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Caracterização genética e fenotípica de isolados de Pyricularia grisea do trigo

Molecular pattern and virulence of Pyricularia grisea isolates from wheat

Resumos

O uso de ferramentas moleculares e avaliações da virulência de Pyricularia grisea, agente causal da brusone do arroz e do trigo, têm permitido identificar variantes do patógeno, especialmente aqueles que ocorrem na cultura do arroz. Nesse sentido, os marcadores microssatélites já demonstraram que são eficientes para classificar isolados de P. grisea em grupos geneticamente relacionados. Os objetivos deste trabalho foram caracterizar a diversidade genética de 18 isolados de P. grisea do trigo com o auxílio de oito primers de microssatélites e relacionar os dados da análise molecular com os dados do espectro de virulência desses isolados, inoculados em plantas jovens de 70 genótipos de trigo. Dos 8 loci analisados, o primer mais informativo foi PG 5, que apresentou 4 alelos. Além disso, os primers MG 21 e PG 12 permitiram separar os isolados Py 5020 e Py 5038 em um grupo bastante distinto, com menos de 50% de similaridade em relação aos demais isolados. A maioria dos isolados (16) apresentou mais de 75% de similaridade entre si. Na análise de virulência, 15 dos 18 isolados testados apresentaram mais de 85% de similaridade entre si. Com exceção do isolado Py 5002, o agrupamento dos isolados de acordo com o grau de similaridade que os mesmos apresentaram entre si foi muito semelhante nos dois critérios utilizados nesta pesquisa. O fato de não ter sido encontrado um genótipo que fosse resistente a todos os isolados confirma a necessidade de se buscar novas fontes ou melhores combinações genética de genótipos de trigo mais resistentes à doença.

marcadores moleculares; alelo; resistência; brusone


The use of molecular tools and virulence evaluations of Pyricularia grisea, the causal agent of rice and wheat blast, has permitted identification of strains of the pathogen, especially those occurring in the rice crop. Microsatellites have already demonstrated efficiency to classify P. grisea isolates by genetic similarity groups. The objectives of this work were to characterize the genetic diversity of 18 isolates of P. griseacollected from wheat by applying 8 microsatellite primers; and to compare the molecular and virulence results of isolates, when inoculated in seedlings of 70 wheat genotypes. The most informative primer was PG 5 with 4 alleles. The primers MG 21 and PG 12 permitted separation of Py 5020 and Py 5038 in distinct groups, with less than 50% similarity in relation to others. The genetic similarity of isolates presented more than 75% similarity among them. In the virulence analysis, 15 out of 18 tested isolates showed more than 85% of similarity. The molecular pattern and virulence were similar for the isolates, except for Py 5002 isolate. The absence of resistance to all isolates confirms the need to seek new sources or better genetic combinations of wheat that are more resistant to disease.

microsatellite markers; allele; plant disease resistance; rice blast


RESEARCH ARTICLE

Caracterização genética e fenotípica de isolados de Pyricularia grisea do trigo

Molecular pattern and virulence of Pyricularia grisea isolates from wheat

Maria Fernanda A. CruzI; João L.N. MacielII; Ariano M. PrestesI; Estevon A.S. BombonattoIII; Jorge F. PereiraII; Luciano ConsoliII

IFaculdade de Agronomia e Medicina Veterinária, Universidade de Passo Fundo, 99001-970, Passo Fundo, RS, Brasil

