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Discussão sobre comunidade e características das comunidades rurais no município de Catalão (GO)

Discussion on community and characteristics of the rural communities in the municipality of Catalão (GO)

RESUMO

Nos estudos sobre comunidade há, principalmente, duas perspectivas. As discussões clássicas consideram como principal foco a diferenciação entre comunidade e sociedade, sendo que a comunidade tem como características a homogeneidade, a base territorial e o sentimento de localidade. Já as perspectivas contemporâneas avançam nas análises ao considerar as diferenças individuais, além da base territorial não ser critério essencial para sua existência, pois é possível pertencer a uma comunidade mesmo à distância. Considerando as mudanças que o conceito de comunidade passaram e a importância do seu entendimento na atualidade, o presente artigo tem como objetivo compreender as principais discussões de comunidade e as características das comunidades rurais Custódia, Ribeirão, São Domingos e Tambiocó, no município de Catalão (GO). Os procedimentos adotados para a elaboração desse artigo foram levantamento e revisão de obras pertinente à temática e aplicação de formulário de entrevista a 75 responsáveis pelas unidades produtivas das localidades selecionadas, o que representou um percentual de 34,70% das famílias, sendo 19 (35,18%) na Custódia, 21 (35%) na Ribeirão, 17 (33,33%) na São Domingos e 18 (35,29%) na Tambiocó.

Comunidade; Comunidades rurais; Município de Catalão (GO)

ABSTRACT

In studies on community we have mainly two perspectives. To the classic discussions the main focus is the differentiation between community and society; the community is characterized by homogeneity, territorial base and the sense of locality. The contemporaneous perspectives, in turn, advances in the analysis by considering individual differences, besides the territorial basis is not essential criterion for its existence, because is possible to belong to a community even from afar. Considering the changes that the concept of community has undergone and the importance of their understanding at present, this article aims to understand the main discussions on community and the characteristics of rural communities Custódia, Ribeirão, São Domingos and Tambiocó in municipality of Catalão, Goiás. The procedures adopted for the preparation of this article were survey and review of relevant works to the topic and application of interview forms to 75 responsible for the productive units of the selected locations, which represented a percentage of 34.70% of families: 19 (35 18%) in Custódia, 21 (35%) in Ribeirão, 17 (33.33%) in São Domingos and 18 (35.29%) in Tambiocó.

Community; Rural communities; Municipality of Catalão (Goiás)

INTRODUÇÃO

O conceito de comunidade é compreendido como um fenômeno histórico e social, que assume diferentes significados no tempo e no espaço. As reflexões sobre o assunto são repletas de possibilidades de conceitos pautadas em diferentes referências como territorialidade, interesses, organização social e política, valores em comum, sentimento comunitário, entre outros.

Vale ressaltar que em várias regiões do Brasil utiliza-se a terminologia “comunidade rural” para designar um grupo de pessoas que vive nas áreas rurais e que partilham dos mesmos eventos, tradições e costumes. Dentre essas regiões destacam o Sul, o Nordeste e o Centro-Oeste do país. No entanto, no estado de São Paulo, utiliza-se o termo bairro rural. Mas, nas duas nomenclaturas está presente o sentimento de localidade, em que os indivíduos possuem certo grau de coesão social.

Considerando essa premissa, faz-se uma discussão acerca de comunidade, com o intuito de compreender as principais características das comunidades rurais Custódia, Ribeirão, São Domingos e Tambiocó, no município de Catalão (GO), que se constitui no recorte espacial da pesquisa. Utiliza-se o conceito de comunidade rural, porque a terminologia é utilizada com frequência no estado de Goiás e, consequentemente, no município de Catalão.

O município de Catalão localiza-se na região sudeste do estado de Goiás. A partir do estudo de Mendes (2005)MENDES, E. P. P. A produção rural familiar em Goiás: as comunidades rurais no município de Catalão. 2005. 294 f. Tese (Doutorado em Geografia) - Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Estadual Paulista, Presidente Prudente, 2005. e da pesquisa de campo foram identificadas 21 comunidades rurais em seu território: Pedra Branca, Olhos D’água, Matinha, Riacho, Tambiocó, Sucupira, Coqueiro, Macaúba, Morro Agudo, Cisterna, Ribeirão, Custódia, Mata Preta, Coruja, São Domingos, Pires, Olhos D’água, Anta Gorda, Contendas, Cruzeiro dos Martírios e Paulistas (Figura 1).

Figura 1
Comunidades rurais do município de Catalão (GO) - 2015.

Os procedimentos adotados para a elaboração desse artigo foram levantamento e revisão de obras pertinente à temática. Referente à pesquisa empírica, foi aplicado um formulário de entrevista a 75 responsáveis pelas unidades produtivas das localidades selecionadas, o que representou um percentual de 34,70% das famílias, sendo 19 (35,18%) na Custódia, 21 (35%) na Ribeirão, 17 (33,33%) na São Domingos e 18 (35,29%) na Tambiocó. A pesquisa empírica foi feita entre julho de 2013 e março de 2014.

O artigo está estruturado em duas seções, sendo que, na primeira, busca-se conceituar comunidade com base em autores clássicos e contemporâneos e na segunda, analisa-se as comunidades rurais, bem como apresenta algumas características gerais das mesmas no município de Catalão (GO).

