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Apresentação

Apresentação

O ano de 2011 marca dois séculos da morte trágica de Heinrich von Kleist (1777-1811), um dos mais importantes e instigantes autores da literatura alemã. Na Alemanha, a data foi lembrada com eventos, encenações, novas publicações; até mesmo a sepultura do autor, às margens do lago „Kleiner Wannsee", em Berlim, foi restaurada. Em diversas cidades brasileiras, foram realizadas leituras públicas de suas peças, incentivadas pela Sociedade Heinrich von Kleist (Heinrich-von-Kleist-Gesellschaft) e pelo Festival Internacional de Literatura de Berlim (Internationales Literaturfestival Berlin). Na USP, duas mesas da Jornada de Literatura Alemã de 2011 foram dedicadas ao autor. No âmbito acadêmico brasileiro, parece haver um crescente interesse pela obra de Kleist. Há pesquisas atuais, já concluídas ou em desenvolvimento (Cf. Castro 2006; 2008); uma nova tradução da novela Terremoto no Chile, publicada em 2007 (Cf. Kleist, 2007); um número especial da Revista Floema (ano 4, n. 4 2008), com conferências de Hans Ulrich Gumbrecht e a tradução de um ensaio de Kleist. Na Pandaemonium Germanicum foi publicado, em 2007, em homenagem aos 230 anos nascimento do autor, um número com três artigos sobre a obra de Kleist. Neste segundo número de 2011, apresentamos um Especial Kleist, com três textos que se dedicam à obra do autor.

Abre o Especial o artigo de Kathrin Rosenfield sobre As ironias caleidoscópicas de Kleist em O noivado de Santo Domingo, última novela do autor. Rosenfield defende a ideia de que, através do enredo de um amor trágico, a novela discute os discursos sociais do início do século XIX. Segundo a autora, a narrativa "elabora os conflitos e contradições que marcam os discursos emancipatórios da época (ao salientar as contradições dos discursos racistas) e [...] as perplexidades e dúvidas dolorosas que agitavam o autor [...] (na forma de alusões autoirônicas)”.

Ao artigo de Rosenfield segue-se um breve ensaio de Ulrich Beil, Elektrische Schrift. Eine Anmerkung zur Medialität in Kleists Anekdote Der Griffel Gottes. Nele Beil, enfatizando os aspectos do texto nos quais se realiza uma reflexão sobre midialidade, analisa a anedota O lápis de Deus, na qual um raio "escreve” um novo epitáfio em uma lápide. A própria figura de Kleist, por sua vez, é incorporada em uma das mídias e se torna personagem literária em um texto de Robert Walser, analisado no artigo Sobre um retrato vivo de Kleist, de Douglas Pompeu. Este interpreta a ficcionalização de Kleist como atualização e tentativa de diálogo com a tradição literária.

A segunda parte da seção de Literatura/Cultura apresenta um estudo sobre o primeiro ensaio de Walter Benjamin a respeito de um escritor tão inclassificável quanto Kleist, Hölderlin (1770-1843), por Martín Baigorria no artigo La balanza y los platillos. Hölderlin, Benjamin y la escena de la Historia. Baigorria contextualiza a recepção de Hölderlin no início do século XX e o interesse do jovem Benjamin pela figura e pela obra de Hölderlin.

Dentre os autores e personagens extemporâneos da Literatura Alemã, o Fausto também é assunto desta edição. A história das diferentes versões dessa personagem, bem como sua passagem do teatro de animação ao texto literário é tema do artigo de Pedro Heliodoro Tavares Fausto como teatro de animação: suas origens sacro-profanas e influências sobre a tradição literária.

A seção de Literatura/Cultura apresenta ainda dois artigos nos quais se evidenciam aspectos de interdisciplinaridade, campo que cada vez mais se consolida no pensamento crítico como articulador de várias áreas do saber. Em História da arquitetura ou arquiteturas da história: uma leitura de Austerlitz, de W. G. Sebald, Vinícius Carvalho Pereira analisa a função da arquitetura no romance de Sebald. Segundo o autor, esta narrativa procura rastrear na arquitetura os indícios do que viria a ser um dos maiores massacres do século XX, a Shoah.

Maria Aparecida Barbosa apresenta a obra de Carl Einstein (1885-1940), escritor, crítico dadaísta e influente pensador do campo das artes modernas, no artigo Carl Einstein interdisciplinar: sobre ‘Escultura Negra’, livro que foi recentemente traduzido no Brasil.

A partir deste número 18 da Pandaemonium Germanicum uma seção de entrevistas integrará, quando houver ensejo, a nossa revista. Pretende-se apresentar entrevistas com personalidades significativas para história e cultura alemãs ou que contribuem para o intercâmbio da cultura alemã no Brasil. Nesse sentido, integra o presente número uma Entrevista com Simone Neteler, Wie Walter Kempowskis Echolot entstand, feita por Valéria Sabrina Pereira. Neteler foi uma das principais colaboradoras de Kempowski em seu diário coletivo, articulado através de documentos da época e que oferecem uma visão abrangente e multifacetada da Segunda Guerra Mundial.

