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"Neodesenvolvimentismo" brasileiro: implicações para a integração regional no âmbito do Mercosul

"Neodesenvolvimentismo" brasileño: implicaciones para la integración regional en el Mercosul

Resumos

Nos últimos anos, ações da política macroeconômica brasileira tem retomado princípios da política Desenvolvimentista que esteve em voga nos anos cinquenta. Elementos diferenciados foram merecedores da denominação "neodesenvolvimentista", cujo princípio se pauta na intervenção direta do Estado no setor produtivo, estratégias de planejamento de médio e longo prazo e investimentos em infraestrutura, medidas as quais foram acrescidas a prioridade ao comércio exterior e intensificação de políticas de assistência social. O neodesenvolvimentismo nacional é o foco de análise, neste texto, para a discussão sobre ações recentes na política de integração regional no âmbito do Mercosul. Este texto apresenta uma breve introdução sobre as características da política macroeconômica, discute eventos selecionados da conjuntura internacional e termina por oferecer um quadro sobre as perspectivas e limitações para o fortalecimento da integração nacional em se considerando os dois vetores da macroeconomia e da conjuntura internacional.

Neodesenvolvimentismo; Integração Regional; Mercosul


En los últimos años, las acciones de la política macroeconómica de Brasil ha adoptado los principios de política de desarrollo que estuvo en boga en los años cincuenta. Elementos diferenciados eran dignos del nombre "Neodesenvolvimentista" cuyo principio se basa en la intervención directa del Estado en el sector productivo, la planificación de estrategias e inversiones de mediano y largo plazo en la infraestructura, las medidas que se fueron incrementando prioridad al comercio y la intensificación de las políticas la asistencia social. El Neodesenvolvimentismo Nacional es el foco de análisis en este texto para la discusión de las acciones recientes de la política de integración regional en el Mercosur. Este artículo presenta una breve introducción sobre las características de la política macroeconómica, habla de los eventos seleccionados en el ámbito internacional y termina ofreciendo un cuadro de las perspectivas y limitaciones para el fortalecimiento de la integración nacional en el examen de los dos vectores de la macroeconomía y la situación internacional.

Neodesenvolvimentismo; Integración Regional; Mercosur


ARTIGOS

"Neodesenvolvimentismo" brasileiro: implicações para a integração regional no âmbito do Mercosul

"Neodesenvolvimentismo" brasileño: implicaciones para la integración regional en el Mercosul

Lisandra Pereira Lamoso

Doutora em Geografia, Profa. da Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD) Bolsista Produtividade em Pesquisa, CNPq, Brasil lisandralamoso@ufgd.edu.br

RESUMO

Nos últimos anos, ações da política macroeconômica brasileira tem retomado princípios da política Desenvolvimentista que esteve em voga nos anos cinquenta. Elementos diferenciados foram merecedores da denominação "neodesenvolvimentista", cujo princípio se pauta na intervenção direta do Estado no setor produtivo, estratégias de planejamento de médio e longo prazo e investimentos em infraestrutura, medidas as quais foram acrescidas a prioridade ao comércio exterior e intensificação de políticas de assistência social. O neodesenvolvimentismo nacional é o foco de análise, neste texto, para a discussão sobre ações recentes na política de integração regional no âmbito do Mercosul. Este texto apresenta uma breve introdução sobre as características da política macroeconômica, discute eventos selecionados da conjuntura internacional e termina por oferecer um quadro sobre as perspectivas e limitações para o fortalecimento da integração nacional em se considerando os dois vetores da macroeconomia e da conjuntura internacional.

Palavras-chave: Neodesenvolvimentismo; Integração Regional; Mercosul.

RESUMEN

En los últimos años, las acciones de la política macroeconómica de Brasil ha adoptado los principios de política de desarrollo que estuvo en boga en los años cincuenta. Elementos diferenciados eran dignos del nombre "Neodesenvolvimentista" cuyo principio se basa en la intervención directa del Estado en el sector productivo, la planificación de estrategias e inversiones de mediano y largo plazo en la infraestructura, las medidas que se fueron incrementando prioridad al comercio y la intensificación de las políticas la asistencia social. El Neodesenvolvimentismo Nacional es el foco de análisis en este texto para la discusión de las acciones recientes de la política de integración regional en el Mercosur. Este artículo presenta una breve introducción sobre las características de la política macroeconómica, habla de los eventos seleccionados en el ámbito internacional y termina ofreciendo un cuadro de las perspectivas y limitaciones para el fortalecimiento de la integración nacional en el examen de los dos vectores de la macroeconomía y la situación internacional.

