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Emprego de atributos topográficos no mapeamento da susceptibilidade a processos geoambientais na bacia do rio Jacareí, Paraná

Using topographic attributes in susceptibility mapping on geo-environment process at Jacareí basin river, Paraná, Brazil

Resumos

O presente trabalho realizou o mapeamento da susceptibilidade a processos geoambientais na bacia do rio Jacareí, localizada na Serra do Mar Paranaense. A escolha da área justifica-se por essa ter sido fortemente afetada por processos de movimentos de massa ocorridos no dia 11 de março de 2011, que ocasionaram diversos danos e prejuízos à população da região. A cartografia foi realizada por meio da análise digital do relevo, com o emprego dos atributos topográficos que mostraram melhor relação com os processos, sendo eles: hipsometria, declividade, plano de curvatura e índice topográfico de umidade. A legenda do mapa foi organizada em dez classes, contemplando os processos de escorregamentos, corridas de detritos e inundações associadas a corridas de lama, com níveis de susceptibilidade moderada, alta e muito alta.

análise digital do relevo; escorregamentos; corridas de detritos; corridas de lama; inundações


This paper has been done a susceptibility mapping on geo-environmental processes in Jacareí basin river, localization in Serra do Mar of Paraná. The choice for this region is justified for that it was affected by severe landslides and debris flow occurred on march's 11, 2011, which occasioned several damages and losses to the local community. The mapping was performed by means of digital terrain analysis with the use of topographic attributes that showed better relationship with the processes: elevation, slope, plan curvature and topographic wetness index. The map legend was organized into ten class, considering the landslide, debris flow and floods associated with mud flow, with level moderate, high and very high susceptibility.

digital terrain analysis; landslide; debris flow; mud flow; floods


ARTIGOS

Emprego de atributos topográficos no mapeamento da susceptibilidade a processos geoambientais na bacia do rio Jacareí, Paraná

Using topographic attributes in susceptibility mapping on geo-environment process at Jacareí basin river, Paraná, Brazil

Claudinei Taborda da SilveiraI; Alberto Pio FioriII; Antonio Marcos FerreiraIII; José Roberto de GóisIV; Giuliano De MioV; Ricardo Michael Pinheiro SilveiraVI; Nataniel Edgar Bassi MassuliniVII; Talita Mariana Herrig LeonardiVIII

IProf. Adjunto, Departamento de Geografia. Universidade Federal do Paraná, Curitiba, Paraná, Brasil, claudineits@ufpr.br

II fiori@ufpr.br

III amf.geo@gmail.com

IV geoplanejamento@gmail.com

V gdemio@uol.com.br

VI ricardomichael@ufpr.br

VII natanbassi@globo.com

VIII talita.mhl@gmail.com

RESUMO

O presente trabalho realizou o mapeamento da susceptibilidade a processos geoambientais na bacia do rio Jacareí, localizada na Serra do Mar Paranaense. A escolha da área justifica-se por essa ter sido fortemente afetada por processos de movimentos de massa ocorridos no dia 11 de março de 2011, que ocasionaram diversos danos e prejuízos à população da região. A cartografia foi realizada por meio da análise digital do relevo, com o emprego dos atributos topográficos que mostraram melhor relação com os processos, sendo eles: hipsometria, declividade, plano de curvatura e índice topográfico de umidade. A legenda do mapa foi organizada em dez classes, contemplando os processos de escorregamentos, corridas de detritos e inundações associadas a corridas de lama, com níveis de susceptibilidade moderada, alta e muito alta.

Palavras chave: análise digital do relevo; escorregamentos; corridas de detritos; corridas de lama; inundações.

ABSTRACT

This paper has been done a susceptibility mapping on geo-environmental processes in Jacareí basin river, localization in Serra do Mar of Paraná. The choice for this region is justified for that it was affected by severe landslides and debris flow occurred on march's 11, 2011, which occasioned several damages and losses to the local community. The mapping was performed by means of digital terrain analysis with the use of topographic attributes that showed better relationship with the processes: elevation, slope, plan curvature and topographic wetness index. The map legend was organized into ten class, considering the landslide, debris flow and floods associated with mud flow, with level moderate, high and very high susceptibility.