IIEmbrapa Trigo, 99001-970, Passo Fundo, RS, Brasil

IIIUniversidade Luterana do Brasil, 99500-000, Carazinho, RS, Brasil

RESUMO

O uso de ferramentas moleculares e avaliações da virulência de Pyricularia grisea, agente causal da brusone do arroz e do trigo, têm permitido identificar variantes do patógeno, especialmente aqueles que ocorrem na cultura do arroz. Nesse sentido, os marcadores microssatélites já demonstraram que são eficientes para classificar isolados de P. grisea em grupos geneticamente relacionados. Os objetivos deste trabalho foram caracterizar a diversidade genética de 18 isolados de P. grisea do trigo com o auxílio de oito primers de microssatélites e relacionar os dados da análise molecular com os dados do espectro de virulência desses isolados, inoculados em plantas jovens de 70 genótipos de trigo. Dos 8 loci analisados, o primer mais informativo foi PG 5, que apresentou 4 alelos. Além disso, os primers MG 21 e PG 12 permitiram separar os isolados Py 5020 e Py 5038 em um grupo bastante distinto, com menos de 50% de similaridade em relação aos demais isolados. A maioria dos isolados (16) apresentou mais de 75% de similaridade entre si. Na análise de virulência, 15 dos 18 isolados testados apresentaram mais de 85% de similaridade entre si. Com exceção do isolado Py 5002, o agrupamento dos isolados de acordo com o grau de similaridade que os mesmos apresentaram entre si foi muito semelhante nos dois critérios utilizados nesta pesquisa. O fato de não ter sido encontrado um genótipo que fosse resistente a todos os isolados confirma a necessidade de se buscar novas fontes ou melhores combinações genética de genótipos de trigo mais resistentes à doença.

Palavras-chave: marcadores moleculares, alelo, resistência, brusone.

ABSTRACT

The use of molecular tools and virulence evaluations of Pyricularia grisea, the causal agent of rice and wheat blast, has permitted identification of strains of the pathogen, especially those occurring in the rice crop. Microsatellites have already demonstrated efficiency to classify P. grisea isolates by genetic similarity groups. The objectives of this work were to characterize the genetic diversity of 18 isolates of P. griseacollected from wheat by applying 8 microsatellite primers; and to compare the molecular and virulence results of isolates, when inoculated in seedlings of 70 wheat genotypes. The most informative primer was PG 5 with 4 alleles. The primers MG 21 and PG 12 permitted separation of Py 5020 and Py 5038 in distinct groups, with less than 50% similarity in relation to others. The genetic similarity of isolates presented more than 75% similarity among them. In the virulence analysis, 15 out of 18 tested isolates showed more than 85% of similarity. The molecular pattern and virulence were similar for the isolates, except for Py 5002 isolate. The absence of resistance to all isolates confirms the need to seek new sources or better genetic combinations of wheat that are more resistant to disease.

Keywords: microsatellite markers, allele, plant disease resistance, rice blast.

INTRODUÇÃO

A brusone do trigo causada pelo fungo Pyricularia grisea Sacc., cuja fase teleomorfa corresponde a Magnaporthe grisea (T.T. Hebert) M.E. Barr, representa uma séria ameaça à triticultura brasileira desde o seu aparecimento nas lavouras brasileiras, em meados da última década de 80 (Igararashi et al., 1986). A doença causa elevados danos na cultura do trigo (Triticum aestivum) principalmente nos estados do Paraná, Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, São Paulo e Goiás (Igarashi et al., 1986; Goulart & Paiva, 1992; Anjos et al., 1996; Goulart & Paiva, 2000). A maioria das observações sobre os danos que a doença provoca na cultura do trigo foi realizada durante a década de 90. Dados obtidos no Mato Grosso do Sul, entre os anos de 1991 e 1992, demonstraram que a brusone do trigo causou uma redução 51% no rendimento de grãos (Goulart & Paiva, 2000).

Nas espigas, é observado o sintoma mais conhecido da brusone, que é o branqueamento e morte acima do ponto de infecção, além do escurecimento do ráquis (Igarashi, 1988). Quando há produção de grãos nessas espigas, os mesmos são enrugados, pequenos, deformados e com baixo peso específico. Apesar de menos freqüentes, também podem ocorrer sintomas da brusone nas folhas, os quais são representados por manchas, geralmente elípticas ou arredondadas, com margem marrom escura e centro acinzentado. As fontes de inóculo da doença são os hospedeiros secundários e os restos culturais de plantas cultivadas. O fungo também pode sobreviver em sementes infectadas. Os conídios são liberados dos substratos na fase saprofítica, sendo considerados leves e por isso podem atingir longas distâncias ao serem transportados pelo vento (Reis & Forcelini, 1995). As condições favoráveis à doença são: precipitação, temperaturas entre 24 e 28ºC, dias nublados e alta umidade relativa do ar.

