Acessibilidade / Reportar erro

Determinação da presença da raça 1 de Venturia inaequalis no Sul do Brasil

Determination of the presence of Venturia inaequalis race 1 in Southern Brazil

Resumos

O objetivo deste trabalho foi identificar as raças de Venturia inaequalis existentes no Sul do Brasil. Plantas e folhas destacadas de macieiras foram inoculadas por aspersão e as últimas também pela deposição de quatro gotas de suspensão conidial (2,5 x 10(5) conídios.mL-1). Quatro isolados coletados no Estado do Rio Grande do Sul e cinco em Santa Catarina, durante 2005, foram avaliados. Após a inoculação, as plantas foram incubadas por 48 h, no escuro, 90-100% de umidade e 16-20ºC, e, após, mantidas em casa de vegetação. As folhas destacadas, mantidas em ágar-água, foram inoculadas por aspersão e incubadas a 17ºC, no escuro, por 48 h. Após este período, foram secadas no ambiente e incubadas juntamente com as folhas destacadas inoculadas por gotas, a 19ºC, com 18 h de fotoperíodo. As avaliações foram feitas após 20 dias da inoculação. O padrão de sintomas permitiu concluir que os nove isolados são da raça 1. Estes resultados foram semelhantes aos obtidos com folhas destacadas inoculadas por aspersão, o que não ocorreu com as inoculadas por gotas. Este é o primeiro relato de identificação de raças de V. inaequalis presentes no Brasil e na América do Sul.

Malus sp.; sarna da macieira; interações patógeno-hospedeiro; virulência; folhas destacadas


This study aims to identify races of V. inaequalis present in the apple-growing regions of Southern Brazil. Apple plants and detached leaves were inoculated by spraying and also by using four drops of inoculum (2.5 x 10(5) conidia.mL-1) on the surface of each leaf. Four fungal isolates from Rio Grande do Sul and five from Santa Catarina State, 2005 season, were used. Following inoculation, the plants were incubated in a controlled environment (RH 90-100%, 16-20 ºC, darkness) for 48 h and then moved to the greenhouse. Sprayed leaves were maintained in agarized water medium and incubated for 48 h in the dark at 17ºC. Afterwards, leaves were dried off and incubated together with the single-drop-inoculated detached leaves, under conditions of 19ºC and 18 h of light. Evaluations were made 20 days after inoculation. The pattern of symptoms led to a conclusion that the nine isolates were of race 1. The same was observed on the spray-inoculated detached leaves but not with the single-drop inoculation method. This is the first report of the presence of race 1 of V. inaequalis in South America.

Malus sp.; apple scab; host-pathogen interactions; virulence; detached leaves


RESEARCH ARTICLE ARTIGO

Determinação da presença da raça 1 de Venturia inaequalis no Sul do Brasil

Determination of the presence of Venturia inaequalis race 1 in Southern Brazil

Paula G. SchenatoI; Rosa M. Valdebenito-SanhuezaII; Valmir DuarteI

IDepartamento de Fitossanidade, Faculdade de Agronomia, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 90001-970, Porto Alegre, RS, Brasil

IIProterra, 95200-000 Vacaria, RS, Brasil

RESUMO

O objetivo deste trabalho foi identificar as raças de Venturia inaequalis existentes no Sul do Brasil. Plantas e folhas destacadas de macieiras foram inoculadas por aspersão e as últimas também pela deposição de quatro gotas de suspensão conidial (2,5 x 105 conídios.mL-1). Quatro isolados coletados no Estado do Rio Grande do Sul e cinco em Santa Catarina, durante 2005, foram avaliados. Após a inoculação, as plantas foram incubadas por 48 h, no escuro, 90-100% de umidade e 16-20ºC, e, após, mantidas em casa de vegetação. As folhas destacadas, mantidas em ágar-água, foram inoculadas por aspersão e incubadas a 17ºC, no escuro, por 48 h. Após este período, foram secadas no ambiente e incubadas juntamente com as folhas destacadas inoculadas por gotas, a 19ºC, com 18 h de fotoperíodo. As avaliações foram feitas após 20 dias da inoculação. O padrão de sintomas permitiu concluir que os nove isolados são da raça 1. Estes resultados foram semelhantes aos obtidos com folhas destacadas inoculadas por aspersão, o que não ocorreu com as inoculadas por gotas. Este é o primeiro relato de identificação de raças de V. inaequalis presentes no Brasil e na América do Sul.

