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Conceitos, percepções e estratégias para conservação de uma estação ecológica da Caatinga nordestina por populações do seu entorno

Concepts, perceptions and strategies for conservation of an Ecological Station of Caatinga by communities in the vicinity

Resumos

A situação do planeta envolve discussões sobre perdas da biodiversidade. Países como o Brasil, um dos maiores em biodiversidade, não poderia escapar à essas discussões. Um de seus Biomas, e provavelmente o mais ameaçado é a Caatinga. Uma das ações que visa a proteção de áreas naturais e da biodiversidade é a manutenção de Unidades de Conservação (UC's). Uma dessas UC's da Caatinga é a Estação Ecológica do Seridó (ESEC Seridó) que, apesar de ter em seu entorno várias comunidades que interagem com ela, não inclui a percepção dessas populações em sua forma de gestão. Neste sentido, o objetivo do artigo é identificar as percepções e conceitos dessas comunidades sobre a ESEC Seridó, assim como, as estratégias que devem ser adotadas para sua melhor forma de atuação. Para alcançar esses objetivos realizou-se pesquisa bibliográfica, elaboração de um instrumento baseado nas práticas da Percepção Ambiental, na forma de entrevista estruturada aplicada à população do entorno dessa ESEC, e os dados tratados através da análise de conteúdo. Os resultados mostram de forma clara nos discursos da população, seus conceitos e percepções, os principais problemas enfrentados pela ESEC Seridó, bem como estratégias para a resolução dos mesmos, sendo observado no conhecimento das pessoas a realidade enfrentada pela ESEC e sua possível melhoria como área de proteção da natureza.

Biodiversidade; População local; Unidade de Conservação; Percepção Ambiental


The loss of Earth's biodiversity is a major concern for the international scientific community and megadiverse countries like Brazil are paramount for discussions about the overall situation of the planet. The Caatinga biome is probably one of the most threatened in Brazil and the implementation of Conservation Units (CU) represents a measure for protecting its natural resources and biodiversity.The Station Ecological of Seridó (ESEC-Serido) is one of the few CU in the Caatinga of Rio Grande do Norte State (NE Brazil) and interacts with several neighboring communities and settlements. However the ESEC does not integrate environmental perception feedback from the local communities in its management plan. Considering this, the present articles aims at identifying the perceptions and concepts of such communities regarding environmental issues and biodiversity as well as indicate strategies to improve the administration of this CU. In order to achieve these goals, a review of the specialized literature was carried out and a research tool based on Environmental Perception was developed in the form of structured interviews applied to the persons from communities neighboring the ESEC. These interviews were later processed through content analysis. The concepts and perceptions obtained through this analysis show that the people from the environs are aware of the main problems faced by ESEC-Seridó, as well as the strategies to address them.

Biodiversity; Local population; Conservation unit; Environmental Perception


DOSSIÊ

RELAÇÕES SOCIEDADE - NATUREZA EM UNIDADES DE CONSERVAÇÃO

Conceitos, percepções e estratégias para conservação de uma estação ecológica da Caatinga nordestina por populações do seu entorno

Concepts, perceptions and strategies for conservation of an Ecological Station of Caatinga by communities in the vicinity

Thaise Sousa da SilvaI; Gesinaldo Ataíde CândidoII; Eliza Maria Xavier FreireIII

IMestre em Desenvolvimento e Meio Ambiente pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte - Natal/RN - Brasil. thaisesousa@hotmail.com

IIProfessor Dr. da Universidade Federal de Campina Grande - Campina Grande/PB - Brasil. gacandido@uol.com.br

IIIProfessora Dra.da Universidade Federal do Rio Grande do Norte - Natal/RN - Brasil. elizajuju@ufrnet.br

RESUMO

A situação do planeta envolve discussões sobre perdas da biodiversidade. Países como o Brasil, um dos maiores em biodiversidade, não poderia escapar à essas discussões. Um de seus Biomas, e provavelmente o mais ameaçado é a Caatinga. Uma das ações que visa a proteção de áreas naturais e da biodiversidade é a manutenção de Unidades de Conservação (UC's). Uma dessas UC's da Caatinga é a Estação Ecológica do Seridó (ESEC Seridó) que, apesar de ter em seu entorno várias comunidades que interagem com ela, não inclui a percepção dessas populações em sua forma de gestão. Neste sentido, o objetivo do artigo é identificar as percepções e conceitos dessas comunidades sobre a ESEC Seridó, assim como, as estratégias que devem ser adotadas para sua melhor forma de atuação. Para alcançar esses objetivos realizou-se pesquisa bibliográfica, elaboração de um instrumento baseado nas práticas da Percepção Ambiental, na forma de entrevista estruturada aplicada à população do entorno dessa ESEC, e os dados tratados através da análise de conteúdo. Os resultados mostram de forma clara nos discursos da população, seus conceitos e percepções, os principais problemas enfrentados pela ESEC Seridó, bem como estratégias para a resolução dos mesmos, sendo observado no conhecimento das pessoas a realidade enfrentada pela ESEC e sua possível melhoria como área de proteção da natureza.

Palavras-chave: Biodiversidade. População local. Unidade de Conservação. Percepção Ambiental.

ABSTRACT

The loss of Earth's biodiversity is a major concern for the international scientific community and megadiverse countries like Brazil are paramount for discussions about the overall situation of the planet. The Caatinga biome is probably one of the most threatened in Brazil and the implementation of Conservation Units (CU) represents a measure for protecting its natural resources and biodiversity.The Station Ecological of Seridó (ESEC-Serido) is one of the few CU in the Caatinga of Rio Grande do Norte State (NE Brazil) and interacts with several neighboring communities and settlements. However the ESEC does not integrate environmental perception feedback from the local communities in its management plan. Considering this, the present articles aims at identifying the perceptions and concepts of such communities regarding environmental issues and biodiversity as well as indicate strategies to improve the administration of this CU. In order to achieve these goals, a review of the specialized literature was carried out and a research tool based on Environmental Perception was developed in the form of structured interviews applied to the persons from communities neighboring the ESEC. These interviews were later processed through content analysis. The concepts and perceptions obtained through this analysis show that the people from the environs are aware of the main problems faced by ESEC-Seridó, as well as the strategies to address them.

