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Georreferenciamento e Cartometria dos mapas da capitania de Minas Gerais elaborados por José Joaquim da Rocha em 1778 e 1793

Geocoding and cartometric maps in the province of Minas Gerais, drawn by José Joaquim da Rocha in 1778 and 1793

Resumos

A exatidão dos mapas históricos vem sendo avaliada nas pesquisa em Cartografia Histórica por meio do uso de técnicas de geoprocessamento. Esta pesquisa tem como objetivo geral aplicar técnicas de georreferenciamento e cartométricas nos mapas da Capitania de Minas Gerais, elaborados por José Joaquim da Rocha em 1778 e 1793; especialmente a superposição de layer, os deslocamentos de vetores e as distorções da grade em relação ao mapa atual.

Cartografia Histórica; Geoprocessamento; Cartometria; Capitania de Minas Gerais; José Joaquim da Rocha


The accuracy of historical maps is being evaluated in research Historical Cartography through the use of geospatial technologies. This research aims to apply general techniques geocoding and cartometric maps in the province of Minas Gerais, drawn by José Joaquim da Rocha in 1778 and 1793, especially the overlay layer, the displacement vector and distortions of the grid over the map current.

Historical Cartography; GIS; Cartometric; Captaincy of Minas Gerais; José Joaquim da Rocha


ARTIGOS

Georreferenciamento e Cartometria dos mapas da capitania de Minas Gerais elaborados por José Joaquim da Rocha em 1778 e 1793

Geocoding and cartometric maps in the province of Minas Gerais, drawn by José Joaquim da Rocha in 1778 and 1793

José Flávio Morais Castro

Dr. em Geografia, Prof. Adjunto. Pontifícia Universidade Católica (PUC-Minas), Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil, joseflavio@pucminas.br

RESUMO

A exatidão dos mapas históricos vem sendo avaliada nas pesquisa em Cartografia Histórica por meio do uso de técnicas de geoprocessamento. Esta pesquisa tem como objetivo geral aplicar técnicas de georreferenciamento e cartométricas nos mapas da Capitania de Minas Gerais, elaborados por José Joaquim da Rocha em 1778 e 1793; especialmente a superposição de layer, os deslocamentos de vetores e as distorções da grade em relação ao mapa atual.

Palavras-chave: Cartografia Histórica; Geoprocessamento; Cartometria; Capitania de Minas Gerais; José Joaquim da Rocha.

ABSTRACT

The accuracy of historical maps is being evaluated in research Historical Cartography through the use of geospatial technologies. This research aims to apply general techniques geocoding and cartometric maps in the province of Minas Gerais, drawn by José Joaquim da Rocha in 1778 and 1793, especially the overlay layer, the displacement vector and distortions of the grid over the map current.

Keywords: Historical Cartography; GIS; Cartometric; Captaincy of Minas Gerais; José Joaquim da Rocha.

INTRODUÇÃO

Reconstituir a evolução do discurso geográfico sobre um determinado espaço ao longo do tempo não passa apenas pelas fontes textuais, envolve também a pesquisa em Cartografia Histórica, que tem sido diversificada, na qual a análise do mapa se relaciona com a representação gráfica de dinâmicas e de padrões territoriais.

Entender os mapas históricos em diferentes contextos espaciais e culturais pressupõe o entendimento das diversas informações representadas graficamente nos documentos, bem como a variedade de técnicas utilizadas na produção.

A descoberta dos veios auríferos em Minas Gerais no final do século XVII, despertou grande interesse dos portugueses e dos espanhóis. O domínio desse território dependia do conhecimento da sua localização, das características, das dimensões e dos caminhos que levavam à região.

Com a crescente ocupação de espaços no século XVIII, decorrente das produções auríferas nas regiões mineradoras, crescia também a preocupação da Coroa em produzir meios eficazes para o planejamento político e econômico da Capitania de Minas Gerais, dentre eles, os textos e os mapas de valores administrativos e estratégicos.

