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Influência do meio físico na produção dos assentamentos rurais das regiões do sul e do nordeste goiano

Influence of physical environment in production of rural settlements of southern and northeast regions of the state of Goiás

RESUMO

A modernização da agricultura trouxe avanços tecnológicos que possibilitaram que novas terras fossem incorporadas ao sistema produtivo. Goiás, devido seus atributos edafoclimáticos e geomorfológicos, se tornou alvo da expansão da fronteira agrícola no século passado, sobretudo sua região sul, que assumiu rapidamente o agronegócio, destacando-se no cenário nacional e internacional. Porém, esse modelo não alterou substancialmente a estrutura fundiária anterior, ao contrário, acentuou-a. Formou-se assim um sul altamente produtivo e competitivo, onde as condições do meio físico eram mais aptas à agricultura, em particular da soja, enquanto o Nordeste, com terras menos aptas voltou-se à pecuária extensiva. Não obstante, políticas públicas implantaram assentamentos rurais em ambas as regiões, os quais apresentam diferenças quanto às dimensões, atividades e desempenho. O objetivo da pesquisa foi caracterizar o meio físico dos assentamentos das duas regiões, visando entender sua influência na situação de ambos. A partir da elaboração de mapas contatou-se que os assentamentos do Sul são menores e estão em menor número, mas locados sobre relevos aplainados, onde predominam latossolos que apresentam boa aptidão agrícola. Já os assentamentos do nordeste goiano são maiores, ocorrem em maior número, mas se localizam em terrenos movimentados com solos rasos e de baixa aptidão agrícola, favorecendo a pecuária bovina, subsistência e extração vegetal.

assentamentos rurais; modernização da agricultura; aptidão agrícola

ABSTRACT

The modernization of agriculture has brought technological advances that have enabled new lands, wich were incorporated into the production system. Goiás, because their edaphoclimatic and geomorphological attributes, became the target of the expansion of the agricultural frontier in the last century, especially its southern region, which quickly became agribusiness, especially in the national and international scene. However, agribusiness not substantially changed the previous land structure, unlike the model of large monoculture farms remained. Thus formed up a highly productive and competitive south, where the conditions of the physical environment were more suitable for agriculture, particularly soybeans, while the northeast, with less able land turned to extensive livestock farming. However, public policies implemented rural settlements in both regions, which differ as to size, activities and performance. The objective was to characterize the physical environment of the settlements of the two regions, in order to understand their influence on the situation of both. From the developementof cartograms showed evidence that the southern settlements are smaller and are outnumbered, but on flattened reliefs, dominated by latosoils that have good agricultural aptitude. In the other hand, the northeastern Goiás settlements are larger, more frequently occur but are located on strong slopes with shallow soils and low agricultural aptitude, favoring cattle, subsistence and plant extraction.

rural settlements; modernization of agriculture; agricultural aptitude

INTRODUÇÃO

Segundo o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), a chamada Reforma Agrária diz respeito a um conjunto de medidas que tem como fim equalizar e modificar o regime de uso e posse da terra promovendo, entre outros pontos, a desconcentração da estrutura fundiária, a redução da migração campo-cidade, o desenvolvimento rural sustentável e o aumento da produção. Contudo, Girardi; Fernandes (2008)GIRARDI, E. P.; FERNANDES, B. M. A luta pela terra e a política de assentamentos rurais no Brasil: a reforma agrária conservadora. Agrária, São Paulo, n. 8, 2008, pp. 73-98. DOI: 10.11606/issn.1808-1150.v0i8p73-98
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afirmam que a política de assentamentos rurais realizada nos últimos anos é caracterizada, sobretudo, pelo seu caráter conservador, por não conseguir zerar o saldo migratório campo-cidade e por não manter os empregos no meio rural. Carvalho (2004)CARVALHO, H. M. Política compensatória de assentamentos rurais como negação de Reforma Agrária. Revista NERA, Presidente Prudente, Ano 7, n. 5, 2004, pp. 113-122. chama essa política de compensatória e populista e relata que a obtenção de terras para assentamentos se tornou um negócio, o que essencialmente não vem sendo capaz de modificar a estrutura fundiária do país. Ainda de acordo com Girardi; Fernandes (2008)GIRARDI, E. P.; FERNANDES, B. M. A luta pela terra e a política de assentamentos rurais no Brasil: a reforma agrária conservadora. Agrária, São Paulo, n. 8, 2008, pp. 73-98. DOI: 10.11606/issn.1808-1150.v0i8p73-98
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a manutenção de áreas essencialmente marcadas pelo agronegócio é parte da não reforma de áreas de ocupação consolidadas é uma decisão política para conservar a elite agrária.