Keywords: Biodiversity. Local population. Conservation unit. Environmental Perception.

1. INTRODUÇÃO

A atual situação do planeta é assunto de muitas discussões e, dentre os muitos temas, trazem questionamentos que envolvem o modo de agir do homem sobre a natureza e seus recursos e que vêm causando perdas irreversíveis à Biodiversidade (CULLEN et al., 2004; PRIMACK, 2000). No Brasil, considerado um dos países com maior diversidade biológica e de biomas com as mais diversas características, destacam-se as Caatingas, único Bioma exclusivamente brasileiro e que sofre um alto nível de desertificação, principalmente a partir das ações antrópicas sobre esse Bioma (FREIRE e PACHECO, 2003).

Para reduzir as ações danosas do homem aos ambientes naturais, muitas estratégias têm sido implementadas, como a criação de Unidades de Conservação da Natureza (UC's), mas a simples criação dessas Unidades não tem trazido os resultados esperados, pois muitas delas passam por sérios problemas de gestão (DIEGUES, 2001). Uma dessas UC's de Preservação integral da Caatinga é a Estação Ecológica do Seridó (ESEC Seridó), localizada no município de Serra Negra do Norte - RN. Esta possui várias comunidades localizadas em seu entorno e que têm uma relação muito acentuada com os recursos dessa área de Caatinga.

A Percepção dessas populações revela que as comunidades que interagem com as UC's entendem que estas áreas são úteis mais não são adequadamente geridas e vêem muitos pontos negativos em suas relações com estes ambientes (SANTOS et al., 2000; SILVA, 2006 e VIOLANTE, 2006).

Temas como este, merecem a atenção de estudos que investigam as ações do homem sobre o ambiente no qual ele está inserido. Além de avaliar as diversas formas de uso dos recursos naturais, a Percepção Ambiental, é um instrumento utilizado em diversas áreas do conhecimento, para a melhoria da qualidade de vida do homem e das demais espécies que com ele interagem, podendo ser definida como uma tomada de consciência do ambiente pelo homem; ou seja, o ato de perceber o ambiente no qual se está inserido, aprendendo a proteger e a cuidar do mesmo (MARIN et al., 2003).

Sendo um instrumento baseado, dentre outras estratégias, na aplicação de entrevistas, que analisa a opinião, as percepções sobre o ambiente, seus problemas e possíveis soluções a partir dos entrevistados, a Percepção Ambiental é um caminho para que se aponte estratégias de ação, através da adoção de um modelo de gestão mais participativa onde se pode chegar a soluções de problemas em áreas de preservação com atividades antrópicas muito acentuadas como é o caso da ESEC Seridó.

Assim, com o objetivo de identificar as percepções e conceitos dos grupos do entorno da ESEC Seridó, bem como, que estratégias devem ser adotadas para sua melhor forma de atuação, desenvolveu-se um instrumento de pesquisa em forma de entrevista, que possibilite a análise da percepção das populações que habitam o entorno da ESEC Seridó em prol de sua efetiva atuação como Unidade de Conservação integral. Para tanto foi utilizado o método de Análise de Conteúdo, utilizado por Bardin (1977) aplicado por Cândido (2004), e o estudo da Percepção Ambiental desenvolvido por Maroti et al. (2000) e Silva (2006), para avaliar o modo de gerir a ESEC Seridó, de maneira que esta Estação Ecológica seja inserida no contexto da propriedade rural, entendida, e se obtenha o perfil de avaliação que a população tem em relação a esta UC. Os resultados foram trabalhados a partir das variáveis da pesquisa em Percepção Ambiental (variáveis de saída e processos de percepção), e de categorias pré-definidas, como observado no método da análise de conteúdo.

A necessidade de se conhecer as possibilidades e condições para uma adequada gestão e as necessidades das populações que vivem próximo a essas áreas de preservação, seus hábitos e costumes, para que consequentemente se obtenha a colaboração dessas pessoas na afetiva funcionalidade e administração de UC's como a ESEC é fundamental para sua atuação na preservação do meio ambiente e melhoramento da qualidade de vida das populações.

Além da parte introdutória, este artigo explora ainda o referencial teórico acerca de Biodiversidade e Unidades de Conservação, e trás contextualizações e conceitos sobre a pesquisa em Percepção Ambiental; apresenta também o modelo utilizado na pesquisa e os procedimentos metodológicos que o estudo seguiu e, por fim, apresenta a análise dos resultados e as considerações finais da pesquisa.

2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

2.1. Biodiversidade e Unidades de Conservação

Em todo o mundo, comunidades biológicas que passaram milhões de anos para se desenvolver vêm sendo devastadas pelas ações do homem. As ameaças à diversidade biológica são duplamente aceleradas, pela demanda de um rápido aumento na população humana e pelo consumo de material biológico (PRIMACK, 2000; CULLEN et al., 2004).

Esta situação é exacerbada pela distribuição desigual desses recursos naturais, acentuadamente em muitos países tropicais como o Brasil, que tem uma alta diversidade de espécies.

As iniciativas que vêm sendo implementadas para salvar a biodiversidade, como no caso da criação de novas áreas de conservação, que determinam que as espécies biológicas sejam preservadas, por si só não têm possibilitado os resultados esperados para a preservação das espécies, pois, além dessa medida, deve ser considerada a relação homem-natureza levando em conta os conflitos decorrentes do uso e ocupação da paisagem, e a diversidade cultural (DIEGUES, 2001). A conservação dos recursos naturais pode ser justificada tanto por razões ecológicas, como pela dependência das populações do entorno das Unidades de Conservação (UC's), da obtenção dos recursos naturais e do bem-estar social (SILVA, 2006). Para o conhecimento do contexto em que se insere a gestão dessas Unidades de Conservação e os processos educativos acerca da necessidade da conservação de recursos naturais, é fundamental entender a problemática do desenvolvimento social, em termos da controvérsia sobre o que é sustentável ou não, já que as UC's se dividem entre áreas de proteção integral e de uso sustentável (LOUREIRO et al., 2003).

