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Estudo linguístico comparativo sobre onomatopeias em histórias em quadrinhos: Português / Alemão

A comparative linguistic study on onomatopoeia in Portuguese/German comics

Resumos

Nesta pesquisa foi investigado o uso peculiar das onomatopeias na linguagem das histórias em quadrinhos e como o processo de criação de novas expressões nesse contexto respeita o sistema fonético e fonotático de cada língua. Foi realizada uma pesquisa empírica, para a qual falantes nativos de língua portuguesa e alemã foram solicitados a sugerir ou criar as onomatopeias que julgassem adequadas para diversas cenas de histórias em quadrinhos[1] que lhes foram apresentadas editadas, com as onomatopeias originais retiradas. Através da análise dos dados foi possível identificar algumas características específicas quanto à sequência fonética e a organização silábica das onomatopeias nesses idiomas.

interjeições; onomatopeias; histórias em quadrinhos; linguística comparativa


This study investigates the peculiar use of onomatopoeia in the language of comics as well as how the process of creation of new expressions in this context respects the phonetic and phonotactic systems of each language. An empirical investigation was conducted, in which native speakers of both German and Portuguese were asked to suggest or create the onomatopoeia that they judged adequate for several edited comic panels, in which the original onomatopoeia had deliberately been omitted. The analysis of the data made it possible to identify some specific characteristics regarding the phonetic sequence and the syllabic organization of the onomatopoeia in these languages.

interjections; onomatopoeia; comics; comparative linguistics


LÍNGUA/LINGUÍSTICA

Estudo linguístico comparativo sobre onomatopeias em histórias em quadrinhos: Português / Alemão

A Comparative Linguistic Study on Onomatopoeia in Portuguese/German comics

Raoni Naraoka de CaldasI

IMestrando em Língua e Linguística Alemã pela FFLCH-USP. Email: raoninosul@gmail.com. O artigo é baseado na pesquisa desenvolvida pelo autor em 2010, como Trabalho de Graduação Individual para o Departamento de Letras Modernas da FFLCH-USP, sob orientação da Profa. Dra. Selma Martins Meireles – selmamm@usp.br

ABSTRACT

This study investigates the peculiar use of onomatopoeia in the language of comics as well as how the process of creation of new expressions in this context respects the phonetic and phonotactic systems of each language. An empirical investigation was conducted, in which native speakers of both German and Portuguese were asked to suggest or create the onomatopoeia that they judged adequate for several edited comic panels, in which the original onomatopoeia had deliberately been omitted. The analysis of the data made it possible to identify some specific characteristics regarding the phonetic sequence and the syllabic organization of the onomatopoeia in these languages.

Keywords: interjections; onomatopoeia; comics; comparative linguistics

RESUMO

Nesta pesquisa foi investigado o uso peculiar das onomatopeias na linguagem das histórias em quadrinhos e como o processo de criação de novas expressões nesse contexto respeita o sistema fonético e fonotático de cada língua. Foi realizada uma pesquisa empírica, para a qual falantes nativos de língua portuguesa e alemã foram solicitados a sugerir ou criar as onomatopeias que julgassem adequadas para diversas cenas de histórias em quadrinhos[1] [1] Todos os direitos são reservados aos produtores. Informações relativas ao Copyright encontram-se descritas nas referências bibliográficas. que lhes foram apresentadas editadas, com as onomatopeias originais retiradas. Através da análise dos dados foi possível identificar algumas características específicas quanto à sequência fonética e a organização silábica das onomatopeias nesses idiomas.

Palavras-chave: interjeições; onomatopeias; histórias em quadrinhos; linguística comparativa

1 Introdução

Em seu estudo detalhado sobre as características formais das histórias em quadrinhos, o italiano Daniele Barbieri (1998) define as linguagens artísticas como ambientes dentro dos quais as ideias são produzidas, e não simplesmente como instrumentos que os emissores utilizariam para realizar a comunicação. Desse modo, a linguagens artísticas não definem somente o modo de expressão. O artista realiza sua criação dentro de um destes ambientes, que influenciam na própria formação das ideias, determinando o que pode ou não ser comunicado, além de como isso pode ser comunicado (cf. Barbieri 1998: 12).

Cada linguagem artística possui meios próprios para realizar a comunicação. Conforme evoluem estas linguagens, desenvolvem-se signos cada vez mais específicos, que necessitam de conhecimentos prévios por parte do receptor para receberem uma correta interpretação e efetivarem com sucesso sua função comunicativa (cf. Grünewald 2000: 37-45; Eco 2004: 145).

Na linguagem das histórias em quadrinhos, um destes signos específicos é a representação de uma dimensão sonora inexistente através de onomatopeias (em quadrinhos impressos, "tradicionais", já que as produções para mídias eletrônicas, ainda exceções, podem contar com uma reprodução sonora fiel). A utilização de representações linguísticas dos sons naturais é utilizada desde a década de 1890 pelos produtores de quadrinhos. Durante o século XX o uso das onomatopeias foi constantemente aprimorado e adaptado às mais variadas tendências artísticas desta linguagem.

