ao meio ambiente: áreas extensas de pastagens degradadas, abandonadas; estradas mal planejadas com sistema de escoamento que favorece o escavamento do solo durante episódios de chuvas intensas ou períodos prolongados de chuvas, resul-tando em processos erosivos, isso ocorrendo até em áreas de contato litológico; falta de planejamento urbano, ou seja, loteamentos em Neossolos Quartza-rênicos, com sistema de escoamento que acompa-nham o declive das vertentes, adentrando áreas com pastagens degradadas, o que resulta em movimento de massas, ravinas e voçorocas, além de assorea-mento das baixas encostas e dos fundos de vales.

Acredita-se que na área exista um número bem maior de focos erosivos se a escala for de detalhe. Com uso das imagens Quick Bird do Google Hearth, somente algumas partes da área de estudo possuem esse tipo de imagem cuja banda de re-solução permite visão perfeita do real, observou-se erosões que não foram detectadas na imagem LANDSAT ETM7+ de 2003, principalmente erosões muito próximas a áreas cobertas com vegetação mais densa. Na imagem de satélite a vegetação acaba mas-carando a erosão. Outras vezes as erosões são con-fundidas com canais de drenagem e acabam passan-do despercebidas.

A estimativa Kernel de densidade de focos erosivos representada na Figura 12 permite observar que o Setor Sul, já considerado como uma área crítica em se tratando de degradação ambiental, com inúmeras feições erosivas já mapeadas em trabalhos anteriores (Barbalho, 2002, dentre outros), con-tinua sendo uma área preocupante, exibido uma grande concentração de focos erosivos. Grosseira-mente, poderia se dizer que de norte a sul da alta bacia, do lado goiano, acompanhando o eixo do rio Araguaia, apresenta-se certa concentração de pontos, se adensando no sul. Outra área que apresentou uma alta densidade de pontos situa-se a leste. O curioso é que os menores valores de erosividade são en-contrados aí, mas ao contrário, essa área é carac-terizada por predomínio de Neossolos Quartza-rênicos, altamente suscetíveis a processos erosivos caso sejam submetidos a algum tipo de uso, o que se constata nessa área. As erosões aí encontradas estão associadas à pastagem ou estradas mal planejadas. No fundo de áreas rebaixadas, vertentes côncavas, o fluxo de água das chuvas é direcionado para o rio mais próximo. Entretanto, considerando a erosividade das chuvas nessa região e sua intensidade, chegando a mais de 200 mm/h, quando encontra um solo arenoso em área de pastagem degradada e um entalhamento já existente, certamente o resultado é erosão e, possivelmente, em voçoroca, mesmo quan-do a área não é fortemente suscetível ao voçoro-camento. Numa faixa relativamente central a den-sidade de ocorrências erosivas é pouco menor que as duas anteriores, corroborando altos volumes de erosividade e erodibilidade (Figura 7) além de pre-sença de epicentros de chuvas (Figura 5).


A partir do exposto, percebe-se que a erosi-vidade da chuva e a erodibilidade dos solos foram parâmetros bem relevantes no que se refere potencial erosivo da alta bacia do rio Araguaia. Assim, do cruzamento dessas duas informações o que se es-perava era que os focos erosivos na alta bacia se encontrassem áreas de erodibilidade de moderada a forte e altas erosividades. Entretanto, em todas as estações meteorológicas estudas a erosividade apre-sentou-se alta, ou seja, quanto à erosividade da chuva a área pode ser considerada potencialmente erosiva com valores médios variando de 8100 a 9600 MJ.mm.h-1.ha1. Assim, toda a área encontra-se em condições pluvioerosivas semelhantes, mesmo que alguns epicentros de maior ou menor erosividade se apresentem em algumas localidades. Entende-se a partir dessa premissa que a erosividade das chuvas não é necessariamente a grande responsável pelo aparecimento de focos erosivos.