Neste contexto, e sabendo-se que a conservação biológica é uma ciência multidisciplinar que tem se desenvolvido hoje em resposta às crises enfrentadas pela manutenção da diversidade biológica, que todas as espécies são interdependentes e interagem em caminhos complexos; há a necessidade de uma atividade de conscientização ambiental das comunidades que habitam o entorno dessas áreas de conservação biológica, pois a ação antrópica é a principal causadora de extinção na atualidade (PRIMACK, 2000).

Apesar de se tratar de um instrumento bastante antigo no trato das questões ambientais, a expansão do número de áreas protegidas no mundo foi considerada uma estratégia particularmente vital para a conservação dos recursos naturais do planeta a partir do III Congresso Mundial de Parques, realizado em Bali, em 1982.

Camphora & May (2006) afirmam que o pensamento econômico aplicado à implementação e gestão do Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC) não comporta soluções triviais, e nos reporta ao desafio de consolidar critérios de análise compatíveis com a diversidade biológica de cada bioma e com os serviços ambientais gerados no âmbito das distintas categorias de Unidades de Conservação.

O Brasil além de sua alta biodiversidade e da imensa quantidade de Biomas e diferentes ecossistemas detém o único Bioma exclusivamente brasileiro: As Caatingas. Segundo Schober (2002), o mau uso dos recursos da Caatinga, tem causado danos irreversíveis a este Bioma, que é um grande celeiro de espécies endêmicas. Este autor relata que o processo de desertificação já afeta cerca de 15%, e as conseqüências de anos de extrativismo predatório são visíveis: perdas irrecuperáveis da diversidade da flora e da fauna, acelerada erosão e queda na fertilidade do solo e na quantidade e qualidade da água, o que prejudica a vida animal, incluindo-se aí a vida humana, da região.

Com somente 3,56% de sua área protegida, a Caatinga é provavelmente o Bioma mais ameaçado do Brasil, possuindo apenas 0,87% de áreas de proteção integral: 16 Unidades de Conservação (UC's) federais, e sete estaduais, um número muito reduzido para este Bioma que cobre uma área bastante significativa do território brasileiro, 11.67% (SILVA et al., 2004).

Além da clara necessidade da criação de novas UC's, igualmente importante é tornar funcionais aquelas já existentes, assegurando a preservação de porções ecologicamente viáveis, pois muitas delas passam por sérios problemas envolvendo desde aspectos fundamentais, como a inexistência de planos de manejo, até o de gestão, que na sua maioria excluem as populações diretamente ligadas às áreas de conservação.

Entre estas UC's de preservação integral da Caatinga, em nível estadual, no estado do Rio Grande do Norte, encontra-se a Estação Ecológica do Seridó (ESEC Seridó), que constitui uma área de referência para averiguação de gestão adequada, para a efetiva preservação da diversidade, uma vez que é alvo de pesquisas sobre diversidade biológica, distribuição biogeográfica e delimitação dos principais padrões de vegetação preservada na caatinga do Seridó do RN. Além disso, abriga inúmeras espécies animais, algumas constituindo novos registros e/ou endemismos para a região (COSTA, 2006).

Levando em conta os conflitos existentes no uso e ocupação do solo existentes em áreas de Caatinga (SCHOBER, 2002), especialmente em áreas próximas a Unidades de Conservação, por estas serem manchas de proteção à Biodiversidade, e excluírem as comunidade do entorno havendo consequentemente exploração intensiva, através da atividade humana, é que se estudará a Percepção Ambiental das pessoas que habitam e/ou mantém relação direta com a ESEC Seridó, para uma melhor compreensão dessa relação.

2.2. Percepção Ambiental: conceito e aplicações

De acordo com Diegues (2001) projetos de pesquisa que tratam da relação homem-ambiente e do gerenciamento de ecossistemas devem incluir estudos de investigação da percepção dos grupos sociais interatuantes como parte integrante da abordagem interdisciplinar que estes projetos exigem. As populações habitantes do entorno de Unidades de Conservação, que ali já existiam antes da criação dessas áreas, tem seu método de uso e manejo das espécies nativas, bem como de espécies introduzidas, e possuem um conhecimento empírico, muitas vezes desconhecido pela comunidade científica, e que tem sua utilidade real no dia-a-dia dessas comunidades, usos esses que normalmente influenciam o funcionamento adequado dessas Unidades de Conservação.

Não resta dúvida que os humanos estiveram implicados em muitas extinções de animais e plantas, mas excluir as populações das Unidades de Conservação como estratégia para a conservação da biodiversidade, não é a melhor alternativa (VIOLANTE, 2006). Existem casos em que a exclusão dos humanos foi prejudicial à biodiversidade, como na planície do Serengueti na Tanzânia e no Quênia. Este ecossistema e a cratera vizinha de Ngorongoro são habitats para cerca de 20% de todos os grandes mamíferos da África, herbívoros e carnívoros. Pesquisas detalhadas mostraram que os pastores, o gado e a vida selvagem coexistiram na área por mais de dois mil anos, e que o pastoreio e as técnicas de queimadas criaram e mantiveram a paisagem que hoje é tão valorizada pelos conservacionistas (SARKAR, 2000). E há ainda exemplos de Unidades de Conservação brasileiras, que se tornaram mais protegidas e menos exploradas pelas populações, quando seus planos de manejo e gestão incluíram as populações que nelas habitam, em suas tomadas de decisão para a conservação e uso sustentável de seus recursos (QUEIROZ & PERALTA, 2006).