Na seção dedicada a Língua/Linguística, temos cinco contribuições de natureza diversa. A primeira é o estudo linguístico-comparativo de Raoni Naraoka de Caldas (Estudo linguístico comparativo sobre onomatopeias em histórias em quadrinhos: português/alemão), que aborda, de maneira original e criativa, as onomatopeias e interjeições em português e em alemão, tendo como objeto de análise a linguagem das histórias em quadrinhos (HQ). Na imitação dos sons e na sua representação gráfica, características próprias da linguagem dinâmica das HQs, registra-se a função expressiva da linguagem oral diretamente ligada à competência linguístico-pragmática do falante em sua comunidade cultural de origem.

Dois outros estudos têm por tema o ensino de Alemão como Língua Estrangeira (ALE) no contexto brasileiro de ensino-aprendizagem de Línguas/Culturas Estrangeiras (LCE). O foco do estudo comparativo de Mergenfel Vaz Ferreira (Olhares brasileiros e alemães: Um estudo da percepção, interculturalidade e ensino de Línguas/Culturas Estrangeiras), de enquadre semiótico-social, é a dimensão intercultural envolvida no processo de aprendizagem de LCE. Através da interação entre leitores e textos multimodais, ilustrada pela análise e interpretação de anúncios publicitários feitas por aprendizes alemães de Português como Língua Estrangeira (PLE) e aprendizes brasileiros de Alemão como Língua Estrangeira (ALE), a autora demonstra ser possível depreender diferenças na percepção de um mesmo fenômeno como decorrentes da diversidade de percepção das coisas em cada cultura.

Ainda no contexto de ensino/aprendizagem de línguas/culturas estrangeiras, o uso de ferramentas fornecidas pela tecnologia da informação e da comunicação revelou-se um aliado inestimável no processo de formação inicial de professores de alemão e no desenvolvimento do pensamento crítico-reflexivo dos novos profissionais. As autoras do artigo O ambiente virtual na formação inicial de professores de alemão como apoio para o ensino e a aprendizagem da língua e a reflexão sobre ações docentes, Cibele de Faria Rozenfeld e Maria Cristina Reckziegel Guedes Evangelista, discutem as possibilidades oferecidas pela plataforma Moodle de aprendizagem na formação inicial de professores de alemão e as diferentes formas de uso de ambientes virtuais, tais como fóruns online e o uso da plataforma em diferentes projetos didáticos.

Na área de sociolinguística, dois trabalhos dedicam-se a pesquisar o contato linguístico português/alemão no contexto da introdução de variedades dialetais do alemão falado em solo brasileiro pelas levas de imigrantes de diferentes regiões da Alemanha no século XIX. Tais variedades dialetais se firmaram nas comunidades alemãs como línguas de interação social e são faladas até hoje nas regiões colonizadas pelos imigrantes, mas, devido ao contato com o português falado, houve contaminação linguística de diversos tipos, tais como empréstimos, misturas e troca contínua de códigos linguísticos (code switching). Neste contexto se encaixa o artigo de Angelika Gärtner (Der schnodert em alemão – Beispiele portugiesischer Entlehnungen und deutsch-portugiesischer Sprachmischungen aus Südbrasilien (São Bento do Sul, SC)), que trata do contato linguístico entre o português brasileiro e o alemão falado por descendentes de imigrantes alemães de uma pequena localidade situada no sul do Brasil.

Por fim, o artigo de Beate Höhmann e Mônica Maria Guimarães Savedra (Das Pommerische in Espírito Santo: Ergebnisse und Perspektiven einer soziolinguistischen Studie) discute aspectos da manutenção linguística e as medidas de preservação do pomerano, variedade dialetal do alemão falado pelos descendentes de imigrantes alemães no estado do Espírito Santo, sudeste do Brasil. Com base em dados sociodemográficos da comunidade linguística estudada, são apresentados dados quantitativos sobre a preferência linguística e de transmissão intergeracional da língua, realizados dentro de um projeto de implementação do pomerano nas escolas, de âmbito estadual, que visa a revitalização das línguas minoritárias, sua padronização e sua preservação.

Ao concretizar com o presente número nossa segunda publicação na Coleção SciElo, agradecemos de forma especial aos nossos autores, pareceristas e revisores, e esperamos que os leitores aproveitem as contribuições apresentadas ao longo das mais de 300 páginas desta nova Pandaemonium Germanicum.

São Paulo, 15 de dezembro de 2011

Eloá Heise, Juliana P. Perez, Masa Nomura

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    16 Jan 2012
  • Data do Fascículo
    Dez 2011
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