Dessa forma, todas as áreas no mapa que se apresentam com erodibilidade moderada a forte que correspondem às áreas potencialmente erosivas, são principalmente aquelas ocupada por Neossolos Quartzarênicos com rampas longas e usos inade-quados. Os focos erosivos mesmo que dispostos em toda a área de estudo eles se concentram em áreas preferenciais como nas nascentes dos rios e em áreas de erodibilidade forte, e em todos esses locais onde essas erosões foram mapeadas encontram-se com algum tipo de uso, mais comumente agricultura e pecuária.

O oeste mato-grossense, apesar das grandes extensões inclusas nas classes de erodibilidade mo-derada e alta e altos valores de erosividade das chu-vas, os maiores encontrados na área acima de 9000 MJ.mm.h-1.ha1, não apresenta uma densidade de focos erosivos muito significativa (Figuras 7 e 12). Considera-se que mesmo com erosividade e erodi-bilidade alta, a presença da vegetação natural nessa área, ainda bastante conservada se comparada a outras, inibe o aparecimento de focos erosivos. Isso se confirma quando todos os focos erosivos encon-trados na área de estudo estão sob terrenos degra-dados, ou seja, áreas de pastagem, agricultura, solo exposto em áreas abandonadas e áreas urbanas ou peri-urbanas.

Quando se adota um sistema de manejo considerando as limitações do terreno, mesmo que seja em áreas fortemente erosivas, o contrário pode acontecer. Numa das fazendas visitadas em trabalho de campo, ao leste da área de estudo, onde se tem uma grande concentração de focos erosivos, somente uma erosão foi encontrada, certamente escavada em épocas anteriores, quando não se tinha preocupação com o manejo dos solos em pastagem. A fazenda encontra-se com pastagem, entretanto, todos os pastos estão com curvas de nível, o que controla a dinâmica de escoamento superficial da águas e conse-quentemente o aparecimento de focos erosivos. A erosão encontrada na fazendo (voçoroca) encontra-se em estado de estabilização. Ela foi cercada para evitar o acesso de animais e no piping foi represada a água do lençol que aflorava através de uma barragem. Esse procedimento funciona como base de sustentação e serve para evitar o salopamento com posterior queda dos taludes devido à geometria comumente íngreme que se instala nas paredes das voçorocas. Como lembra Marinho (2003), em episó-dios chuvosos, essas paredes íngremes tornam-se mais pesadas e instabilizadas devido à saturação de seus materiais constituintes e a conseqüente dimi-nuição de coesão favorecendo sua queda por salo-pamento.

Outro fator a ser considerado é que boa parte das erosões estão associadas às drenagens, princi-palmente nas cabeceiras e/ou perpendicularmente aos canais. Esse foi um dos fatores considerados na elaboração do mapa de focos erosivos, onde a prio-ridade foi dada às áreas de drenagem, e pode ser comprovado em campo. E mais, observou-se no trabalho de campo que algumas erosões encon-travam-se em relevos de forma côncava, dispostas perpendicularmente a vertente. Esse comportamento foi também observado por Barbalho (2002) para o Setor Sul da alta bacia constituindo grandes áreas de convergência e fluxos e elevada energia.

Em síntese, a hipótese que motivou a elabo-ração dessa pesquisa, de que o comportamento evidenciado no Setor Sul se estendia para o restante da alta bacia se comprovou. Percebe-se que os focos erosivos existentes em toda a alta bacia estão asso-ciados a convergências de fatores como relevo, alta erosividade, erodibilidade e, sobretudo ao uso inade-quado das terras. Permitiu constatar ainda que o controle preventivo do processo pode impedir, desa-celerar e mesmo recuperar áreas. Assim, o manejo das terras deve ser estritamente observado mais que o uso em si.

CONCLUSÕES

A metodologia mostrou-se adequada visto que possibilitou identificar as áreas mais críticas em relação às interações entre chuva, solos, utilização das terras e focos erosivos lineares. Foram mapeados 304 focos erosivos.

As áreas mais críticas quanto ao número de focos erosivos, com uma densidade maior de ocor-rências concentram-se ao sul, centro-sul e oeste da área de estudo.