Calaça; Dias (2010)CALAÇA, M.; DIAS, W. A. A modernização do campo no cerrado e as transformações socioespaciais em Goiás. Campo-Territótio: Revista de geografia agrária, Uberlândia, v. 5, n. 10, 2010, pp. 312-332. lembram que em Goiás o modelo agrário criou uma desigualdade regional, pois a divisão territorial da produção priorizou as áreas em que as condições eram mais propícias, onde a economia se expandiu através de investimentos tanto públicos como privados requisitados pelo mercado industrial. Pietrafesa et al (2014), constataram que há uma vasta literatura sobre sistemas de produção e sustentabilidade que se alinham com a ideia de que no Brasil a situação é de grande conflito entre as demandas do capital e as da sociedade como um todo (KAGEYAMA, 1990KAGEYAMA, A. O Novo Padrão Agrícola Brasileiro: do complexo rural aos complexos agro-industriais. In: DELGADO, G. C. (Org.). Agricultura e Políticas Públicas. Brasília: IPEA, 1990. pp. 113-223.; GRAZIANO DA SILVA, 1993GRAZIANO DA SILVA, J. A industrialização e a urbanização da agricultura brasileira. São Paulo em perspectiva, São Paulo, v. 7, n. 3, 1993, pp. 2-10., 1999GRAZIANO DA SILVA, J. O novo rural brasileiro. Campinas/SP: Editora do Instituto de Economia da Unicamp, 1999. 147p.; RATTNER, 2000RATTNER, H. Brasil no limiar do século XXI. São Paulo: EDUSP, 2000. 370 p.; OLIVEIRA, 2001OLIVEIRA, A. U. O Século XXI e os conflitos no campo: modernidade e barbárie. Conflitos no Campo Brasil 2001, São Paulo, 2002, pp. 26-29.; HARDI; ZDAN, 1997HARDI, P.; ZDAN, T. J. Assessing sustainable development: Principles in Practice. In.: International Institute for Sustainable Development. Winnipeg: 1997. Disponível em: < www.iisd.org/measure/principles/progress/bellagio.asp.. Acesso em: 15 de dez. 2014.
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; LAWN, 2006LAWN, P. Sustainable Development indicators in ecological economics. Cheltenham, Londres: Edward Elgar, 2006. Disponível em: <http://books.google.com.br/books?id=jHmdZ7bjkAkC&pg=PA297&lpg=PA298&hl=pt-BR#v=onepage&q&f=false. Acesso em: 24 jun. de 2014.
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; COSTA, 2001COSTA, H. S. M.. A duração das cidades: sustentabilidade e risco nas políticas urbanas. Ambient. Soc., Campinas , n. 9, pp.153-155, 2001. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1414-53X2001000900009&lng=en&nrm=iso> . Acesso em: 16 de dez. de 2014. DOI: 10.1590/S1414-753X2001000900009.
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; VEZZOLI; MANZINI, 2002VEZZOLI C., MANZINI E. O desenvolvimento de produtos sustentáveis: Os requisitos ambientais dos produtos industriais. São Paulo: EDUSP, 2002. pp. 63-85.; BARONE; FERRANTE; KURANAGA, 2005BARONE, L. A.; FERRANTE, V. L. S. B.; KURANAGA, A. A. O futuro dos assentamentos rurais em questão: o retrato dos dilemas em espaços regionais distintos. In: JORNADA DE ESTUDOS EM ASSENTAMENTOS RURAIS, 2, Campinas. Anais... Campinas: UNICAMP, 2005, p. 289-310.; SACHS, 2007SACHS, I. A revolução energética do século XXI. In: Estudos Avançados 59, São Paulo, v. 21, n. 59, 2007, pp. 21- 38. Disponível em: < http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-40142007000100004 >. Acesso em: 16 de dez. 2014. DOI: 10.1590/S0103-40142007000100004
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, 2010SACHS, I. Barricadas de ontem, campos de futuro. In: Estudos Avançados 68, São Paulo, v. 24. n. 68, 2010. pp. 25-38. Disponível em: < http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-40142010000100005. Acesso em: 16 de dez. 2014. DOI: 10.1590/50103-40142010000100005
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).

Tal situação gerou e ainda gera contradições espaciais que se configuram, dentre outras, nas diferentes categorias de usos do solo e de formas de posse da terra (OLIVEIRA, 2004OLIVEIRA, A. U. As transformações no campo e o agronegócio no Brasil. In: Concrab - Confederação Nacional das Cooperativas de reforma Agrária do Brasil (Org.). O Agronegócio x Agricultura Familiar e a Reforma Agrária. Brasília: Concrab, 2004, pp. 07-81.) e explicariam as rotas preferenciais de ocupação através de expansão da fronteira agrícola sobre áreas que atendiam mais rapidamente ao sistema produtivo, devido sua maior aptidão agrícola, e, portanto poderiam promover uma maior e mais rápida capitalização, ancorada solidamente no modelo de estrutura fundiária concentradora (OLIVEIRA, 2007OLIVEIRA, A. U. Modo Capitalista de Produção, Agricultura e Reforma Agrária. São Paulo: FFLCU/LABUR EDIÇÕES, 2007. 184p.; OLIVEIRA; FARIAS, 2011OLIVEIRA, A. U.; FARIAS, C. S. Atlas da Reforma Agrária no Brasil. São Paulo: FFLCH EDIÇÕES, 2011. 200 p.; OLIVEIRA et al, 2014OLIVEIRA, A. U. (Org.); LIRA, E. R. (Org.); CABRERA, J. P. (Org.); SANTOS, R. S. (Org.). Terra, Poder e Território. Goiânia/GO: Kelps, 2014. 280 p.). Nesse modelo, as políticas de assentamentos rurais, não raro, também destinaram as piores terras (sobretudo em termos de aptidão agrícola e infraestrutura) à dita reforma agrária e as melhores ao agronegócio (OLIVEIRA, 2007OLIVEIRA, A. U. Modo Capitalista de Produção, Agricultura e Reforma Agrária. São Paulo: FFLCU/LABUR EDIÇÕES, 2007. 184p.) relegando a tutela do meio ambiente às políticas públicas que não favorecem a sua conservação.