Palavras-chave:Malus sp., sarna da macieira, interações patógeno-hospedeiro, virulência, folhas destacadas.

ABSTRACT

This study aims to identify races of V. inaequalis present in the apple-growing regions of Southern Brazil. Apple plants and detached leaves were inoculated by spraying and also by using four drops of inoculum (2.5 x 105 conidia.mL-1) on the surface of each leaf. Four fungal isolates from Rio Grande do Sul and five from Santa Catarina State, 2005 season, were used. Following inoculation, the plants were incubated in a controlled environment (RH 90-100%, 16-20 ºC, darkness) for 48 h and then moved to the greenhouse. Sprayed leaves were maintained in agarized water medium and incubated for 48 h in the dark at 17ºC. Afterwards, leaves were dried off and incubated together with the single-drop-inoculated detached leaves, under conditions of 19ºC and 18 h of light. Evaluations were made 20 days after inoculation. The pattern of symptoms led to a conclusion that the nine isolates were of race 1. The same was observed on the spray-inoculated detached leaves but not with the single-drop inoculation method. This is the first report of the presence of race 1 of V. inaequalis in South America.

Keywords:Malus sp., apple scab, host-pathogen interactions, virulence, detached leaves.

INTRODUÇÃO

A sarna da macieira, causada por Venturia inaequalis (Cooke) G. Winter, é uma das doenças mais importantes da macieira (Malus x domestica Bork.) em países de clima temperado. Este ascomiceto filamentoso pertence à família Venturiaceae e possui fase anamorfa correspondente a Spilocaea pomi Fr. É um fungo heterotálico com ciclo sexual anual, seguido por vários ciclos de reprodução assexual (MacHardy, 1996).

A especialização fisiológica de V. inaequalis tem sido estudada há muitos anos. As primeiras três raças descritas em 1956 foram definidas a partir de suas reações nos clones Dolgo e Geneva e seleções do retrocruzamento de R12740-7A. A raça 1 foi definida como a raça mais freqüente nos Estados Unidos e outros países. A raça 2 foi caracterizada por ser virulenta a todo grupo de hospedeiras, e a raça 3, somente a 'Geneva' (Shay & Williams, 1956). A raça 4 foi encontrada em M. pumila R12740-7A, em Purdue, EUA (Shay et al., 1962). O surgimento da raça 5 foi evidenciado na Inglaterra e é diferenciada por um gene presente em M. micromalus e M. atrosanguinea 804 (Williams & Brown, 1968).

Em 1993, na Alemanha, isolados de lesões da cultivar Prima foram descritos como raça 6. Esta raça foi caracterizada por superar a resistência da maioria das cultivares portadoras do gene Vf, mas não a da progenitora deste gene, o clone 821 da macieira ornamental M. floribunda (Parisi et al., 1993; Parisi & Lespinasse, 1996). Outro isolado virulento a cultivares com o gene Vf foi encontrado na ornamental M. floribunda, na Inglaterra (Roberts & Crute, 1994), e chamado raça 7. Esta raça foi caracterizada por ser virulenta ao clone 821 de M. floribunda, mas avirulenta a 'Golden Delicious', portadora do gene Vg (Benaouf & Parisi, 1997; Parisi et al., 2000). A raça 8, relatada na Nova Zelândia, é virulenta a acessos da espécie silvestre M. sieversii, os quais são portadores do gene de resistência Vh8 (Bus et al., 2005).