No século XVIII, os mapas apresentavam várias inadequações, havia problemas com o cálculo da longitude, com a precisão de escala, com a autoria, etc. Em alguns casos, a manipulação dos mapas era associada à discussão de acordos, sobretudo com interesse geopolítico, o que levava a construções cartográficas diferentes.

No processo de construção, cada mapa era um recorte espacial (ou um detalhe) que, posteriormente, em maior número, eram compilados para compor um mapa generalizado. Quando se dava o trabalho por concluído, faziam-se várias cópias, a fim de se garantir a chegada ao destino, pois os originais eram vulneráveis a naufrágio, incêndio ou pirataria.

Esta pesquisa tem como objetivo geral aplicar técnicas de georreferenciamento e cartométricas nos mapas da Capitania de Minas Gerais, elaborados por José Joaquim da Rocha em 1778 e 1793; especialmente quanto à a superposição de layer, aos deslocamentos de vetores e às distorções da grade em relação ao mapa atual.

O uso das técnicas de georreferrenciamento em mapas históricos, dentre elas as cartométricas, tem se mostrado eficiente no resgate de importante patrimônio cultural da sociedade, evidenciando um riquíssimo instrumento de pesquisa e um poderoso instrumento didático-pedagógico.

CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA E GEOGRÁFICA DA CAPITANIA DE MINAS GERAIS NO SÉCULO XVIII

Com a descoberta do ouro em Minas Gerais no ano de 1693 surgiram as primeiras povoações, que se espalharam rapidamente pelo território mineiro. Assim, houve a necessidade de se organizar a estrutura administrativa e eclesiástica da capitania, por meio do estabelecimento e criação de comarcas, vilas, paróquias, freguesias e registros.

A descoberta das minas de ouro e, posteriormente, de diamante, marcou o início dos conflitos administrativos e eclesiásticos em Minas Gerais e seus vizinhos: Bahia, São Paulo e Goiás. Em 1702, havia uma disputa de circunscrição entre o Bispado do Rio de Janeiro e o Arcebispado da Bahia, que reivindicavam para as suas respectivas jurisdições as terras auríferas do vale do Rio das Velhas. Em 1709, a Coroa assumiu o controle da ocupação das Minas; inicialmente incluída na capitania do Rio de Janeiro, foi submetida ao governador da nova Capitania de São Paulo e Minas do Ouro. Em 1711, o então Governador Antônio de Albuquerque Coelho de Carvalho (1705-1710) criou as primeiras vilas (Mariana, Ouro Preto e Sabará), e em 1714, foram estabelecidas três comarcas: Vila Rica (sede em Ouro Preto), Rio das Velhas (sede em Sabará) e Rio das Mortes (sede em São João d'El-Rei). Em 1720, conquistou sua autonomia com a criação da capitania de Minas Gerais. Para implantar as estruturas eclesiásticas, judiciárias e fiscais, bem como as respectivas divisões territoriais, a Coroa apoiou-se nas conquistas realizadas pelos colonos, instituindo os centros de poder, religioso e civil, nas sedes das freguesias e das comarcas. As disputas territoriais acirraram com as descobertas de ouro no vale do Jequitinhonha, em 1727, e com as descobertas dos diamantes, em 1731, na mesma região (FONSECA, 2010, p. 149 e 151).

(...) além da perspectiva de descobrimento de novas minas, a ampliação do território implicava na expansão da fronteira agrícola e pastoril e, consequentemente, em aumento da receita do dízimo e das taxas relativas à circulação de mercadorias". Para legitimar a expansão da fronteira os governadores estabeleceram "registros" e "guardas" (postos alfandegários e militares), fundaram freguesias (administradas por padres), vilas e julgados (administradas por juiz), e lutaram contra os invasores das capitanias vizinhas, os índios e os negros quilombolas

(FONSECA, 2010, p. 154 e 158).