Palabras clave: Neodesenvolvimentismo; Integración Regional; Mercosur

ELEMENTOS HISTÓRICOS DO NEODESENVOLVIMENTISMO

Desde o final do Governo Fernando Henrique Cardoso (1995 - 2002) o debate sobre os problemas causados pelas práticas-políticas do Neoliberalismo no Brasil têm sido mais intensamente questionados. O Governo que lhe sucedeu (Luis Inácio Lula da Silva, de 2003 a 2010, com dois mandatos) imprimiu algumas reversões na ordem Neoliberal, que foram um alento para a conjuntura econômica e social vivida anteriormente, mas com o passar dos anos tornaram-se também alvo de críticas não apenas dos setores conservadores como dos próprios aliados políticos, não raro havendo referências pejorativas ao que foi intitulado como "novo-desenvolvimentismo".

Alguns economistas tendem a considerar as transformações recentes no Brasil como um novo-desenvolvimentismo, entre eles Sicsú et al. (2007). O prefixo "novo" acrescenta qualidades (no sentido de "características") ao desenvolvimentismo dos anos cinqüenta, características estas definidas pela conjuntura histórica e pelos interesses político-econômicos vigentes. A corrente de pensamento desenvolvimentista iniciou-se no Brasil nos anos trinta, com foco nos interesses do capital privado nacional. Segundo Bielschowsky (2000) é possível distinguir três correntes desenvolvimentistas e neste texto destacaremos apenas duas: a defendida pelo setor privado e a desenvolvimentista-nacionalista ligada ao setor público, pois consideramos mais representativa para os efeitos da discussão que objetivamos.

Os defensores do capital privado, corrente na qual Roberto Simonsen e Roberto Campos foram expoentes (embora pertencentes a sub-divisões distintas dentro da mesma corrente), associavam a industrialização como condição para a superação da pobreza, permeada por uma relevante política protecionista, com planejada intervenção estatal. O autor Bielschowsky (2000) separa os nacional-desenvolvimentistas em desenvolvimentistas do setor público, por sua vez divididos entre "não-nacionalistas" e nacionalistas, entre os quais se encaixava Roberto Campos na primeira sub-divisão; e os desenvolvimentistas do setor privado (entre os quais, Roberto Simonsen)

Em 1934, Simonsen chamava a atenção para a importância do mercado interno como forma de reduzir a vulnerabilidade brasileira às crises econômicas, quando afirmava: "(...) uma conclusão se impõe: o poder aquisitivo dos brasileiros tem que ser incrementado, principalmente pela valorização do nosso homem e pelo desenvolvimento do comércio e da indústria dentro do país." (SIMONSEN, 1934 apud BIELSCHOWSKY, 2000, p.88). Mas a tônica da corrente de pensamento aliava industrialização a protecionismo, numa condição quase "chantagista", que colocava a elevação da renda e o emprego como dependentes do investimento nacional, portanto este deveria ser protegido pelo Estado.

Defesa da industrialização, protecionismo, ampliação do crédito ao setor privado, controle da inflação por medidas de estabilização monetária, industrialização pela via da internacionalização de capitais com apoio do Estado, foram alguns dos principais pilares do pensamento nacional-desenvolvimentista. O Quadro 1 sintetiza pontos da corrente nacional-desenvolvimentista com uma separação bastante tênue entre duas linhas de força que compunham a corrente: os "não-nacionalistas" e os "nacionalistas".


Algumas dessas características foram reativadas pelo Governo Lula, justificadas pela necessidade de reestruturação das unidades produtivas, para melhorar o ordenamento territorial e o processo de integração regional.

Nos anos cinqüenta, a contribuição do pensamento cepalino, em particular de Prebish, colocou na pauta o grande tema para a discussão do processo de subdesenvolvimento: a deterioração dos termos de intercâmbio. As economias latino-americanas eram caracterizadas pela presença de estruturas pouco diversificadas e integradas, resultando em um setor agroprimário-exportador até dinâmico, mas com dificuldades em difundir o progresso técnico para o restante da economia. O ritmo de incorporação do progresso técnico e o aumento de produtividade seria maior nas economias do centro dinâmico que nas economias periféricas, o que geraria uma diferença de renda favorável às primeiras. O preço dos produtos primários exportados pela periferia tenderia a apresentar uma evolução desfavorável em relação aos produtos manufaturados importados, caracterizando a deterioração dos termos de intercâmbio.