AS PRINCIPAIS DISCUSSÕES SOBRE O CONCEITO DE COMUNIDADE E COMUNIDADE RURAL

Nos estudos sobre comunidade há, principalmente, duas perspectivas. Os autores clássicos consideram as principais características: coesão social e relações recíprocas, partilhando condições básicas de uma vida em comum, fundadas nas relações de parentesco, amizade e vizinhança. Nessa linha pode-se destacar Tönnies (1947TÖNNIES, F. Comunidad e sociedad. Tradução José Rovira Armengol. Buenos Aires: Losada, 1947. 321 p. e 1973TÖNNIES, F. Comunidade e sociedade como entidades típico-ideais. In: FERNANDES, F. (Org.). Comunidade e sociedade: leituras sobre problemas conceituais, metodológicos e de aplicação. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1973. p. 96-116.), MacIver e Page (1973)MACIVER, R. M.; PAGE, C. H.; Comunidade e sociedade como níveis de organização da vida social. In: FERNANDES, F. (Org.). Comunidade e sociedade: leituras sobre problemas conceituais, metodológicos e de aplicação. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1973. p. 117-131., Fichter (1973)FICHTER, J. H. Definições para o uso didático. In: FERNANDES, F. (Org.). Comunidade e sociedade: leituras sobre problemas conceituais, metodológicos e de aplicação. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1973. p. 153-155., Wirth (1973)WIRTH, L. Delineamento e problemas de comunidade. In: FERNANDES, F. (Org.). Comunidade e sociedade: leituras sobre problemas conceituais, metodológicos e de aplicação. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1973. p. 83-95., Park e Burges (1973)PARK, R. E.; BURGESS, E. W. Comunidade e sociedade conceitos analíticos. In: FERNANDES, F. (Org.). Comunidade e sociedade: leituras sobre problemas conceituais, metodológicos e de aplicação. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1973. p. 144-152., Buber (1987)BUBER, M. Sobre comunidade. Tradução Newton Aquiles von Zuben. São Paulo: Perspectiva, 1987. 136 p. (Debates)., Aldous (1995)ALDOUS, J. O intercâmbio entre Durkheim e Tönnies quanto à natureza das relações sociais. In: MIRANDA, O. de. (Org.). Para ler Ferdinand Tönnies. São Paulo: Edusp, 1995. 360 p., entre outros. A outra acepção entende que as novas tecnologias da informação e da comunicação contribuem para a constituição de uma comunidade estética, em que vigoram determinados padrões e comportamentos individualistas, destacando-se entre os autores Bauman (2003)BAUMAN, Z. Comunidade: a busca por segurança no mundo atual. Tradução Plínio Dentzien. Rio de Janeiro: Zahar, 2003. 141 p., Durham (2004)DURHAM, E. R. Comunidade. In: Omar Ribeiro Thomaz. A dinâmica da cultura: ensaios de antropologia. São Paulo: Cosac Naify, 2004. p. 221-225. e Peruzzo (2002PERUZZO, C. M. K. Comunidades em tempo de redes. 2002. Disponível em: <http://www.ciciliaperuzzo.pro.br/artigos/comunidades_em_tempos_de_redes.pdf. Acesso em: 18 jan. 2013.
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e 2009PERUZZO, C. M. K. Conceitos de comunidade, local e região: inter-relações e diferença. Líbero. São Paulo, v. 12, n. 24, p. 139-152, dez. 2009. Disponível em: <http://www.revistas.univerciencia.org/index.php/libero/article/viewFile/6790/6132>. Acesso em: 3 fev. 2013.
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).

Uma das grandes contribuições para o estudo de comunidade vem de Tönnies, que buscou desvendar as distinções entre comunidade e sociedade. Para Tönnies (1947TÖNNIES, F. Comunidad e sociedad. Tradução José Rovira Armengol. Buenos Aires: Losada, 1947. 321 p. e 1973TÖNNIES, F. Comunidade e sociedade como entidades típico-ideais. In: FERNANDES, F. (Org.). Comunidade e sociedade: leituras sobre problemas conceituais, metodológicos e de aplicação. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1973. p. 96-116.), comunidade baseia-se, primeiramente, nas relações de sangue, e posteriormente, pela aproximação espacial e espiritual.

[...] la teoría de la comunidad parte de la unidad perfecta de la voluntad humana considerándola estado primitivo o natural que se conserva a pesar de la separación empírica y a través de la misma, desarrollándose de diversos modos según la índole necesaria y dada de las relaciones entre individuos diversamente condicionados. La raíz general de estas relaciones es el nexo de la vida vegetativa debido al nacimiento; el hecho de que las voluntades humanas, en cuanto cada una de ellas corresponde a una constitución corporal, permanezcan unidas entre sí por su ascendencia o linaje, o lleguen a unirse así de un modo necesario; esta unión se presenta con la máxima intensidad como afirmación recíproca directa en virtud de tres clases de relaciones: 1) por la relación entre la madre y su hijo; 2) por la relación entre marido y mujer como cónyuges, tal como debe entenderse este concepto en sentido natural o animal-general; 3) por la relación entre os hermanos, es decir, por lo menos entre los que se reconocen como retoños de un mismo cuerpo materno [...] (TÖNNIES, 1947TÖNNIES, F. Comunidad e sociedad. Tradução José Rovira Armengol. Buenos Aires: Losada, 1947. 321 p., p. 25).