Mediante ao exposto, o presente trabalho objetiva apresentar as características do meio físico nas regiões do sul e do nordeste goiano, visando avaliar o potencial agrícola das terras dos projetos de assentamentos rurais, de modo a verificar se a política do INCRA contemplou ou não o potencial de uso dos recursos naturais para a seleção de terras com fins de reforma agrária nas regiões estudadas.

FUNDAMENTOS DA PESQUISA

Considerações sobre as consequências da modernização da agricultura

Naturalmente pouco férteis devido aos elevados níveis de acidez e de alumínio, além de prescindirem de nutrientes, as terras dos cerrados, por muito tempo foram renegadas para a produção agrícola nacional, mas com a Revolução Verde, e a mudança da base técnica, essas terras passaram a ser consideradas com potencial produtivo, mediante correção, adubação, irrigação e outras práticas agronômicas. A partir de 1950, com o fim de ocupar o interior do país e de aplicar as inovações tecnológicas advindas da aproximação indústria e agricultura (GRAZIANO DA SILVA, 1993GRAZIANO DA SILVA, J. A industrialização e a urbanização da agricultura brasileira. São Paulo em perspectiva, São Paulo, v. 7, n. 3, 1993, pp. 2-10.), iniciou-se a expansão da fronteira agrícola sobre o Cerrado, a qual se intensificou fortemente na década de 1970.

Inocêncio; Calaça (2009)INOCÊNCIO, M. E.; CALAÇA, M. Cerrado: fronteira da produção capitalista do século XX. In: XIX ENCONTRO NACIONAL DE GEOGRAFIA AGRÁRIA, São Paulo – SP, 2009. Anais... São Paulo: USP, 2009. p. 1-16. ao refazerem os passos e rotas da expansão agrícola, apontam que o governo federal teve papel fundamental nesse processo, principalmente pela introdução do novo padrão produtivo e suas inovações tecnológicas para modificar as propriedades naturais das terras a fim de obter maior produtividade agrícola. Santos; Miziara (2008)SANTOS, F P; MIZIARA, F. A Expansão da Fronteira Agrícola em Goiás: análise da influência das características “naturais” do espaço. In: IV ENCONTRO NACIONAL DA ANPPAS, 5, 2008, Brasília. Anais...2008. p. 1-12. afirmam que os latossolos, em particular, por serem solos espessos, homogêneos, porosos, que ocupam áreas de declives suaves a planos, tornaram-se alvo dessa expansão, pelo menor custo de manejo da fertilidade e de implantação de obras de infraestrutura.

Entretanto, a modernização do campo não foi capaz de modificar a estrutura fundiária concentradora do centro-oeste, ao contrário, acentuou-a, o que alimentou (e ainda alimenta) vários conflitos sociais. Os Governos, conscientes desse fato implementaram políticas de assentamento rurais promovidas através da criação de institutos responsáveis. Assim, em 1964, no primeiro ano de vigência do golpe militar surge o Instituto Brasileiro de Reforma Agrária (IBRA) e o Instituto Nacional de Desenvolvimento Agrário (INDA) e mais tarde em 1970 é criado o INCRA, que por sua vez foi extinto em 1987, mas foi recriado posteriormente pelo Congresso Nacional em 1989 (INCRA, 2014INSTITUTO NACIONAL DE COLONIZAÇÃO E REFORMA AGRÁRIA – GO. Números da Reforma Agrária em Goiás. Disponível em: <http://incragoias.wordpress.com/2011/11/16/regioes-norte-e-oeste-concentram-55-dos-assentamentos-no-estado/. Acesso em: 06 de jul. 2014.
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).

Dessa forma, o INCRA determina que o conjunto de medidas para promover uma melhor distribuição da terra, mediante modificações no regime de posse e uso, visando a justiça social, o desenvolvimento rural sustentável e o aumento de produção, é denominado de reforma agrária. Scolese (2005)SCOLESE, Eduardo. A Reforma Agrária. São Paulo: Publifolha, 2005. 112p. confirma tal definição ao relatar que “A modificação da estrutura agrária de um país, ou região, com vista a uma distribuição mais equitativa de terra e da renda agrícola é a definição mais usual de reforma agrária”. Uma das formas de se garantir, portanto, a desconcentração fundiária que marca a ação do INCRA é sobretudo a criação de projetos de assentamentos rurais por todo o país.