Para identificar os grupos ligados a essas áreas de conservação, e estudar as diversas formas e estratégias a serem avaliadas, a Percepção Ambiental vem sendo utilizada como instrumento de gestão em áreas do conhecimento ligadas aos temas Educacional, Social e Ambiental para melhorar a qualidade de vida das pessoas e da natureza (MARIN, et al., 2003), bem como de análise e resgate do conhecimento tradicional. Além de esse instrumento ser uma forma de entender as relações do homem com o meio em que ele está inserido, principalmente em comunidades próximas a áreas de preservação da natureza (FONTANA, 2004; TUAN, 1980).

O conceito de Percepção Ambiental utilizado neste estudo é o mesmo estabelecido no MAB/UNESCO que define Percepção Ambiental como: "Uma tomada de consciência e a compreensão pelo homem do ambiente no sentido mais amplo, envolvendo bem mais que uma percepção sensorial individual, como a visão ou audição" (WHYTE, 1978).

Apesar de ser um conceito relativamente novo, a percepção ambiental, tem sido cada vez mais utilizada, tanto nas ciências humanas e sociais quanto nas ciências biológicas, como um instrumento de investigação das relações do ser humano com o ambiente ao seu redor (VIOLANTE, 2006). Ela está focalizada no contato do homem com a realidade concreta, e com as representações que faz dela, levando em conta os fatores que compõem essa realidade (FONTANA, 2004); o que é uma ferramenta importante para uma adequação eficaz na gestão de áreas de preservação ambiental como a ESEC Seridó.

Neste contexto, e sabendo-se que a conservação biológica é um tema que tem se desenvolvido hoje em resposta às crises confrontadas com a perda da diversidade biológica, é relevante o desenvolvimento de práticas que melhorem o conhecimento que se tem sobre as comunidades que habitam o entorno dessas áreas de conservação biológica, para reduzir os impactos causados pelo homem ao ambiente.

Por existir neste estudo a necessidade do entendimento do homem como um agente social que influencia e é influenciado pela estrutura social, aliou-se a Percepção Ambiental a uma forma de avaliar o discurso das pessoas, de maneira qualitativa, a análise de conteúdo, que possibilitará traçar um perfil sobre as opiniões e visões das populações que se relacionam de maneira mais íntima com a ESEC Seridó, trabalhando-se as variáveis da pesquisa contidas na percepção ambiental, como: variáveis de estado e de saída e os processos de percepção, na avaliação e construção do perfil da população que vem a ser estudada.

Segundo Costa (2007) o processo de interação das pessoas com o seu contexto social envolve um conjunto de conceitos e significados construídos socialmente com base na interpretação subjetiva da realidade que as envolve em seus ambientes. Portanto, pesquisas que visam compreender estas formas de interação, como é o caso da Percepção Ambiental são aplicados em áreas como a ESEC, para que se obtenha uma melhora da relação homem-ambiente, através da compreensão dos conceitos e percepção das populações de seu entorno.

2.3. Estratégias de conservação em Unidades de Conservação

A premissa internacionalmente aceita de que as unidades de conservação de uso indireto são fundamentais para a conservação da biodiversidade, é consensual. A pesquisa científica é também considerada fundamental, levando-se em consideração a necessidade vital de documentar a diversidade de fauna e da flora no Brasil, assim como a dinâmica das relações entre suas populações e comunidades com o ambiente abiótico.

O Sistema Nacional de Unidades de Conservação da natureza (SNUC) define Estações Ecológicas como áreas de uso restrito à realização de pesquisa científica, previamente avaliada e aceita, excluindo a presença humana para fins de extração e/ou uso de recursos naturais. Áreas como a ESEC Seridó, necessitam de estratégias de conservação que incluam populações de seu entorno na sua proteção e preservação; conhecendo as percepções dessas pessoas, é que se dá início a essas parcerias.

Um dos mecanismos mais tradicionais utilizados no mundo para a conservação da biodiversidade é o estabelecimento de um sistema representativo de unidades de conservação, geralmente na forma de parques e reservas, acrescidos de áreas sob outras categorias de manejo, protegendo frações de ecossistemas naturais sem a interferência do homem (DIEGUES, 2001). Mas é a forma de gerir esses espaços e as estratégias adotadas por seus gestores que levam essas áreas aos seus reais objetivos, que vão além da proteção da biodiversidade, chegando ao bem-estar da sociedade, ligada direta ou indiretamente a essas Unidades de Conservação.

As estratégias de conservação da natureza em áreas de proteção geridas pelo governo como unidades de conservação integral, é justamente a fiscalização e a punição das pessoas que não obedecem a lei, com multas e até mesmo a prisão. A gestão de áreas de preservação como a ESEC Seridó é autoritária e centralizadora, como na maioria das Unidades de Conservação de sua categoria, o tem sido claramente falho em muitos casos, mesmo sendo estabelecido pelo SNUC, tendo em vista que as retiradas de material biológico como animais e vegetais, continuam acontecendo das mais diversas formas (caça, desmatamento, introdução de espécies exóticas) nessa e em outras Unidades de Conservação.

Este modelo de gestão aplicado nos mais diversos ambientes, e observado como um espaço técnico e necessariamente centralizado; cria modelos de conservação que, quando não funcionam, falham em decorrência da falta de recursos, de pessoal, de fiscalização e de adequada punição (MACEDO, 2007).

Existem Unidades de Conservação no Brasil onde a participação das populações ligadas a seu funcionamento em sua gestão surte efeito muito positivo em sua funcionalidade (QUEIROZ, 2006). E conhecer os anseios e opiniões dessas comunidades sobre o posicionamento dessas áreas é uma ferramenta de conservação importante, principalmente em áreas onde elas estabelecem relação muito íntima, como a ESEC Seridó. Esta é uma estratégia que dá subsídio para a formulação de outras que melhorem a funcionalidade dessa UC.

3. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

3.1. Área de estudo

A Estação Ecológica do Seridó (ESEC Seridó) situada geograficamente entre 6º35' S e 37º15' W, com área de 1.166,38 ha, criada pelo decreto lei nº 87.222 em 31/05/1982 (CAMACHO e BAPTISTA, 2005), constitui uma área de preservação dos recursos da Caatinga do Semi-árido nordestino, contida em uma propriedade agrícola de uso extensivo dos recursos naturais. As comunidades do seu entorno imediato utilizam o solo, animais e vegetais (FIG. 1), e a própria área de preservação, para diversos fins, como a agricultura, pecuária, e o comércio da fauna e flora. Estas pessoas têm muitas vezes nestas práticas, sua única forma de sustento. Isso apesar dessa Estação ser referência para estudos sobre a Caatinga do Seridó do Rio Grande do Norte, por ser a única Unidade de Conservação integral dessa região.


3.2. Caracterização da Pesquisa

A pesquisa está delineada de acordo com os princípios da investigação qualitativa e exploratória. Como método de obtenção de dados, se adotou entrevistas com perguntas abertas e fechadas, baseada nos princípios da pesquisa em Percepção Ambiental. A pesquisa qualitativa possibilita o estudo de questões que não podem ser quantificadas como, por exemplo, os anseios, os sentimentos, as motivações, as crenças e as atitudes individuais que fazem parte do contexto da lida na terra e das relações sociais e de pesquisa. Além disso, a pesquisa proposta não tem como meta uma representação numérica dos grupos pesquisados e sim a sua compreensão enquanto grupos sociais, o que tem sido efetuado com bons resultados em outros estudos semelhantes em Unidades de Conservação (MAROTI et al., 2000; SILVA, 2006; SANTOS et al., 2006). A pesquisa social vem acompanhando a evolução da humanidade e à medida que se distancia da visão positivista das leis universais incorpora e aprimora pressupostos próprios da pesquisa qualitativa dentro do paradigma interpretativo (SILVA et al., 2005).

Inicialmente, foi realizado um estudo exploratório preliminar da ESEC Seridó e de seu entorno mais imediato, através de visita a esta UC para identificar e classificar por categoria, os diferentes grupos sociais de interação com a mesma.

A população selecionada para o levantamento de dados é formada pela população do entorno imediato da ESEC Seridó e professores das escolas localizadas nas comunidades selecionadas e de escolas do ensino fundamental do Município de Serra Negra do Norte.

A adaptação do instrumento incorporou dimensões e categorias. As dimensões consideradas referem-se às variáveis do modelo contido em Maroti et al. (2000) e Santos et al. (2006), adaptados para a análise de conteúdo.

A Percepção Ambiental como instrumento de avaliação, aliada à análise de conteúdo possui variáveis dentro de sua estrutura, como as que relacionam variáveis de estado (características do sujeito e do grupo), que relacionam o gênero, idade, profissão, a escolaridade, renda familiar e o tempo de moradia dos entrevistados em suas comunidades; estes indicadores formam o perfil das pessoas entrevistadas. As variáveis de saída (escolha de usos como problemas e formas de preservação da ESEC), e os processos de percepção (do ambiente que envolve a ESEC Seridó e descrição da Estação, a opinião da comunidade sobre a Estação, atitudes futuras e sua relação com os funcionários da mesma) constituem as dimensões das quais se selecionou as categorias deste estudo, para a análise de conteúdo dos discussos das comunidades (QUADRO 1).


3.3. Tratamento e Análise dos dados

A utilização da análise de conteúdo de acordo com Bardin (1977) está dividida em três fases fundamentais, realizadas neste estudo: a pré-análise, exploração do material e tratamento dos resultados. Na primeira fase foi estabelecido um esquema de trabalho que deve ser preciso, com procedimentos bem definidos, embora flexíveis. A segunda fase consistiu no cumprimento das decisões tomadas anteriormente e, na terceira etapa, o pesquisador apoiado nos resultados brutos procurou torná-los significativos e válidos.

Técnicas de pesquisa não padronizadas foram utilizadas na construção de uma entrevista, composta por um questionário, com perguntas abertas e fechadas, associadas aos questionários de caracterização dos entrevistados. Baseados nos conceitos e premissas que a Percepção Ambiental apresenta nos estudos de Maroti et al. (2000) e Santos et al. (2000) e da Análise de Conteúdo, contidas em Bardin (1977).

Os moradores do entorno e funcionários da ESEC, foram abordadas um de cada vez, os questionários respondidos individualmente, e as respostas anotadas pelo pesquisador. Adotou-se esta forma de entrevista para desenvolver uma relação de amizade com os entrevistados, além de dar espaço para as pessoas falarem a respeito de suas vidas, experiências e idéias.

As informações coletadas foram organizadas e registradas em fichas numeradas ainda em campo e durante as entrevistas, para que os dados fossem relembrados e trabalhados com mais facilidade.

Os resultados brutos das entrevistas realizadas foram submetidos a análises simples (percentagens) de modo a colocar em relevo as informações obtidas para as variáveis de Estado. Em seguida, os dados distribuídos nas dimensões e categorias de respostas baseadas na análise de conteúdo de Bardin (1977) e, a partir daí, realizadas inferências e interpretações relacionadas aos dados e aos pressupostos teóricos relatados.

A análise foi realizada com categorizações obtidas através da aplicação de discursos diretos. Depois disso, as dimensões foram descritas, classificadas e interpretadas. As categorias elaboradas são exclusivas e avaliadas através da vinculação das falas ao problema e objetivos da pesquisa, e definidas dentro do enquadramento das falas. Algumas das falas estão incorporadas na análise dos resultados da pesquisa.

4. APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS RESULTADOS

Tomando como referência o problema e os objetivos propostos na pesquisa, a qual buscou conhecer os conceitos e percepções dos grupos que interagem com a ESEC Seridó acerca de sua gestão, a partir do explicitado nos procedimentos metodológicos utilizados para a realização da pesquisa, mostramos aqui os resultados obtidos quanto às categorias estudadas. A partir da descrição de cada uma das dimensões da Percepção Ambiental, através de um instrumento de pesquisa que permite medir as opiniões dos pesquisados, foi definido um conjunto de categorias, criadas com a descrição das variáveis de cada dimensão da percepção dos pesquisadores acerca do contexto da pesquisa.