A família é considerada a fonte e a origem das comunidades. Mas, além dos laços de consanguinidade, ou seja, de parentesco, pondera-se que os laços de amizade e vizinhança também são fundamentais para a vida comunitária. Tönnies (1947TÖNNIES, F. Comunidad e sociedad. Tradução José Rovira Armengol. Buenos Aires: Losada, 1947. 321 p. e 1973TÖNNIES, F. Comunidade e sociedade como entidades típico-ideais. In: FERNANDES, F. (Org.). Comunidade e sociedade: leituras sobre problemas conceituais, metodológicos e de aplicação. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1973. p. 96-116.) considera que as características da comunidade podem estar relacionadas a três gêneros: a) parentesco; b) vizinhança; e c) amizade. O parentesco relaciona-se aos laços de sangue e à vida comum em uma mesma casa. A vizinhança caracteriza-se pela vida em comum, em que a proximidade contribui para um sentimento mútuo de confiança e solidariedade. A amizade está ligada aos vínculos criados nas condições de trabalho ou no modo de pensar.

Além de Tönnies, outros autores contribuíram para a compreensão de comunidade. Para MacIver e Page (1975), comunidade designa um povoamento de pioneiros, uma aldeia, uma cidade, uma tribo ou uma nação, onde os membros de qualquer grupo, pequeno ou grande, vivem juntos e de modo tal que partilhem, não deste ou daquele interesse, mas das condições básicas de uma vida em comum. Para os autores, o critério básico é que todas as relações sociais de um indivíduo podem ser encontradas dentro dela.

A comunidade é caracterizada por uma base territorial, com distribuição de homens, de instituições e de atividades no espaço, uma vida em conjunto fundada no parentesco e interdependência econômica, e uma vida econômica baseada em mútua correspondência de interesses (WIRTH, 1973WIRTH, L. Delineamento e problemas de comunidade. In: FERNANDES, F. (Org.). Comunidade e sociedade: leituras sobre problemas conceituais, metodológicos e de aplicação. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1973. p. 83-95.).

Nessas concepções, o conceito de comunidade é definido a partir da coesão social, considerando não sujeitos isolados, mas um grupo com relações recíprocas. MacIver e Page (1973MACIVER, R. M.; PAGE, C. H.; Comunidade e sociedade como níveis de organização da vida social. In: FERNANDES, F. (Org.). Comunidade e sociedade: leituras sobre problemas conceituais, metodológicos e de aplicação. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1973. p. 117-131., p. 123, grifos dos autores) salientam que “[...] a comunidade é, pois, uma área de vida social assinalada por certo grau de coesão social. As bases da comunidade são localidades e sentimento de comunidade.”

Além dos sentimentos de união, solidariedade e reciprocidade deve-se considerar a localidade, ou seja, a base territorial. Wirth (1973)WIRTH, L. Delineamento e problemas de comunidade. In: FERNANDES, F. (Org.). Comunidade e sociedade: leituras sobre problemas conceituais, metodológicos e de aplicação. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1973. p. 83-95., Fichter (1973)FICHTER, J. H. Definições para o uso didático. In: FERNANDES, F. (Org.). Comunidade e sociedade: leituras sobre problemas conceituais, metodológicos e de aplicação. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1973. p. 153-155., MacIver e Page (1973)MACIVER, R. M.; PAGE, C. H.; Comunidade e sociedade como níveis de organização da vida social. In: FERNANDES, F. (Org.). Comunidade e sociedade: leituras sobre problemas conceituais, metodológicos e de aplicação. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1973. p. 117-131. enfatizam que um aspecto fundamental para a comunidade é sua base territorial. A relação existente entre coesão social e área geográfica constitui elemento fundamental no entendimento de comunidade.

Para MacIver e Page (1973MACIVER, R. M.; PAGE, C. H.; Comunidade e sociedade como níveis de organização da vida social. In: FERNANDES, F. (Org.). Comunidade e sociedade: leituras sobre problemas conceituais, metodológicos e de aplicação. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1973. p. 117-131., p. 123) “uma comunidade ocupa sempre uma área territorial [...].” Para os autores, até mesmo uma comunidade nômade, como um grupo de ciganos, têm uma habitação local, embora sujeita à mudança. A qualquer momento seus membros ocupam juntos um lugar definido na superfície da terra. Em sua grande maioria, as comunidades são fixas e extraem de sua localidade as condições necessárias para a sobrevivência a partir de um forte laço de solidariedade. Para esses autores, o caráter básico da localidade nunca foi superado, mas não é suficiente para caracterizar uma comunidade, é necessária a vida em comum.