A baixa eficiência que a aplicação de fungicidas na parte aérea tem demonstrado para controlar a brusone, associada a sua ampla distribuição pelo País, torna ainda mais grave o problema da doença no Brasil (Goulart & Paiva, 1993; Urashima, 1999). Além disso, embora o uso de cultivares resistentes seja a alternativa mais viável economicamente para controlar a doença, a disponibilidade de cultivares com essa característica é praticamente inexistente (Igarashi,1990; Urashima & Kato, 1994). Assim, a geração de cultivares com resistência à brusone é uma etapa fundamental no processo de redução dos problemas causados por essa doença Brasil. No entanto, para que as cultivares geradas apresentem níveis adequados e duradouros de resistência, é necessário que fatores relacionados à reação das plantas à infecção do patógeno sejam identificados e monitorados. Entre tais fatores, um dos mais relevantes refere-se ao nível de complexidade genética da população do patógeno ocorrentes nas lavouras de trigo do Brasil, cujo esclarecimento é particularmente importante quando se vislumbra a possibilidade de se relacionar eventuais grupos de variantes genéticos de P. grisea com grupos de patotipos estabelecidos pela reação de genótipos de trigo. Urashima et al. (2005), baseando-se em diferenças das características sexuais e fingerprinting de DNA do patógeno, descreveram a existência de duas populações de P. grisea do trigo no Brasil.

Trabalhos que tratam da possível fonte de variabilidade de P. grisea na cultura do trigo têm abordado a possível influência que a recombinação sexual pode exercer sobre a variabidade do patógeno (Urashima, 1993; Bruno & Urashima, 2001; Urashima et al., 2005). O que já se propôs é que plantas das espécies Brachiaria plantaginea e Setaria geniculata influenciam a ocorrência da brusone na cultura do trigo e, em especial, a variabilidade de P. grisea do trigo. Esta proposição pôde ser sugerida em função do sucesso da inoculação cruzada feita entre isolados de P. grisea obtidos de trigo e das duas espécies de plantas daninhas mencionadas acima (Bruno & Urashima, 2001). Nesse mesmo trabalho foi demonstrado que isolados obtidos de B. plantaginea e S. geniculata podem produzir estruturas reprodutivas (peritécios) quando submetidos aos cruzamentos com isolados do trigo. Estes resultados são importantes porque indicam a possibilidade de ocorrência de recombinação sexual natural entre P. grisea das duas plantas daninhas e de trigo e, em conseqüência, da origem à variabilidade genética do patógeno na cultura do trigo.

Dentre os marcadores moleculares empregados para avaliação da variabilidade genética entre isolados de P. grisea do trigoestão: RAPD (Random Amplified Polymorphism DNA) (Busso, 2005), RFLP (Restriction Fragment Length Polymorphism) (Urashima et al. 2005; 2007) e SSR (Simple Sequence Repeats), este último também conhecido como microssatélites (Brondani et al., 2000; Garrido, 2001). Entre essas alternativas, os marcadores microssatélites merecem destaque pela eficiência em detectar polimorfismo entre espécies e dentre espécies. Nesse sentido, Brondani et al. (2000) e Garrido (2001) verificaram que o polimorfismo gerado pelos marcadores microssatélites foi mais elucidativo para caracterizar a variabilidade de P. grisea do arroz do que marcadores baseados nas seqüências MGR-586 e Pot-2. A expectativa é a de que para estudos de população de P. grisea obtidos de outros hospedeiros como o trigo, por exemplo, o nível de eficiência dos marcadores microssatélites também seja superior. Os objetivos deste trabalho foram caracterizar a variabilidade genética de isolados de P. grisea do trigo originários de quatro estados brasileiros através do uso de marcadores moleculares microssatélites, e relacionar o padrão molecular obtido com a reação promovida por esses isolados quando utilizados em procedimentos de inoculação de genótipos de trigo na fase de planta jovem.