Key words: digital terrain analysis; landslide; debris flow; mud flow; floods.

INTRODUÇÃO

O reconhecimento, compreensão e o mapeamento das múltiplas variáveis que compõe o meio físico-natural são de grande importância para alicerçar ações de planejamento ambiental e territorial. Uma dessas importantes variáveis é a forma do relevo, pois reflete e condiciona a dinâmica de processos superficiais na paisagem e a esculturação promovida pela ação da morfogênese.

A morfogênese representa a dinâmica natural do modelado da paisagem na forma de processos erosivos, movimentos de massa ao longo das vertentes, entre outros, e que tem modificado o relevo do planeta. No entanto, diante da ocupação do homem e de suas consequencias, a morfogênese reverte-se a susceptibilidade a processos geoambientais.

Os movimentos de massa são reconhecidos como importantes processos geomorfológicos modeladores da superfície terrestre (BIGARELLA, 2003). É o movimento do solo, rocha e/ou vegetação ao longo da vertente sob a ação direta da gravidade, cuja contribuição da água no processo se dá pela redução da resistência dos materiais da vertente e/ou pela indução do comportamento plástico e fluído dos solos (TOMINAGA, 2009). Podem ser classificados de diversas formas, no entanto, duas categorias que cabem ser destacadas são os escorregamentos e as corridas, ambos de grande freqüência na Serra do Mar.

O processo evolutivo do relevo da Serra do Mar, uma região submetida a altas pluviosidades médias anuais e episódios prolongados de chuvas envolve intensa participação de movimentações de massa (Almeida e Carneiro, 1998). No contexto regional paranaense, suas vertentes, geralmente com elevadas inclinações, apresentam-se com elevada energia facilitando sobremaneira os movimentos de massa que, associados ao regime pluviométrico, não raramente alcançam dimensões catastófricas.

Assim, o presente trabalho, parte da compreensão de que a partir da morfologia do relevo é possível estabelecer relações com processos geoambientais integrantes da dinâmica morfoescultural da paisagem e a partir daí, obter-se elementos para a cartografia da susceptibilidade. Para isso, as características do relevo devem ser consideradas no estudo dos mecanismos atuantes nas vertentes, seja em termos de declividade, hipsometria, como também a distribuição dos fluxos hídricos superficiais e subsuperficiais, estes últimos condicionados pelas formas das vertentes.

Um conjunto de novos métodos e técnicas apoiados em ambiente informatizado têm sido empregado atualmente na modelização do relevo. A parametrização do relevo refere-se à representação quantitativa das características morfológicas da paisagem descritas de forma contínua, designada de geomorfometria (WOOD, 1996 e 2009). É o processo de extração de atributos quantitativos obtidos por meio de equações aplicadas a um Modelo Digital do Terreno (MDT), executado por meio de técnicas de modelagem digital, muitas vezes empregadas em Sistemas de Informações Geográficas (SIG), (HENGL , 2003), que descreve de forma quantitativa as formas do relevo.

A utilização de MDTs em geomorfologia permite o cálculo de variáveis associadas ao relevo com rapidez e precisão (GROHMANN et al., 2008), compreendidas como atributos topográficos (MOORE et al., 1991; MOORE et al., 1993; WILSON e GALLANT, 2000).

Visando atender o objetivo do presente trabalho, foi realizado o mapeamento de áreas de susceptibilidade a processos geoambientais por meio da modelagem digital do relevo, compreendendo escorregamentos, corridas de detritos e inundações associadas a corridas de lama na bacia do rio Jacareí. Para isso foram utilizados os seguintes atributos topográficos: hipsometria, declividade, plano de curvatura e índice topográfico de umidade.

ÁREA DE ESTUDO

A área de estudo compreende a bacia do Jacareí, com 40,17 km2, situada nos municípios de Morretes/PR e Paranaguá/PR, na Serra do Mar e Litoral Paranaense (Figura 1). A seleção da área está associada a sua relevância no episódio ocorrido no dia 11 de março de 2011, quando teve início na região central da Serra do Mar Paranaense, um conjunto de escorregamentos simultâneos, predominantemente no terço superior da Serra da Prata.