Os impactos socioeconômicos da atividade mineradora na capitania foram complexos. No caso do Arraial do Tejuco (atual Diamantina), a história revela especificidades no período colonial, pois a política administrativa portuguesa para a região foi variada, devido às dificuldades enfrentadas pela Coroa em controlar a produção e, consequentemente, o preço dos diamantes no mercado europeu; assim, houve a necessidade de demarcar o "Distrito Diamantino" - (ver, por exemplo, ALMEIDA, 2001). Demarcado em 1731, por Rafael Pires Pardinho na Comarca do Serro Frio, o Distrito circundava o Tejuco, centro administrativo do Distrito, composto por outros arraiais e povoados como: Gouveia, Milho Verde, São Gonçalo, Chapada, Rio Manso, Picada e Pé do Morro, e visava o controle sobre a extração dos diamantes na região, uma vez que os limites alteravam-se em função de novas descobertas, principalmente ao norte da Capitania (FURTADO in COUTO, 1994, p. 20 e 27). Segundo Couto (1994, p. 54), "esta demarcação forma quase um círculo de 14 léguas de diâmetro (...)"; ou seja, em torno de 84 km.

Algumas ordens régias demonstravam que a cartografia das Minas era uma preocupação da Coroa. Em 23 de janeiro de 1714, uma delas determinava a confecção de um mapa das capitanias de São Paulo e Minas, com todas as "minudências" - perfis o mais possível exatos e indicação de rios e montes - necessários para "sua boa administração"

(RESENDE

apud

ROCHA, 1995, p. 20-21).

Com a intensificação da mineração, havia a necessidade de se demarcarem limites administrativos a fim de se evitar os conflitos de jurisdição. Os mapeamentos realizados até então não atendiam as demandas de controle, pois, os mapas eram esquemáticos, contendo distorções e erros de localização (FONSECA, 2010, p. 150-151). Foram nestas circunstâncias que a Coroa contratou em 1729 os padres matemáticos, Diogo Soares e Domenico Cappacci, para mapear o território mineiro em escala detalhada contendo informações precisas, indicando as coordenadas geográficas, a rede hidrográfica, o relevo, a vegetação, o traçado das estradas, a posição e a distância das povoações existentes (vilas e arraiais).

Entre os anos de 1734 e 1739 a exploração de diamante foi proibida criando-se uma administração própria, a "Intendência dos Diamantes". Com a reabertura das lavras, em 1739, a administração passou a ser monopólio particular de um contratante, uma concessão privilegiada que comprava o direito de extração do diamante no território demarcado. Em 1745, na tentativa de controlar o fluxo populacional, a Coroa fechou o Distrito e permitiu o acesso nos seguintes registros: Caeté-Mirim, Rabelo, Palheiro, Pé-do-Morro, Inhacica e Paraúna, locais onde se passavam bilhetes e se cobravam os direitos de entrada sobre o comércio de diversos gêneros, inclusive escravos. Em 1771, durante as reformas pombalinas, a Coroa assumiu a extração e comercialização dos diamantes, que foi declarado monopólio régio, criando a "Real Extração", administrada pela "Junta" ou "Intendência dos Diamantes" (FURTADO apud COUTO, 1994, p. 20 - 27).

Em meados do século XVIII, Sebastião José de Carvalho e Melo, o Marquês de Pombal, promoveu reformas em várias áreas. As medidas adotadas causaram superposição de atribuições, gerando conflitos de autoridade e jurisdição. O problema geopolítico era crucial na América Portuguesa, momento que as colonizações espanholas e portuguesas atingiram o máximo das suas expansões territoriais, fazendo-se necessária a definição de soberanias.