2 Estudos linguísticos sobre onomatopeias e interjeições

O termo onomatopeia designa o processo de criação de palavras através da imitação de sons naturais e também as palavras formadas através deste processo. O processo onomatopaico pode gerar palavras de diversas classes gramaticais. Uma grande parte dessas palavras é classificada como interjeição, termo que gera muitas divergências entre os gramáticos, não sendo consenso sua classificação como classe de palavras, partícula invariável ou palavra/locução com valor de predicação de uma frase. Serão apresentados alguns conceitos encontrados nos ainda poucos estudos linguísticos que abordam o assunto. Dentre aquelas examinadas para esta pesquisa, apenas as obras de Nogueira (1950a) e Havlik (1981) apresentam análises que procuram relacionar a forma das onomatopeias com sua significação, como ocorre com a presente análise. Nas obras restantes, a preocupação maior é com o estabelecimento de critérios para a classificação linguística destas expressões.

A maior parte do material pesquisado tanto em alemão quanto em português apresenta definições semelhantes: interjeições e locuções interjetivas são expressões invariáveis que usamos para expressar nossos sentimentos e sensações de modo vivo. A classificação também é semelhante na maioria das obras consultadas, de acordo com o sentimento ou sensação denotados: de alegria, de espanto, de dor etc. Cegalla (1970), Kury (1990) e Luft (1976) apresentam uma classificação a partir da forma da interjeição: ou se tratam de formas próprias, exclusivamente interjeições, ou de aproveitamentos de vocábulos já existentes, critério também presente no dicionário Houaiss (2001) e na gramática Duden (2005).

Entre as gramáticas consultadas, as de Bechara (1980: 166-167), Cegalla (1970: 227-229), Kury (1990: 221-222), Luft (1976: 144), Pinto (1996: 150) e Said Ali (1964: 105) da língua portuguesa, e a Duden (2005: 604-606), da língua alemã, classificam as interjeições como uma classe de palavras. Outros gramáticos preferem considerar a interjeição como uma palavra (ou locução) com o valor de uma frase completa, entre eles estão Azeredo (2008: 77-78), Back e Mattos (1972: 349-350), Cunha (1980: 546) e Gärtner (1998: 632-683) nas obras sobre a língua portuguesa, e Engel (1991: 772-773) e Erben (1972: 61) nas obras sobre a língua alemã. Barros (1985: 32-33) afirma categoricamente que interjeições não constituem uma classe de palavras por se realizarem exclusivamente na fala e pertencerem à "linguagem afetiva".

No artigo "Interjektionen: Deutsch – Portugiesisch" (2003), Koller faz uma comparação entre interjeições encontradas em dicionários de língua alemã e portuguesa. Ele estabelece uma classificação baseada nas distinções atribuídas às funções elementares da comunicação por Karl Bühler (1. representação do contexto, 2. apelo ao interlocutor, 3. expressão do falante) e Roman Jakobson (4. fática, 5. metalinguística, 6. poética). Dentro de cada uma dessas seis categorias há vários subgrupos, ao todo são 40 classificações diferentes.

Entre as interjeições com predominante função de representação [darstellungsfunktionale Interjektionen], há uma primeira diferenciação entre arbitrárias (signos arbitrários como "bingo!", em português e em alemão, que não apresentam características de imitação sonora) e onomatopaicamente motivadas (cf. Koller 2003: 175-184). Entre as últimas, encontra-se a maior parte das onomatopeias encontradas em histórias em quadrinhos.

A motivação pode ser ótico-mimética (optisch-mimetisch) ou acústico-mimética (akustisch-mimetisch - Schallwort), levando em conta que "essa proposta de caracterização não exclui que as interjeições possam ser ambíguas, podendo constar em mais de uma categoria" (Id.: 176). Onomatopeias ótico-miméticas são expressões como "ZACK!" em alemão ou "ZÁS!" em português, que representam movimentos rápidos, evocando-os através de sua forma e sonoridade. Este tipo de expressão também está presente no dicionário Houaiss (palavras expressivas), e nas gramáticas de Erben (Schallwörter – palavras sonoras – 1972: 188) e Duden (sem denominação específica – 2005: 606), sendo que nas duas últimas obras destaca-se a função adverbial destas expressões.

Já entre as interjeições com predominante função expressiva (ausdrucksfunktionale Interjektionen) encontra-se a maior parte das interjeições, do modo como são definidas pela maioria das gramáticas. São divididas entre palavras de sensações (Empfindungswörter), expressões de sentimentos (Gefühlsausdrücke), ambas subdivididas entre positivas e negativas, além das expressões de atitudes (Einstellungsausdrücke), subdivididas entre neutras (indiferença ou surpresa) e avaliativas (negativas ou positivas – Id.: 189-197). De acordo com a definição proposta por Koller, todas as formas que compõem o corpus desta pesquisa podem ser consideradas interjeições, classificadas de acordo com a função linguística predominante.