MATERIAL E MÉTODOS

Isolamento monospórico e preservação

Os experimentos foram realizados nos Laboratórios de Fitopatologia e de Biologia Molecular da Embrapa Trigo, em Passo Fundo, RS. Utilizou-se 18 isolados monospóricos de P. grisea de trigo, obtidos de amostras de plantas com sintomas de brusone, provenientes dos estados do Rio Grande do Sul, Paraná, Minas Gerais e Goiás (Tabela 1). Para a obtenção de isolados monospóricos foram utilizados folhas, ráquis e glumas de trigo com sintomas de brusone. Realizou-se a assepsia do material, que permaneceu em câmara úmida por 24 h. Em seguida, com o auxílio de uma lupa procedeu-se o isolamento dos conídios. Os conídios foram transferidos para o meio ágar-água e, após 15 h, apenas os conídios germinados foram transferidos para o meio aveia-ágar até o desenvolvimento da colônia.

A preservação dos isolados foi realizada através do preenchimento de placas de Petri, contendo meio aveia-ágar, com pedaços de papel filtro (1x1 cm). Segmentos do micélio das colônias do fungo foram transferidos para placas de Petri contendo meio de cultura e pedaços de papel filtro. As placas permaneceram em câmara de crescimento por 10 dias, à temperatura de 23±2ºC, e fotoperíodo 12 h. Uma vez que a colônia já estava crescida sobre toda a superfície da placa, os pedaços de papel filtro foram transferidos para uma placa de Petri vazia e permaneceram 4 dias em câmara de crescimento. Posteriormente foram transferidos para envelopes de papel, previamente autoclavados e acondicionados a temperatura de –20ºC.

Seqüenciamento e análise das amplificações

Os isolados foram crescidos em Erlenmeyers com 70 mL de meio líquido completo (Pontecorvo et al. 1953, modificado por Azevedo & Costa, 1973) e incubados por cinco dias a 25ºC, sob agitação de 130 RPMs. Em seguida a massa micelial de cada isolado foi filtrada, congelada em nitrogênio líquido e armazenado a - 80ºC para posterior da extração do DNA. A extração do DNA seguiu o protocolo de Spechtet al.(1982), com as seguintes modificações: isolados do fungo cresceram em placas de Petri com meio de aveia-ágar e não em meio líquido; o micélio do fungo não foi liofilizado e não se utilizou tolueno no tampão de extração. O DNA dos isolados foi amplificado utilizando os primers MG 1 e MG 21, desenvolvidos por Brondani et al. (2000) e os primers PG 3, PG 5, PG 12, PG 20, PG 15, PG 21, desenvolvidos por Garrido (2001). Inicialmente foram estabelecidas condições otimizadas para as reações de PCR utilizando termociclador PTC-100 (Peltier Thermal Cycler). Depois disso, as seqüências Forward de cada par de primer receberam uma cauda com a seqüência complementar reversa do primer M13 para que posteriormente, as reações de PCR fossem acrescidas do M13 marcado com fluoróforo e seus produtos discriminados no seqüenciador. Para a genotipagem dos isolados de P. grisea em seqüenciador automático o mix de cada reação otimizada foi diminuído de 1 µL no volume de água para o acréscimo de 1 µL do primer M13F1 ou M13F2 (marcado com 6-FAM ou NED); e o primer F foi utilizado na concentração de 0,5 µM (diluição 1:10) ao invés da concentração de 5 µM. O programa para as reações de PCR que foram submetidas ao seqüenciador foi o seguinte: 94ºC / 3 min, 30 ciclos de 94ºC / 30 s, 60ºC / 30 s, 72ºC / 30 s, extensão final de 72ºC / 3 min, e 4ºC. Após a amplificação, as reações de PCR foram diluídas com água milli-Q na proporção de 1:40, considerando-se o seguinte protocolo: i. 5 µL de duas reações de PCR foram misturados (uma das reações era feita com o oligonucleotídeo M13-6FAM e outra com M13-NED); ii. 5 µL da mistura foi diluído em 95 µL de água milli-Q; e iii. 3 µL da diluição foram misturados a 6,8 µL de Formamida Hi-Di e 0,2 µL do marcador LIZ500. As amostras foram desnaturadas em termociclador a 95oC por 5 minutos e colocadas imediatamente em banho de gelo. A eletroforese e a detecção dos fragmentos de PCR marcados foram feitas no seqüenciador ABI 3100 Genetic Analyser (Applied Biosystems) e a análise dos fragmentos no programa GeneMapperTM v3.5.