Totalizaram-se 111 (cento e onze) entrevistas, e os resultados obtidos estão explicitados abaixo por dimensão e categorias que permitem avaliar as opiniões da população, a partir do modelo e metodologia específicos, em que foram utilizadas técnicas qualitativas de pesquisa, envolvendo a observação não participante, conversas, visitas in loco, e principalmente, a realização de entrevistas com um roteiro pré-definido, que permitiu a aplicação da técnica de análise de conteúdo.

4.1. Variáveis de Estado - Indicadores Sócio-culturais

Nestas variáveis se qualificam os dados de caracterização dos grupos dos indivíduos entrevistados, como a distribuição por gênero, faixa etária, estado civil, escolaridade, renda familiar, profissão e tempo de moradia na comunidade.

Caracterizar o grupo estudado com dados básicos ajuda a entender melhor suas relações, anseios e percepções acerca de suas diversas formas de relacionamento com a ESEC Seridó.

4.1.1. Perfil Sócio-cultural

Esses indicadores sócio-culturais apresentam o perfil dos entrevistados, que está na faixa etária entre 31 e 50 anos com equivalência de gênero, e a maioria deles é casada, ou moram "juntos", identificação que é utilizada para as pessoas que moram na mesma casa e vivem como marido e mulher, não sendo casadas oficialmente. Quanto ao nível de escolaridade, o perfil é de pessoas analfabetas ou semi-analfabetas; a renda das famílias entrevistadas, está em torno de um salário mínimo e, no geral, essas pessoas tem como profissão das mulheres apenas ser dona de casa e, os homens, são agricultores e/ou pecuaristas. E quanto ao tempo de moradia, a grande maioria das pessoas está nessas comunidades há mais de 20 anos. O conjunto desses indicadores caracteriza um alto grau de conhecimento destas pessoas sobre a região em estudo, tendo em vista o alto grau de dependência das comunidades dos recursos naturais disponíveis na região.

Dentro do observado nos indicadores das "Variáveis de estado", estes dados estão dentro do esperado, pois a população brasileira, bem como a população da zona rural tem na faixa etária entre de até 50 anos sua maior representatividade. Além disso, as pessoas entrevistadas foram escolhidas, sempre com idade acima de 18 anos, como dito anteriormente. O grau de instrução das pessoas, também demonstrou uma relação direta com a renda das famílias pesquisadas, pois nesses indicadores as pessoas que se declaravam analfabetas ou semi-analfabetas, normalmente também declaravam a renda da família como de até um salário mínimo.

4.2. Dimensão 1 - Variáveis de saída

Esta Dimensão procura compreender as escolhas de usos que as pessoas entrevistadas tem em relação a ESEC Seridó, como as pessoas percebem a Estação na questão dos usos e utilidades que esta UC possui para a vida, o dia-a-dia das pessoas e das instituições às quais elas pertencem como funcionários, proprietários ou apenas cidadãos. A análise dessas variáveis tem o intuito de perceber e identificar nos discursos das pessoas a qualidade e importância da ESEC para a região.

4.2.1. Problemas identificados na ESEC

Os problemas identificados pelas pessoas entrevistadas aparecem aqui na mensuração do grau de conhecimento que estas possuem sobre o atual estado de conservação da ESEC Seridó, em relação aos problemas que esta Unidade de Conservação enfrenta, quais são esses principais problemas e quem são os causadores desses impactos.

Nesse indicador, a caça e o desmatamento, como conseqüência da falta de fiscalização, e de incentivos por parte do governo, além da falta de consciência dos próprios moradores das fazendas, são os problemas mais observados pelos moradores, o que inviabiliza o funcionamento mais adequado da ESEC para a preservação do meio ambiente. Os entrevistados indicam os próprios vizinhos da Estação como os principais caçadores e causadores dos problemas da ESEC, porém também citam o governo como negligente quanto à falta de controle sobre esses impactos.

Diante desses resultados, torna-se perceptível que as pessoas conhecem bem os problemas que a ESEC enfrenta, e que estes podem ser resolvidos, não apenas por eles e sim pelos próprios funcionários da Estação, frente a novas atitudes, e ao fortalecimento das práticas já adotadas na UC, como pode ser constatado nas afirmações seguintes:

"Os vizinhos caçam e deviam preservar, as pessoas caçam dentro das juremas, andam armadas e é muito difícil de ser controlado, só dando emprego pra todo mundo". (Moradora do entorno - Entrevistada nº 16).

"Hoje estão desmatando em todo canto e se diz que o calor piora quando se desmata, não se deve desmatar". (morador do entorno - Entrevistado nº 35)

"Proteger o ambiente, por que se continuar o desmatamento e a matar os animais, vai desgastar o ambiente e a tecnologia vai aumentar mais e o calor também". (Morador do entorno - Entrevistado nº 42).

"Acho que devido a pouca quantidade de pessoas monitorando a área e a falta de consciência de alguns, faz com que não seja preservado como deveria, principalmente em relação a fauna e flora" (Professora do município - Entrevistada nº 17).

4.2.2. Sugestões de estratégias para preservação da ESEC

Conhecer o grau de capacidade para a solução dos problemas indicados pelas pessoas entrevistadas, quais as principais soluções para a preservação da ESEC, é o objetivo desse indicador, que demonstra a percepção das pessoas em relação ao que deve ser feito e que tipo de tomada de decisão deve-se ter, por parte das populações do entorno e da própria administração da ESEC.