Preço e demanda manteriam uma relação desfavorável em favor do centro. O aumento da renda popular nos países do centro não seria utilizado em favor do aumento proporcional do consumo de alimentos importados e havia uma tendência das matérias-primas participarem em menor proporção da composição dos produtos industrializados em virtude do avanço tecnológico e do aumento do uso de sintéticos. (MAMIGONIAN, 1995). Além disso, a abundância da mão de obra na periferia provocava queda dos salários e, concomitantemente, dos preços dos produtos primários, diferentemente da escassez da mão de obra no centro, que provocaria um aumento dos custos, resultando no aumento do preço dos produtos manufaturados importados. Todo raciocínio do mecanismo foi apresentado por Presbich.

As respostas a esse processo, tanto de forma a confirmá-lo quanto a questioná-lo, surgiram nos territórios de formações socioespaciais diferenciadas que compõe a sul-américa. No Brasil já havia um intenso processo de industrialização por substituição de importações que se fortalecia nos momentos de crise nas relações centro/periferia que, ao contrário da perspectiva estagnacionista cepalina, gerou um extremo dinamismo, exemplificado pelo fato da economia ter atingido a condição de oitavo maior PIB internacional em 1984.

A perspectiva de então apontava para a contínua evolução dos preços dos produtos manufaturados e uma crescente diminuição do preço dos produtos básicos. Superar o subdesenvolvimento era uma questão de agregação de valor, em síntese: de industrialização. Um conjunto de elementos restringia a capacidade da industrialização formar seu próprio mercado consumidor, por exemplo: a industrialização espraiando-se pela periferia do sistema; o crescimento industrial no sudeste da Ásia sendo impulsionado pela proteção do Estado; a transição do Regime de Acumulação Fordista para o Regime de Acumulação Flexível (HARVEY, 1994); o crescente endividamento norte-americano e o crescimento da economia chinesa. Esses elementos inverteram a sinalização original e provocaram um ciclo de valorização das commodities, com sinais de desindustrialização e "reprimarização" do movimento exportador.

Este texto procura discutir alguns movimentos recentes no cenário internacional e como estratégias neodesenvolvimentistas adotadas pelo Brasil na conjuntura da "reprimarização" podem resultar em elementos facilitadores ou na criação de resistências ao processo de integração regional na América do Sul.

MOVIMENTOS RELEVANTES NO CENÁRIO INTERNACIONAL

Alguns movimentos nos países do centro dinâmico têm ganhado consistência de forma a emitir impulsos para a reestruturação econômica do sistema internacional, afetando mercados internos e a apropriação do território.

A crise de setembro de 2008 provocou uma instabilidade financeira e um adiamento dos investimentos. A redução da disponibilidade de crédito gerou incertezas nos financiamentos de grandes projetos. As medidas internas de emergência, em função da necessidade de readequação ao evento, dependeram da capacidade produtiva e das reservas financeiras de cada país. Para além dos diversos efeitos colaterais da crise, pensamos que sua principal contribuição foi o enfraquecimento do discurso neoliberal de redução da participação do Estado e supremacia das leis de mercado. O receituário neoliberal saiu "desmoralizado" frente a dependência do socorro dos Estados para salvar seu sistema financeiro. A concentração dos lucros e a socialização dos prejuízos retornaram à pauta político-econômica e acadêmica. Na academia, textos de Mészáros (2009) receberam cuidadosa atenção. O autor discute as implicações e os efeitos de uma crise que não é conjuntural, mas está no cerne do processo de acumulação e discute a possibilidade de superação não da crise do capitalismo, mas para a saída do capitalismo em crise. Trabalha na perspectiva de uma crise estrutural do capital.

As taxas de crescimento da economia chinesa talvez sejam o movimento mais pulsante. A China, potência de primeira grandeza (BARROS; PEREIRA, 2008, p.298), contribuiu com 22,8% do crescimento da economia mundial no biênio 2006/2007 (LEVY et al., 2008, p.159), estruturando o mercado interno e rebaixando custos de produção apoiada pela farta disponibilidade de sua mão de obra. O processo de urbanização, ainda que planejada, exerce pressão para a ampliação de suas compras no mercado internacional notadamente de produtos tradicionais como minério de ferro e soja. A estratégia chinesa articula e organiza seu mercado fornecedor preocupada com o abastecimento alimentar. Investimentos na compra de terras no exterior e na formação de joint ventures com produtores de produtos básicos são crescentes e tem procurado os países sul-americanos.

