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Empreendedorismo feminino e os desafios enfrentados pelas empreendedoras para conciliar os conflitos trabalho e família: estudo de casos múltiplos em agências de viagens

Female entrepreneurship and challenges faced by women entrepreneurs to reconcile conflicts between work and family: multiple case study in travel agencies

Emprendedurismo femenino y desafíos que enfrentan las mujeres empresarias para conciliar el conflicto entre trabajo y familia: estudio de casos múltiples en agencias de viajes

Resumo

As mulheres vêm conquistando cada vez mais espaço em diversas áreas profissionais e essa evolução também ocorre no campo do empreendedorismo. No Brasil o GEM 2013 identificou que, pela primeira vez, o número de novos empreendedoras foi superior ao de empreendedores. No entanto, é reconhecido que as empreendedoras enfrentam muitas dificuldades ao tentar conciliar as suas empresas com a família. O objetivo central dessa pesquisa é analisar os desafios enfrentados pelas mulheres empreendedoras de agências de viagens para conciliar os conflitos entre o trabalho e a família. Esse estudo adotou a estratégia de pesquisa de casos múltiplos e foram selecionadas sete mulheres criadoras e gestoras de agências de viagens nos municípios de Aracaju e Barra dos Coqueiros, no estado de Sergipe. Na tentativa de conciliar bem os múltiplos papéis, essas mulheres muitas vezes se deparam com a frustração e sentimento de culpa. Nesse momento é evidenciado a importância do aporte emocional do marido e filhos. É percebido que a busca pelo ponto de equilíbrio entre as demandas conflitantes geram desgaste emocional e/ou físico.

Palavras-chave:
Empreendedorismo; Empreendedorismo Feminino; Conflito trabalho família

Abstract

Women have gained more and more space in various professional areas and this development also occurs in the field of entrepreneurship. In Brazil GEM 2013 identified for the first time, that the number of new woman entrepreneurs was higher than male entrepreneurs. However, it is recognized that women entrepreneurs face many difficulties when trying to reconcile their companies with the family. The main objective of this research is to analyse the challenges faced by women entrepreneurs of travel agencies to reconcile the conflict between work and family. This study adopted the multiple cases research strategy and were selected seven women creators and managers of travel agencies in the cities of Aracaju and the Barra dos Coqueiros, in the state of Sergipe (east coast of Brazil). In an attempt to reconcile well the multiple roles these women often face the frustration and guilt. At this moment, it shows the importance of emotional contribution of husband and children. It is noticed that the search for balance between the conflicting demands generate emotional distress and / or physical.

Keywords:
Entrepreneurship; Female Entrepreneurship; Conflict Work Family

Resumen

Las mujeres han ganado más y más espacio en diversas áreas profesionales y este desarrollo también se da en el campo de la iniciativa empresarial. En Brasil, el GEM 2013 identificó por primera vez que el número de nuevas empresarias fue superior al de nuevos empresarios. Sin embargo, se reconoce que las mujeres enfrentan muchas dificultades al tratar de conciliar sus empresas con la familia. El objetivo principal de esta investigación es analizar los desafíos que enfrentan las mujeres empresarias de las agencias de viajes de conciliar el conflicto entre trabajo y familia. En este estudio se adoptó la estrategia de investigación de casos múltiples y se seleccionaron siete mujeres creadoras y gestoras de agencias de viajes en las ciudades de Aracaju y Barra dos Coqueiros, en el estado de Sergipe (en la costa este del Brasil). En un intento de conciliar así las múltiples funciones, estas mujeres suelen enfrentarfrustración y culpa. En ese momento se muestra la importancia de la contribución emocional de esposo e hijos. El estudio indica que la búsqueda del equilibrio entre esas exigencias contradictorias generan angustia emocional y/o física.

Palabras clave:
Emprendedurismo; Mujeres Empresarias; Conflicto trabajo familia

1 INTRODUÇÃO

Além do vasto arcabouço acadêmico que se formou sobre a temática do empreendedorismo vale destacar o Monitoramento Global do Empreendedorismo (GEM) que foi iniciado em 1999 por meio de uma parceria entre a London Business School e o Babson College, abrangendo no primeiro ano 10 países. Desde então, quase 100 países se associaram ao projeto, que constitui o maior estudo em andamento sobre o empreendedorismo no mundo. Em 2013, foram incluídos 68 países, cobrindo 75% da população global e 89% do PIB mundial. O Brasil participa deste esforço desde 2000, onde a pesquisa é conduzida pelo Instituto Brasileiro da Qualidade e Produtividade (IBQP) e conta com o apoio técnico e financeiro do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (SEBRAE) (GEM, 2013GEM –Global Entrepreneurship Monitor (2013). “O Empreendedorismo no Brasil. 2013.” Curitiba: IBPQ, 2013.).

O GEM destacou em seu último relatório publicado o empreendedorismo feminino pela superação da proporção de mulheres entre os empreendedores do Brasil, demonstrando um percentual de 52,2% contra 47,8%. A taxa de empreendedores iniciais no país é similar dentre homens e mulheres, mas nas regiões Norte, Centro-Oeste e Sul elas são mais altas no gênero feminino. Na região Nordeste há um indicativo de uma pequena maioria de homens (50,9%). No geral, desde 2002, observa-se na sociedade brasileira uma crescente aproximação entre as taxas de empreendedorismo dos gêneros feminino e masculino (GEM, 2013GEM –Global Entrepreneurship Monitor (2013). “O Empreendedorismo no Brasil. 2013.” Curitiba: IBPQ, 2013.).

O particular destaque para o gênero feminino se justifica também, diante de estatísticas, pois o empreendedorismo por mulheres vem se alastrando pelo país e pelo mundo. Um crescimento que, em grande parte, se deve ao avanço da mulher no mercado de trabalho e também em resposta à discriminação sofrida em ambientes corporativos (Machado, 2012Machado, F. B. (2012). “Dilemas de Mulheres Empreendedoras em Empresas Inovadoras Nascentes”. In: Anais do Encontro da ANPAD. 36, Rio de Janeiro.; Gebran & Nassif, 2010Gebran, M. E. & Nassif, V. M. J. (2010). “Empreendedorismo Feminino: Em um mundo masculinizado, como as mulheres conquistam seu espaço?” In: SEMEAD. 13. São Paulo. Anais... SP: 2010.), onde a não equidade entre homens e mulheres ainda persiste.