Os moradores indicam nessa fase, que acabar com a caça através do aumento da fiscalização é a melhor forma de manter a ESEC em seu adequado funcionamento, que eles consideram ser algo bom para a região. O que demonstra que eles colocam a responsabilidade e a demanda de poder sobre a preservação da ESEC totalmente sobre os gestores dessa Estação, afirmando que a população só irá parar de caçar se a fiscalização aumentar sobre as regiões mais susceptíveis a estas práticas.

Este indicador mostra que as populações concentram suas sugestões de preservação da Unidade de Conservação nos esforços do governo em fiscalizar a área da ESEC contra as pessoas que praticam a caça, e a extração vegetal:

"Por que é uma judiação com os animais, deve revistar a mata toda noite por causa dos caçadores". (Morador do entorno - Entrevistado nº 19).

"Por que se liberar deixa de ser área de preservação, deve ter mais investimento político, pois é uma área de muito valor, vem gente de muitos lugares para fazer pesquisa". (Morador do entorno - entrevistado nº 21).

"Deve aumentar ainda mais, por que o trabalho de lá é bom, e podem melhorar, eles tem que agir mais contra os caçadores, e todos os invasores". (Morador do entorno - entrevistado nº 79).

"Precisa haver uma maior fiscalização no que tange a fauna, constantemente atacada por caçadores" (Professora do município - Entrevistada nº 01).

4.2.3. Nível de conhecimento sobre a ESEC

O indicador Nível de Conhecimento sobre a ESEC, é utilizado para demonstrar e mensurar o grau de relacionamento que o grupo de entrevistados possui com essa Estação Ecológica, para que se obtenha um perfil sobre o nível de conhecimento dessas pessoas com suas percepções e usos sobre esta UC.

Os entrevistados demonstraram ter um relacionamento muito próximo com a ESEC e seus recursos naturais, passando com freqüência pela estrada que cruza a Estação, e fazendo visitas freqüentes. Eles conhecem a ESEC e até mesmo o objetivo dessa Unidade de Conservação frente à região onde eles vivem. Observa-se na fala dessas pessoas que eles têm um grande nível de intimidade com a ESEC, visitando-a com freqüência, pois todos de certa forma têm algum tipo de relação com os recursos da Estação ou com seus funcionários.

Este indicador informa que em geral as pessoas conhecem a Estação Ecológica e já a visitou, ou ao menos passou por sua estrada, no mínimo uma vez, e muito dos entrevistados declararam já ter trabalhado na ESEC para os mais diversos fins, desde a construção civil, até a prática da extração animal, como a pesca. O que revela um alto nível de conhecimento por parte da população residente no entorno com a ESEC:

"Trabalhei na estação como policial, e quando vou é apenas para visitar" (morador do entorno - entrevistado nº 35)

"Visitei poucas vezes, para trabalhar na construção da sede, e passo por lá de passagem pela estrada". (morador do entorno - entrevistado nº 77).

"Fui visitar muitas vezes, trabalhei lá, passo pela estrada". (morador do entorno - entrevistado nº 90).

"Já visitei a ESEC algumas vezes com meus alunos". (Professora do município - entrevistada nº 14).

De acordo com os resultados obtidos para a dimensão "Variáveis de saída", observa-se que o grau de conhecimento da população sobre os impactos e problemas da ESEC é muito satisfatório, pois os problemas indicados por eles são os mesmos que constam no plano de manejo desta Estação, mas eles não se colocam como os agentes que devem participar da resolução desses problemas dando ao órgão responsável pela UC, a função de resolver os problemas através de sua fiscalização. O alto nível de conhecimento dessas pessoas, em relação a ESEC demonstra ser satisfatório, para a tomada de decisão da gestão dessa área com a colaboração dos moradores do entorno.

4.3. Dimensão 2 - Processos de Percepção

Conhecer a percepção das pessoas entrevistadas, em relação ao que a ESEC representa para o grupo estudado, como essas pessoas se relacionam com esta UC e com seus recursos naturais e humanos, é o propósito central dessa dimensão. A partir daí será traçado um perfil sobre a presença da ESEC na vida das pessoas, e assim se tenha uma idéia da participação destas na gestão e funcionalidade dessa Estação como instituição de preservação da natureza dessa região de Caatinga.

4.3.1. O que a ESEC representa para o entrevistado

O que a Estação Ecológica do Seridó representa para as comunidades de seu entorno, qual a importância dessa área de preservação na vida das pessoas entrevistadas, é o que esta categoria apresenta, com o propósito de identificar nas pessoas e representatividade da estação no cotidiano das comunidades pesquisadas.

A categoria revelou que a ESEC é vista pelos moradores como uma instituição de preservação do meio ambiente, e que representa para eles bem-estar e segurança, por ser um órgão público que fiscaliza a região, dando a eles a presença de autoridades diretamente ligadas ao governo, que protege as fazendas de intervenções externas, aumentando o numero de animais e plantas disponíveis até mesmo em suas terras, através do cuidado com a natureza que deve de alguma forma ser cuidada, pelo homem. O IBAMA, nesse caso é o maior responsável por esta prática.

O perfil identificado na percepção da população sobre a representatividade da ESEC na vida das pessoas, é positivo. A ESEC é considerada necessária para a região, por ser um órgão público que inspira confiança nas pessoas e trás práticas de desenvolvimento, na opinião dos entrevistados, como a presença de pesquisadores:

"Um meio de preservar o meio ambiente, eles mostram que não se pode estar destruindo a natureza". (Moradora do entorno - Entrevistada nº. 28).

"Uma proteção por que existe muita gente mal no mundo, agente se sente mais protegido pela presença do policial que vive lá". (Moradora do entorno - Entrevistada nº 16).

"Um lugar bom por que tem o IBAMA para ajudar nas fazendas, não permite que as pessoas de fora levem as coisas da fazenda". (Morador do entorno - Entrevistado nº 29).

"A preservação do meio ambiente para o equilíbrio do planeta e o conhecimento das futuras gerações". (Professora do município - Entrevistada nº 10).