O volume de material desprendido dos escorregamentos consistiu em blocos de rocha, solo e troncos de árvores, arrancados e transportados seguindo caminho de fluxo nos segmentos convergentes das vertentes. Nesse processo de transporte, foram remobilizados depósitos pretéritos, na forma de solos e blocos de rocha. Todo o volume de material fluiu em direção as planícies, com o material mais grosseiro tendendo a se depositar na saída dos canais, formando cones de detritos, enquanto lama e água suja atingiram grandes extensões do vale, levando a inundação e formação de depósitos de sedimentos finos em expressiva área da planície aluvial.

A bacia do rio Jacareí foi uma das áreas mais afetadas pelo evento. Teve sua planície aluvial entulhada por blocos e sedimentos arenosos e argilosos, além de grande quantidade de troncos de árvores removidos da Floresta Atlântica, que potencializou o poder destrutivo do evento.

A episódio resultou no óbito de um morador da região, além de prejuízos e perdas econômicas diretas pela destruição total ou parcial de casas, ruas, estradas, pontes, lavouras, entre outros (Figuras 2a e 2b), e indiretas pela interdição da rodovia BR-277, principal via de conexão da capital com o porto de Paranaguá, decorrente da queda da ponte sobre o rio Jacareí devido ao entulhamento de material lenhoso (Figuras 2c e 2d). Foi esse evento que motivou a eleição dessa área para o mapeamento da susceptibilidade.


 




Caracterização da Serra do Mar Paranaense

No contexto regional, a Serra do Mar Paranaense configura-se como uma cadeia de montanhas marginal do Primeiro Planalto Paranaense, separando-o da Planície Litorânea Paranaense, com cimos elevados até 1.800m de altitude e sustentada por litologias diversas, quase sempre metamórficas de alto grau como migmatitos, gnaisses e micaxistos e mais raramente quartzitos, frequentemente associados com rochas intrusivas (OKA-FIORI et al., 2006).

Sua morfologia não constitui apenas uma serra de borda de planalto ou de escarpa, mas também possui setores originados por erosão diferencial, sendo que algumas dessas áreas sobressaem centenas de metros do nível geral do Primeiro Planalto, sustentadas por rochas mais resistentes ao intemperismo. Nesse sentido, exemplo são os núcleos das serras da Prata, dos Castelhanos, Canasvieiras, Araraquara, do Engenho, do Cubatão, etc.

A Serra do Mar apresenta relevo bastante dissecado e a drenagem um padrão dendrítico, adaptado às direções das estruturas relacionadas com falhas, fraturas e contatos litológicos, que condicionam lineamentos maiores e segmentos locais da rede de drenagem. Com frequência, ocorre o padrão de drenagem em treliça, com trechos com traçado retilíneo e incisões em ângulos agudos, mostrando a forte influência de direções estruturais importantes. Nas vertentes mais íngremes, a drenagem encontra-se encaixada nas linhas estruturais, originando vales profundos em forma de "V" (BIGARELLA et al., 1978). Os topos das cristas são aplainados e nivelados, evidenciando restos da Superfície Sul-Americana (KING 1956) e Pd3 (BIGARELLA et al.,1965).

Ocorre na Serra do Mar Paranaense uma nítida orientação de cristas e vales em três direções predominantes, NE-NNE, NNW e NW, que se correspondem com os principais lineamentos do substrato geológico. As orientações NE-NNE e NNW estão associadas a linhas estruturais pré-cambrianas, provavelmente reativadas ao longo da história geológica da região e a estruturação NW coincide com a orientação das intrusivas mesozóicas, que se apresentam na forma de um enxame de diques paralelos, tendo sua ocorrência concentrada na porção central da Serra do Mar. De toda a extensão litorânea, em apenas um único ponto, a Serra do Mar alcança o oceano, no extremo meridional da Serra da Prata, onde ela constitui o divisor das bacias de Paranaguá e Guaratuba (ANGULO, 1992).