Do lado português, as expansões ocorriam pelo litoral, conquistada a partir de embates com índios e estrangeiros (ingleses, franceses e holandeses), pelo domínio da empresa agrícola da cana-de-açúcar ou pela expansão do gado na bacia do Rio São Francisco; pelo interior, por meio das ações dos padres missionários de diferentes ordens religiosas ou pelos bandeirantes, nas suas atividades de caça ao índio ou de prospecção metalífera. Do lado espanhol, as expansões ocorriam a partir do rio da Prata, avançando pelas costas do Oceano Pacífico até o Caribe, fundamentadas na procura e exploração da prata, sujeitando o império Inca, ou ainda, no rastro do pastoreio. Em ambos os lados, surgiam núcleos urbanos, propriedades agrícolas, áreas de mineração, abertura de estradas, entre outras atividades. O enorme território, definitivamente incorporado na Coroa portuguesa, necessitava de uma administração eficaz e vigilante, que contou com instrumentos administrativos, fiscais e militares como sua garantia geopolítica, dentre eles, os mapas (SILVA, 1986, p. 263 - 274). Os conflitos arrastaram-se durante anos e exigiram a arbitragem do rei e do seu Conselho Ultramarino.

JOSÉ JOAQUIM DA ROCHA (1740-1804)

Na segunda metade do século XVIII, o governador Luís Diogo Lobo da Silva (1763-1768), nomeou o português José Joaquim da Rocha para realizar levantamentos de dados topográficos e geográficos da Capitania de Minas Gerais, com o objetivo de solucionar, por meio de mapas, os diversos litígios relativos aos limites externos e internos. Com o agravamento dos conflitos, a rainha D. Maria I (1777- 816) ordenou o então governador Dom Antonio de Noronha (1775-1780) que remetesse ao Conselho Ultramarino mapas em escala adequada para solucionar os litígios, contendo divisões de comarcas, câmaras e termos de suas vilas. Foi ao sucessor de Noronha, Dom Rodrigo José de Menezes (1780-1783), que José Joaquim da Rocha entregou, em 1780, o mapa geral da capitania de 1778 e os quatro mapas das comarcas, em escala de detalhe (FONSECA, 2010, p. 163 e 165).

Os documentos históricos produzidos por José Joaquim da Rocha (1740-1804) são fontes amplamente utilizadas pela historiografia referente ao período colonial brasileiro. O estudo crítico de Maria Efigênia Lage de Resende sobre a Geografia histórica da Capitania de Minas Gerais; a Descrição geográfica, topográfica, histórica e política da Capitania de Minas Gerais (Rocha 1995), apresenta uma análise minuciosa sobre a importância do memorialista histórico e cartógrafo. Na referida obra, Rocha elaborou importantes documentos históricos e geográficos na forma de textos e mapas, instrumentos voltados para o governo na Colônia visando à gestão fiscal, administrativa, política e econômica da capitania; e formam um conjunto de estudos que guardam entre si estreita e íntima correlação, que se explicam e se complementam (RESENDE apud ROCHA, 1995, p. 13-14).

José Joaquim da Rocha era um perito em assuntos estratégicos e de segurança da Capitania. Conhecedor profundo do território realizou extenso e minucioso levantamento geográfico das diversas regiões das Minas. Natural da freguesia de São Miguel da Vila de Souza, atual distrito de Aveiro em Portugal, chegou a Minas Gerais durante o governo de Luís Diogo Lobo da Silva (1763-1768) e exerceu as funções de cabo-de-esquadra, sargento-mor das Ordenanças de Minas Novas, cartógrafo, autor de memórias, "laborioso e ilustrado engenheiro militar". Após a baixa da carreira militar em Minas Gerais no ano de 1778, residindo em Vila Rica, reuniu os dados coletados a partir da confecção da carta geográfica geral da Capitania e, em separado, das quatro comarcas: Sabará, Serro Frio, Rio das Mortes e Vila Rica, com outros documentos levantados junto aos órgãos do governo, dando forma a Geografia Histórica da Capitania de Minas Gerais (RESENDE in ROCHA, 1995, p. 17 - 22).