Para Strobino & Teixeira (2014)Strobino, M. R. C. &Teixeira, R. M. (2014). “Empreendedorismo Feminino e o Conflito Trabalho-Família: Estudo de Multicasos no Setor da Construção Civil da Cidade de Curitiba”. Revista Administração, USP, São Paulo, 49(1):1-18. jan./fev./mar., é preciso lembrar que o gênero feminino ainda é associado ao trabalho doméstico e é perceptível que as mulheres continuam a desempenhar a maior parte desse trabalho, em particular as tarefas tidas como tipicamente femininas. Os homens continuam a guardar para si o primado das responsabilidades profissionais e continuam a ser socialmente autorizados a afastar-se de tarefas legitimadas como femininas. Essa situação de reprodução da dominação masculina coloca as mulheres numa posição desfavorável do ponto de vista de seu reconhecimento social, além de contribuir para a divisão injusta de tarefas, tanto no trabalho como dentro de casa. Machado (2012)Machado, F. B. (2012). “Dilemas de Mulheres Empreendedoras em Empresas Inovadoras Nascentes”. In: Anais do Encontro da ANPAD. 36, Rio de Janeiro. ressalta que essa capacidade de conciliar múltiplos papéis é reconhecida pelos próprios homens que a percebem como uma característica inerente à mulher.

Esse estudo é voltado ao setor de turismo, que é o de maior crescimento no mundo, tendo sua extensão e impacto econômico acrescido em torno de 50% na última década e abrigando em sua cadeira produtiva cerca de 90% de Micro e Pequenas Empresas (SEBRAE, 2013SEBRAE (2013). “Anuário das Mulheres Empreendedoras e Trabalhadoras em Micro e Pequenas Empresas”. Brasília.). Em 2012, o setor representou para o PIB mundial um crescimento de 3%, o qual ultrapassou o crescimento da economia global (2,3%). E ainda, prevê-se que, no longo prazo (2023), viagens e turismo serão responsáveis por 10% do PIB mundial, gerando milhões de postos de trabalho em uma proporção de um em cada dez (WTTC, 2013WTTC -World Travel & Tourism Council (2013) .“Travel & Tourism Economic Impact 2013 Brazil” Disponível em: <http://www.wttc.org/research/economic-impact-research/country-reports/b/brazil/>. Acesso em: 04 nov. 2013.
http://www.wttc.org/research/economic-im...
).

O contexto do presente estudo são agências de viagens de micro e pequeno porte localizadas em Aracaju e Barra dos Coqueiros no estado de Sergipe. As agências de viagem e turismo atuam como receptoras dos visitantes e turistas como também pela produção e intermediação de serviços de agenciamento de viagens, assumindo as seguintes funções: organizadoras e executoras de programas de viagens; função de relacionamento e serviço quando ocorre a entrega do produto turístico ao consumidor final; função promotora quando a agência atua como divulgadora dos destinos turísticos; função assessora quando a agência fornece informações, sugestões e orientações sobre seus produtos e serviços (Tomelin, Ruschmann & Rossini, 2013).

O objetivo central dessa pesquisa é analisar os desafios enfrentados pelas mulheres empreendedoras de agências de viagens para conciliar os conflitos entre o trabalho e a família. Especificamente busca identificar ao perfil dessas empreendedoras, as suas motivações para iniciar o negócio, os maiores conflitos que enfrentam e as estratégias adotadas para enfrenta-los. A seguir será apresentada breve revisão teórica sobre a temática central desse estudo que será utilizada para subsidiar a análise comparativa dos casos

2 EMPREENDEDORISMO FEMININO E CONFLITO TRABALHO-FAMÍLIA

A sociedade vê com bons olhos pessoas que empreendem, mas por outro lado ainda considera esta uma atividade tipicamente masculina, principalmente se o ramo escolhido não estiver associado àquelas profissões consideradas ‘adequadas para mulheres’ (Machado, 2012Machado, F. B. (2012). “Dilemas de Mulheres Empreendedoras em Empresas Inovadoras Nascentes”. In: Anais do Encontro da ANPAD. 36, Rio de Janeiro.). Essa evidência ratifica que o contexto sociocultural também poderá exercer uma força impeditiva aos objetivos organizacionais e compor o elenco das dificuldades que são enfrentadas por proprietárias e gestoras ao buscarem o crescimento ou a manutenção do empreendimento.

No Brasil, as pesquisas mais recentes abordam o tema “empreendedorismo feminino” de forma a contribuir com a existência de estereótipos quando se limitam a fazer comparações entre os sexos (Gomes; Santana & Araújo, 2009Gomes, A. F.; Santana, W. G. P. & Araújo, U. P. (2009). “Empreendedorismo Feminino: O Estado-da-arte”. In: Anais do Encontro da ANPAD. 33. São Paulo.). No entanto, como explicitam Vale, Serafim e Teodósio (2011)Vale, G. M. V.; Serafim, A. C. F. & Teodósio, A. S. C. (2011). Gênero, Imersão e Empreendedorismo: Sexo Frágil, Laços Fortes? Revista de Administração Contemporânea, Curitiba,15 (4): 631-649., é quase que inevitável fazer comparações como a anterior, diante da percepção de que as mulheres vêm conquistando cada vez mais espaço em diversas áreas, afirmando que a mulher vem conquistando lugares de destaque nas esferas social, econômica, cultural e política. No campo do empreendedorismo, também se reflete essa evolução, no entanto, com evidências de existência de preconceito.