Alcântara Filho; Fontes (2009)ALCÂNTARA FILHO, J. L.; FONTE, R. M. O. A formação da propriedade e a concentração de terras no Brasil. Revista de história econômica e economia regional aplicada, Juiz de Fora, v. 4, n. 7, 2009, pp. 63–85., comentam, no entanto, que as políticas de assentamento rural por parte de sucessivos governos federais não se consolidaram como propostas claras, pois visaram atender pressões dos movimentos sociais com algumas políticas compensatórias, mas de fato não contemplavam a reestruturação fundiária e produtiva no campo. Os autores exemplificam essa situação através dos dois Planos Nacionais de Reforma Agrária, em 1966 e 1985, que não foram executados em favor da redução da concentração de terras.

O modelo recente de obtenção de terras para a reforma agrária surge bem mais tarde e advém na lei nº 8.629, de 25 de fev. de 1993, a qual contém todas as obrigações para a criação de um assentamento agrícola nos Estados da Federação. Segundo essa Lei, a principal forma do governo federal de obter terras para a criação de assentamentos rurais é através da desapropriação de imóveis rurais não produtivos (grifo nosso).

No estado de Goiás o processo de territorialização se intensificou e se consolidou no século XX, sobretudo a partir da década de 50, com economia baseada na atividade agropecuária associada à já referida expansão da fronteira agrícola e do agronegócio, que reproduz o modelo de grandes propriedades rurais monocultoras e pecuaristas extensivas (GOMES; TEIXEIRA NETO, 1993). Esse processo não se distribuiu de forma homogênea no território devido às diversidades geoambientais e de infraestrutura e logística disponível. Nesse momento não se falava em assentamentos rurais, embora algumas colônias pudessem ser assim consideradas (BARREIRA, 1997BARREIRA, C. C. M. A. Região da estrada do boi: usos e abusos da natureza. Goiânia: Editora Ufg, 1997, 154 p.).

Nesse sentido, Calaça; Dias (2010)CALAÇA, M.; DIAS, W. A. A modernização do campo no cerrado e as transformações socioespaciais em Goiás. Campo-Territótio: Revista de geografia agrária, Uberlândia, v. 5, n. 10, 2010, pp. 312-332. enfatizam que o avanço da fronteira agrícola sobre o Cerrado foi responsável por mudanças na sua estrutura agrária impulsionando a monocultura e o latifúndio e secundarizando a agricultura familiar e, ainda afirmam que esse movimento responde pela criação em Goiás de um cenário díspar quanto ao desenvolvimento econômico, por conta do caráter econômico e social a que cada região do Estado assumiu frente à divisão do trabalho. Dessa forma, segundo esses autores o norte do Estado é caracterizado pelo predomínio de atividades tradicionais e a pecuária extensiva enquanto que o sul do estado se apresenta como o ambiente do agronegócio.

Ferreira (2009)FERREIRA, M. E. Modelagem da dinâmica da paisagem do cerrado. 2009. 115 f. Tese (Doutorado em Ciências Ambientais) - Universidade Federal de Goiás. Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação. Programa Multidisciplinar de Doutorado em Ciências Ambientais. Goiânia, 2009. demonstra que a expansão das terras para fins agrícolas se deu mediante as características do meio físico, em especial topografia dos terrenos e fertilidade dos solos, portanto as atividades agrícolas se desenvolveram sobre regiões mais planas e sobre os solos que apresentaram possibilidades de se tornarem férteis. Essas características foram verificadas no sul do estado que logo se desenvolveu e modernizou. Enquanto isso, no norte do Estado mais dissecado, acidentado e distante da infraestrutura as terras foram renegadas da expansão da fronteira agrícola e hoje é justamente nessa região do estado de Goiás onde são encontrados os maiores índices de pobreza, os menores valores de terra e os maiores volumes de remanescentes do cerrado (FERREIRA; MIZIARA et al, 2009FERREIRA, M. E.; MIZIARA, F.; FERREIRA, L. G.; RIBEIRO, F. L.; FERREIRA, N. C. Ativos ambientais do bioma Cerrado: uma análise da cobertura vegetal nativa e sua relação com o preço da terra no Estado Goiás. Revista Brasileira de Cartografia (Impresso), Brasília, n. 61/1, 2009, pp. 37-50.).

O meio físico da microrregião do Nordeste Goiano e sua aptidão agrícola

A região do Nordeste de Goiás possui uma área total de 38.798,7 km2, é drenada principalmente pelos rios Paranã e Maranhão, formadores do Tocantins e de acordo com Latrubesse (2005) quatro unidades geomorfológicas a compõem. Na Superfície Regional de Aplainamento I (SRAI) na porção oeste estão as cotas mais elevadas do estado variando de 1250 m até 1600 m, com agrupamento de morros representados principalmente pelo avanço erosivo da Chapada dos Veadeiros. Na subunidade denominada Superfície Regional de Aplainamento IIA (SRAIIA) há a presença de cotas que variam entre 900m à 1250m, com relevo fortemente dissecado. A terceira unidade geomorfológica que ocorre na microrregião nordeste é a Superfície Regional de Aplainamento IV, mais especificamente, a subunidade SRAIVA, que apresenta cotas entre 400m e 500m e está associada a morros e colinas com hogbacks. Comumente denominada como Vão do Paranã, apresenta dissecação fraca e faixas aluviais e assenta-se sobre rochas pouco resistentes a erosão, como siltítos, argilitos e calcários, além de extensa cobertura dedrito-laterítica. Nas bordas das superfícies regionais de aplainamento ocorrem as Zonas de erosão recuante (ZER) que são escarpas que sofrem processos de remoção erosiva, com solos rasos e afloramentos rochosos (LATUBESSE, 2005).