A identificação de raças de V. inaequalis tem sido feita em ambiente controlado (Sandskar & Liljeroth, 2005; Martinez-Bilbao & Murillo, 2005) e no campo, com inóculo natural (Sandskar & Liljeroth, 2005; Bengtsson et al., 2000). Estas técnicas exigem bastante tempo e são altamente influenciadas por condições de ambiente não controladas, tais como temperatura e umidade, e presença de outros fitopatógenos. Entretanto, diferentes técnicas têm sido avaliadas para simplificar o estudo da virulência de V. inaequalis em macieiras. Comparações entre infecções de sarna em folhas destacadas de macieiras cultivadas in vitro e em casa de vegetação demonstraram que o método de inoculação em folhas destacadas pode ser usado para avaliar a resistência de cultivares de macieira (Ivanicka et al., 1996; Yepes & Aldwinckle, 1993b; Yepes & Aldwinckle, 1993a; Chevalier & Parisi, 1991). As interações entre V. inaequalis e Malus sp. também foram reproduzidas em discos de folhas (Benaouf & Parisi, 1998) e em folhas destacadas de macieiras (Nicholson et al., 1972), ambas cultivadas em casa de vegetação. Estes métodos possibilitam reduzir consideravelmente a área requerida para estudos de interação. O método de inoculação em folhas destacadas tem sido usado em estudos de caracterização de proteínas de V. inaequalis (Win et al., 2003) e infecção por V. inaequalis em macieiras (Liebhard et al., 2003). O método simplifica e agiliza a obtenção de resultados, mas se a inoculação é feita por aspersão, a dificuldade de mensurar a severidade da doença persiste.

A presença de raças de V. inaequalis tem sido constatada em alguns países da Europa. Na Espanha foram encontradas seis raças: 1, 2, 3, 5, 6 e 7, causando sarna nas províncias de Gerona, Guipúzcoa e Navarra (Martinez-Bilbao & Murillo, 2005). As raças 1, 2, 3, 4, 6 e 7 foram relatadas em diferentes partes da Suécia (Sandskar & Liljeroth, 2005). Na Dinamarca, há relatos sobre a ocorrência de sete raças, 1 a 7 (Bengtsson et al., 2000). Entretanto, no Brasil e em outros países da América do Sul, as raças existentes de V. inaequalis são desconhecidas.

O objetivo deste trabalho foi identificar as raças de V. inaequalis existentes no Sul do Brasil pelo uso de diferentes métodos de inoculação em plantas e em folhas destacadas de macieiras.

MATERIAL E MÉTODOS

Acessos de macieira

Nove acessos de macieira foram usados para identificar as raças fisiológicas de V. inaequalis (Tabela 1). As estacas foram obtidas na Estação Experimental de Fruticultura de Clima Temperado da Embrapa Uva e Vinho, Vacaria, RS, e no INRA (Institut National de la Recherche Agronomique), Angers, França. As macieiras foram enxertadas em plantas da cultivar 'Gala', oriundas de sementes, e mantidas em casa de vegetação.

Inóculo

O inóculo foi preparado a partir de isolados monoconidiais cultivados em placas de Petri contendo meio Batata-Dextrose-Ágar-Extrato de Levedura (40; 5; 17; 3 g.L-1). O fungo foi incubado a 16ºC e luz contínua, por 15 dias. As suspensões foram ajustadas para 2,5 x 105 conídios.mL-1. Para a inoculação em plantas foram testados nove isolados e, em folhas destacadas, três isolados: CNPUV 395, CNPUV 437 e CNPUV 417 (Tabela 2).

Inoculação

A inoculação em plantas foi feita com base em protocolo anteriormente descrito por Parisi et al. (1993), com modificações. Para cada isolado, foram inoculadas duas plantas de cada uma das nove diferenciadoras. A inoculação foi feita em, no mínimo, três folhas apicais jovens e não totalmente expandidas. A suspensão de conídios foi aspergida até o ponto de escorrimento. Para cada acesso, uma planta foi igualmente aspergida com água e mantida como testemunha, não inoculada. Depois da inoculação, as macieiras foram incubadas por 48 h, no escuro, UR 90-100% e 16 a 20ºC. Após este período as plantas foram mantidas em casa de vegetação com temperatura média de 23ºC e umidade entre 60 a 100%.

Quatro folhas jovens, não totalmente expandidas, de cada acesso, foram coletadas para a inoculação em folhas destacadas. Estas folhas tiveram o extremo distal do pecíolo envolvido por algodão umedecido em água e foram colocadas em placas de Petri (duas/placa) contendo ágar água (10 g.L-1 ágar). A inoculação foi feita por gotas e por aspersão. Uma folha de cada acesso foi inoculada com água e mantida como testemunha. A inoculação por gotas foi feita colocando-se quatro gotas de 5 µL sobre cada folha. A incubação foi a 19ºC e 18 h de luz. A inoculação por aspersão foi feita aspergindo-se a suspensão sobre as folhas até o ponto de gotejamento. A incubação foi a 17ºC, no escuro, por 48 h. Após, as folhas foram secadas em papel toalha esterilizado e incubadas a 19ºC e 18 h de fotoperíodo.