Gomes & Santana (2009) destacam que uma das principais razões para que a mulher venha a ter o próprio negócio é a flexibilidade de horários, pois dessa forma poderá compatibilizar o trabalho e a família. Para Strobino & Teixeira (2014)Strobino, M. R. C. &Teixeira, R. M. (2014). “Empreendedorismo Feminino e o Conflito Trabalho-Família: Estudo de Multicasos no Setor da Construção Civil da Cidade de Curitiba”. Revista Administração, USP, São Paulo, 49(1):1-18. jan./fev./mar. são raras as empreendedoras que têm a fronteira entre o trabalho e a vida pessoal, ou a vida em família, bem definida, e como consequência, geralmente o conflito trabalho-família é defrontado.

Dentre os estudos realizados com relação ao conflito trabalho-família, destaca-se o de Takahashi et al. (2013)Takahashi, A. R. W.; Lourenço, M. L.; Sander, J. A. & Souza, C. P. S. (2013). “What now, Joseph? Intrapreneurship, entrepreneurial competences development and work-family conflict in professors of masters and doctorate programs in Management.” Tourism & Management Studies, 4: 1208-1219., que realizou um estudo buscando responder como docentes de Programas de Pós-Graduação em Administração stricto sensu de Curitiba-PR-Brasil, com perfil intraempreendedor, lidam com os conflitos oriundos da relação trabalho-família no desenvolvimento das competências empreendedoras, e, para tanto, toma como base a classificação de Greenhaus & Beutell de 1985, que coloca o conflito trabalho-família dentro de três dimensões: (i) tempo, que se apoia no tempo excessivo gasto no trabalho; (ii) tensão, que leva em consideração fatores de stress, como a ansiedade, a fadiga, a depressão e a irritabilidade causada pelo trabalho; (iii) comportamento, que leva em consideração a autoconfiança, a estabilidade emocional, a agressividade e a objetividade, tanto no trabalho quanto na família.

Considerando essas dimensões, é possível depreender que demandas conflitantes não são uma exclusividade para empreendedores do sexo feminino, mas, ainda assim, depreende-se da pesquisa que homens tem um maior suporte de suas esposas que terminam por minimizarem o conflito. O contrário, quando elas não abrem mão de suas carreiras profissionais para se dedicarem à família, mesmo com ajuda de terceiros, as tarefas do lar não deixam de ser sua responsabilidade, lhes cabendo o papel de gerenciá-las.

Ao se falar em conflitos envolvendo trabalho e família, Oliveira, Cazarotte & Paciello (2013) consideram dois constructos: o conflito trabalho-família que ocorre quando as responsabilidades profissionais interferem nas relações familiares, e o conflito família-trabalho quando são os problemas familiares que prejudicam o desenvolvimento do trabalho. Esses autores entendem que compreender essas relações é relevante e pode ajudar empresas a propiciarem condições favoráveis ao equilíbrio desses dois universos. Sendo assim, não se pode discordar que no ambiente corporativo é fundamental para o bom desempenho organizacional que o indivíduo, homem ou mulher, saiba administrar a vida pessoal e profissional de modo que elas não se conflitem.

Assim, percebe-se que, na administração desse conflito, as mulheres estão em desvantagem com relação aos seus colegas homens. Segundo Gomes, Guerra & Vieira (2011)Gomes, D. T; Guerra, P. V. & Vieira, B. N. (2011). “O Desafio do Empreendedorismo Feminino”. In: Anais do Encontro da ANPAD. 35. Rio de Janeiro. a necessidade de conjugar seus diversos papeis somada à dificuldade de ascensão na carreia vem motivando mulheres a desenvolverem efetivamente o potencial empreendedor para si próprias.

Estudar o equilíbrio entre vida profissional e vida pessoal para mulheres brasileiras que praticam atividades empreendedoras foi o objetivo de Quental & Wetzel em 2002, e especificamente as autoras buscaram investigar, a partir das percepções de mulheres empreendedoras, essa questão abordando aspectos de relacionamento com o companheiro, filhos, pais ou parentes idosos, amigos, cuidados pessoais e lazer.

O estudo concluiu que essas mulheres optaram pela atividade empreendedora em razão da flexibilidade e autonomia que esta proporciona e por fatores motivacionais relacionados não à necessidade, mas sim a uma estratégia deliberada buscando conciliar as demandas familiares com o trabalho. Verificou-se, ainda, que elas tendem a ser muito envolvidas psicologicamente com o trabalho, mantendo uma relação de “amor profundo”, além de despenderem de muitas horas por se sentirem responsáveis pelo sucesso ou fracasso do negócio.

Shelton (2006)Shelton, L. M. (2006). “Female Entrepreneurs, Work-Family Conflict, and Venture Performance: New Insights into the Work-Family Interface. Journal of Small Business Management. 44(2): 285–297. argumenta que a atenuação ou eliminação do conflito trabalho-família é uma condição importante na promoção do crescimento do negócio. Sendo assim, a autora formula três estratégias básicas de gestão trabalho-família. A primeira é a eliminação do conflito que implica em não constituir família ou empresa; a segunda estratégia é a redução do conflito, ou seja, constituir família pequena e utilizar terceiros para ajudar na realização das tarefas; por fim, a terceira é o compartilhamento do conflito o que implica em delegar atividades às pessoas da família ou aos seus profissionais.

Em 2007, Lindo et al. buscaram analisar as questões relativas ao equilíbrio entre vida pessoal e profissional para empreendedoras de dois diferentes ramos de atividades: creches e bufês, estabelecidas na zona sul do Rio de Janeiro, com o intuito de abranger as classes média e média alta. Os resultados da pesquisa sugerem que este aspecto está associado ao bom atendimento ao cliente, ao serviço de qualidade, ao reconhecimento pelo trabalho realizado e também à independência financeira. A preocupação com o negócio é constante mesmo quando estão de férias ou em passeio, além desta constatação algumas mulheres dão indicativos de que o motivo da sobrecarga e na delegação de atividades seja a crença de que seus funcionários não realizam as tarefas como elas as fariam. A flexibilidade de horário para todas as empresárias não implica em menos horas trabalhadas, mas em liberdade de administrar o tempo de modo que consigam, por exemplo, participar de momentos considerados especiais para seus filhos.