As vertentes da Serra do Mar apresentam-se com muita energia face aos processos morfoesculturais erosivos e de movimentos de massa, que são condicionados por fortes declividades e elevado gradiente altitudinal, associados ao regime pluviométrico. O que resulta em solos pouco desenvolvidos, com litologia exposta em diversas áreas. Oka-Fiori et al (2006) descreveram as formas dessa unidade de relevo com topos alongados e em cristas com vertentes predominantemente retilíneas e vales em "V" encaixado.

Os processos esculturais do relevo nesse domínio envolvem intensa participação dos escorregamentos, que ocorrem ao longo das vertentes de maior declividade. As descontinuidades, como juntas e falhas são aproveitadas pela água e pelos lentos processos de denudação associados, para desenvolver em profundidade solos e manto de intemperismo, que acabam sendo afetadas pela atividade erosiva incessante.

Nas posições inferiores das vertentes situam-se áreas coluviais com acumulação de sedimentos provenientes das partes altas, com transporte associado à ação da gravidade. Nessas áreas, apesar dos solos não apresentarem, na maior parte dos casos, um processo avançado de pedogênese, não possuem contato direto com a rocha matriz. A caracterização de Oka-Fiori et al (2006) para essas áreas é de rampas dissecadas com vertentes predominantemente retilíneas e vales em "V".

Caracterização da bacia do rio Jacareí

A bacia do rio Jacareí apresenta vale assimétrico, seu conjunto de vertentes mostra feições distintas nas duas margens tanto no alto como no médio curso da bacia.

Na margem direita, os divisores de água são constituídos pela Serra da Prata, onde ocorrem os maiores valores altimétricos da bacia, cuja elevação máxima é de 1421 metros acima do nível do mar, decrescendo até valores de 800m, enquanto que na margem esquerda a elevação máxima dos interflúvios é de 433m, decrescendo até valores de 200m.

Desse modo, o potencial de energia da morfogênese é distinto nas duas margens. Na direita as maiores declividades ocorrem no terço superior das vertentes, com valor predominantemente superior a 40%, intrinsecamente condicionada pela diferença litológica, onde os corpos graníticos sustentam o elevado gradiente altitudinal, resultante de processos exógenos de erosão diferencial e endógenos de soerguimento de blocos. Essas características resultam em elevada energia nessas vertentes que aceleram os processos denudacionais nas posições mais elevadas e de acumulação, nas posições baixas, seja por transporte aluvial como por transporte gravitacional.

A Figura 3a ilustra as vertentes da Serra da Prata, na margem direita do rio Jacareí. Os topos apresentam-se agudos e alongados, com segmentos de vertentes de maior declividade e solos rasos, reflexo da atuação da morfogênese, seja por meio de erosão ou movimentos gravitacionais de escorregamentos. Os canais de drenagem são fortemente encaixados, apresentam elevada energia e tendem a concentrar água e material, oriundo das posições mais elevadas, que são transportados em segmentos de vertentes com forma convergente de fluxo e, uma vez concentrados, transformam-se em corridas de detritos. O terço inferior e médio dessas vertentes contém grande volume de material depositado em diversos eventos pretéritos, designados por Oka-Fiori et al (2006) como unidade de Rampas de Pré-Serra (Figura 3a). A chegada dos canais nas planícies promove a formação de cones de dejeção, constituídos principalmente de detritos de material grosseiro, conforme está mostrado na Figura 3b. Mais à frente, as planícies recebem os materiais mais finos, como ilustrado na Figura 3c.


 








A rede de drenagem apresenta-se fortemente entalhada, com vales em "V" encaixados, acompanhando estruturas de direção NE. Muitas vezes os talvegues coincidem com diques de rochas básicas de menor resistência que as encaixantes, conforme ilustrado nas Figuras 3d e 3e.

A margem direita apresenta vertentes convexas no terço superior, com maior declividade menor extensão e menor gradiente nos terços inferior e médio e, consequentemente, com menor energia, em comparação com as vertentes da outra margem.