Avaliações

Vinte dias após a inoculação, as plantas e as folhas destacadas foram avaliadas. O clone 821 de M. floribunda foi avaliado após 30 dias. O número de folhas com sinais (incidência) e o tipo de reação nas plantas e nas folhas destacadas inoculadas por aspersão foram registrados. A classificação utilizada foi baseada em escala previamente descrita (Chevalier et al., 1991), com modificações: A = ausência de sinais e/ou sintomas; D = deformação; P = pontuações (reação de hipersensibilidade); C = clorose, N = necrose, e; S = sinais (micélio e conídios). Neste trabalho, o termo "pontuações" refere-se à área do tecido foliar que entrou em colapso e formou uma depressão; e "clorose" refere-se à degradação da clorofila, induzindo ou não a cor amarela ou vermelha. Para avaliar a produção de conídios as folhas foram, individualmente, colocadas em solução de Tween (0,001%) e submetidas ao ultra-som (Thornton, T50) por 90 s. A concentração foi determinada em hemacitômetro. A área das folhas que produziu conídios foi mensurada (LI-3100 Area Meter, LI-COR Inc.). Além disso, a severidade nas plantas foi estimada usando-se a escala de Croxall et al. (1952) modificada por Parisi et al. (1993): zero = sem sinais e/ou sintomas; 1 = >zero-1%; 2 = 2-5%; 3 = 6-10%; 4 = 11-25%; 5 = 26-50%; 6 = 51-75%; e, 7 = 76-100% de área foliar com sinais. Discos (0,38 cm2) foram removidos da área das folhas inoculadas por gotas e o tipo de reação registrado. Além disso, a concentração de conídios foi determinada em hemacitômetro após tais discos serem colocados em tubos contendo solução de Tween (0,001%) e submetidos ao ultra-som (Thornton, T50) por 90 s.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

A partir da análise dos resultados obtidos com o método de inoculação por aspersão nas plantas de macieiras (Tabela 3), os nove isolados testados foram identificados como pertencentes à raça 1 de V. inaequalis.

As cultivares Gala e Golden Delicious apresentaram sinais e sintomas típicos de sarna da macieira com todos os isolados. Nas interações com os isolados CNPUV 395, CNPUV 433 e CNPUV 437 a cultivar Gala mostrou-se mais suscetível do que 'Golden Delicious'. Enquanto que, com os outros seis isolados (CNPUV 451, CNPUV 400, CNPUV 411, CNPUV 413, CNPUV 414 e CNPUV 417) 'Golden Delicious' foi mais suscetível (Tabela 3). Nas condições do Sul do Brasil a cultivar Gala foi relatada como mais suscetível à sarna da macieira do que 'Golden Delicious' em condições de campo (Camilo & Denardi, 2002). A mesma situação foi relatada quando estas cultivares foram inoculadas em ambiente controlado com isolados coletados na França e na Alemanha (Parisi & Lespinasse, 1996). Entretanto, também há relatos em que 'Golden Delicious' apresentou maior suscetibilidade do que 'Gala' em condições controladas de inoculação (Benaouf & Parisi, 1998). Na Suécia, a suscetibilidade em 'Golden Delicious' foi relatada como maior do que em 'Gala' em pomares do Sudoeste e iguais, em pomares do Sudeste (Sandskar & Liljeroth, 2005). As cultivares Gala e Golden Delicious apresentaram lesões com abundante esporulação e clorose quando inoculadas com os nove isolados avaliados. Além disso, a reação de necrose foi observada nas inoculações com o isolado CNPUV 395 em 'Golden Delicious' e com CNPUV 414 em 'Gala'. A cultivar 'Golden Delicious' também apresentou deformação foliar quando inoculada com o isolado CNPUV 414 (Tabela 3).