Testes de virulência

A determinação do espectro de virulência dos 18 isolados utilizados no experimento foi determinada através da observação da reação de 70 genótipos de trigo (Tabela 2) quando submetidos à inoculação com estes isolados no estádio 14 da escala de Zadoks et al. (1974). Dos 70 genótipos testados, 50 eram cultivares comerciais de trigo hexaplóide e 20 de trigo hexaplóide sintético, resultante do cruzamento entre Triticum durum e Aegilops squarrosa. O critério adotado para definição dos cultivares utilizados no experimento baseou-se no princípio de que os mesmos deveriam representar o conjunto de cultivares de trigo utilizado pelos produtores de trigo do Brasil nos últimos 40 anos. Os trigos sintéticos utilizados foram os que estavam disponíveis no Banco de Germoplasma da Embrapa Trigo. A decisão de avaliar a resistência à brusone dos trigos sintéticos se deve à possível resistência a esta doença atribuída à espécie A. squarrosa (Urashima & Kato, 1994), um dos progenitores desses genótipos testados. As plantas foram cultivadas em vasos de plástico com capacidade de 500 mL, preenchidos com solo de lavoura misturado com adubo NPK, fórmula 5-25-25, na dose de 250 g/t. O número de plantas em cada vaso variou de 10 a 15, mas o número de plantas avaliadas foi oito.

A produção de esporos foi realizada da seguinte forma. Os isolados, mantidos em papel-filtro, foram transferidos para placas de Petri com meio de aveia-ágar, e permaneceram em câmara de crescimento à temperatura de 23 a 25ºC por 12 dias. Para preparação do inóculo, as placas foram lavadas com água destilada acrescida de espalhante adesivo Tween 80 (2 gotas/L). O volume de suspensão para cada inoculação em planta jovem foi de 500 mL e para planta adulta, 300 mL, numa concentração de 2 x 105 conídios/mL. O volume de suspensão para inoculação de cada um dos 18 isolados foi de 500 mL, numa concentração de 2 x 105 conídios/mL. Antes da inoculação, as plantas foram climatizadas por 24 h, a 24ºC. Após a inoculação as plantas foram incubadas por 24 horas em escuro total, numa temperatura de 24ºC sob nebulização de 120s em intervalos de 60s. Após 24 h, o fotoperíodo foi ajustado para 12h de luz e a nebulização para 60s, a cada 1800 s. As plantas permaneceram por cinco dias nesta condição, até serem avaliadas. Foram avaliadas oito plantas em cada um dos três vasos que foram utilizados no experimento. O delineamento foi inteiramente casualizado, sendo que o experimento foi conduzido duas vezes.

A reação à doença, no estádio de planta jovem foi avaliada cinco dias após a inoculação, de acordo com a escala diagramática descrita por Urashima et al. (2004). Nessa escala são considerados quatro tipos de infecção, representados por notas que variam de 0 a 4. Zero significa ausência de infecção; 1 (um), lesões escuras, pequeníssimas, denominadas de "cabeça de alfinete"; 2 (dois) pequenas lesões, maiores que as do tipo 1, com coloração marrom a preta, sem o centro distinguível; 3 (três), lesões arredondadas denominadas como "mancha ocular", com o centro cinza e, 4 (quatro), lesões típicas de suscetibilidade, elípticas e com centro cinza. Quando, pelo menos, dois dos três vasos de um determinado genótipo apresentavam mais de 50% de plantas com notas 0, 1 e 2, atribuia-se o valor 0 e a condição de resistente (R) a esse genótipo (Urashima et al., 1993). Em caso contrário, quando as reações correspondentes às infecções 3 e 4 superavam o limite acima mencionado, o genótipo foi considerado suscetível (S), além de ter recebido o valor 1.