Por último, os resultados dessa pesquisa indicam grande importância do apoio de seus companheiros, já no que se refere ao apoio instrumental foram mais citados os empréstimos, doações na fase inicial do negócio e auxílios na forma de trabalho por parte de familiares. No geral, os achados da pesquisa demonstraram que independentemente do estado civil ou da condição materna, as empreendedoras dão prioridade à harmonia familiar ou ao cuidado a si próprias. Este fato pode estar relacionado à opção em manterem suas empresas pequenas, mas bem administradas, assim, preservam uma boa qualidade de vida.

Gomes, Guerra & Vieira (2011)Gomes, D. T; Guerra, P. V. & Vieira, B. N. (2011). “O Desafio do Empreendedorismo Feminino”. In: Anais do Encontro da ANPAD. 35. Rio de Janeiro. buscaram compreender como as mulheres percebem as motivações que as levaram ao empreendedorismo. Eles partem de estudos anteriores para definir como principais motivos, a realização pessoal, a percepção de uma oportunidade de mercado, a dificuldade de ascensão na carreira, a necessidade de sobrevivência e por último a possibilidade de conciliar trabalho e família, sendo este último o recorte que importa destacar.

Este estudo traz a figura da ‘verdadeira mulher’, aquela que originalmente tem responsabilidades com a maternidade e com a família, e ainda, revelou que algumas mulheres desistiram de sua independência financeira quando perceberam que esse papel estava comprometido. Por outro lado, constatou-se também que quando ocorria a escolha pela carreira profissional, a maternidade era adiada ou o trabalho era sobreposto à família, ou seja, o sacrifício é algo que muitas mulheres praticam, independente da escolha pela carreira empreendedora ou por qualquer outra. No entanto, constata-se, no presente, estudo que a escolha pelo empreendedorismo minimiza os conflitos em razão da maior flexibilidade de horários e rotinas, possibilitando que essas mulheres administrem melhor essas demandas conflitantes.

Strobino & Teixeira (2014)Strobino, M. R. C. &Teixeira, R. M. (2014). “Empreendedorismo Feminino e o Conflito Trabalho-Família: Estudo de Multicasos no Setor da Construção Civil da Cidade de Curitiba”. Revista Administração, USP, São Paulo, 49(1):1-18. jan./fev./mar. apresentam no seu estudo os conflitos trabalho-família percebidos por duas empresárias do setor de comércio de material de construção da cidade de Curitiba. Considerando as dimensões tempo, tensão e comportamento do modelo conceitual de Greenhaus & Beutell (1985)Greenhaus, J. H.; Beutell, N. J. (1985). “Sources of Conflict Between Work and Family Roles”. Academy of Management Review. 10 (1): 76- 88. e as ações para atenuar o conflito apresentadas por Hall (1972)Hall, D. T. (1972). A Model of Coping with Role Conflict: The Role Behavior of College Educated. Administrative Science Quarterly, 17 (4): 471-486. e Shelton (2006)Shelton, L. M. (2006). “Female Entrepreneurs, Work-Family Conflict, and Venture Performance: New Insights into the Work-Family Interface. Journal of Small Business Management. 44(2): 285–297.. As autoras se utilizaram da estratégia de casos múltiplos na pesquisa com abordagem qualitativa e coletou os dados por meio de entrevista semiestruturada. Como resultados a pesquisa identificou que o fator tempo é o mais frequentemente citado como gerador de conflitos trabalho-família e o controle emocional como a ação mais citada como atenuante desses mesmos conflitos.

3 METODOLOGIA

Esse estudo pode ser classificado como qualitativo, exploratório e descritivo. É qualitativo porque busca “descrever a complexidade do problema, analisar a interação de certas variáveis, compreender e classificar processos dinâmicos vividos por grupos sociais, contribuir no processo de mudança de determinado grupo e possibilitar, em maior nível de profundidade, o entendimento das particularidades do comportamento dos indivíduos” (Richardson, 2007: 80). É exploratório, pois a temática empreendedorismo feminino é ainda recente no Brasil e poucos estudos foram realizados no setor de turismo.

Considerando que um estudo de natureza descritiva propõe-se a descobrir características de um fenômeno, abordando de forma ampla, aspectos relacionados a uma situação específica, a um grupo ou indivíduo (Richardson, 2007), essa pesquisa também pode ser considerada descritiva. Dito de outra forma, o estudo se propõe a analisar um determinado grupo de empreendedoras a partir de opiniões, atitudes e comportamentos, com vistas a identificar características do fenômeno pesquisado de modo que seja possível sua ordenação e classificação.

Esse estudo adotou a estratégia de casos múltiplos, pois segundo Yin (2010)Yin, R. K. (2010). “Estudo de Caso: Planejamento e Métodos.” 4. ed. Porto Alegre: Bookman. a multiplicidade de casos possibilita uma melhor compreensão do fenômeno e maior profundidade no estudo, o que implica em resultados mais convincentes.

Para escolha dos casos incialmente levou-se em consideração a recomendação de Einsenhart (1989) no que se refere à quantidade adequada para o estudo de casos múltiplos, que delimita o mínimo de quatro e o máximo de dez casos. Inicialmente, visando a identificação das participantes foi utilizada a técnica metodológica snowball ou snowball sampling, traduzida como “Bola de Neve” ou “amostragem em Bola de Neve”, conhecida também como “cadeia de informantes”. Com isso, a partir de indicação, foi possível identificar, nos municípios de Aracaju e Barra dos Coqueiros, sete mulheres criadoras e gestoras de agências de viagens, válidas para compor o presente estudo.

Vale destacar também a adoção do critério da acessibilidade, sendo esta a razão pela qual essa pesquisa contempla apenas micro e pequenas empresas, pois nessas empresas as empreendedoras estão pessoalmente à frente dos negócios.