Nas diferenciadoras M. pumila TSR34T132, M. pumila niedzwetzkyana Geneva, M. pumila TSR33T239, M. micromalus 9-AR2T196, M. floribunda clone 821, M. x domestica Prima e M. x domestica Florina não foi observada incidência de sarna, ou seja, todas apresentaram sintomas de resistência. Estes sintomas se apresentaram em sua maioria como reações de clorose e/ou necrose. Em algumas poucas interações observou-se deformação das folhas e pontuações. Além disso, a ausência de sintomas também foi constatada.

O patógeno V. inaequalis possui alta taxa de polimorfismo (Tenzer & Gessler, 1999) e vários genes de avirulência (Boone, 1971). Isto sugere a existência de um grande número de raças fisiológicas (Sandskar & Liljeroth, 2005), embora somente oito tenham sido descritas até o momento (Bus et al., 2005).

Desde que foi descrita, a raça 1 tem sido definida como a raça mais comumente encontrada (Shay & Williams, 1956). Na Suécia, a raça 1 foi identificada nos seis locais onde o inóculo foi coletado: Stockholm, Ranna, Alnarp, Balsgard, Kivik e Hallstahammar. Sendo que em três das sete coletas realizadas em Alnarp a raça 1 foi a única raça encontrada (Sandskar & Liljeroth, 2005). No nordeste da Espanha, onde três regiões foram investigadas, a raça 1 foi encontrada somente em Tallada, região de Gerona (Martinez-Bilbao & Murillo, 2005).

No Brasil, mais de 90% da maçã produzida pertence às cultivares Gala e Fuji e suas mutações, que são suscetíveis à sarna da macieira (Oliveira et al., 2005). Algumas das cultivares lançadas pelos programas de melhoramento das Estações Experimentais de Caçador e São Joaquim / EPAGRI possuem resistência à sarna da macieira. As cultivares Duquesa (Denardi & Camilo, 1998), Fred Hough (Denardi & Camilo, 1994), EPAGRI 402 – Catarina (Boneti et al., 1996), Primícia (Denardi et al., 1988) e Joaquina (Pereira et al. 2003), possuem resistência conferida pelo gene Vf, oriundo do clone 821 de M. floribunda, presente na genealogia destas cultivares. Entretanto estas macieiras não têm sido plantadas extensivamente em pomares comerciais, o que mantém baixa a pressão de seleção do patógeno para o desenvolvimento de novas raças de V. inaequalis 'em níveis baixos'.

A determinação das raças prevalentes em determinado país pode ser usada para definir barreiras fitossanitárias para fruta importada de países onde ocorrem raças que podem quebrar a resistência das cultivares plantadas no país importador. A definição deste tipo de medida no Brasil deve ser embasada no conhecimento prévio sobre a existência das raças de V. inaequalis. Além disso, informações sobre a ocorrência de raças são importantes para programas de melhoramento genético visando a obtenção de cultivares resistentes.

As interações entre as cultivares Gala e Golden Delicious e três isolados da raça 1 de V. inaequalis, observadas nas plantas, inoculadas por aspersão em casa de vegetação, foram reproduzidas em folhas destacadas inoculadas por aspersão e por gotas (Tabela 4). Nas reações das folhas destacadas inoculadas por gotas não foi observada clorose dos tecidos, que ocorreu nas folhas e nas plantas inoculadas por aspersão. A maior incidência de sarna foi relatada nas plantas inoculadas por aspersão e a produção de conídios nas lesões não seguiu um padrão, sendo mais influenciada pelo isolado do que pelo método de inoculação (Tabela 4).

Nas plantas e folhas destacadas, ambas inoculadas por aspersão, das diferenciadoras M. pumila TSR34T132, M. pumila niedzwetzkyana Geneva, M. pumila TSR33T239, M. micromalus 9-AR2T196, M. floribunda clone 821, M. x domestica Prima e M. x domestica Florina não foi observada incidência de sarna. Nestas folhas destacadas, foram observados necrose ou clorose ou até ausência de reação. Nas plantas a maioria das reações foi de clorose e/ou necrose, mas também observou-se deformação das folhas e pontuações, além ausência de reação.