Análise dos dados

Os dados de polimorfismo de DNA dos isolados do fungo detectados via marcadores microssatélites e os resultados da reação das plantas jovens de trigo submetidas à inoculação com os mesmos isolados monospóricos foram analisados empregando-se a estimativa de similaridade genética entre os isolados. Desta forma foi necessária a construção de uma matriz de similaridade contendo dados binários para cada primer. Atribuiu-se o valor zero para ausência do alelo e valor 1 para presença do alelo. A ausência de amplificação de fragmentos por um isolado foi considerada como alelo nulo, e dados de isolados que amplificaram fragmentos em gel de agarose, mas não apresentaram a amplificação no seqüenciador foram considerados como dado perdido. A partir da matriz de similaridade genética foi possível gerar um dendrograma com base na análise molecular.

Procedimento semelhante foi utilizado para análise estatística da reação das plantas jovens de trigo submetidas à inoculação. Construiu-se uma matriz binária, na qual substitui-se os valores das reações R e S pelos dígitos 0 e 1, respectivamente. A partir dessa matriz binária foi possível gerar um segundo dendrograma. O programa estatístico NTSys 2.02 foi utilizado para a construção das matrizes de similaridade e do dendrograma, os quais foram estabelecidos pelo coeficiente de Jaccard e pelo método UPGMA, respectivamente (Rohlf, 1997; Filippi & Prabhu 2001; Meyer, 2002). O grau de consistência dos dendrogramas foi avaliado usando programa estatístico WINBOOT (Yap & Nelson, 1996). As matrizes binárias originais foram bootstrapped 1.000 vezes para gerar as matrizes variantes, as quais foram reavaliadas para gerar os dendrogramas e cujos valores de bootstrap aparecem nos nós (Figura 1A-B).


RESULTADOS E DISCUSSÃO

A amplificação do DNA dos isolados permitiu verificar a formação de fragmentos de DNA polimórficos e monomórficos (Tabela 3). O primer PG 3 apresentou dois loci, em um deles foi possível amplificar um fragmento de 113 pb comum a todos os isolados e, no segundo, foram produzidos fragmentos de 126 e 127 pb. Este é o motivo pelo qual este primer (PG 3) aparece na Tabela 3 como PG 3a e PG 3b. Além disso, considerando todos os isolados utilizados no experimento, os únicos primers monomórficos foram o PG 3a, o PG 15 e o PG 20. O primer mais polimórfico foi o PG 5, o único que permitiu a diferenciação dos isolados do Rio Grande do Sul em relação aos demais. Esse primer apresentou 4 padrões de fragmentos (197, 195, 185, 183 pb). Os primers MG 21, PG 5 e PG 12 foram capazes de diferenciar os isolados Py 5020 e Py 5038 dos demais isolados.O isolado Py 5029 foi o único que gerou bandas de 197 e 235 pb, quando submetido à amplificação com os primers PG 5 e PG 21, respectivamente. Os loci MG 1, MG 21, PG 3a, PG 3b, PG 5, PG 12, PG 15, PG 20 e PG 21 apresentaram, respectivamente, 2, 2, 1, 2, 4, 2, 1, 1 e 2 alelos (Tabela 3).