Wirth (1973)WIRTH, L. Delineamento e problemas de comunidade. In: FERNANDES, F. (Org.). Comunidade e sociedade: leituras sobre problemas conceituais, metodológicos e de aplicação. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1973. p. 83-95. ressalta que a tarefa de qualquer estudo envolvendo a vida comunitária é descobrir o centro e os limites de uma comunidade. No passado, a área de uma comunidade era demarcada arbitrariamente ou definida por limites políticos ou administrativos. Segundo o autor, na ‘tendência atual’ se procura definir o território tendo por base a coesão interna da vida comunitária e a determinação das margens de influências das diferentes comunidades como referência uma às outras.

MacIver e Page (1973MACIVER, R. M.; PAGE, C. H.; Comunidade e sociedade como níveis de organização da vida social. In: FERNANDES, F. (Org.). Comunidade e sociedade: leituras sobre problemas conceituais, metodológicos e de aplicação. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1973. p. 117-131., p. 122-123) afirmam que, geralmente, os sujeitos são membros de comunidades pequenas, pois os interesses se circunscrevem em uma área restrita. Mas, mesmo vivendo em uma pequena aldeia, podem pertencer a uma comunidade maior. “Nenhuma comunidade civilizada tem muralhas em seu redor para isolar-se completamente de uma maior, quaisquer que sejam as “cortinas de ferro” que governantes de uma ou outra nação possam estabelecer.” Nos dizeres dos autores, as relações sociais não se restringem, exclusivamente, a comunidade que vivem.

Nesse ponto de vista, MacIver e Page (1973)MACIVER, R. M.; PAGE, C. H.; Comunidade e sociedade como níveis de organização da vida social. In: FERNANDES, F. (Org.). Comunidade e sociedade: leituras sobre problemas conceituais, metodológicos e de aplicação. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1973. p. 117-131., em seu estudo, já advertiam para o fato que o laço local tem se enfraquecido no ‘mundo moderno’ em virtude da expansão dos meios de comunicação. Os autores mencionam que esse fato é particularmente evidente através da expansão de padrões urbanos dominantes em áreas rurais. Dessa forma, as ‘comunidades modernas’ têm se tornado cada vez menos autossuficiente.

Assim, acredita-se que as comunidades sofreram mudanças e, consequentemente, o conceito de comunidade passou por redefinições. Sobre o assunto, Palácios (2001)PALÁCIOS, M. O medo do vazio: comunicação, socialidade e novas tribos. In: RUBIM, A. A. (Org.). Idade mídia. Salvador: UFBA, 2001. alega que a localidade passa a não ser considerada característica essencial de uma comunidade, pois mesmo à distância, o sujeito pode se sentir pertencente a um dado lugar. Assim, adquire relevância o sentimento de pertencimento, já que se pode pertencer à distância.

Nessa perspectiva, Bauman (2003)BAUMAN, Z. Comunidade: a busca por segurança no mundo atual. Tradução Plínio Dentzien. Rio de Janeiro: Zahar, 2003. 141 p. faz uma crítica às discussões clássicas ao destacar que essas perspectivas de comunidade tem como ingredientes a homogeneidade e a ‘mesmidade’, ou seja, os conceitos possuem as mesmas características, não avançam nas análises. ‘Mesmidade’ que entra em risco quando as relações entre os de dentro e os de fora começam a se intensificar. De acordo com o autor, para a comunidade existir com segurança, é necessário que os indivíduos abram mão da liberdade individual de cada um.

Nesse sentido, os fatores internos e externos que perpassam as formações sociais, em alguns casos superam o sentimento recíproco e a solidariedade. Destarte que os novos valores e os modos de vida mediados pelas tecnologias da informação e da comunicação contribuem para a constituição de uma comunidade estética, em que vigora determinados padrões e comportamentos individualistas do tipo egoísta. Durham (2004DURHAM, E. R. Comunidade. In: Omar Ribeiro Thomaz. A dinâmica da cultura: ensaios de antropologia. São Paulo: Cosac Naify, 2004. p. 221-225., p. 223) pondera que na comunidade “[...] não se trata de harmonia, pois numa comunidade, como em qualquer agregado humano, existem conflitos e paixões: porém esses conflitos se desenrolam num universo comum.”

A partir dessas características, a terminologia comunidade tem sido bastante vinculada à área rural, sendo que nessa perspectiva destacam-se autores como Tönnies (1973)TÖNNIES, F. Comunidade e sociedade como entidades típico-ideais. In: FERNANDES, F. (Org.). Comunidade e sociedade: leituras sobre problemas conceituais, metodológicos e de aplicação. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1973. p. 96-116., Fichter (1973)FICHTER, J. H. Definições para o uso didático. In: FERNANDES, F. (Org.). Comunidade e sociedade: leituras sobre problemas conceituais, metodológicos e de aplicação. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1973. p. 153-155. e Gomes (1999)GOMES, P. C. C. Cultura ou civilização: a renovação de um importante debate. In: ROSENDAHL, Zeny; CORRÊA, R. L. (Org.). Manifestações da cultura no espaço. Rio de Janeiro: Ed. da UERJ, 1999. p. 99-122. (Série Geografia Cultural).. Nas comunidades rurais, os indivíduos ou o grupo se identificam por um sentimento de pertencimento comum, de partilha e de coesão social, com valores e tradições, sendo passados de geração a geração, reforçando os laços de pertencer a um grupo com o qual se identificam e se reconhecem.