A seguir segue o Quadro 1 apresentando as empresas participantes da pesquisa, classificadas segundo a definição do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (SEBRAE, 2013SEBRAE (2013). “Anuário das Mulheres Empreendedoras e Trabalhadoras em Micro e Pequenas Empresas”. Brasília.) para o setor de serviços, em que são consideradas micro as que apresentam até 9 empregados, de pequeno porte as que possuem de 10 a 49 empregados.

Quadro 1
– Empresas participantes do estudo e sua classificação

Para coletar os dados, utilizou-se como principal fonte de evidência a entrevista que seguiu um roteiro semiestruturado. Além das entrevistas, também foram utilizados documentos como as mídias disponibilizadas no sítio das empresas e folders para juntamente com os dados da entrevista, ajudar a entender o contexto das empresas.

Com relação às categorias analíticas, vale destacar a importância de defini-las, que segundo Marconi & Lakatos (2003)Marconi, M. A & Lakatos, E. M. (2003). “Fundamentos de metodologia científica.” 5. ed. São Paulo: Atlas., o uso apropriado dessas definições contribue para uma melhor compreensão da realidade observada e evita interpretações equivocadas. Sendo assim, com base nos objetivos de pesquisa, foram definidos as categorias e os elementos de análise, apresentados no quadro 2.

Quadro 2
– Categorias analíticas e elementos de análise

Seguindo os preceitos de Yin (2010)Yin, R. K. (2010). “Estudo de Caso: Planejamento e Métodos.” 4. ed. Porto Alegre: Bookman., o protocolo do estudo de casos múltiplos é descrito a seguir: elaboração do roteiro de entrevistas com base nas categorias analíticas definidas no projeto; identificação das agências de viagens fundadas e gerenciadas por mulheres; realização do contato com as empreendedoras localizadas; agendamento da primeira entrevista; realização da primeira entrevista; adequação do roteiro para realização das próximas entrevistas; agendamento e realização das entrevistas; levantamento dos dados da empresa disponíveis em sítios na internet e em folders coletados in loco; transcrição de cada uma das entrevistas; descrição de cada caso, realização da análise comparativa dos casos e comparação com a teoria.

Visando garantir a qualidade dessa pesquisa, foram adotados como critérios de validade e confiabilidade os seguintes testes: validade do constructo para estabelecer as medidas operacionais corretamente; validade externa buscando o domínio ao qual as descobertas puderam ser generalizadas, e por fim, a confiabilidade para demonstrar que os procedimentos adotados neste estudo podem ser repetidos obtendo-se o mesmo resultado. Segue o Quadro 3 apresentando os testes e as respectivas táticas utilizadas.

Quadro 3
– Táticas utilizadas no estudo de caso

Todos os casos foram descritos individualmente seguindo a ordem das categorias analíticas, para, na sequência realizar a análise comparativa dos casos por meio da aplicação da técnica denominada cross-case analysis, que segundo Eisenhardt (1989) é utilizada para descobrir padrões entre os casos, possibilitando que sejam enfatizadas as suas semelhanças e diferenças, bem como comparar os resultados obtidos com os estudos apresentados na revisão da literatura.

Como limitações do estudo, verificou-se aquelas inerentes ao próprio método adotado, pois segundo Yin (2010)Yin, R. K. (2010). “Estudo de Caso: Planejamento e Métodos.” 4. ed. Porto Alegre: Bookman., o estudo de caso apresenta como limitação a impossibilidade de fazer generalizações estatísticas, somente é possível realizar generalizações analíticas. Outra limitação é a identificação de mulheres empreendedoras para a realização dessa pesquisa pois não existem informações disponíveis sobre o gênero dos empreendedores.

4 ANÁLISE COMPARATIVA DOS CASOS

Após a descrição dos sete casos de agências de viagens procedeu-se à análise comparativa baseada nas categorias analíticas definidas na metodologia. Também são verificadas as diferenças e similaridades entre os casos analisados, relacionando-os, sempre que possível, com a base teórica já apresentada.

4.1 Perfil das Empreendedoras

O perfil das empreendedoras de agências de viagens está apresentado no quadro 4 e foi delineado a partir dos elementos de análise: idade, naturalidade, escolaridade, estado civil, filhos, idade que começou o primeiro negócio, experiência anterior, existência de empreendedor na família e treinamento na área gerencial.

Quadro 4
– Perfil das empreendedoras de agências de viagens

Observou-se que as empreendedoras de agências de viagens deste estudo estão na faixa média de idade de 41 anos, com a mais jovem com 31 anos e a mais velha com 52 anos. Esses dados são diferentes dos apresentados pelo GEM (2013)GEM –Global Entrepreneurship Monitor (2013). “O Empreendedorismo no Brasil. 2013.” Curitiba: IBPQ, 2013., onde se destaca a faixa de idade 25 a 34 anos como a mais relevante entre os empreendedores no Brasil. Quando se observou a idade com que as empreendedoras iniciaram o primeiro negócio, a média encontrada foi de 25 anos, com a mais nova com 18 anos e a mais velha com 43 anos.

O estado civil é bem diversificado entre as empreendedoras das agências de viagens. Existem mulheres casadas, viúvas e solteiras, sendo que apenas uma delas não possui filhos. Resultado similar também foi encontrado no estudo de Gouveia, Silveira & Machado (2013), onde se verificou que o estado civil predominante é o de casada e quase todas têm filhos. Estudo anterior realizado por Machado, Barros & Palhano (2003)Machado, H. P. V; Barros, G. V. de & Palhano, D. Y. M. (2003). “Conhecendo a Empreendedora norte paranaense: perfil, porte das empresas e dificuldades de gerenciamento”. In: Anais do EGEPE- Encontro de Estudos sobre Empreendedorismo e Gestão de Pequenas Empresas. 3. 2003, Brasília. também encontrou que o estado civil de casada e a existência de um ou dois filhos é mais comum.

No tocante à naturalidade, observou-se entre as entrevistadas que apenas as empreendedoras das agências 1 e 6 estabeleceram o negócio no próprio estado, mas somente no caso da agência 6 a empresa se estabeleceu na cidade de origem. Nos demais casos as empreendedoras são naturais de outros estados a exemplo de São Paulo, Bahia e Alagoas.