Os sintomas observados nas folhas destacadas das diferenciadoras M. pumila TSR34T132, M. pumila niedzwetzkyana Geneva, M. pumila TSR33T239, M. micromalus 9-AR2T196 e clone 821 de M. florifunda, inoculadas por gotas e por aspersão, com os três isolados de V. inaequalis, não foram idênticos aos observados nas plantas, porém, em termos de suscetibilidade ou resistência, os resultados foram semelhantes (Tabela 5). Nas folhas destacadas de 'Prima' e 'Florina', inoculadas por aspersão, os sintomas foram semelhantes aos observados em plantas e em termos de suscetibilidade ou resistência, foram iguais. Entretanto, quando estas cultivares foram inoculadas com gotas as reações observadas nas folhas destacadas foram diferentes das obtidas nos outros dois métodos de inoculação (Tabela 5).

Trabalhos prévios conduzidos com a inoculação em folhas destacadas por gotas permitiram reproduzir as interações entre Malus sp. e V. inaequalis (Nicholson et al., 1972). Estes autores usaram gotas de 20 a 30 µL com concentrações de 10 a 40 x 105 conídios.mL-1 e incubaram as placas em casa de vegetação. Enquanto que, neste trabalho, usou-se gotas de 5 µL e inóculo na concentração de 2 a 2,5 x 105 conídios.mL-1 e condições de incubação controladas. Os quatro acessos de macieiras usados por Nicholson et al. (1972) não foram os mesmos, porém, tinham as mesmas características de resistência dos acessos usados neste trabalho (Tabela 1). Ou seja, foram testados um acesso resistente às raças 1, 2, 3 e 4, e suscetível à raça 5: clone 333-9 de M. antrosanguinea; um resistente às raças 1, 3, 4 e 5 e suscetível à raça 2: 'Russian 384-1'; um resistente às raças 1 a 5: clone 612-1 de M. floribunda; e, um suscetível às raças 1 a 5: 'Red Delicious' (Nicholson et al., 1972). Entretanto, se neste trabalho tivessem sido testados apenas os acessos com as mesmas características dos citados anteriormente, respectivamente, M. micromalus 9-AR2T196, M. pumila TSR34T132, clone 821 de M. floribunda e 'Gala', se poderia concluir que o método de inoculação por gotas em folhas destacadas, como descrito neste trabalho, reproduz as interações observadas em plantas. Porém, comparando-se os resultados obtidos para 'Prima' e 'Florina' em folhas destacadas, inoculadas por gotas, e plantas (Tabela 5), esta conclusão não é correta.

O desenvolvimento de sinais nas folhas destacadas de 'Prima' e 'Florina', inoculadas por gotas (Tabela 5), pode ser devido a variáveis do ambiente, como temperatura e umidade, e quantidade de inóculo, que influenciam no processo de infecção de folhas de macieira por V. inaequalis (Hartman et al., 1999; MacHardy, 1996). Este patógeno pode esporular em macieiras resistentes sob condições de alta umidade (Durel et al., 2003). A concentração de inóculo utilizada para as inoculações em folhas destacadas, 2,5 x 105 conídios.mL-1, e a manutenção das folhas com inóculo suspenso em água por longo período pode ter sido uma condição diferente da observada em pomares comerciais causando uma reação atípica. Neste caso, entende-se por reação atípica a presença de sinais em cultivares resistentes, visto que estes sinais não foram observados nos outros dois métodos de inoculação, por aspersão em plantas e folhas destacadas (Tabela 5).

Este é o primeiro relato da determinação de raça de V. inaequalis no Brasil e na América do Sul. A raça 1 foi encontrada nos municípios de Vacaria, Monte Alegre dos Campos e Cambará do Sul, RS, e Fraiburgo, Bom Jardim da Serra e São Joaquim, SC. Apesar disso, não se pode descartar a possibilidade da existência de outras raças ou, até mesmo, de raças diferentes das oito descritas até o momento. Para uma investigação mais completa sobre a existência de raças de V. inaequalis no Brasil seria desejável usar um maior número de isolados, de diferentes regiões. Os resultados obtidos neste trabalho permitem afirmar que uma primeira avaliação das reações das macieiras diferenciadoras perante isolados de V. inaequalis, poderia ser feita em folhas destacadas, inoculadas por aspersão. Este método é vantajoso, pois permite reduzir os custos, o tempo e o espaço físico necessários. Além disso, estudar estas reações em uma mesma planta torna-se vantajoso quando a quantidade de germoplasma é limitada e permite aumentar o tamanho das populações de plantas e isolados do patógeno a serem avaliados, comparativamente ao método de inoculação em plantas em casa de vegetação.