Nos estudos de comunidade considera-se o sentimento de localidade, a coesão social, a solidariedade e a ajuda mútua. É evidente, ainda, as relações de parentesco, vizinhança e amizade, sendo que nas comunidades rurais, essas relações são significativas. Analisa-se, assim, as principais características das comunidades rurais, buscando compreender as relações sociais presentes nas mesmas, localizadas no município de Catalão (GO).

O conceito de comunidade usualmente é vinculado ao meio rural, sendo mais significativo o sentimento de pertencimento ao território e as relações de reciprocidades, em virtude de se vivenciar, de maneira mais intensa, os mesmos costumes, tradições e crenças. Tönnies (1973TÖNNIES, F. Comunidade e sociedade como entidades típico-ideais. In: FERNANDES, F. (Org.). Comunidade e sociedade: leituras sobre problemas conceituais, metodológicos e de aplicação. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1973. p. 96-116., p. 98) afirma que nas análises sobre comunidades “[...] sempre se valorizou a vida do campo, porque nela a comunidade é mais forte e mais viva entre os homens [...].”

Referente a essa discussão, Fichter (1973)FICHTER, J. H. Definições para o uso didático. In: FERNANDES, F. (Org.). Comunidade e sociedade: leituras sobre problemas conceituais, metodológicos e de aplicação. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1973. p. 153-155. expõe que a comunidade não é exclusivamente um fenômeno urbano ou suburbano. Para o autor, a comunidade tende a ser um sistema social mais forte e efetivo quando existem em pequenas vilas, distantes das complexidades e da especialização urbana.

A comunidade representa um grupo unido por tradições e objetivos em comum. Nesse sentido, é mais facilmente aplicável ao mundo rural. O mundo urbano é, em grande parte, composto e marcado pela diferença, estando em permanente mutação, para o qual devem existir regras básicas e gerais de convívio. O mundo rural, ao contrário, é caracterizado pelas tradições, por hábitos e costumes que se perpetuam, por uma relação estreita com a terra e com o lugar. O fundamento desta união é a identidade, ou seja, a igual ou quase idêntica repartição de perspectivas de vida. O sentimento de pertencimento a um território, que se confunde com a condição de sobrevivência do próprio grupo, na identidade territorial (GOMES, 1999GOMES, P. C. C. Cultura ou civilização: a renovação de um importante debate. In: ROSENDAHL, Zeny; CORRÊA, R. L. (Org.). Manifestações da cultura no espaço. Rio de Janeiro: Ed. da UERJ, 1999. p. 99-122. (Série Geografia Cultural).).

Tedesco (1999TEDESCO, J. C. Terra, trabalho e família: racionalidade produtiva e ethos camponês. Passo Fundo: EDIUPF, 1999. 331 p., p. 88, grifos do autor), em estudo sobre quatro comunidades rurais no estado do Rio Grande do Sul, onde a agricultura é de base familiar, afirma que “[...] a comunidade sempre funcionou como uma reciprocidade social, familiar e de vida religiosa, ‘um lugar de encontro’, uma forma de compensação aos desencontros, isolamentos, sofrimentos e individuações cotidianas.” Para o autor, a comunidade é fundamental para a estrutura do conjunto social e para o desenvolvimento do homem. De acordo com o autor, a honra, a terra, a moral, a afetividade e a disposição para o trabalho são requisitos sociais, vividos e concebidos individualmente, porém legitimados no âmbito comunitário. Observa-se que o autor chama a atenção para a individualização.

Mendes (2008)MENDES, E. P. P. M. Identidades sociais e suas representações territoriais: as comunidades rurais do município de Catalão (GO). In: ALMEIDA, M. G. de; CHAVEIRO, E. F.; BRAGA, H. C. (Org.). Geografia e cultura: os lugares da vida e a vida dos lugares. Goiânia: Vieira, 2008. p. 137-165., em estudo que analisa o comportamento sociocultural, econômico e organizacional das comunidades rurais do município de Catalão (GO), considera que a identificação das comunidades rurais dá-se em pequenas aglomerações mais ou menos concentradas e que apresentam um alto índice de parentesco. As famílias estabelecem uma organização de vizinhança, criando um sentimento de localidade e identificação. Esses aspectos conferem às famílias, de uma determinada comunidade rural, uma identidade geográfica e social. A interação desses aspectos caracteriza um dos mundos manifestos e suas representações. Para a autora, esse universo de representações é construído através do cotidiano dos moradores das comunidades rurais por meio da interação com a própria comunidade, com as demais comunidades rurais e com a sociedade como um todo.

Venâncio (2008)VENÂNCIO, M. Território de esperança: tramas territoriais da agricultura familiar na comunidade rural São Domingos em Catalão (GO). 2008. 178 f. Dissertação (Mestrado em Geografia) - Instituto de Geografia, Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia, 2008., com objetivo de compreender a importância política, econômica e cultural da agricultura familiar na comunidade São Domingos, no município de Catalão (GO), a partir da leitura do território, alega que comunidade caracteriza-se por grupos cujos estilos de vida são semelhantes, sendo frequente o auxílio mútuo, surgindo através das relações múltiplas impostas pela coabitação. Acrescenta-se a isso o sentimento de pertencimento ao lugar.