De acordo com o Zoneamento Geoambiental e Agroecológico de Goiás – Região Nordeste (1995), em sua maioria os solos dessa região dependem de calagem e adubação para poderem ser cultivados. O mesmo estudo afirma que 52,9% dos solos do nordeste goiano apresentam baixa fertilidade natural e que 75,1% deles necessitam de suprimentos de calcário e magnésio. Logo, o custo de produção nessa região é elevado. O mesmo Zoneamento aponta que devido ao declive acentuado a utilização de terras para a mecanização fica comprometida. Assim, por apresentar as maiores declividades do estado o Zoneamento indica que na região nordeste 11,6% das terras não permitem a utilização de maquinário o ano todo; 25, 8% das terras apresentam restrição e 41,6% são totalmente inaptas ao uso de máquinas por serem montanhosas, com solos rasos de alta pedregosidade, cascalhentos e concrecionários (petroplintita).

O meio físico do Sul Goiano e sua aptidão agrícola

Cerca de 70% da Bacia do Paranaíba se encontram no estado de Goiás. De acordo com Latrubesse (2005), cinco grandes unidades geomorfológicas compõem a região: na porção leste se encontra a unidade denominada Superfície Regional de Aplainamento II-A que apresenta os maiores altitudes, de 900m a 1250m; na porção sudoeste, ocorre a Superfície Regional de Aplainamento II-B-RT que é uma subunidade da SRA II, formada por chapadões desenvolvidos sobre rochas sedimentares e apresenta distintos graus de dissecação, de fraca até forte ondulada, cujas cotas variam de 550 a 750m, embora predomine relevo suave ondulado; na porção central ocorre a Superfície Regional de Aplainamento IV-B apresentando as menores cotas, entre 400 e 550m, associadas a relevo pouco dissecado; a quinta unidade corresponde às Zonas de Erosão Recuante, declivosas, com solos muito rasos e afloramentos rochosos que ocorrem nas bordas das SRAs.

De acordo com o Plano de Recursos Hídricos da Bacia do Paranaíba (ANA, 2013AGÊNCIA NACIONAL DAS ÁGUAS (ANA). Plano de recursos hídricos e do enquadramento dos corpos hídricos superficiais da bacia do rio Paranaíba. Brasília: ANA, 2013. Disponível em: < http://www.cbhparanaiba.org.br/prh-paranaiba/plano. Acesso em: 10 de jun. de 2014.
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), na porção sudoeste do estado de Goiás ocorrem as menores altitudes da bacia, enquanto as maiores altitudes ocorrem a nordeste e sudeste do de Goiás, relacionadas ao Grupo Araxá e à Formação Paranoá. Ainda de acordo com o mesmo Plano, os latossolos dominam, os quais são naturalmente pouco férteis e necessitam de adubação para se tornarem cultiváveis, porém apresentam outras características que os tornam atraentes, como declives baixos, elevada profundidade, boa porosidade e facilidade de correção, adubação e irrigação devido seus terrores médios a altos de argila. Casseti (1979)CASSETI, V. Síntese analítica das bases físicas do Estado de Goiás. Goiânia: Fundação Indur, 1979. 120p. associa a ocorrência dos latossolos aos topos das Chapadas sendo principalmente vermelhos argilosos e vermelho-amarelos de textura média.

O referido Plano destaca ainda que a maior parte da região possui aptidão boa para lavouras, principalmente nas porções central e sudoeste da área sobre os latossolos. A suscetibilidade à erosão situa-se a leste devido relevo dissecado e declivoso, porém, cabe destacar que, de acordo com Latrubesse (2005), as rochas dessa porção do estado por serem predominantemente metamórficas são mais resistentes a esse processo.

MATERIAIS E MÉTODOS

Em função das características contrastadas do meio físico, as duas regiões foram selecionadas para realizar o levantamento dos indicadores morfopedológicos. A primeira, a região Nordeste, se localiza na divisa com o estado da Bahia e do Tocantins (Figura 1). Nessa região existem 57 assentamentos rurais. A segunda região selecionada foi o recorte em Goiás da Bacia do Rio Paranaíba que cobre grande parte da mesorregião do sul estado, e que por esse motivo e atendendo a fins de simplificação será chamada em alguns momentos apenas por Sul goiano e não por recorte em Goiás da Bacia do Rio Paranaíba. Na região, portanto, há 49 projetos de assentamentos rurais devidamente regulamentados pelo INCRA (Figura 1).