4.3.2. Descrição da ESEC pelo entrevistado

Este indicador tem o propósito de traçar o perfil da descrição da ESEC por parte da população de seu entorno e, conhecer a definição da percepção destes sobre a UC em análise. È imprescindível conhecer as concepções das pessoas sobre a ESEC.

Constatou-se que as pessoas descrevem a ESEC como uma área organizada, mas que deixa a desejar na sua fiscalização, que trouxe coisas positivas para a região, como a diminuição da pesca e o aumento das áreas de mata, além de trazer conhecimento, inclusive o científico e segurança para as fazendas do seu entorno. É uma área que vai além da preservação da natureza, trazendo segurança para as áreas e fazendas que estão no seu entorno mais imediato:

"Uma estação ecológica muito bem zelada, que protege muito bem o animais e plantas, que luta contra os caçadores, que são os maiores predadores que a gente tem aqui; muitos caçam só por prazer". (Morador do entorno - Entrevistado nº. 06)

"É um negocio que preserva os animais, a natureza. Tem um museu, segurança, palestras, etc.". (Morador do entorno - Entrevistado nº 07)

"Houve uma grande mudança, muitas construções, já não é mais desmatado, não tem mais curral de gado e a mata aumentou". (Morador do entorno - Entrevistado nº. 49).

"Um espaço reservado à preservação de todos os recursos da natureza em especial animal e vegetal, como também um lugar de estudo possibilitando fazer a relação da teoria com o concreto". (Professora do município - Entrevistada nº 04).

4.3.3. Formas de relacionamento do entrevistado com funcionários da ESEC

Para esta categoria de análise, foi verificada a forma de relacionamento das pessoas do entorno com os funcionários dessa Unidade de conservação, para que se obtenha um perfil do nível de relacionamento desses grupos.

Os moradores normalmente têm pouco relacionamento com os funcionários e administradores da ESEC. Praticamente todos conhecem o policial que atua na fiscalização da Estação e da região como um todo. Eles relatam ter um bom relacionamento com os mesmos, e também demonstram confiança pelo trabalho que é realizado na ESEC. Fato muito positivo para a prática de estratégias de gestão que venham a incluir as populações; uma visão positiva por parte dos entrevistados é observada, mesmo nos casos em que o contato com os funcionários é muito pequena, como mostram os discursos abaixo:

"São pessoas muito boas, não tenho nenhuma queixa, Irmão, Rúbia, Alvamar, Adalberto, Carlos.". (moradora do entorno - Entrevistada nº 01).

"Tenho uma boa relação, conheço Irmão e sua família" (Morados do entorno - Entrevistada nº 67).

"Conheço todos os administradores e funcionários" (Morador do entorno - Entrevistado nº 47).

"Pena que na maioria das vezes que procuramos o responsável, é praticamente em vão". (Professora do município - Entrevistada nº 16)

O perfil de respostas obtido para a dimensão "Processos de percepção", no que tange as formas de relacionamento, descrição e representação da ESEC para as pessoas entrevistadas, é uma descrição que coloca a ESEC como uma área de propriedade do governo que traz benefícios à região onde ela está localizada; que vai além da preservação da natureza, pois as pessoas se referem a ela de maneira muito pessoal, trazendo a ESEC para o seu cotidiano, para a segurança e proteção das fazendas onde estas pessoas vivem e trabalham, relatando inclusive uma maior organização da região por conseqüência da implantação desta Unidade de Conservação.

5. Considerações finais

Com base nos resultados dessa pesquisa, conclui-se que a população pesquisada apresenta características socioeconômicas e culturais próprias, influenciadas por sua origem e atividades realizadas. Têm um tempo de moradia muito longo nas comunidades, o que reflete no seu conhecimento sobre a região pesquisada, quase metade é analfabeta ou semi-analfabeta e possui renda familiar abaixo de um salário mínimo, dados comuns aos encontrados para regiões rurais no Brasil.

Como dito anteriormente na nossa fundamentação teórica, as pessoas que habitam o entorno de áreas de conservação como a ESEC Seridó, vêem essas unidades como importante para a região onde elas vivem, apesar de apontarem muitos problemas que envolvem o funcionamento adequado e a gestão dessas, apontando inclusive soluções que devem ser tomadas para que a efetiva atuação destas áreas de proteção seja alcançada.

A convivência muito acentuada dessas pessoas com a ESEC lhes proporciona um conhecimento muito amplo da real situação desta UC, trazendo nesse ponto a possibilidade da inclusão de suas opiniões, visões e percepções para o modo de gerir esta ESEC, para uma melhor atuação dessa instituição frente às pessoas com as quais ela tem maior grau de proximidade, para que seja possível, com isso, a participação dessas comunidades na preservação dos seus recursos naturais.

Nas entrevistas pode-se observar, também, que as pessoas conhecem os problemas e indicam soluções para os mesmos, porém, pelo fato de a ESEC ser uma instituição governamental, tais pessoas colocam a maior parte da responsabilidade, de atitudes e estratégias para a sua conservação, no próprio Governo, não trazendo para si a responsabilidade de proteger a ESEC. Mas sabem que são os moradores de seu entorno, em menor escala, e pessoas de regiões mais distantes, em maior escala, os causadores do problema de maior proporção enfrentado, pela ESEC Seridó, a caça.

Tendo em vista todo o explicitado, observa-se que levar em conta a opinião e o conhecimento de populações que habitam o entorno de áreas de preservação da natureza, é algo muito relevante para a adequação e melhor funcionalidade dessas áreas, pois essas populações possuem um alto nível de conhecimento sobre essas áreas, seus recursos e problemas enfrentados, podendo apontar soluções sendo, portanto, possíveis aliados nas práticas de gestão e estratégias de conservação.

Artigo recebido para publicação em 11/11/08 e aceito para publicação em 16/02/09

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    28 Set 2010
  • Data do Fascículo
    Ago 2009

Histórico

  • Aceito
    16 Fev 2009
  • Recebido
    11 Nov 2008
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