No entanto, as comunidades rurais podem incluir pessoas e famílias que nem sequer se conhecem e, em alguns casos, hostilizar-se. Smith (1971)SMITH, T. L. A comunidade rural. In: SMITH, T. L. Organização rural: problemas e soluções. Tradução de José Arthur Rios. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1971. p. 111-124. afirma que as pessoas que abrangem uma determinada comunidade rural podem ser muito diferentes em suas características e bastante individualistas em muitas de suas atividades. Para o autor pode ser que não haja nenhuma afinidade entre essas pessoas, exceto o fato de residirem no mesmo fragmento de território, dependerem das mesmas instituições e agências para a satisfação de suas necessidades básicas.

Salienta-se a importância de se discutir o conceito de comunidade, tanto na perspectiva clássica quanto na contemporânea, uma vez que ora as comunidades rurais se apresentam como um agrupamento de pessoas, em uma base territorial, ligadas por laços de parentesco, amizade e vizinhança, fundadas em relações de solidariedade e sentimento de pertencimento com a localidade, no qual, esses atributos são comuns da primeira abordagem. Ora comparecem características da segunda abordagem, ou seja, essas comunidades rurais são dinâmicas, com influência de fatores internos e externos. E não existe uma relação fundada, essencialmente, na coesão social, visto que os sujeitos possuem interesses individuais.

AS COMUNIDADES RURAIS NO MUNICÍPIO DE CATALÃO (GO)

As comunidades rurais, especificamente as do município de Catalão (GO), de modo geral, podem ser caracterizadas pelos laços de sangue e de parentesco, de associações com a terra e laços territoriais, de sentimentos partilhados e de crenças comuns. As relações mais intensas são o afeto, a amizade e a solidariedade, vivenciados individualmente. Entretanto, é comum nas comunidades rurais, pessoas que não possuem laços de parentesco, vizinhança e amizade, em alguns casos, e perpetuam relações individualistas.

No que se refere ao município de Catalão, deve-se considerar a importância que os cemitérios e as escolas multisseriadas (conhecidas na região como Grupos) tiveram para a constituição das comunidades rurais. Os cemitérios foram uma das primeiras construções nas comunidades, sendo criados em diferentes áreas rurais do município, em consequência da dificuldade de transportar os cadáveres para outras localidades. Os cemitérios contribuíram para fortalecer os laços comunitários, pois os moradores se sentiam pertencentes ao lugar em que seus parentes e amigos estavam enterrados e almejavam também ser sepultados nesta localidade. Os velórios e os sepultamentos representavam um momento coletivo e de sociabilidade, pois reuniam os familiares, os vizinhos e os amigos.

A Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural (EMATER/GO) possui, também, uma relevante contribuição para o desenvolvimento das comunidades rurais do município de Catalão (GO). A EMATER/GO foi instalada no município no final da década de 1970 e implantou o Programa de Desenvolvimento das Comunidades, conhecido como Extensão Rural. Nesse contexto, surgem os programas de extensão rural e a denominação de “Comunidades Rurais” no município de Catalão (GO). Até então essas áreas eram chamadas de “fazendas”, acompanhadas de seus respectivos nomes, como por exemplo, fazenda Custódia. No estado de Goiás, ‘fazenda’ é comumente usada para designar organização espacial, isto é, como sinônimo de comunidade rural.

A maioria das comunidades rurais do município possui um núcleo central, com uma igreja e/ou um centro comunitário. É frequente, também, a existência de escolas, cemitérios, quadras de esportes, dentre outros. As comunidades Custódia, Ribeirão, São Domingos e Tambiocó possuem um nucleamento, sendo marcadas pela presença do Centro Comunitário. Observa-se que um dos critérios para a delimitação das comunidades é a participação dos moradores no Centro Comunitário, isto é, as comunidades são constituídas pela população que o circunda e o frequenta.

No nucleamento da comunidade Custódia, além do Centro Comunitário José Elizeu Marques, há uma quadra de esportes, um pequeno estabelecimento comercial (conhecido na região como venda). A comunidade conta, também, com o Cemitério Baixada dos Lobos.

O nucleamento da comunidade Ribeirão têm o Centro Comunitário, a Escola Municipal Limírio Marinho Fonseca (desativada desde 2004) e a quadra de esportes. De acordo com Guimarães (2010), em estudo sobre a importância das propostas dos Movimentos Sociais para a resistência política, econômica e cultural dos sujeitos da comunidade Ribeirão, Catalão (GO), a escola na comunidade foi desativada por dois motivos: a) pela proximidade com a sede do município, a Prefeitura optou por transportar os alunos para as escolas da cidade de Catalão; e b) pelo interesse de alguns pais que os filhos estudem no meio urbano. As crianças que não estudam nas escolas localizadas na sede urbana de Catalão, frequentam a Escola Municipal Maria Bárbara Sucena, que oferece o Ensino Fundamental completo (1º e 2º Ciclo), estando localizada na comunidade Morro Agudo/Cisterna, distando da comunidade Ribeirão aproximadamente 10 km (Figura 2).

Figura 2
Nucleamento Ribeirão: município de Catalão (GO) - 2013.