As vertentes do terço inferior da bacia compõem os morros isolados situados nas áreas de planícies. As unidades de planície constituem ambientes agradacionais, com solos de caráter hidromórfico.

Assim, do acima exposto, observa-se que a bacia do rio Jacareí, tal como a Serra do Mar Paranaense constituí-se de ambientes com forte atuação de processos morfogenéticos que levam a uma constante e dinâmica esculturação dessas paisagens.

MATERIAL E MÉTODO

Os procedimentos empregados na elaboração dos mapas consistem na organização da base de dados, armazenamento e realização das operações em ambiente SIG, geração do MDT e cálculo dos atributos topográficos, tratamento de imagens de satélite, mapeamento das cicatrizes de movimento de massa, áreas de inundação, análise de ocorrência de processos nos atributos topográficos e sua integração para a elaboração do mapa de susceptibilidade a processos geoambientais.

Geração do MDT e dos atributos topográficos

A partir de dados planialtimétricos à escala 1:5.000, restituídos para a área da bacia do rio Jacareí a partir de fotografias aéreas na escala 1:25:000 (ITCF, 1980), foi produzido um MDT com grade de 5m. A partir desse foram obtidos os seguintes atributos topográficos: hipsometria, declividade e plano de curvatura, com o emprego do software ArcGis, versão 10 (ESRI, 2010).

A hipsometria refere-se à variação do valor de altitude, cujos valores são representados em metros acima do nível do mar. A declividade é definida como um plano tangente à superfície topográfica, corresponde à inclinação do terreno em relação ao plano horizontal, sendo expresso como a mudança de elevação em relação à distância horizontal (BURROUGH, 1986). O plano de curvatura refere-se ao caráter divergente/convergente dos fluxos de água sobre o terreno quando analisado em projeção horizontal (VALERIANO e CARVALHO JÚNIOR, 2003), tratando-se de importante parâmetro na caracterização do transporte de sedimentos (WILSON e GALLANT, 2000). O índice topográfico de umidade é usado para caracterizar a distribuição espacial de zonas de saturação superficial, colocando em evidencia no relevo as áreas de acumulação de água (MOORE et al., 1993).

Integração das variáveis por álgebra de mapas

A técnica selecionada utilizada na integração das variáveis para identificação de áreas de susceptibilidade e de riscos ambientais foi por superposição de mapas ou álgebra de mapas.

Conforme conceituado por Tomlin (1983), a operação de álgebra de mapa representa o conjunto de procedimentos de análise espacial em geoprocessamento que produz novos dados a partir de funções de manipulação aplicadas a um ou mais níveis de informação (mapas).

Esse método se constitui na sobreposição das classes de variáveis consideradas, do meio físico-natural e uso da terra, nas quais são executadas operações de álgebra de mapas em um Sistema de Informações Geográficas (SIG), utilizando-se de uma matriz de integração.

O processo de álgebra de mapas adotado nessa etapa considerou a integração dos seguintes atributos topográficos: declividade, hipsometria, plano de curvatura e o índice topográfico da umidade.

Os processamentos para a execução da tabulação cruzada por álgebra de mapas foram realizados no software ArcGis - versão 10 (ESRI, 2010), com o módulo Spatial Analyst.

Determinação das classes de susceptibilidade

As classes de susceptibilidade restringem-se aos processos morfogenéticos de escorregamentos, corridas de detritos e inundações associadas a corridas de lama, que atuaram com intensidade no episódio do evento ocorrido no dia 11 de março de 2011 no litoral paranaense. Esses processos foram caracterizados com três intensidades: moderado, alto e muito alto.

Para a obtenção das classes e intensidades foram consideradas as relações entre processos condicionados pela morfologia das vertentes. Para isso foram utilizados procedimentos de retroanálise, relacionando as feições e cicatrizes de movimentos de massa reconhecidos em imagem de satélite WordView1, com resolução espacial de 0,6 metros.