As mesmas questões que perpassam a produção das Memórias Históricas de José Joaquim da Rocha, podem ser percebidas a partir da análise da cartografia da capitania produzida pelo autor. No desempenho da atividade como militar, particularmente como engenheiro responsável pelas edificações militares situadas em pontos-chave da capitania das Minas Gerais, José Joaquim da Rocha percorreu, nela, suas mais diversas partes. Por meio dessas atividades, conheceu profundamente a região, tomando medidas das distâncias entre as diversas localidades, e foi esse conhecimento que lhe permitiu produzir importantes mapas da área. Inicialmente essa atividade esteve diretamente ligada à sua função militar, mas, depois de ele dar baixa do serviço, a cartografia adquiriu uma dimensão ainda maior e, como a produção das memórias, tornou-se uma atividade autônoma e autorreferente

(FURTADO, 2009, p. 169).

Na obra de José Joaquim da Rocha, a articulação entre cartas e escritos são partes de um mesmo projeto de inventário da Capitania de Minas Gerais, que agrega dados referentes a: origens históricas, topografia, rios, limites, cidades, divisões administrativa, judiciária e eclesiástica, recolhimentos e misericórdias, situação e distribuição da força militar, da população, situação dos registros, das entradas e passagens, formas de cobrança do quinto, rendas da Coroa, folhas de pagamento eclesiástico, civil e militar, produção agrícola, caça, pesca, pecuária, comércio interno, condições do solo, vegetação, clima, animais, pedras preciosas e tintas. Sob a forma de um balanço quantitativo e qualitativo, demonstrou a situação da Capitania, elaborou comentários e observações sobre as possibilidades de restaurar as rendas da Coroa, reformar a administração pública e retornar a Capitania à condição de centro econômico no Brasil, segundo os interesses da Metrópole. A situação dos mineradores, comerciantes e indígenas, os atropelos dos facinorosos, a questão do trabalho, a vadiação, a pobreza e a quebra da lealdade das guardas dos registros foram objetos de reflexão (RESENDE apud ROCHA, 1995, p. 52).

Os textos de José Joaquim da Rocha "(...) serviam não apenas de panegírico para exaltar as ações dos governadores precedentes, como também para instrumentar os recém-empossados nos assuntos da capitania. Assim, continham não só as descrições históricas sobre as Minas Gerais, mas reuniam um conjunto notável de documentos - listas de impostos, mapas de população, tábuas de ofícios, folhas de despesa dos ofícios, folhas eclesiásticas, relação de paróquias, entre outros. As informações estavam sistematizadas por vilas ou comarcas, permitindo, ao governador recém-chegado, uma visão integral das Minas Gerais (ou em partes), o que em muito facilitaria suas futuras ações" (FURTADO, 2009, p. 164).

Os mapas elaborados por José Joaquim da Rocha no século XVIII, fundamentais no processo de ocupação da capitania, podem ser encontrados nos acervos de arquivos históricos e de bibliotecas, tanto no Brasil como em Portugal, que necessitam de pesquisas geográficas, históricas e cartográficas, dentre elas, as cartométricas.

No Mapa da Capitania de Minas Geraes com a deviza de suas comarcas (Figura 1), de José Joaquim da Rocha, elaborado em 1778 e que se encontra no Arquivo Histórico do Exército (AHEx) - Rio de Janeiro, os centros populacionais são representados a partir do uso de símbolos que espelham a hierarquia no interior do império português e apresentam paralelismo com a hierarquia da estrutura social pois, o enobrecimento das localidades se desenvolvia no interior de um sistema de concessão de títulos, patentes e privilégios (FURTADO, 2009, p. 173).


Referenciado ao meridiano da Ilha de Ferro, que corresponde a 17º 39' 46" W em relação ao meridiano de Greenwich (MARQUES, 2001), e com escala em léguas (1 légua = 6 km), o mapa delimita a capitania e as quatro comarcas: Vila Rica, Rio das Mortes, Sabará e Serro Frio; e representa os rios, as estradas, o alinhamento das serras e, principalmente, a distribuição de vilas, paróquias, capelas, fazendas, registros, entre outros elementos.