AGRADECIMENTOS

Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq pela concessão da bolsa à primeira autora e ao Dr. Paulo Ricardo Dias de Oliveira, pesquisador da Embrapa Vinho e Uva - CNPUV pelo fornecimento das plantas diferenciadoras.

Recebido 23 Novembro 2007

Aceito 8 Agosto 2008

Autor para correspondência: Rosa M. Valdebenito-Sanhueza, e-mail: rosamaria@proterra.agr.br

Parte da Dissertação de Mestrado da primeira autora. Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Porto Alegre RS. 2007.

TPP 7131

Editor Associado: José Maurício Fernandes

  • Benaouf G, Parisi L (1998) Characterization of Venturia inaequalis pathogenicity on leaf discs of apple trees. European Journal of Plant Pathology 104:785-793.
  • Benaouf G, Parisi L (1997) Pathogenicity of Venturia inaequalis strains from Malus floribunda 821: comparison with race 6 on apple clones. IOBC/WPRS Bulletin 20:8-11.
  • Bengtsson M, Lindhard H, Grauslund J (2000) Ocurrence of races of Venturia inaequalis in an apple scab race screening orchard in Denmark. IOBC/WPRS Bulletin 23:225-229.
  • Boneti JI, Ribeiro PA, Denardi F, Camilo AP, Brighenti E, Pereira AJ (1996) Epagri 402 - Catarina: nova cultivar de macieira resistente à sarna. Agropecuária Catarinense 9:51-54.
  • Boone DM (1971) Genetics of Venturia inaequalis Annual Review of Phytopathology 9:297-318.
  • Bus VGM, Laurens FN, van de Weg WE, Rusholme RL, Rikkrink EH, Gardiner SE, Basset HC, Kodde LP, Plummer KM (2005) The Vh8 locus of a new gene-for-gene interaction between Venturia inaequalis and the wild apple Malus sieversii is closely linked to the Vh2 locus in Malus pumila R12740-7A. New Phytologist 166:1035-1049.
  • Camilo AP, Denardi F (2002) Cultivares: descrição e comportamento no sul do Brasil. In: A cultura da macieira. Florianópolis SC. EPAGRI. pp. 113-168.
  • Chevalier M, Parisi L (1991) Etude d'un comportement atypique de Venturia inaequalis (Cke) Wint. sur vitroplant microbouturé de pomier Malus x domestica Bork. Bulletin de la Societe Botanique de France 138:117-122.
  • Croxall HE, Gwynne DC, Jenkins JEE (1952) The rapid assessment of apple scab on leaves. Plant Pathology 1:39-41.
  • Denardi F, Camilo AP (1998) Duquesa: nova cultivar de macieira de baixa exigência em frio hibernal e alta resistência à sarna. Agropecuária Catarinense 11:19-21.
  • Denardi F, Camilo AP (1994) Fred Hough: nova cultivar de macieira com imunidade à sarna. Revista Brasileira de Fruticultura 16:1-6.
  • Denardi F, Hough LF, Camilo AP (1988) 'Primícia' apple. Hortscience 23:632.
  • Durel CE, Parisi L, Laurens F, van de Weg WE, Liebhard R, Jourjon MF (2003) Genetic dissection of partial resistance to race 6 of Venturia inaequalis in apple. Genome 46:224-234.
  • Foolad MR, Ntahimpera N, Christ BJ, Lin GY (2000) Camparison of field, greenhouse, and detached-leaflet evaluations of tomato germ plasm for early blight resistance. Plant Disease 84:967-972.
  • Hartman JR, Parisi L, Bautrais P (1999) Effect of leaf wetness duration, temperature, and conidial inoculum dose on apple scab infections. Plant Disease 83:531-534.
  • Ivanicka J, Kellerhals M, Theiler R (1996) Evaluation of scab (Venturia inaequalis (Cooke) G Wint) on shoots and detached leaves from in vitro and greenhouse grown plants of the apple (Malus domestica Mill) cultivars Golden Delicious and Florina. Gartenbauwissenschaft 61:242-248.