Com exceção do isolado 5039, os isolados obtidos do cultivar BRS 208 apresentaram o mesmo padrão molecular (Tabela 3). Além disso, os dois isolados obtidos do cultivar BRS Angico, Py 5001 e 5002, apresentaram padrões idênticos. Os isolados de MG e GO, com exceção do Py 6025, apresentaram o mesmo padrão molecular, não havendo distinção entre regiões e partes vegetais dos quais estes isolados foram obtidos. Vale lembrar que esses isolados são oriundos do mesmo cultivar BRS 208 em regiões geográficas diferentes, mas obtidos no mesmo ano 2006.

Todos os primers utilizados foram desenvolvidos com base no seqüênciamento do genoma de P. grisea do arroz, mas já haviam sido úteis na discriminação de isolados de P. grisea de outros hospedeiros como trigo, triticale e espécies daninhas (Brondani et al., 2000; Garrido, 2001). Esse fato evidenciou a conservação dos loci testados em isolados de diferentes hospedeiros, obtidos de regiões geográficas distintas. A presença ou ausência de locais para o anelamento dos primers também pode ser usado na discriminação dos isolados. No trabalho, houve a presença de alelos nulos nos isolados originários do cultivar BRS 208 dos estados do Paraná e Goiás para os primers PG 5 e PG 21. O locus PG 3 apresentou mais que um fragmento, fato não esperado para um organismo haplóide. Isso pode ser o reflexo do anelamento inespecífico durante a PCR ou a presença de locus duplicado no genoma (Brondani et al., 2000).

A análise hierárquica dos dados de amplificação permitiu constatar uma similaridade mínima de cerca de 47% entre os isolados de P. grisea de trigo (Figura 1A). O conjunto de isolados foi dividido em quatro grupos, caracterizados pelas letras a,b,c,d. Os isolados pertencentes a cada grupo apresentaram uma similaridade mínima entre si de 75%. O grupo "a" foi formado por 13 isolados, os quais apresentaram, no mínimo, 80% de similaridade entre si, neste grupo foram inclusos representantes de todas as regiões amostradas e de diferentes partes vegetais. Nesse grupo estão os dois isolados do Rio Grande do Sul (Py 5001 e Py 5002). O grupo "b" foi composto por dois isolados (Py 5039 e Py 6025). O grupo "c" foi formado pelo isolado Py 5029 (63% de similaridade com o restante do grupo). O grupo "d" apresentou menor similaridade genética em relação ao restante dos isolados, foi composto pelos isolados: Py 5038 e Py 5020 (47%).

As reações dos genótipos são apresentadas na Tabela 2. A combinação das reações de resistência e suscetibilidade dos genótipos, embora tenha existido a predominância dessa última, confere aos isolados a característica diferencial quanto à virulência. O espectro de virulência demonstrado pelos 18 isolados permitiu classificá-los em 13 patotipos ou raças, o que caracteriza um grau elevado de variabilidade fenotípica. Os isolados cujas reações de todos os genótipos foram de suscetibilidade foram classificados como pertecentes ao patotipo I. Obviamente que nem todas as plantas avaliadas nos três vasos de cada repetição apresentaram o mesmo tipo de reação, os dados do presente trabalho são médias, as quais foram estabelecidas utilizando critérios já relatados (Urashima et al., 1993). Além disso, o conjunto de plantas de cada genótipo não apresentou uma variação muito acentuada quanto as suas reações.

Um segundo dendrograma (Figura 1B) representando o espectro de virulência dos 18 isolados quando inoculados sobre 70 genótipos de trigo no estádio de planta jovem foi construído e possibilitou a comparação dos isolados sob dois aspectos: o padrão molecular e de virulência. A análise hierárquica do padrão de virulência dos isolados permitiu a formação de três grupos identificados pelas letras x, y e z, considerando a similaridade mínima de 75% entre os componentes de cada grupo, tendo sido o mesmo grau de similaridade estabelecido para separação dos grupos de acordo com o padrão molecular. Esse nível de similaridade é muito próximo ao estabelecido em outros trabalhos para classificar P. grisea em grupos com o mesmo padrão molecular ou de virulência (Filippi & Prabhu, 2001).