Figura 1
Localização dos assentamentos rurais do Nordeste Goiano e do recorte em Goiás da Bacia do Paranaíba.

Para avaliar a qualidade das terras dos assentamentos foram selecionados quatro indicadores sendo dois geomorfológicos e dois pedológicos: Hipsometria e Declividade e Solos e Aptidão agrícola, respectivamente.

Primeiramente foram elaborados mapas temáticos no programa Arcgis 10.1 para cada um dos indicadores. Para o mapa de hipsometria e declividade utilizou-se do banco de dados do Topodata que armazena cenas do radar SRTM (Shuttle Radar Topografhic Mission) com 30m de resolução, disponível no endereço http://www.dsr.inpe.br/topodata/.

Para a elaboração do mapa de solos da região nordeste, utilizou-se os dados vetoriais do Zoneamento Agroecológico e Econômico disponíveis na base de dados do Sistema Estadual de Geoinformação/GO (SIEG), na escala de 1: 250 000, disponível no endereço http://www.sieg.go.gov.br/.

Para o recorte goiano da bacia do Paranaíba utilizou-se dados vetoriais do Plano de Recursos Hídricos da Bacia do Rio Paranaíba na escala de 1: 250 000, também disponíveis na base de dados do SIEG. Para os mapas de aptidão agrícola de terras para ambas as regiões recorreram-se aos dados vetoriais do Zoneamento Agroecológico e Econômico do Estado de Goiás em escala de 1: 500 000, disponível no endereço http://www.sieg.go.gov.br/.

Os polígonos dos assentamentos foram sobrepostos aos mapas temáticos das duas regiões. O arquivo vetorial dos assentamentos rurais foi adquirido na base de dados vetoriais do acervo fundiário do INCRA, no endereço eletrônico http://acervofundiario.incra.gov.br/i3geo/interface/incra.html?1hvuucg4eibpbormi3q095jqg0.A sobreposição possibilitou que fosse feita a contagem em cada mapa de cada um dos indicadores pedológicos e posteriormente a fim de representar o resultado deste levantamento foram elaborados gráficos e quadros no Excel.

Ainda no Arcgis 10.1, utilizou-se a ferramenta Zonal Histogram para identificar quais classes de declive ocorrem dentro dos assentamentos. O resultado está expresso na relação em porcentagem da área de todos os assentamentos quanto às seis classes de declividade, determinadas pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA).

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Os assentamentos no Nordeste e no Sul Goiano

A Tabela 1 apresenta de forma sintética as características regionais dos dois conjuntos de assentamentos rurais e possibilita comparação entre eles. Dessa forma, verifica-se que no Nordeste do estado os PAs (projetos de assentamento) são em média maiores (8325 ha) e se concentram espacialmente. O fato dos assentamentos serem maiores no Nordeste quer dizer que o modulo fiscal na região é maior como forma de compensar o menor valor produtivo dado às terras na região enquanto que a expressiva concentração de projetos de assentamento na região tem como limiar o grande número de terras improdutivas e as consequentes desapropriações advindas dessa condição.

Tabela 1
Características gerais dos assentamentos.

No Sul do estado as vantagens produtivas aliadas diretamente as características favoráveis dos solos e do relevo fazem com que grande parte das terras tenham um alto valor de mercado, relacionado ao potencial de usos agrícolas o que diminui a possibilidade à desapropriações para atender a reforma agrária como determina a lei n° 8629/1993. Como resultado, observa-se que existem menos assentamentos rurais na região. Do mesmo modo verifica-se que a relação entre a área regional versus área ocupada por assentamentos é bem menor que a verificada no Nordeste do estado. No sul portanto, apenas 0,74% da região tem suas terras destinadas a projetos de assentamentos enquanto que no Nordeste cerca de 5,14% da área é ocupada por PAs.

O meio físico dos assentamentos do Nordeste Goiano e o potencial agrícola.

Após detalhar algumas disparidades dimensionais entre os dois conjuntos de PAs torna-se importante avaliar as diferenças naturais de cada agrupamento de assentamentos de modo a entender os motivos pelos quais se dão a diferenciação regional verificada. Assim, a Figura 2 apresenta a hipsometria da região do Nordeste goiano. Na parte central da região os assentamentos se localizam sobre cotas altimétricas menos elevadas, de 274m à 500m. A leste, entre 701m a 1100m e à oeste se situam na porção mais alta, em cotas que variam entre 701m e 1600m de altitude. Constata-se, assim, que não há um padrão de altitude para implantação de assentamentos na região.

Figura 2
Hipsometria (m) do Nordeste goiano e os assentamentos rurais.

A partir da Figura 3 que se refere à declividade do nordeste goiano percebe-se que os assentamentos da porção central da região nordeste predominam nas classes de declive entre 0 a 8%, que indicam relevo plano e suavemente ondulado. Já a leste e a oeste, ocorrem em maior variação de declive. Observa-se a presença de declives superiores a 8%, que se associam a morros e colinas, produtos de forte dissecação assim como, maior variedade hipsométrica, em formas de relevo moderadamente ondulado até montanhoso e escarpado. Destaca-se que nesses setores se encontram os assentamentos menores em área e nota-se ainda que os maiores assentamentos encontram-se nas áreas de menor declive ao centro-sul da região.