A escolaridade das empreendedoras analisadas é elevada, como apresentado em outros estudos (Machado, Barros & Palhano, 2003Machado, H. P. V; Barros, G. V. de & Palhano, D. Y. M. (2003). “Conhecendo a Empreendedora norte paranaense: perfil, porte das empresas e dificuldades de gerenciamento”. In: Anais do EGEPE- Encontro de Estudos sobre Empreendedorismo e Gestão de Pequenas Empresas. 3. 2003, Brasília.; Vale & Serafim, 2010Vale, G. M. V. & Serafim, A. C. F. (2010). “Embeddedness, Empreendedorismo e Gênero: Desafios para Tornar Forte o Sexo Frágil”. In: Anais do Encontro da ANPAD. 34. RJ:). Apenas três delas não concluíram o curso universitário e as áreas de formação: Gestão de Marketing, Gestão de Recursos Humanos, Administração de Empresas e Educação. Esse resultado apresenta alguma similaridade com o estudo de Gouvêa, Machado & Silveira, (2013), que encontrou como áreas de especialização: Gestão de Negócio, Marketing, Gestão Empresarial, Contabilidade, Auditoria, Finanças, Comunicação e Filosofia da Educação. Observou-se ainda que entre as pós-graduadas, houve uma preocupação com o desenvolvimento de habilidades gerenciais através de cursos específicos. Sendo assim, a busca pelo aprendizado também é uma característica das empreendedoras desta pesquisa e de outras (Leal & Machado, 2012Leal, L. B. & Machado, H.V. (2012). “Efeitos da participação de empreendedoras em associações de mulheres de negócios no estado do Paraná”. Redes (Santa Cruz do Sul), 17 (1): 217-231.; Ducci & Teixeira, 2010Ducci; N. P. C. & Teixeira, R. M. (2010) “Articulação de Redes Sociais por Empreendedores na Formação do Capital Social: um estudo de caso de uma empresa do setor de turismo do interior do Paraná”. Turismo em Análise, 21 (1): 165-189.).

A experiência anterior se mostrou relevante em alguns estudos, a exemplo do de Corrêa & Vale (2014)Corrêa, V. S. & Vale, G. M.V. (2014). “Redes sociais, perfil empreendedor e trajetórias”. Revista Administração, USP, São Paulo, 49 (1): 1-13., que fazem correlação entre as experiências anteriores de empreendedores e o sucesso do empreendimento. Dentre as agências de viagem apenas uma empreendedora não possuía experiência profissional anterior relacionada ao setor de turismo. Vale destacar a predominância de empreendedoras que iniciaram suas atividades empreendedoras muito cedo, ainda na faixa dos 20 anos. As que não iniciaram cedo estiveram imersas no negócio da família. Percebeu-se que, de forma similar a outros estudos, a experiência profissional anterior foi fator influenciador na decisão de abrir um novo negócio.

Entre as empreendedoras entrevistadas, observou-se a existência de empreendedores na família como avós, pais, irmãos, tios, primos e marido. Esse resultado remete aos estudos de Vale & Serafim (2010Vale, G. M. V. & Serafim, A. C. F. (2010). “Embeddedness, Empreendedorismo e Gênero: Desafios para Tornar Forte o Sexo Frágil”. In: Anais do Encontro da ANPAD. 34. RJ:, p.13) que encontra entre empreendedoras “certa tradição familiar na área de negócios”. No entanto, foi possível identificar a principal referência familiar para essas mulheres, pois se excetuando três casos, as demais enalteceram a figura paterna como exemplo e inspiração em suas vidas.

4.2 Motivações

Ao comparar as motivações que influenciaram na abertura do negócio no setor de turismo, observou-se que algumas particularidades características em estudos com o recorte de gênero se fizeram presentes, a exemplo de flexibilidade de horário e razões familiares (Boden Jr., 1999; OECD, 2000OECD (2000). Les femmes entrepreneurs à la tête de PME: pour une participation dynamique à la mondialisation et à l’économie fondée sur le savoir. 29-30 nov. Paris.), mas estes não foram os únicos. Além destes, outros se apresentaram, tais como: incentivo da amiga, experiência positiva como usuária de serviços turísticos, desejo de mudança de ramo de atividade, autoconfiança, influência de amigas empresárias, sonho, espírito aventureiro, formação educacional empreendedora. A seguir, apresenta-se o quadro 5 expondo os fatores que influenciaram a abertura do negócio das empreendedoras:

Quadro 5
– Fatores que influenciaram na abertura do negócio

Para a OECD (2000)OECD (2000). Les femmes entrepreneurs à la tête de PME: pour une participation dynamique à la mondialisation et à l’économie fondée sur le savoir. 29-30 nov. Paris. as mulheres empreendem por necessidade de sobrevivência, por influência familiar ou pelo desejo de conciliar trabalho e família, ou ainda, como estratégia de conquistas para conseguir independência e autonomia. Os dados do quadro 5 apontam que as empreendedoras desta pesquisa não empreenderam por necessidade. Esse resultado se aproxima daqueles encontrados no GEM (2013)GEM –Global Entrepreneurship Monitor (2013). “O Empreendedorismo no Brasil. 2013.” Curitiba: IBPQ, 2013., onde se constatou que há predominância do empreendedorismo por oportunidade entre mulheres em uma proporção de 66,7%. Resultado diferente foi encontrado no estudo de Gouveia, Silveira & Machado (2013), onde se constatou entre as empreendedoras pesquisadas que apenas 28,5% se tornaram empreendedoras por vislumbrarem uma oportunidade.

O estudo de Quental & Wentzel, (2002) concluiu que mulheres optam pela atividade empreendedora em razão da flexibilidade e autonomia que esta proporciona e também por fatores motivacionais relacionados não à necessidade, mas sim a uma estratégia deliberada buscando conciliar as demandas familiares com o trabalho, sendo esse fenômeno também observado entre algumas das empreendedoras que participaram desse estudo.