O conflito entre a expansão do uso do solo nas últimas décadas e práticas que geram impactos erosivos, os altos índices pluviométricos pluvio-erosivos, acima de 8000 MJ.mm.h-1.ha-1 e os solos com forte erodibilidade, resultaram em instalação e concentração de focos erosivos, mostrando a impor-tância em ser efetivado um plano de ação que oriente o uso e manejo da terras dessas áreas mais críticas.

As áreas de alta erosividade e erodibilidade, mas com vegetação natural conservada mostraram maior resistência aos focos erosivos lineares, como a sub-bacia do rio das Garças, a oeste da área de estudo.

Artigo recebido para publicação em 28/03/2007

e aceito para publicação em 07/08/2007

  • AMAZÔNIA superaquecida. Diário da Manhã, Goiânia 12 de mar. 2007, Brasil/Mundo, p. 7.
  • AGÊNCIA NACIONAL DE ÁGUAS. Banco de dados Hidroweb Brasília, 2003. Disponível em: <http://www.ana.gov.br>. Acesso em 25 nov. 2004.
  • BARBALHO, M. G. da S. Morfopedologia apli-cada ao diagnóstico e diretrizes para o controle dos processos erosivos lineares na alta bacia do rio Araguaia (GO/TO). 2002. 140f. Dissertação (Mestrado em Geografia) Instituto de Estudos Só-cio-Ambientais, Universidade Federal de Goiás, 2002.
  • BERTONI, J; LOMBARDI NETO, F.; BENATTI JÚNIOR, R. Equação de perdas de Solos. Boletim Técnico, São Paulo, n. 21, jan. 1975.
  • BOIN, M.N. Chuvas e erosões no oeste paulista: uma análise climatológica aplicada. 2000. 264f.Tese (Doutorado em Geociências e Meio Ambeinte) Instituto Geográfico de Ciências Exatas. Universidade Estadual Paulista, 2000.
  • BOTELHO, R. G. M. Planejamento ambiental em microbacia hidrográfica. In: GUERRA, A.J.T.; SILVA, A.S.da S.; BOTELHO, R.G.M. (Orgs). Ero-são e conservação dos solos: conceitos, temas e aplicações. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1999. p. 269-299.
  • CASTRO, S.S. et al. Condicionantes geológicos, geomorfológicos, pedológicos e de uso e manejo dos solos na circulação hídrica e processos de voçoro-camento na alta bacia do Rio Araguaia (GO/MT). In: COUTO, E.G.; BUENO, J.F. (Orgs). Os (dês) caminhos do uso na agricultura brasileira. Cuiabá: UFMT, 2004. p. 391-423.
  • CASTRO, S. S. de; XAVIER, L. de S.; BARBA-LHO, M. G. da S. Atlas geoambiental das nascen-tes dos rios Araguaia e Araguainha: condicionantes dos processos erosivos lineares. Goiânia: Secretaria do Estado do Meio Ambiente e Recursos Hídricos de Goiás, 2004.
  • CHUEH, A. M., Análise do uso do solo e degra-dação ambiental na bacia hidrográfica do rio Pe-queno São José dos Pinhais/PR, por meio do diagnóstico físico-conservacionista DFC 2004. 102f. Dissertação (Mestrado em Geografia) Ciên-cias da Terra, Universidade Federal do Paraná, 2004.
  • FARIA, K. M. S. de. Caracterização dos remanes-centes de Cerrado e suas relações com o uso e ocupação das terras da alta bacia do rio Araguaia 2006. 160f. Dissertação (Mestrado em Geografia) Instituto de Estudos Sócio-Ambientais, Universidade Federal de Goiás, 2006.
  • LOMBARDI NETO, F.; MOLDENHAUER, W. C. Erosividade da chuva: sua distribuição e relação com perdas de solo em Campinas, SP. In: ENCONTRO NACIONAL DE PESQUISA SOBRE CONSER-VAÇÃO DO SOLO, 3, 1980 Recife, Anais.. Recife, 1980.