Para Mamigonian (2006), o crescimento da China poderá ser vantajoso na medida em que propõe acordos comerciais e formação de joint ventures, enquanto Estados Unidos e União Européia insistem em vantagens unilaterais. O autor afirma que

a crescente presença chinesa na América Latina nos poderá ser vantajosa: 1) em vista do aumento do poderio financeiro da China, que deverá ser maior ainda com a futura conversibilidade de sua moeda, o que nunca aconteceu com o rublo soviético; 2) pelo aumento das encomendas chinesas de commodities latino-americanas, bem como joint-ventures, melhorando nossa posição comercial frente ao centro do sistema capitalista; e 3) pela tendência à diminuição do poder político econômico dos EUA e da UE em relação ao nosso continente, na medida em que aumentar o poder gravitacional da China à escala mundial. (MAMIGONIAN, 2006, p.136).

Para Egler (2007, p.672), sobre a ação na América do Sul, dos Estados Unidos ou da China, na guerra por recursos e mercados, "a origem do capital externo faz pouca diferença quando inexiste um projeto nacional consistente e de longo prazo capaz de conferir sustentação à integração regional na América do Sul."

As demandas chinesas há anos impactam a balança comercial brasileira e de outros países do Mercosul. Há compras não só de commodities, mas também, nos últimos anos, de produtos semimanufaturados e industrializados, como a produção da agroindústria de aves e suínos, que contribui para agregação de valor à soja e milho. O retorno positivo dessas vendas representa o fortalecimento do agronegócio com intensa transferência de renda para as corporações internacionais fornecedoras de insumos e biotecnologia. Reverter esses ganhos para o produtor rural e que eles não fiquem restritos à apropriação da cadeia industrial, comercial e financeira é um desafio que está posto para a política de desenvolvimento nacional.

A revalorização do papel do Estado, longe do apregoado pelo discurso neoliberal também é um movimento da pauta do cenário internacional. Os latecomers China, Coréia do Sul, Índia e Taiwan consolidaram seu sistema nacional de produção, bem como uma economia de serviços que se estruturou, acompanhada de um fortalecimento do capital nacional que resultou em importantes conglomerados (AMSDEN, 2009). Tais países utilizaram uma agressiva política de investimentos em pesquisa e desenvolvimento com explícitas demonstrações de que há espaço e pertinência para a elaboração de estratégias nacionais de desenvolvimento.

Esses movimentos representam impulsos exógenos que provocam reestruturação produtiva nos países sul-americanos e são absorvidos de maneiras diferentes, de acordo com as respostas próprias da formação socioespacial de cada país. O Quadro 2 apresenta uma síntese desses apontamentos e suas implicações.


ESTRATÉGIAS BRASILEIRAS NEODESENVOLVIMENTISTAS

Até a primeira metade dos anos setenta, o Brasil apresentou contínua queda na exportação de produtos básicos e uma também contínua evolução das exportações de produtos industrializados, como resultados do processo de substituição de importações, derivado das contrações cíclicas de sua capacidade de importar. A industrialização brasileira teve início pela produção de bens de consumo simples (têxtil, alimentos), alcançou a indústria de materiais de construção, as indústrias de bens de consumo duráveis e na sequencia, indústrias mecânicas e químicas pesadas (MAMIGONIAN, 1989). Esse processo de implantação do parque industrial seguiu escalonadamente até os anos oitenta, quando adveio a implantação de um modelo político-econômico de caráter neoliberal caracterizado por privatizações da estrutura produtiva estatal, encolhimento da participação do Estado e um amortecimento dos investimentos na integração regional.

Nos anos noventa, políticas de cunho neoliberal foram restritivas ao crescimento econômico. Ocorreu uma profunda desnacionalização do parque industrial, privatizações, redução de investimentos e os serviços públicos chegaram às vias da precariedade. Esse processo levou anos para se consolidar no território e provocar transformações na estrutura produtiva nacional. O desânimo com as políticas neoliberais encontraram na proposta do Partido dos Trabalhadores e suas alianças, uma possibilidade de reversão.