A comunidade São Domingos dispõe de um centro comunitário, uma quadra de esportes e um campo de futebol. Conta também com a Escola Municipal Arminda Rosa de Mesquita, que oferece o Ensino Fundamental completo (1º e 2º Ciclo) e com o cemitério. Já a comunidade Tambiocó possui um centro comunitário, uma quadra de esportes e a Escola Municipal São Bernardes, que oferta o 1º ciclo do Ensino Fundamental (Figura 2).

Figura 3
Nucleamento Tambiocó: município de Catalão (GO) - 2013.

Evidencia-se que as comunidades pesquisadas possuem um Centro Comunitário, onde são realizados os terços religiosos, as reuniões comunitárias, as missas, dentre outros eventos coletivos. A quadra de esportes é o local de realização das festas e das partidas de futebol. Esses espaços comunitários são fundamentais para a sociabilização entre os moradores das comunidades, favorece a manutenção dos vínculos comunitários e, ainda, proporciona momentos de descontração e lazer. Cabe mencionar que esses eventos contam com a presença de pessoas das comunidades adjacentes e da cidade, principalmente de Catalão. E nos cemitérios são realizados os sepultamentos dos falecidos que residiram nas comunidades.

As comunidades do município de Catalão, além do núcleo central, são formadas por propriedades rurais dispersas, constituídas, em sua grande maioria, por agricultores familiares. A principal atividade econômica é a pecuária. Os produtos cultivados são destinados, principalmente, para o consumo familiar e o excedente é comercializado.

No que tange às comunidades rurais Custódia, Ribeirão, São Domingos e Tambiocó, se verificou que os agricultores familiares pesquisados possuem propriedades rurais com tamanho médio de 47,34ha. A maioria (58,2%) das propriedades rurais possui tamanho de até 40ha (Figura 4).

Figura 4
Tamanho das propriedades rurais pesquisadas (em %): comunidades Custódia, Ribeirão, São Domingos, Tambiocó, Catalão (GO) - 2013-2014.

A maioria (73,19%) dos pesquisados declarou ter renda monetária média mensal entre 1 (um) e 3 (três) salários mínimos, sendo que 85,7% afirmaram que a fonte de renda principal é proveniente das atividades agropecuárias exercidas nas propriedades rurais que residem. No que tange à renda monetária média mensal familiar averiguou-se que a maioria, ou seja, 73,21% dos entrevistados, possui renda entre um (01) e três (03) salários mínimos (em julho de 2013 a março de 2014 o salário mínimo era de R$ 678,00). Já os que têm rendimento menor que um (01) salário mínimo representa, apenas, 1,2%; entre três (03) e cinco (05) salários são 17,32%; 6,96% possuem rendimentos de cinco (05) a dez (10) salários mínimos; e apenas 1,31% possui rendimento superior a dez (10) salários mínimos (Figura 5). Vale considerar a oscilação dos rendimentos dessas famílias em função da instabilidade dos preços e de mercado para os produtos agrícolas.

Figura 5
Renda monetária média mensal das famílias pesquisadas (em %): comunidades Custódia, Ribeirão, São Domingos, Tambiocó, Catalão (GO) - 2013-2014.

Uma das estratégias de reprodução social nas comunidades pesquisadas é a diversificação produtiva, como verificado pelas pesquisas de Lamarche (1993)LAMARCHE, H. (Coord.). Agricultura familiar: comparação internacional. Tradução de Ângela M. N. Tijiwa. Campinas: Unicamp, 1993. v. 1-2. (Coleção Repertórios)., Caume (2005)CAUME, D. J. A agricultura familiar no estado de Goiás. 2. ed. Goiânia: Ed. UFG, 2005. 72 p. (Coleção Quíron)., Mendes (2005)MENDES, E. P. P. A produção rural familiar em Goiás: as comunidades rurais no município de Catalão. 2005. 294 f. Tese (Doutorado em Geografia) - Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Estadual Paulista, Presidente Prudente, 2005., entre outros. Essa diversificação destina-se, não só a ampliar o leque de produtos comercializáveis, como também garantir o consumo familiar.

De acordo com a Figura 6, se verifica que a principal atividade econômica dos agricultores familiares é a pecuária. Assim sendo, 86,44% das famílias visitadas criam bovinos. É expressiva, também, a criação de suínos (68,15%) e galináceos (93,23%), sendo estas destinadas, sobretudo, para o consumo familiar, enquanto que os equinos (63,77%) são utilizados para a tração animal.

Figura 6
Informações sobre a pecuária de acordo com os agricultores pesquisados (em %): comunidades Custódia, Ribeirão, São Domingos e Tambiocó, Catalão (GO) - 2013-2014.

É evidenciada, ainda, a diversificação de lavouras nas comunidades Custódia, Ribeirão, São Domingos e Tambiocó. A maior parte dos pesquisados cultivam milho (78,53%), cana-de-açúcar (23,21%), mandioca (75,90%), frutas (90,41%) e hortaliças (86,63%), conforme se verifica na Figura 7.

Figura 7
Principais lavouras (em %) cultivadas pelos agricultores pesquisados: comunidades Custódia, Ribeirão, São Domingos e Tambiocó, Catalão (GO) - 2013-2014.