Uma das importantes variáveis topográficas empregadas foi a declividade, que se mostrou diretamente relacionada aos processos de escorregamento e inundações, tendo-se constatado que 89% das áreas de escorregamentos ocorreram em declividades superiores a 30%, enquanto que 82% das áreas de inundações ocorreram nas classes de declividade inferior a 5%.

Outra variável que apresentou relação com os processos de escorregamento foi a hipsometria, tendo-se verificado que 75% das cicatrizes mapeadas se deram em áreas superiores à cota altimétrica de 400m. Essas elevadas cotas, sustentados por erosão diferencial de rochas mais resistentes, reflete-se em vertentes com maior energia e que favorecem os processos de movimentos de massa (erosão e escorregamentos) morfogenéticos prevalecem. A hipsometria mostra-se também diretamente relacionada às inundações, pois 100% das ocorrências situam-se nas cotas abaixo de 30m.

O plano de curvatura mostrou-se relacionado principalmente às corridas de detritos e aos escorregamentos, uma vez que está relacionado à distribuição da água nas vertentes, tanto no que diz respeito aos fluxos superficiais, como aos subsuperficiais. O índice topográfico de umidade foi empregado exclusivamente na identificação de áreas de alta susceptibilidade a inundações.

Desse modo, a combinação dos atributos topográficos na representação da morfologia do relevo foi feita por meio de operações de álgebra de mapas, seguindo os critérios empregados das classes das variáveis geomorfométricas, conforme apresentado na Tabela 1.

A combinação das classes dos atributos topográficos resultou em três intensidades de susceptibilidades (moderada, alta e muito alto) no que diz respeito a escorregamentos, corridas de detritos e inundações associado a corridas de lama.

Cabe destacar que se procedeu a uma readequação metodológica em função das observações de campo no que se refere à classe de susceptibilidade moderada a processos de escorregamentos e/ou corridas de detritos. Verificou-se as áreas de desembocadura dos principais cursos d´água, ou seja, onde as corridas de detritos atingem a planície aluvial e formam cones de dejeção, são preferenciais em termos de ocupação (moradias, culturas, etc) pela população local devido às condições morfológicas adequadas, solo espesso e disponibilidade de água. No entanto, essas áreas devem ser caracterizadas como de alta susceptibilidade a eventos de corridas de detritos, uma vez que representam o ponto de descarga dos materiais advindos de montante (Figura 3b) e (Figura 4). Assim, a delimitação dos polígonos envolventes destas porções foi feita manualmente, visto não terem sido captadas na matriz de cruzamento adotada.


RESULTADOS E DISCUSSÕES

No mapa de susceptibilidade a processos geoambientais (Figura 5) as classes de muito alta susceptibilidade somam 32,11%, representando a terça parte da área da bacia. As classes de alta susceptibilidade totalizam 44,86% e a de moderada 23,02%. O grau de susceptibilidade está associado a distintos processos, organizados em quatro categorias: a) escorregamentos, b) corridas de detritos, c) escorregamentos/corridas de detritos em atuação conjunta e d) Inundações associadas a corridas de lama e depósitos. A Tabela 2 apresenta a distribuição em área (km2 e percentual de ocorrência para cada classe e intensidade).


Conforme Tominaga (2009), dentre os processos de movimentos de massa, os mais frequentes na região sudeste do Brasil, principalmente na Serra do Mar, são os escorregamentos. No evento do dia 11/03/2011 na Serra do Mar Paranaense, verificou-se que além dos escorregamentos, as corridas de detritos tiveram relevância. Na bacia do rio Jacareí os escorregamentos ocuparam área de 2,34km2 e as corridas de detritos de 1,35km2.

O fato pode ser explicado pelo grande volume de chuva no evento, que propiciou a mobilização do material. A Figura 6 apresenta, na forma de gráfico, os valores de chuva diária e acumulada no período da primeira quinzena do mês de março de 2011, onde é possível verificar elevados valores acumulados de chuva, 230 mm em 24 horas, 305 mm em 48 horas e 382 mm em 72 horas.