Estratégias neodesenvolvimentistas foram mais claramente elaboradas no segundo Governo Lula da Silva (2006-2010). No primeiro mandato, políticas pouco criativas e mais afastadas do espectro político proposto pela esquerda. No segundo mandado foi colocada em prática uma maior intervenção do Estado no setor produtivo, estratégias de recuperação da infraestrutura instalada e da formação de capital. A política externa caracterizou-se por priorizar a diversificação dos parceiros comerciais e maior integração sul-sul, com especial atenção ao bloco econômico do Mercosul.

Políticas de planejamento de longo prazo foram retomadas. O retorno da elaboração de políticas industriais foi marcado pela implementação da Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior (PITCE) sucedida pela Política de Desenvolvimento Produtivo (PDP), no segundo mandado. A política industrial é a arte de provocar a transição da "indústria que se tem" (mais competitiva em produtos de baixa e média baixa intensidade tecnológica) para a "indústria que se quer ter" (mais intensiva em tecnologia).

Segundo o MDIC (2010), A PDP trabalha com quatro macro-metas que são:

a) Aumento da taxa de investimento, ou seja, da formação bruta de capital fixo;

b) Ampliação das exportações brasileiras no comércio mundial;

c) Elevação do investimento em Pesquisa & Desenvolvimento e

d) Ampliação do número de Pequenas e Médias empresas exportadoras.

Esta política industrial se distancia das práticas anteriormente adotadas, baseadas na utilização de protecionismo tarifário, incentivos/subsídios fiscais, esquemas de incentivo de duração ilimitada. Segundo Luciano Coutinho - Presidente do BNDES - "a arte da política industrial e de comércio exterior reside precisamente em combinar a captura de novas oportunidades sem abandonar as bases da competitividade já adquiridas nas commodities intensivas em recursos naturais, escala, energia e trabalho" (COUTINHO, 2003, p 339).

Destaca-se nesta política industrial, a ênfase conferida à ampliação das exportações brasileiras. Ao contrário dos anos trinta, quando a industrialização foi sustentada pela formação do mercado interno e pela integração dos "arquipélagos econômicos", a política industrial valoriza a expansão do Brasil no comércio exterior, expansão essa baseada nos produtos primários (Ver Quadro 3).


Parte dos propósitos da nova política industrial está em consonância com o que Amsden (2009) destaca, que é a necessidade de reciprocidade do capital privado e também da importância estratégica do país contar com empresas de ação internacional, porém de base local. Um dos pilares da política industrial é a transformação de capitais privados em conglomerados internacionalizados, com a predominância de capital nacional. A BNDESPar - braço de participações do BNDES - é um dos importantes executores da política tanto de internacionalização como de fortalecimento do capital privado nacional. A BNDESPar Possui uma carteira de renda variável com cerca de 150 participações em empresas, no valor de R$ 90 bilhões (DURÃO, 2011).

Os críticos da atual política industrial, entre eles Almeida (2009), afirmam que a estratégia de discriminação dos grupos a serem internacionalizados se baseia na escolha de vencedores ("pick the winner"). O volume de capital colocado à disposição do BNDES para a execução da política funciona como "combustível" para o fortalecimento de determinados grupos de capital privado, tanto para a internacionalização, como para processos de fusões ou de aquisições no país e no exterior.

Desde a segunda metade dos anos noventa e primeiros anos do século XXI, a economia exportadora viu surgir uma redução da participação dos produtos industrializados e um crescente aumento dos produtos básicos de tal magnitude que levou alguns economistas a trabalharem com a idéia de um processo de desindustrialização e reprimarização da pauta exportadora.

Gonçalves (2000) afirma que a reprimarização da economia brasileira pode ser constatada por dois aspectos: a perda de competitividade internacional dos manufaturados e o ganho dos produtos agrícolas exportados pelo Brasil e pela mudança da estrutura de exportações com a maior participação relativa dos produtos agrícolas e a menor participação dos manufaturados. A perda de dinamismo das exportações de industrializados é relacionada à taxa de câmbio e taxa de investimento. As exportações dependem dos preços em dólares dos produtos brasileiros e quanto mais valorizada a moeda nacional menos competitivo se torna o produto brasileiro.

O Quadro 3 demonstra a evolução das exportações de 1994 (ano de implantação do Plano Real) até 2009.