4.3 O Conflito Trabalho-Família

O conflito trabalho-família é visto a partir dos elementos de análise: tempo dedicado à família, à empresa e a si própria; maiores conflitos existentes no momento; percepção sobre a eficiência dos papeis desempenhados; estratégias adotadas para gerenciar os conflitos; relacionamento com o marido e filhos; presença de sócio(a) como efeito minimizador no conflito e férias. Com relação à análise acerca da administração do tempo inicialmente, apresenta-se o quadro 6 com os resultados obtidos a partir dos elementos de análise: tempo dedicado à empresa, à família e a si própria.

Quadro 6
– Administração do tempo das empreendedoras

Com exceção da empreendedora da agência 5, as empreendedoras não conseguem administrar o tempo de modo que atenda satisfatoriamente as demandas e em consequência dessa “falta de tempo” essas mulheres vivenciam, quando não todos, ao menos um conflito da tríade. Nesse sentido, Strobino & Teixeira (2014)Strobino, M. R. C. &Teixeira, R. M. (2014). “Empreendedorismo Feminino e o Conflito Trabalho-Família: Estudo de Multicasos no Setor da Construção Civil da Cidade de Curitiba”. Revista Administração, USP, São Paulo, 49(1):1-18. jan./fev./mar. também constataram que a questão da administração do tempo é relevante na geração de conflitos entre o trabalho e a família.

No que se refere aos maiores conflitos existentes no momento, verificou-se que os mais vivenciados são aqueles decorrentes da tentativa de conciliar o trabalho e a família. Depois, destacou-se os conflitos vivenciados nas três dimensões simultaneamente, e por último, a menor recorrência foi para o conflito entre a vida pessoal e o trabalho. A seguir apresenta-se a figura 1 representando todas empreendedoras pesquisadas e os conflitos que vivenciam.

Figura 1
- Conflitos trabalho-família-vida pessoal

O conflito trabalho-família é experimentado pelas empreendedoras das Agências 2, 3, 6 e 7. No caso da empreendedora da Agência 2 o maior desafio é cuidar das tarefas domésticas e da filha sem detrimento do trabalho. Para as empreendedoras das Agências 3 e 6 o desafio está em cuidar de seus filhos sem detrimento do trabalho, enquanto que a empreendedora da Agência 7 considera que precisa dar mais atenção ã família.

No que concerne aos conflitos vivenciados nas três dimensões, trabalho-família-vida pessoal, verificou-se que a empreendedora da Agência 1, enfrenta uma maior quantidade de conflitos, pois convive com os três conflitos. Na Agência 1, o maior desafio é dispor de tempo para cuidar de si mesma.

Por último, o conflito trabalho-vida pessoal é vivenciado pelas empreendedoras das Agências 4 e 7, e nesse aspecto o maior desafio para essas empreendedoras é dispor de tempo para cuidarem de si mesmas. Ainda com relação a esses conflitos, merece destaque a empreendedora da Agência 5, que não o vivencia, pois não possui marido ou filho.

Vale ressaltar que independentemente do tipo de conflito vivenciado, é coerente afirmar que as experiências nesse sentido acabam por influenciar na percepção das empreendedoras acerca de sua eficiência nos papéis desempenhados. Antes de discutir essa afirmativa, apresentase o quadro 7 com o resumo do ponto de vista de cada uma das empreendedoras.

Quadro 7
– Percepção sobre a eficiência dos papéis desempenhados

Verificou-se que em geral as empreendedoras avaliam que não conseguem administrar todos os papéis de forma equilibrada, e mesmo considerando que a empreendedora da Agência 3 não pontuou onde o seu desempenho é menor, infere-se que em pelo menos um dos papéis a empreendedora deixa a desejar, visto que o sentimento de culpa com relação à filha se fez presente em seu discurso. A exceção mais uma vez é a empreendedora da Agência 5, pelas razões já expostas. No estudo, as empreendedoras das Agências 2e 6 compartilham do mesmo sentimento de culpa que a empreendedora da Agência 3. Esse resultado vai ao encontro de outros estudos na literatura (Quental & Wetzel, 2002Quental, C. & Wetzel, U. (2002). “Equilíbrio Trabalho-Vida e Empreendedorismo: a Experiência das Mulheres Brasileiras”. In: Anais do Encontro Nacional da ANPAD. 26, Salvador.; Jonathan & Silva, 2007Jonathan, E. G & Silva, M. R. (2007) “Empreendedorismo feminino: tecendo a trama de demandas conflitantes”. Psicologia & Sociedade; 19 (1): 77-84., Jonathan, 2011Jonathan, E. G. (2011). “Mulheres empreendedoras: o desafio da escolha do empreendedorismo e o exercício do poder.” Psicologia Clínica. Rio de Janeiro, 23 (1): 65-85).

Além do achado supradito, nesse estudo observou-se uma correlação entre o sentimento de culpa das empreendedoras e a idade em que filhos demandam de mais atenção, pois dentre essas 4 empresárias, 3 delas possuem filhos na faixa etária entre 4 e 12 anos. Gerenciar todos esses conflitos não é uma tarefa fácil, mas as empreendedoras criam estratégias para gerenciar os conflitos e se aproximarem do ponto de equilíbrio entre as dimensões trabalho, família e vida pessoal. Para analisar esse aspecto, inicialmente foi elaborado o quadro 8 confrontando os maiores desafios existentes com ações e comportamentos depreendidos dos depoimentos das empreendedoras.

Quadro 8
– Estratégias adotadas para gerenciar os conflitos

Confrontadas as variáveis de maiores conflitos existentes com as variáveis de estratégias adotadas para conciliá-los, revelou-se importante melhor elucidar a questão por meio da figura 2:

Figura 2
– Estratégias adotadas para gerenciar os conflitos

A análise desse tópico parte das três estratégicas básicas de gestão dos conflitos trabalhofamília, segundo as dimensões definidas por Shelton (2006)Shelton, L. M. (2006). “Female Entrepreneurs, Work-Family Conflict, and Venture Performance: New Insights into the Work-Family Interface. Journal of Small Business Management. 44(2): 285–297., que são (i) a eliminação que consiste em não ser empreendedora e sendo por esta razão descarta; (ii) a redução que consiste em constituir família pequena e recorrer a terceiros para obter ajuda com as tarefas do lar; (iii) o compartilhamento que implica em delegar atividade aos familiares ou aos funcionários.