  • MARCOS, A. Nascentes dão sinais de recuperação. O Popular, Goiânia, 19 mai. 2006. Cidades, p. 4.
  • MARINHO, G.V. Caracterização físico-hídrica e da suscetibilidade erosiva linear dos solos da sub-bacia do Córrego Queixada, na alta bacia do rio Araguaia GO 2003. 163f. Dissertação (Mestrado em Geografia) Instituto de Estudos Sócio-Am-bientais, Universidade Federal de Goiás, 2003.
  • MARINHO, G. V.; CASTRO, S. S.; CAMPOS, A. B. de. Hydrology And Gully Processes In The Upper Araguaia River Basin, Central Brazil (no Prelo). Zeitschrift für Geomorphologie. Supplement-band, 2006.
  • MEDEIROS, C. M. Análise da estrutura fundiária nas sub-bacias críticas a erosão linear na alta bacia do rio Araguaia 2002. Monografia (Gradu-ação em Geografia) - Instituto de Estudos Sócio-Ambientais, Universidade Federal de Goiás, 2002.
  • OLIVEIRA, V.C.V. Suscetibilidade e risco a ero-são laminar no setor sul do alto curso a bacia do rio Araguaia (GO/MT) 2004. 153f. Dissertação (Mestrado em Geografia) Instituto de Estudos Sócio-Ambientais, Universidade Federal de Goiás, 2004.
  • PEIXOTO, M. N. de O.; SILVA, T. M. de.; MOU-RA, J. R. da S. de. Reflexões sobre as perspectivas metodológicas em Geografia Física. Revista de Pós-Graduação em Geografia Física, Rio de Janeiro, v. 1, p. 35-48, 1997.
  • RAMOS, D. R. M. Análise da distribuição tem-poral das precipitações na alta bacia do rio Araguaia e sua relações com os processos erosivos lineares Monografia (Graduação em Geografia) - Instituto de Estudos Sócio-Ambientais, Universidade Federal de Goiás, 2003.
  • SALOMÃO, F. X. de T. Controle e prevenção dos processos erosivos. In: GUERRA, A.J.T.; SILVA, A.S.da S.; BOTELHO, R.G.M. (Orgs). Erosão e conservação dos solos: conceitos, temas e apli-cações. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1999. P.229-267.
  • SANSINE, V. J. Aquecimento Global: Futuro sóbrio para o Cerrado. O Popular, Goiânia, 04 fev. 2007. Cidades, p. 3.
  • SCOPEL, I.; SILVA, M.R. Erodibilidade no Estado de Goiás Uniciência, Anápolis, v. 8, n. 1 e 2, p. 123-132, 2001.
  • TEIXEIRA NETO, A. O território goiano: formação e processo de povoamento. In: ALMEIDA, M.G.de (Org.). Abordagens geográficas de Goiás: o natu-ral e o social na contemporaneidade Goiânia: IESA, 2002, p. 11-45.
  • TOMMASELLI, J. T. G.; FREIRE, O.; CARVA-LHO, W. A. Erosividade da chuva da Região Oeste do estado de São Paulo: Sua distribuição e relação com a precipitação. Boletim Climatológico, nº.3, FCT/UNESP, Presidente Prudente, p.131-135, 1997.
  • XAVIER, L. Suscetibilidade natural e risco à erosão linear no setor sul do alto curso do rio AraguaiaGO/MT): subsídios ao planejamento geoambiental Dissertação (Mestrado em Geografia) Instituto de Estudos Sócio-Ambientais, Univer-sidade Federal de Goiás, 2003.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    20 Abr 2011
  • Data do Fascículo
    Dez 2007

Histórico

  • Recebido
    28 Mar 2007
  • Aceito
    07 Ago 2007
Editora da Universidade Federal de Uberlândia - EDUFU Av. João Naves de Ávila, 2121 - Bloco 5M – Sala 302B, 38400902 - Uberlândia - Minas Gerais - Brasil, +55 (34) 3239- 4549 - Uberlândia - MG - Brazil
E-mail: sociedade.natureza@ig.ufu.br