PERSPECTIVAS E LIMITAÇÕES PARA O FORTALECIMENTO DA INTEGRAÇÃO REGIONAL

As considerações esboçadas nos itens anteriores permitem pensarmos sobre elementos facilitadores e resistentes ao fortalecimento da integração regional entre o Brasil e os países sul-americanos. Ao delimitarmos a América do Sul, concordamos com Batista Jr. (2008, p.226) quando afirma que,

Como conceito político, a América Latina perdeu muito de sua relevância. O México e a América Central parecem ter caído irremediavelmente na órbita dos Estados Unidos. Não se pode contar com os mexicanos e os centro-americanos para a construção de um projeto de integração que se pretenda autônomo e soberano.

Por isso, pensamos estas reflexões preliminares sobre a integração regional circunscritas aos países do Cone Sul. Como perspectivas positivas para a integração, elencamos a ocorrência da crise financeira de 2008. Por paradoxo que possa parecer, a crise parece ter colocado "uma pá de cal" nas políticas neoliberais que assolaram a América do Sul nos anos noventa. Santana e Kasahara afirmam que

(...) após uma década de experimentos liberalizantes, a recente eleição de governos de esquerda no continente sul-americano tem favorecido uma nova ênfase em políticas fundadas na capacidade de intervenção do Estado e no protagonismo dos poderes executivos nacionais na definição de um novo modelo de desenvolvimento. (SANTANA; KASAHARA, 2007, p.2).

Isto aponta para a possibilidade mais autônoma dos governos ao discutirem pactos e negociarem suas pautas com menor ingerência externa ou alheia aos interesses sul-americanos.

Outra perspectiva positiva é o elenco de presidentes que comungam interesses que podem ser aglutinados em torno de alguns princípios comuns em prol da integração e de resistência ao receituário neoliberal: Dilma Roussef (Brasil), Cristina Kirchner (Argentina), Fernando Lugo (Paraguai), Evo Morales (Bolívia), José Mujica (Uruguai), Hugo Chavez (Venezuela). Na abertura da 41 Cúpula do Mercosul, dia 29 de junho, em Assunção, os pronunciamentos presidenciais foram em prol do fortalecimento do bloco. De forma simpática, O Presidente do Uruguai tocou na questão que parece permear o incômodo: o "tamanho" brasileiro, ao afirmar: "O Brasil não tem culpa de ser tão grande e nós não temos culpa de sermos tão pequenos". (JORNAL DO BRASIL, 29/6/2011).

A revisão dos princípios de segurança nacional e a presença de governos mais propensos ao diálogo tem facilitado o intercâmbio que ocorre entre as cidades gêmeas. No Mato Grosso do Sul, a intensificação comercial que não ocorre entre empresas formalizadas ocorre através do circuito inferior da economia urbana, em intenso tráfego de trabalhadores informalizados e consumidores do varejo, principalmente entre as conurbações de Corumbá (BR) / Puerto Suarez (BO) e Pedro Juan Caballero (PY) - Ponta Porã (BR). A aproximação, os contatos e a mobilidade exigem dos poderes públicos novas regulações. Normas de compartilhamento do sistema de saúde, por exemplo, passam a serem adotadas e reconhecidas.

Nesse sentido, Machado afirma que:

O grau de homogeneidade das condições econômicas e sociais em ambos os lados limita a complementaridade das trocas enquanto uma grande diversidade pode encorajar o desenvolvimento de complementaridades e, por conseguinte, sustentar uma nova divisão transfronteiriça do trabalho (MACHADO, 2005, p. 259).

Os elementos resistentes, por outro lado, se apresentam como desafios (Ver Quadro 4). A competição entre economias dependentes de commodities é um deles. A animosidade gerada pela expansão das empresas de capital brasileiro nos demais países é um movimento estimulado pela mídia conservadora a serviço de frações da elite regional preconceituosa e subordinada a interesses estrangeiros que se contrapõe à solidariedade mercosulina. Há problemas econômicos concretos entre as assimetrias econômicas que podem encontrar melhor termo que as manifestações litigiosas entre os países.


A expansão e internacionalização dos capitais brasileiros, estimulados pela política industrial vigente já resultaram, em relação à Argentina, de várias aquisições: a Petrobrás comprou ativos locais (Pérez Companc; Petroleira Santa Fé; EG3, como parte do controle acionário da YPF), Camargo Correia adquiriu a Loma Negra em 2005 (maior produtora de cimento), Brahma se instalou com plantas produtivas próprias no país, Ambev adquiriu a Quilmes, Friboi (atual JBS) comprou a filial local do Swift; Belgo Mineira adquiriu o pacote acionário da Acindar, entre outros (ARROYO, 2010).