Tanto na análise molecular quanto no espectro de virulência a maioria dos isolados apresentou mais de 85% de similaridade. Porém, o isolado Py 5002 apresentou cerca de 32% de similaridade com os demais isolados no espectro de virulência. Já na análise molecular, este isolado apresentou uma similaridade de, pelo menos, 75% com 12 dos 18 isolados utilizados no experimento, além de ter sido idêntico ao Py 5001, isolado virulento a todos os genótipos testados. Os isolados Py 5038 e 5020 formaram um grupo com o mesmo padrão molecular, embora em termos de virulência eles tenham sido diferentes, com menos de 60% de similaridade. Embora sejam diferentes quanto à virulência, o posicionamento do isolado Py 5020 no grupo "x" de virulência é o que mais se difere dos demais isolados.

A expectativa do trabalho era a de que seria possível, baseando-se nos dois critérios utilizados, formar grupos de isolados com integrantes comuns, ou seja, estabelecer uma característica única que contemplasse aspectos relacionados à variabilidade genética e fenotípica, esta última apresentada pela questão da virulência. Observando-se, os dendrogramas construídos, e levando-se em consideração que a maioria dos isolados pertencem a grupos com mais de 75% de similaridade entre si, independente do critério (genético ou de virulência), pode-se afirmar que a variabilidade genética detectada foi bastante compatível com a variabilidade fenotípica e a expectativa inicial do trabalho foi contemplada. Já foi proposto, para P. grisea do arroz, que a relação entre as características moleculares e de virulência seria direta (Levy et al., 1991), ou seja, a proposição era a de que marcadores moleculares de DNA agrupassem somente variantes do fungo com características idênticas de virulência. No entanto, avaliações realizadas em períodos posteriores demonstraram que é possível existir diversidade entre e dentro dos grupos formados de acordo com cada um dos dois critérios (Maciel et al., 2004; Zeigler et al., 1995). Nesta situação, provavelmente, se inclui o isolado Py 5002, avaliado no presente trabalho, e cuja relação com os demais isolados não foi a mesma de acordo com o critério utilizado para agrupamento.

Persistem as expectativas em torno da geração de cultivares de trigo que sejam mais resistentes à brusone, e que venham a minimizar os danos causados pela doença. Os resultados obtidos no presente trabalho fornecem um direcionamento para futuras ações de pesquisa com o objetivo de atender as expectativas mencionadas acima. É necessário investigar se a variabilidade genética do fungo é mais ampla do que a observada, seria interessante relacionar informações sobre variabilidade genética e aspectos como locais e genótipos onde os isolados são obtidos. Marcadores microssatélites obtidos do genoma de P. grisea do trigo, e não de P. grisea do arroz, como os que foram utilizados, podem ser mais informativos. Também seria de muita validade o avançar o conhecimento na determinação fontes mais eficientes de resistência à doença. Os trigos sintéticos continuam sendo uma boa opção, apesar do baixo nível de resistência demonstrado por aqueles que foram usados no presente trabalho.

AGRADECIMENTOS

A primeira autora agradece à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – CAPES pela concessão de bolsa de estudo, ao Centro Nacional de Pesquisa de Trigo - CNPT pela estrutura física disponibilizada para a condução do trabalho, e às pesquisadoras Marta Filippi e Jurema Schons pelas correções do trabalho.

Recebido 15 Outubro 2008

Aceito 17 Novembro 2009

Autor para correspondência: João L.N. Maciel, e-mail: jmaciel@cnpt.embrapa.br Editor de Seção: Luis Eduardo Aranha Camargo

  • Anjos JRN dos, Silva DB da, Charcar MJD, Rodrigues, GC (1996) Ocorrência de brusone (Pyricularia grisea) em trigo e centeio na região dos cerrados do Brasil Central. Pesquisa Agropecuária Brasileira 31:79-82.
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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    18 Mar 2010
  • Data do Fascículo
    Dez 2009

Histórico

  • Recebido
    15 Out 2008
  • Aceito
    17 Nov 2009
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