Figura 3
Declividade (%) do Nordeste goiano e assentamentos rurais.

A Tabela 2 descrimina os intervalos de declive que ocorrem nos assentamentos e dos 57 assentamentos rurais da região nordeste 25 deles possuem mais de um terço de suas terras sobre declives maiores que 8%.

Tabela 2
Relação percentual entre as classes de declive e a área equivalente dos PAs

A Figura 4 mostra os tipos de solos e os assentamentos na região do nordeste goiano, na qual se pode constatar que os mesmos não estão em situação favorável ao cultivo, pois as altitudes e declives favorecem solos rasos, de textura grossa e mal drenados. Nota-se que os maiores assentamentos situam-se no centro-sul da região, em áreas de menores declives e altitudes, associados à latossolos, o que lhes confere boa aptidão agrícola do que no restante da região, onde os assentamentos se encontram sobre Cambissolos, Neossolos Litólicos e mais raramente sobre Latossolos e Argissolos.

Figura 4
Solos do Nordeste goiano e os assentamentos rurais.

A contagem dos solos que ocorrem nos assentamentos (Figura 5) mostra que os Neossolos litólicos, Quartzarênicos e Flúvicos ocorreram 45 vezes dentro dos assentamentos rurais. Os Cambissolos ocorreram 26 vezes e os Plintossolos 32 vezes. Os Latossolos que caracterizam áreas planas ocorrem em 26 assentamentos rurais.

Figura 5
Tipos de solos que ocorrem nos assentamentos do Nordeste goiano

Tendo em vista a conformação natural das terras dos assentamentos do Nordeste de Goiás verificou-se que o fator tipo de solo age de modo a reduzir a presença de assentamentos com boa aptidão agrícola. Assim, corroborando com esse aspecto, a Figura 6 apresenta a aptidão agrícola das terras do nordeste goiano, na qual se pode confirmar que predomina a aptidão para pastagem plantada (Grupo 4), pastagem natural (Grupo 5), além de áreas sem nenhum tipo de aptidão que não seja a preservação e a conservação (Grupo 6).

Figura 6
Aptidão agrícola das terras do Nordeste goiano e os assentamentos

A Figura 7 expõe o resultado das contagens e indica que o nível de manejo 1bC, relativo a terras com boa aptidão no nível de manejo mais moderno (C) ocorre apenas 12 vezes nos 57 assentamentos do nordeste goiano, ao passo que as terras sem nenhuma aptidão agrícola ocorrem 20 vezes nos assentamentos. A subclasse mais registrada foi a 4(p), que diz respeito a terras com aptidão restrita para pastagem plantada. Tal fato demonstra a vulnerabilidade das terras dos assentamentos rurais, pois no caso das terras 4(p), mesmo apresentando aptidão para pastagem plantada, é necessário se atentar para as limitações naturais destas à substituição da vegetação natural para o plantio de pasto.

Figura 7
Aptidão agrícola das terras dos assentamentos do Nordeste goiano.

O meio físico dos assentamentos rurais do Sul Goiano e o potencial agrícola

A Figura 8 permite observar que os assentamentos do sul de Goiás concentram-se no intervalo de 500m à 700m de altitude. Acerca da declividade, a figura 9, mostra que os declives, em grande parte, não superam os 20%. Dessa forma, os assentamentos estão em melhor situação que os do Nordeste do estado e em condições mais propícias a utilização de maquinário.

Figura 08
Hipsometria (m) do recorte em Goiás da Bacia do Paranaíba e os assentamentos

Figura 09
Declividade do recorte em Goiás da Bacia do Paranaíba e os assentamentos rurais.

A Tabela 3 detalha os valores de declives que ocorrem nos polígonos dos assentamentos, assim verifica-se que predomina o intervalo que varia de 3 à 8%, não obstante é claro a ocorrência de declives superiores à 8%, que de acordo com Ferreira (2009)FERREIRA, M. E. Modelagem da dinâmica da paisagem do cerrado. 2009. 115 f. Tese (Doutorado em Ciências Ambientais) - Universidade Federal de Goiás. Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação. Programa Multidisciplinar de Doutorado em Ciências Ambientais. Goiânia, 2009., já agem de modo a reduzir o potencial agrícola das terras por dificultar principalmente a utilização de máquinas. Dessa forma, 28 projetos de assentamentos possuem ao menos 20% de suas terras locadas sobre declives maiores que 8%, o que corresponde a mais da metade dos assentamentos do sul de Goiás.

Tabela 3
Relação percentual entre as classes de declive e a área equivalente dos PAs

Quanto ao indicador solo, a Figura 10 mostra os solos na região e a Figura 11 a contagem da ocorrência dos tipos de solos nos assentamentos rurais, através das quais se pode constatar que a ocorrência de latossolos se sobressai, pois, ao todo eles ocorrem 51 vezes dentro dos assentamentos. Enquanto que os Cambissolos (15 registros) e Neossolos litólicos (5 registros) e Quartzarênicos (3 registros) e Argissolos (7 registros), relacionados à presença de classes de declive de aspecto ondulado à escarpado ocorrem em menor expressão.