Sobre as assimetrias entre Brasil e Argentina, José Ignácio Mendigurem, Presidente da União Industrial Argentina (UIA), sintetiza a situação dos industriais argentinos ao ser questionado se não havia intenções protecionistas por parte da Argentina,

o que faria um industrial brasileiro se tivesse enfrentado as mesmas circunstâncias que nós vivemos nas últimas três décadas? Nenhum outro país teve a volatilidade macroeconômica que vivemos, na Argentina, entre 1976 e 2001. Foi um período em que não só deixamos de crescer, como nos desindustrializamos. Tivemos oito modelos econômicos totalmente diferentes, e cada um deles terminava em grandes crises. Chegamos a ver cinco presidentes da República em dez dias, enquanto 18 moedas circulavam pelo país e decretava-se a maior moratória da história da humanidade. É nesse ambiente que tivemos que fazer negócios. (RITTNER, 2011).

Na perspectiva de ciclos de longa duração e de projetos de longo prazo, essas dificuldades e assimetrias deverão ser negociadas e não apenas na perspectiva das empresas mas sim de forma horizontal, como afirma Arroyo (2010, p.76) "precisa-se de vontade política para construir um futuro no qual os lugares possam se unir horizontalmente, reconstruindo aquela base de vida comum susceptível de criar normas próprias em benefício de maior número"

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os movimentos do cenário internacional apresentam obstáculos e vantagens para uma maior integração regional sul-americana. Como lidar com cada uma delas dependerá das formações socioespaciais dos diferentes territórios nacionais. A crise financeira de 2008, a despeito do prejuízo econômico, representou um ganho político em favor de uma união dos países periféricos e em prol do distanciamento das práticas neoliberais, visto a fragilidade que tais políticas recomendadas pelo receituário do Consenso de Washington provocaram no continente e provocaram nos países nos quais a acumulação de dominância financeira tem predominado.

O papel da China na economia internacional é pleno de potencialidades para o fortalecimento ou enfraquecimento das estruturas produtivas sul-americanas. Quando ocorre na forma de investimentos diretos no setor produtivo, joint ventures e parcerias para intercâmbio em Pesquisa & Desenvolvimento, há aspectos mais positivos quando comparado ao histórico deixado pelos Estados Unidos e pela União Européia.

A política neodesenvolvimentista brasileira tende a potencializar a atuação nacional em novos investimentos no processo de integração. Mas também há meandros no crescimento do capital brasileiro no continente que tendem a se apresentar como obstáculos dependendo da forma como forem encaminhados. É corrente um discurso de crítica ao "imperialismo brasileiro" que precisa ser qualificado. Trata-se de imperialismo? Da diferença entre "grande" e "pequeno", como ilustrou Mojica em seu pronunciamento?. Há ações de empresas brasileiras no exterior que também são criticadas no próprio país e que, se inadequadas, devem ser revistas, independente da nacionalidade ou da localização. O histórico de convivência política desses países tem de ser revisto como condição para um futuro melhor para os povos e não como justificativa para a desconstrução das práticas de compartilhamento.

As possibilidades fora da integração regional são mais desfavoráveis, principalmente quando pautadas em acordos multilaterais, litígios comerciais, ampliação das práticas ilegais e ilícitas nas regiões transfronteiriças, estagnação das sinergias de integração e complementaridade já consolidadas entre as cidades-gêmeas.

Por fim, as estratégias neodesenvolvimentistas brasileiras ainda estão em construção e nem mesmo são consenso no interior do país, entre "esquerdas" e "direitas" ou "situação" e "oposição". Seria importante que fossem construídas considerando-se as perspectivas da integração regional, ou corremos todos o risco de vermos avanços serem rompidos nas próximas décadas.

AGRADECIMENTOS

Pesquisa elaborada com auxílio financeiro do CNPq.

Artigo recebido em 29/06/2012 e aceito para publicação em 20/08/2012

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    11 Jan 2013
  • Data do Fascículo
    Dez 2012

Histórico

  • Recebido
    29 Jun 2012
  • Aceito
    20 Ago 2012
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