Dentre as classes de susceptibilidade mapeadas, os movimentos de massa representam a maior área na bacia do rio Jacareí, somando 26,22% nas intensidades muito alta, 29,35% nas altas e 16,98% na moderada. Esses valores refletem, de maneira adequada, a dinâmica dos processos esculturais nas vertentes desse ambiente, em concordância com o contexto regional da Serra do Mar, que envolve intensa participação dos movimentos de massa no seu processo natural de evolução do relevo.

Os escorregamentos que ocorreram no dia 11/03/2011, predominantemente caracterizados como do tipo planar, na maior parte dos casos estavam situados nos terços superiores das vertentes da Serra da Prata, conforme ilustrado nas Figuras 3a e 3b. Os planos de deslizamentos situavam-se no contato entre os horizontes de solo e a rocha subjacente.

Para Fernandes e Amaral (1996), os deslizamentos planares, ou translacionais, são condicionados pelas características físico-naturais de solos rasos, vertentes declivosas e associados a elevados valores de pluviosidade, que levam à saturação dos horizontes de solo. Essa situação encontra-se, geralmente, em profundidades rasas que variam entre 0,5 m e 5,0 m, sendo que as rupturas tendem a ocorrer rapidamente devido ao aumento da poro-pressão positiva durante eventos pluviométricos elevados.

Verificou-se que nessa região as cotas acima de 400m estão associadas a maciços rochosos mais resistentes, como é o caso do Granito Morro Inglês (Figura 7). De acordo com Almeida e Carneiro (1998), a natureza petrográfica e estrutural dos granitos da Serra do Mar do Paraná os torna resistentes à erosão e sustentam destacadas elevações, resultando em elevado gradiente altimétrico e vertentes fortemente declivosas, como é o caso da Serra da Prata.


Esta situação favorece a remoção e transporte de material nessas vertentes, especialmente pelo fato dos solos serem mais delgados e em contato direto com a rocha matriz, o que propicia a rápida saturação. Por isso a variável hipsometria foi empregada na separação das classes de "muito alta susceptibilidade a escorregamentos" e "muito alta susceptibilidade a escorregamentos/corridas de detritos".

As áreas mapeadas nessas classes de susceptibilidade mostraram-se condicionadas por um conjunto de características do meio físico-natural que propiciaram tais processos, são eles: solos rasos compostos por associações de Neossolos Litólicos, em contato direto com a rocha mãe; vertentes com declividades acima de 30%; segmentos de vertentes situados no terço superior da margem direita da bacia, onde estão os maiores desníveis de elevação.

Cabe destacar que a distinção entre as classes que designam processos de escorregamentos e escorregamentos/corridas, está associada à morfologia da vertente. O que as diferencia é que a segunda classe é composta por vertentes com plano de curvatura convergente, ou seja, vertentes coletoras do fluxo hídrico superficial e subsuperficial e de materiais, que não só favorecem os escorregamentos por saturação hídrica, como também acumulam material em solifluxão das corridas. Assim, verificou-se que as áreas situadas nos segmentos de vertentes com convergência de fluxo hídrico potencializam a concentração de água facilitando o desprendimento de material e sua remobilização, conforme ilustrado na Figura 8.


As classes identificadas como susceptíveis a processos de corridas de detritos são caracterizadas por condicionar a mobilização do material advindo dos escorregamentos, bem como a remobilização de antigos depósitos do tipo colúvio e tálus (Figura 7) e levando ao aprofundamento do leito de rios. O material detrítico apresenta grande variação granulométrica, desde material fino até blocos de rocha com dezenas de metros de diâmetro, somado a material lenhoso. As figuras 9a, 9b, 9c e 9d ilustram aspectos da corrida de detritos no vale do rio Tingidor, afluente da margem direita do rio Jacareí.


 




As corridas caracterizam-se como movimentos rápidos de massa em virtude do excesso de água que resulta na solifluxão, formando uma massa viscosa com grande poder de mobilização e elevado potencial destrutivo. Por isso, o emprego da curvatura em planta no presente estudo foi de grande relevância por estar relacionada à hidrologia das vertentes, que desempenha importante papel no transporte de material.