Figura 10
Solos do recorte em Goiás da Bacia do Paranaíba e os assentamentos rurais

Figura 11
Tipos de solos que ocorrem nos assentamentos

A Figura 12 mostra a distribuição dos assentamentos no sul goiano quanto ao indicador aptidão agrícola e a figura 14 as subclasses de aptidão que ocorrem nos assentamentos. Em 44 assentamentos ocorre a subclasse 2(a)bc, que diz respeito a terras com aptidão restrita no nível menos tecnológico de manejo ou seja, naquele em que se prevê atividades de subsistência, ao passo que, apresenta aptidão regular nos níveis mais modernos de manejo (A e B), permitindo verificar que os assentamentos possuem aptidão natural para o cultivo, lembrando que seria mediante o controle de acidez e a adubação dos latossolos.

Figura 12
Aptidão agrícola do recorte em Goiás da Bacia do Paranaíba e os assentamentos

Figura 13
Solos e aptidão agrícola dos assentamentos

Mediante a avaliação dos aspectos físico das terras dos assentamentos, fica evidente que os assentamentos rurais do Sul do estado apresentam condições naturais que permitem menos investimentos para a adequação ao estabelecimento de culturas, essa vantagem em relação aos assentamentos do Nordeste advêm, sobretudo do predomínio de latossolos e declives inferiores à 8% que propiciam aptidões mais favoráveis e reduzem a fragilidade ambiental das áreas dos assentamentos à processos erosivos por exemplo.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Pelo exposto e com base na utilização de técnicas de geoprocessamento foi possível verificar que as condições naturais do meio físico são responsáveis por gerar dois grupos de assentamentos rurais com aptidões produtivas diferentes, nitidamente contrastadas entre si; o sul mais indicado, porém menos ocupado por assentamentos, onde o agronegócio domina e em oposição ao nordeste goiano. O Quadro 1 sintetiza os dados comparados predominantes sobre as duas regiões estudadas.

Quadro 1
Características predominantes nos assentamentos do Sul e do Nordeste goiano.

No nordeste goiano, o meio físico dificulta as atividades agrícolas, e, contornar as imposições naturais significaria maior investimento de capital, que por sua vez contribuiria para o encarecimento da produção final, o que não seria viável aos assentados que majoritariamente dependem de subsídios governamentais e não possuem um capital de giro suficiente para bancar tal aplicação. Na região a presença dominante de solos menos espessos e mesmo rasos, associados a declives maiores que 8% predispõem as terras à processos erosivos, portanto determinam fragilidade ambiental e produtiva dos assentamentos da região, tornando-os pouco ou não competitivos economicamente. Contrariamente as terras dos assentamentos rurais do sul de Goiás apresentam preponderantemente declives suaves a moderados, solos naturalmente inférteis, mas facilmente corrigíveis que permitem a aptidão mais favorável para o aproveitamento agrícola.

Por fim, verificou-se que as informações levantadas confirmam que o agronegócio gerou em Goiás um processo de desigualdade regional e manteve o modelo concentrador de estrutura fundiária associado à elite agrária e à áreas de economia consolidada principalmente no Sul do estado, portanto se trata de uma modernização agrícola incompatível com as políticas de redução da concentração fundiária. Nesse sentido, é possível perceber a contradição entre os preceitos fundamentais do INCRA e a realidade, pois o desenvolvimento rural sustentável e o aumento da produção dos assentamentos rurais têm no Nordeste goiano como limitações a baixa aptidão natural das terras, as quais lançam sobre o assentado uma série de obstáculos que dificultam o estabelecimento de atividades agrícolas assim como, a geração de renda.

Assim, o sucesso dos PAs do Nordeste ou do Sul goiano só ocorrerá mediante a aplicação de subsídios, na forma de crédito agrícola e orientação técnica adequada, sobretudo nas fases iniciais de implantação do assentamento rural. Da mesma maneira, indica ser essencial a elaboração de planos de manejo capazes de identificar as classes da aptidão agrícola das terras e que procure adequar as potencialidades do meio físico com usos ambientalmente corretos de modo a garantir a geração de renda ao assentado ao mesmo tempo em que previna impactos ambientais por usos e manejos equivocados.

Como a escala do estudo foi 1: 250 000 (exceto o de aptidão agrícola feito na escala de 1: 500 000), é importante frisar que levantamentos mais detalhados possibilitarão conhecer com mais fidelidade a distribuição e ocorrência dos indicadores aqui escolhidos em suas múltiplas variações. Da mesma forma a seleção de assentamentos para visitas de campo possibilitará colher informações que sejam suficientes para o conhecimento da realidade dos PAs.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Apr 2016

Histórico

  • Recebido
    15 Jan 2015
  • Aceito
    15 Fev 2016
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