Em 1778, a capitania contava com 1 (uma) cidade (Mariana) e 8 (oito) vilas: Vila Rica (atual Ouro Preto), Vila do Sabará, Vila de São João (atual São João del Rei), Vila do Príncipe (atual Serro), Vila do Caeté, Vila do Pitangui, Vila de São José (atual Tiradentes) e Vila do Fanado (atual Minas Novas). A região do Triângulo Mineiro, não está representada no mapa pois, pertencia à capitania de Goiás.

No Mappa da Capitania de Minas Geraes (Figura 1), do mesmo autor, elaborado em 1793, cópia atualizada do mapa de 1778 - portanto, 15 anos mais tarde, e que se encontra na Biblioteca Pública Municipal do Porto (BPMP) em Portugal, os centros populacionais espelham uma hierarquia urbana emancipada em relação ao de 1778, ou seja, encontram-se representadas as novas vilas recém criadas (Itapecerica - 1789, Queluz - atual Conselheiro Lafaiete - 1790 e Barbacena - 1791), entre outros elementos.

A legenda, denominada "Explicação", identifica através de símbolos: "Cidades", "Villas", "Parochias", "Fazendas", "Guardas Militares", "Aldeias de Gentio" e "Capellas". O relevo aparece figurado pelo desenho de pequenas elevações alinhadas. A densa rede hidrográfica encontra-se identificada. A vegetação representada por pequenos símbolos, distribui-se principalmente no sector Este do mapa. A Capitania de Minas Gerais encontra-se dividida nas suas quatro Comarcas - Sabará, Serro Frio, Rio das Mortes e Vila Rica -, e confronta com as Capitanias de Pernambuco, Bahia, Goiás, São Paulo, Rio de Janeiro e Espirito Santo. O limite entre as Capitanias e Comarcas é assinalado por linhas aguareladas a cores diferentes. O povoamento está identificado e hierarquizado. Em relação ao povoamento autóctone estão referenciadas as "Aldeias do Gentio" e, no vale do rio Arapuca, Comarca do Serro Frio: "São 4 Aldeias de Indios Malallis sevelizados por hua negra q. fugio p.a este Certão". As "Guardas Millitares", indicadas na legenda, localizam-se fundamentalmente junto ao rio Preto, no limite da Capitania do Rio de Janeiro; junto ao limite da Capitania de S. Paulo; entre o rio "Pará" e o rio das Velhas; junto à Paróquia de Paracatú e no "Destacam.to Diamantino do R.o da prata". Na Comarca do Sabará estão assinaladas: a "Guarda p.a empedir os extravios de oiro e Diamantes" e a "Guarda, ou quartel do Comandante das patrulhas, que vegião os Diamantes". A rede viária, figurada por linhas duplas, é composta por vários caminhos que estabelecem a comunicação entre os vários núcleos de povoamento. Alguns destes caminhos aparecem identificados (FERNANDES

apud

GARCIA, 2011, p. 101).

O processo de criação de vilas da capitania de Minas Gerais permaneceu paralisado durante 60 anos, entre os anos de 1729 e de 1789 (Figura 2), fato que indica períodos socioeconômicos turbulentos e complexos. Em 1731, foi demarcado o Distrito Diamantino, fechado 3 anos mais tarde, entre 1734-1739; em 1734, os padres matemáticos produziram mapas de detalhe de parte da capitania, sem contudo, definir limites; em 1745, foi criado o Bispado de Mariana, demarcando um novo momento geopolítico de colonização do sertão mineiro; em 1771, ocorreu a reforma pombalina que promoveu conflitos de variadas ordens. Assim, o período foi marcado por uma reestruturação administrativa e eclesiástica da capitania. Foi neste contexto que José Joaquim da Rocha produziu em 1778 os mapeamentos da capitania e de suas comarcas, provavelmente, referências para a criação das novas vilas, entre 1789 e 1791, e que necessitavam de uma atualização.