Outro elemento relevante e que contribui para a coesão social nestas comunidades rurais está na realização das festas religiosas e dos terços em homenagem aos padroeiros das comunidades rurais, sendo o momento em que os membros se reúnem tanto para organizar quanto para participar dessas atividades. Vale ressaltar que pessoas de outras comunidades rurais e da cidade também participam desses eventos. Assim, essas comunidades são marcadas por tradições, costumes e crenças, com destaque para a religiosidade, expressa por meio da realização das festas religiosas, terços e novenas. A Figura 8 mostra a parte religiosa (terço) e a Figura 9 retrata a parte social da festa realizada na comunidade rural Custódia, em julho de 2014.

Figura 8
Parte religiosa - Terço: comunidade Custódia, Catalão (GO) - 2014.

Figura 9
Parte social da festa: comunidade Custódia, Catalão (GO) - 2014.

Nas comunidades rurais pesquisadas, 90,1% dos pesquisados declararam ser católicos. No entanto, existem dois tipos de catolicismo, isto é, o catolicismo oficial e o catolicismo popular. É notório nessas comunidades práticas religiosas ligadas, principalmente, ao catolicismo popular.

Os eventos religiosos (festas, terços e novenas) realizados nas comunidades pesquisadas são pautados na religião católica e tem por intuito homenagear os santos. E representam, ainda, um importante momento de sociabilidade entre as famílias das comunidades rurais, fortalecendo a identidade social. Salienta-se a importância da sociabilidade para a constituição da identidade social dos sujeitos, ou seja, a identidade é construída a partir de subjetividades individuais e coletivas.

Esses eventos proporcionam aos moradores das comunidades rurais um momento de encontro com as práticas religiosas e tradicionais e com seus amigos da comunidade rural e de localidades vizinhas, favorecendo a descontração e a sociabilidade.

Concernente às festas religiosas, parte-se do pressuposto que, dentro de uma festa religiosa ocorrida no meio rural de Catalão (GO), existem diferentes interesses dos atores que participam. Enquanto os organizadores, “os festeiros”, e os moradores buscam exercer sua fé aos santos homenageados, para os participantes externos, principalmente, as pessoas que moram na cidade, representa um momento de diversão.

Essas comunidades não são autônomas, ou seja, os moradores mantêm relações com as outras comunidades, com as vilas dos distritos de Santo Antônio e de Pires Belo e, principalmente, com a cidade de Catalão (GO) - sede do município. Eles recorrem à cidade de Catalão (GO) em busca de serviços médicos e hospitalares, bancários, entre outros, já que os serviços públicos e a infraestrutura existente nas comunidades são precários.

O conceito de comunidade é empregado também para designar grupos organizados na área rural. Assim, as comunidades rurais Custódia, Ribeirão, São Domingos e Tambiocó são delimitadas por um sentimento de localidade, em que os sujeitos frequentam os mesmos lugares e participam de algumas atividades e eventos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As discussões sobre comunidade possuem duas vertentes, a primeira de autores clássicos e a segunda de autores contemporâneos. Os autores clássicos destacam as principais características: homogeneidade, sentimento de localidade, coesão social e base territorial. As análises contemporâneas trazem novos elementos como a individualização, ou seja, a diferença entre os sujeitos, sendo que a base territorial é questionada, pois é possível pertencer à distância, mas consideram, ainda, o sentimento de localidade e certa coesão social.

O conceito de comunidade foi empregado neste trabalho para designar grupos organizados na área rural. Assim, as comunidades rurais são delimitadas por um sentimento de localidade, em que os indivíduos possuem algumas tradições, costumes e crenças comuns. É evidente, ainda, as relações de parentesco, amizade e vizinhança entre alguns membros. Essas relações são vivenciadas individualmente.

As comunidades rurais do município de Catalão (GO) são delimitadas pelo sentimento de localidade dos habitantes, frequentam os mesmos lugares e participam de algumas atividades e eventos. Essas comunidades não são autônomas, pois estabelecem relações com outras comunidades e cidades, especialmente, a cidade de Catalão (GO).

De modo geral, verificou-se nas comunidades Custódia, Ribeirão, São Domingos e Tambioco, a existência de um núcleo central, onde são realizados os eventos comunitários, contribuindo para a sociabilidade do grupo. Essas comunidades são constituídas, em grande parte, por agricultores familiares, com propriedades rurais com tamanho médio de 47,34ha. A maioria (73,21%) desses agricultores tem rendimentos monetários mensais entre um (01) e três (03) salários mínimos.

Nessas comunidades rurais a principal atividade econômica é a pecuária leiteira. Todavia, é evidente entre os agricultores familiares a diversificação de produtos agrícolas e de criação de animais, sendo destinadas para o consumo familiar e o excedente comercializado. Vale destacar que essa diversificação produtiva se constitui numa importante estratégia de reprodução social do segmento.

AGRADECIMENTOS

Este artigo resulta da Tese de Doutorado intitulada “As estratégias de reprodução social dos agricultores familiares das comunidades rurais do município de Catalão (GO)”. Agradecemos ao auxílio financeiro da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES).

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Dez 2016

Histórico

  • Recebido
    07 Abr 2016
  • Aceito
    18 Nov 2016
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