As classes do mapa (Figura 5) foram definidas pela combinação das variáveis de declividade, com intervalo entre 5 e 30%, em segmentos convergente de curvatura, caracterizando a classe de muito alta susceptibilidade a corridas de detritos. No caso de curvatura planar, a classe estabelecida foi de alta susceptibilidade a corridas de detritos.

A classe de moderada susceptibilidade a escorregamentos e/ou corridas de detritos é composta por duas combinações de variáveis geomorfométricas, a primeira com declividade entre 5 e 30% em segmentos de vertentes com curvatura em plano divergente e a segunda em declividades inferior a 5%, em cotas altimétricas acima de 30m em qualquer segmentos da curvatura em plano. Essas áreas são as que apresentam menor densidade de indícios de movimento de massa nas vertentes, no entanto não são isentas da ocorrência desse processo.

Nas planícies ocorreram inundações associadas a corridas de lama, associadas à ocorrência dos aluviões (figura 7). As classes mapeadas desses processos estão representadas em três graus de susceptibilidade: muito alta, alta e moderada.

A classe de muito alta susceptibilidade a inundações associadas a corridas de lama e depósitos compreende a área diretamente afetada no evento de 11/03/2011 e sua delimitação foi feita por meio de interpretação de imagens de satélite. A classe de alta susceptibilidade foi delimitada pela combinação das seguintes variáveis geomorfométricas: cota altimétrica inferior a 10m, em áreas com declividade inferior a 5% e cujo índice topográfico de umidade apresentou valores superiores a 12. Já a classe moderada situa-se nas cotas altimétricas entre 10m e 30m, e cuja declividade é inferior a 5%.

O maior grau de susceptibilidade da primeira classe está condicionado à proximidade das desembocaduras dos tributários de maior energia da bacia, que são rios com grande potencial de transporte e elevado gradiente altitudinal. A figuras 10a, 10b, 10c e 10d ilustram aspectos desse processo na planície da bacia do rio Jacareí, o distrito de Floresta, situado no município de Morretes/PR.


 




CONCLUSÕES

O emprego da geomorfometria no mapeamento da susceptibilidade geoambiental demonstrou potencial, visto que foram identificadas relações entre cicatrizes inventariadas com os atributos topográficos, demonstrando que a análise digital do relevo possibilita modelar processos e elaborar zoneamentos de classes de susceptibilidade.

O produto final consiste em um mapa que identifica dez classes de susceptibilidade: a) muita alta a escorregamentos, b) muita alta a corridas de detritos, c) muita alta a escorregamentos associados a corridas de detritos, d) muita alta a inundações associadas a corridas de lama e depósitos, e) alta a escorregamentos, f) alta a corridas de detritos, g) alta a escorregamentos associados a corridas de detritos, h) alta a inundações associadas a corridas de lama e depósitos, i) moderada a escorregamentos e/ou corridas de detritos e j) moderada inundações associadas a corridas de lama e depósitos. Não se obteve nenhuma classe de baixa susceptibilidade pelo entendimento de que na área de estudo a atuação e dinâmica dos processos ocorre de maneira intensa, como bem demonstrou o evento de 11 de março de 2011.

A bacia do rio Jacareí mostrou-se bastante susceptível aos fenômenos naturais recorrentes de movimentos de massa e a inundações, carecendo de trabalhos específicos e detalhados que visem disciplinar seu uso e a ocupação do solo, com vistas a minimização dos riscos decorrentes dos processos naturais. Contudo, o mapeamento de susceptibilidade obtido pode ser empregado em medidas de planejamento ambiental e gestão.

AGRADECIMENTOS:

À empresa Geoplanejamento Ltda por ceder o uso da imagem de satélite WordView1 e fornecer a base cartográfica altimétrica.

Aos envolvidos nos grupos de trabalho do Núcleo de Geoprocessamento/DeGeol e LAGEO/DeGeog - CT/UFPR

Artigo recebido em 14/01/2013 e aceito para publicação em 18/09/2013

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    06 Jan 2014
  • Data do Fascículo
    Dez 2013

Histórico

  • Recebido
    14 Jan 2013
  • Aceito
    18 Set 2013
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