Com base na atualização cartográfica realizada pelo autor nos dois mapas, quanto a hierarquia urbana, a rede viária e a projeção, os dois mapas foram georreferenciados em SIG e avaliados por técnicas cartométricas, para fins de análise espacial e identificação de desvios de projeção.

CARTOMETRIA

A exatidão dos mapas históricos vem sendo avaliada nas pesquisa em Cartografia Histórica, por meio do uso de técnicas de georreferenciamento e cartométricas. "Cartometria é o campo da Cartografia que trata das medições e cálculo de valores numéricos relativos aos mapas e cartas" (GASPAR, 2009, p. 9), tais como: distâncias, áreas, direções, entre outras operações. Por meio do georreferenciamento, "um sistema de coordenadas (latitude e longitude) é associado a um mapa antigo, com o objetivo de facilitar a sua leitura, recuperar a informação geográfica nele contida, determinar e interpretar as suas características geométricas, medir a sua exatidão ou compará-lo com outros mapas".

Segundo Gaspar (2007, p. 76), o método foi sugerido pela primeira vez por Tobler (1966), que calculou os erros de projeção do Mapa de Hereford (1283) em relação ao mapa atual, que permitiu a identificação da projeção adotada e avaliar os erros cartográficos contidos no mapa histórico (LIVERATOS, 2006; GASPAR, 2007 e 2009; DAVEAU, 2010; entre outros).

As duas técnicas, georreferenciamento e cartometria, foram aplicadas nos dois mapas da Capitania de Minas Gerais, elaborados por José Joaquim da Rocha em 1778 e 1793, com o objetivo de se identificar a distorção de projeção implícita em ambos mapeamentos.

O primeiro passo, consiste em identificar pontos de controle no mapa histórico e associá-los ao mapa atual, projetado em um sistema de coordenada retangular (x,y). O coeficiente de correlação entre os dois conjuntos de coordenadas aponta para os acertos e os erros de projeção. No georreferenciamento dos dois mapas da capitania e na associação com o mapa do Estado de Minas Gerais atual, por meio da conversão do meridiano de origem do mapa de 1778, meridiano da Ilha do Ferro, e do mapa de 1793, meridiano de Paris, em relação ao meridiano de Greenwich, adotando-se o datum SAD 69.

Em seguida, por meio de superposição de layer no software ARC GIS®, foi possível estabelecer os desvios de projeção contidos nos dois mapas (Figura 3). A análise da figura 3 revela que no mapa de 1778, houve desvios significativos de projeção a oeste da capitania, e que no mapa de 1793 os desvios foram a leste, ambos associados aos meridianos de referencias adotados pelo cartógrafo. Note-se que o mapa de 1793, em relação ao mapa de 1778, apresenta-se com dimensões inferiores no sentido norte-sul e com dimensões superiores no sentido leste-oeste.


O passo seguinte, consistiu na análise cartométrica. Segundo Jenny et al. (2007), existem vários softwares de cartografia digital que utilizam técnicas cartométricas para avaliar a precisão de mapas históricos. A maioria delas deriva de dois pontos correspondentes nos mapas, isto é, um se origina de uma referência atual, precisa, e o outro, é selecionado no mapa antigo, supostamente impreciso, que devem compartilhar sistema de coordenadas comuns. Dentre os softwares disponíveis, o MapAnalyst® (JENNY; HURNI, 2011) vem sendo utilizado na avaliação da precisão do mapa histórico em relação ao atual, por meio dos vetores de deslocamentos e da distorção da grade de coordenadas; software desenvolvido por Bernhard Jenny e Adrian Weber (Instituto de Cartografia, ETH Zurich), disponível livremente na Internet (Http://www.ika.ethz.ch/mapanalyst/index.html).