  • Liebhard R, Koller B, Patocchi A, Kellerhals M, Pfammatter W, Jermini M, Gessler C (2003) Mapping quantitative field resistance against apple scab in a Fiesta' x Discovery' progeny. Phytopathology 93:493-501.
  • Machardy WE (1996) Apple scab: Biology, epidemiology and management. Saint Paul MN. APS Press.
  • Martinez-Bilbao A, Murillo J (2005) Six races of Venturia inaequalis are found causing apple scab in Spain. Plant Disease 89:908.
  • Nicholson RL, van Scoyoc SW, Kuc J, Williams EB (1972) Response of detached apple leaves to Venturia inaequalis Phytopathology 63:649-650.
  • Oliveira PRD, Valdebenito-Sanhueza RM, Bernardi J (2005) Coleta, avaliação e preservação de plantas antigas de macieira - resultados iniciais. In: Anais Digitais, 3ş Congresso Brasileiro de Melhoramento de Plantas, Gramado, RS.
  • Parisi L, Lespinasse Y (1996) Pathogenicity of Venturia inaequalis strains of race 6 on apple clones (Malus sp). Plant Disease 80:1179-1183.
  • Parisi L, Durel CE, Laurens F (2000) First report on the presence of Venturia inaequalis race 7 in French apple orchards. IOBC/WPRS Bulletin 23:99-104.
  • Parisi L, Lespinasse Y, Guillaumes J, Kruger J (1993) A new race of Venturia inaequalis virulent to apples with resistance due to the Vf gene. Phytopathology 83:533-537.
  • Pereira AJ, Boneti JI, Brighenti E, Denardi F, Camilo AP (2003) Joaquina: nova cultivar precoce de macieira resistente à sarna. Agropecuária Catarinense 16:70-73.
  • Roberts AL, Crute IR (1994) Apple scab resistance from Malus floribunda 821 (Vf) is rendered ineffective isolates of Venturia inaequalis from Malus floribunda Norwegian Journal of Agricultural Sciences 17:403-406.
  • Sandskar B, Liljeroth E (2005) Incidence of races of the apple scab pathogen (Venturia inaequalis) in apple growing districts in Sweden. Acta Agriculturae Scandinavica Section B-Soil and Plant Science 55:143-150.
  • Shay JR, Williams EB (1956) Identification of three physiological races of Venturia inaequalis Phytopathology 46:190-193.
  • Shay JR, Williams EB, Janick J (1962) Disease resistance in apple and pear. Proceedings of the American Society for Horticultural Science 80:97-104.
  • Tenzer I, Gessler C (1999) Genetic diversity of Venturia inaequalis across Europe. European Journal of Plant Pathology 105:545-552.
  • Williams EB, Brown AG (1968) A new physiologic race of Venturia inaequalis, incitant of apple scab. Plant Disease Reporter 52:799-801.
  • Win J, Greenwood DR, Plummer KM (2003) Characterisation of a protein from Venturia inaequalis that induces necrosis in Malus carrying the Vm resistance gene. Physiological and Molecular Plant Pathology 62:193-202.
  • Yepes LM, Aldwinckle HS (1993a) Pathogenesis of Venturia inaequalis on shoottip cultures and on greenhouse-grown apple cultivars. Phytopathology 83:1155-1162.
  • Yepes LM, Aldwinckle HS (1993b) Selection of resistance to Venturia inaequalis using detached leaves from in vitro grown apple shoots. Plant Science 93:211-216.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    28 Out 2008
  • Data do Fascículo
    Ago 2008

Histórico

  • Aceito
    08 Ago 2008
  • Recebido
    23 Nov 2007
Sociedade Brasileira de Fitopatologia Sociedade Brasileira de Fitopatologia, SGAS 902 Edifício Athenas - Bl. B, Salas 102/103, 70390-020 Brasília - DF Brasil, Tel: (55 61) 3225-2421 - Brasília - DF - Brazil
E-mail: sbfito@sbfito.com.br