Isso posto, constatou-se que na conciliação desses conflitos ocorreu o compartilhamento, mas não de forma predominante, pois nesse aspecto observou-se que elas tentaram se aproximar do que Tiedge (2004 apud Jonathan & Silva, 2007Jonathan, E. G & Silva, M. R. (2007) “Empreendedorismo feminino: tecendo a trama de demandas conflitantes”. Psicologia & Sociedade; 19 (1): 77-84.) chama de ‘super mulher’, ou seja aquela que tenta atingir a maior eficiência possível nos diversos papéis que desempenha.

Sobre o relacionamento do marido e filhos com as empreendedoras, verificou-se que estes ou são parte das estratégias das empresárias quando se somam a elas, ou são o motivo para que as estratégias sejam elaboradas. Analisando dessa forma, verificou-se que nas Agências 1, 2, 3 e 7 essas pessoas são facilitadores e minimizam os conflitos. Já não acontece a mesma coisa nos casos das Agências 3, 4, 6. Nesta segunda situação, importa destacar que os filhos ainda são crianças, o que indica que as dificuldades impostas por eles não são deliberadas. Diferentemente desses casos, a empreendedora da Agência 4 tem que administrar a aversão do filho ao seu trabalho e inércia do marido com relação à vida profissional. O quadro 9 apresenta um resumo da situação discorrida acerca dos relacionamentos entre marido e/ou filhos e as empreendedoras.

Quadro 9
– Relacionamento com marido e filhos

Ainda sobre relacionamentos, merece destaque a empreendedora da Agência 2 que no início do negócio enfrentou a desaprovação do marido, mas que depois do sucesso da empreitada ganhou um marido-parceiro e filhos mais dedicados. Esse resultado vai ao encontro do estudo de Machado (2012)Machado, F. B. (2012). “Dilemas de Mulheres Empreendedoras em Empresas Inovadoras Nascentes”. In: Anais do Encontro da ANPAD. 36, Rio de Janeiro. que observou a ocorrência do mesmo fato.

A presença de sócio como efeito minimizador no conflito é outro aspecto analisado no presente trabalho. As empreendedoras que efetivamente recebem o aporte de um sócio ou equivalente (marido, por exemplo), admitem que demandariam de mais tempo na empresa se não fosse a ajuda recebida. Mulheres que não contam com esse tipo de parceria não souberam avaliar a situação ou supuseram que a ajuda reduziria os conflitos. Por fim, as empreendedoras que já trabalharam com esse tipo de parceria e não obtiveram sucesso, sequer cogitam a possibilidade de constituírem sociedade, ao contrário, asseveram que sócio seria mais um problema a administrar.

Por fim, verificou-se que férias não é uma realidade para as empreendedoras. Constatou-se que algumas conseguem tirar folgas em torno de 10 dias. Outras, nem isso. Aquelas que conseguem sair do ambiente da empresa para “descansar” não conseguem se desvencilhar do trabalho.

5 CONCLUSÕES

O perfil das empreendedoras das agências de viagens é diferente do apresentado pelo GEM (2013)GEM –Global Entrepreneurship Monitor (2013). “O Empreendedorismo no Brasil. 2013.” Curitiba: IBPQ, 2013. nos aspectos: escolaridade, tendência de estabelecer negócio na própria cidade e faixa etária. Nesse estudo as empreendedoras possuem um elevado nível de escolaridade, apenas uma minoria estabeleceu negócio na própria cidade e a faixa etária não se enquadra no empreendedorismo jovem. Com relação à motivação para empreender, identificou-se que não houve caso de empreendedorismo por necessidade de sobrevivência, se aproximando dos resultados apresentado pelo GEM (2013)GEM –Global Entrepreneurship Monitor (2013). “O Empreendedorismo no Brasil. 2013.” Curitiba: IBPQ, 2013. onde se registrou entre as mulheres uma predominância do empreendedorismo por oportunidade.

Acerca do conflito trabalho-família, apenas uma empreendedora não possui marido ou filhos, e todo o seu tempo é dedicado ao trabalho e a si própria. No entanto, vale ressaltar que esse não é o perfil predominante entre empreendedoras brasileiras (GEM, 2013GEM –Global Entrepreneurship Monitor (2013). “O Empreendedorismo no Brasil. 2013.” Curitiba: IBPQ, 2013.), nem entre as mulheres desse estudo. Na tentativa de conciliar bem os múltiplos papéis, essas mulheres muitas vezes se deparam com a frustração e sentimento de culpa. Evidenciando-se, nesse momento a importância do aporte emocional do marido e filhos.

Importa destacar, ainda sobre os conflitos, que a empreendedora é a parte mais sacrificada. Primeiro, porque os cuidados a si própria estão condicionados a “sobra de tempo” e assim, elas se negligenciam para dar assistência afetiva aos que lhes são caros. Segundo, porque a busca pelo ponto de equilíbrio entre as demandas conflitantes geram um desgaste emocional e/ou físico, chegando a afetar a autoestima e o moral das empresárias. Mas, apesar disso tudo, a dedicação dessas mulheres ao trabalho e às suas empresas, é muito grande.

Conhecendo esse perfil não é surpreendente constatar que no geral as empreendedoras praticamente não tiram férias e têm dificuldade de se desvencilharem do trabalho. As que o fazem, o conseguem em razão do apoio da equipe de trabalho. As empreendedoras que podem contar com a ajuda efetiva de sócio conseguem equilibrar melhor o conflito trabalho-vida pessoal, no entanto, aquelas que tiveram experiências negativas com sócios, descartam totalmente a possibilidade de novas parcerias.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Abr 2016

Histórico

  • Recebido
    01 Fev 2015
  • Aceito
    22 Out 2015
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