Nos vetores de deslocamento, cada linha do vetor começa em um ponto previamente identificado do mapa antigo e termina na posição onde o ponto seria no mapa atual. Quando os vetores são longos, indicam outliers, isto é, erro excessivo de posicionamento. Para a construção de redes de distorção da grade, o MapAnalyst® utiliza o método de interpolação multi-quadrática com base nos vetores de deslocamentos, que envolve a construção de uma grade regular no sistema de coordenadas do mapa de referência (atual) e sua transformação afim no mapa antigo, distorcendo a grade no sistema do mapa antigo (JENNY et al., 2007, p. 89 e 90).

Utilizando uma amostra de 62 pontos de controle nos mapas antigo e atual, relacionada às principais vilas e paróquias, bem como as confluências de alguns rios, a rede geográfica de meridianos e paralelos implícita foi interpolada (Figura 4). Os pontos de controle foram associados aos topônimos antigos e atuais.


Os mapas da figura 4 representam as distorções da grade de coordenadas e os descolamentos de vetores ocorridos no mapeamento da capitania em 1778 e 1793, principalmente na longitude, desvios inerentes às dificuldades técnicas de levantamento no século XVIII.

Na associação de coordenadas antigas e atuais dos dois mapas (Figura 5), note-se que os paralelos e os meridianos são curvas, com ângulos variáveis e que houve semelhança nos desvios da grade e nos deslocamentos de vetores em ambos os mapas. Independente da atualização da rede urbana e da alteração de meridiano de referência realizada pelo autor, os desvios da rede de meridianos e paralelos implícita nos dois mapas se mantiveram constantes.


Quanto ao deslocamento de vetores, note-se que no centro da capitania, na região de Vila Rica e Vila de São João, os deslocamentos foram significativamente menores quando comparados com a periferia, principalmente no vale do rio São Francisco, norte da capitania, no vale do rio Jequitinhonha (leste) e no sul de Minas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As reformas pombalinas, a partir de 1771, motivaram a Coroa e seu Conselho Ultramarino a adotarem mecanismos de garantir o controle dos conflitos de jurisdição, fiscal e militar. Assim, o mapeamento da capitania e sua atualização figura como instrumento estratégico nas decisões políticas e geopolíticas.

Após o longo período de paralisação do processo de criação de vilas, entre os anos de 1729 a 1789, o mapa elaborado em 1778 foi importante para a criação das novas vilas, entre os anos de 1789 a 1791, e que necessitava de uma atualização. Tomando-se como exemplo a Vila de Paracatu em ambos os mapas, note-se um aumento significativo do número de Registros em seu entorno, meio de garantir o controle fiscal e militar da mineração naquela região.

O trabalho apresentado pretendeu contribuir com as pesquisas em Cartografia Histórica por meio da aplicação de técnicas de geoprocessamento em importantes documentos da Capitania de Minas Gerais do século XVIII. Outro aspecto relevante consistiu no resgate da obra de José Joaquim da Rocha, que exerceu funções administrativas de relevo para a História de Minas Gerais.

A análise cartométrica realizada consistiu em resultados preliminares de uma pesquisa ampla em Cartografia Histórica da Capitania de Minas Gerais no século XVIII que vem sendo realizada no Programa de Pós-Graduação em Geografia da PUC Minas. Os resultados obtidos necessitam de maior detalhamento, principalmente quanto a ampliação do número de pontos de controle no cálculo de desvios de projeção e de deslocamentos de vetores.

Quanto a validação da técnica aplicada neste trabalho, serão realizadas pesquisas com maior profundidade, bem como, testados softwares com aplicações de técnicas cartométricas diferenciadas. Por outro lado, a partir do georreferenciamento e da vetorização dos dois mapas, serão desenvolvidas análises espaciais ligadas a rede urbana, a demografia, a economia, entre outras aplicações.

AGRADECIMENTOS

O artigo resulta de pesquisa financiada pelo CNPq-Brasil.

Artigo recebido em 27/02/2013 e aceito para publicação em 27/06/2013

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    06 Jan 2014
  • Data do Fascículo
    Dez 2013

Histórico

  • Recebido
    27 Fev 2013
  • Aceito
    27 Jun 2013
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