Havlik publicou na Alemanha um "Léxico das Onomatopeias" (1981), no qual são listadas centenas de onomatopeias encontradas em quadrinhos produzidos em vários idiomas, apresentando a descrição do som imitado (tiro de pistola laser, pancada provocada por uma bigorna etc.). O léxico também possui uma introdução detalhada, na qual são apresentadas as principais características da utilização de onomatopeias nos quadrinhos, especialmente em relação à sequência das letras e sílabas e à disposição gráfica.

Havlik propõe uma distinção entre onomatopeias propriamente ditas (eigentliche) e descritivas (umschreibende). As primeiras procuram imitar os sons com maior fidelidade, enquanto as segundas utilizam radicais de verbos (Id.: p. 38). Por exemplo, ao invés de "BUAAAA" ou "IIIEEEEH", onomatopeias propriamente ditas, podem ser usadas as expressões "HEUL", radical do verbo heulen (chorar) e "KREISCH", radical do verbo kreischen (guinchar, chiar). As onomatopeias descritivas são classificadas como interjeições inflectivas pela gramática Duden (2005). Apesar de existirem exemplos como, por exemplo, "RONC" (representando o som de alguém roncando) ou "SOC" (representando um soco), encontrados facilmente em quadrinhos produzidos em língua portuguesa (como, por exemplo, na série brasileira "Turma da Mônica"), não foi encontrado nenhum comentário sobre este tipo de onomatopeia no material consultado.

No verbete "onomatopeia" do dicionário Houaiss (2001), é estabelecida uma distinção entre onomatopeias linguísticas, integradas ao sistema fonológico da língua, e que por isso possuem uma forma similar a das palavras comuns (por exemplo: "blém-blém" e "bibi-fonfom"), e não-linguísticas, que procuram imitar os sons com maior fidelidade, usando combinações fônicas e representações gráficas que fogem dos padrões fonéticos e ortográficos da língua (por exemplo: o motor falhou: "fffrttoct"). Outra distinção é realizada entre onomatopeias brutas, invariáveis e com frequência sintaticamente autônomas, ou seja, que não se combinam facilmente com outras palavras para formar frases, e onomatopeias gramaticalizadas, derivações efetuadas a partir das onomatopeias brutas, como, por exemplo, o verbo "tiquetaquear" ou o adjetivo "tiquetaqueante", ambos derivados da onomatopeia bruta "tiquetaque".

Nogueira (1950a) também estabelece critérios para uma classificação morfológica das onomatopeias, distinguindo-as entre não-vocabulizadas, que não possuem combinações fonéticas e ortográficas comuns para a língua, e vocabulizadas, que são adaptações à estrutura vocabular da língua (por exemplo, para imitar o som de gás escapando, há a forma não vocabulizada "pfffff" e a forma vocabulizada "bufa") (Id.: 17-18). O autor realiza uma análise de diversas onomatopeias da língua portuguesa em seus três estudos compilados neste volume. Seus critérios são fonéticos, procurando demonstrar como as características dos sons da natureza (timbre, entoação, quantidade, sonoridade, ressonância, brusquidão, intensidade, continuidade, repetição, rapidez da repetição e a suspensão) são reproduzidas pelo aparelho fonador (e posteriormente na linguagem escrita), cujas limitações caracterizam uma imitação apenas aproximada, interpretativa. Apesar de estes estudos datarem originalmente da década de 1930, foi possível, durante o processo de análise dos dados obtidos para a presente pesquisa, constatar a validade de diversas das teorias neles apresentadas. Os critérios relevantes propostos por Nogueira serão apresentados e comentados ao longo da análise.

3 Elaboração do questionário

Para a coleta dos dados para a análise, foi elaborado um questionário composto por duas partes: uma página introdutória e as cenas de quadrinhos para as quais o entrevistado deveria sugerir as onomatopeias que julgasse adequadas. Foram elaborados questionários nas duas línguas, alemão e português, e a transmissão aos entrevistados foi realizada através do correio eletrônico.

Na página introdutória os entrevistados deveriam informar o nome, idade, língua materna e tipo de contato com os quadrinhos. Esses dados ajudaram a avaliar o nível de conhecimento linguístico dos entrevistados e também sua familiaridade com a linguagem das histórias em quadrinhos.

A escolha dos quadrinhos utilizados foi baseada na clareza: o entrevistado não deveria ter dúvidas em relação à natureza destes acontecimentos. Quanto ao estilo, optou-se por uma seleção diversificada. Desse modo, o entrevistado que tivesse familiaridade com esta linguagem não seria influenciado por algum estilo específico de desenho ou gênero de quadrinhos.

O questionário foi respondido por 13 falantes da língua alemã e 14 falantes da língua portuguesa. Foram obtidas 237 respostas, entre onomatopeias e interjeições expressivas, 113 sugeridas por falantes de alemão e 124 sugeridas por falantes do português. Para a análise quantitativa foram utilizados alguns critérios de seleção, sendo consideradas somente as onomatopeias representativas do som que seria produzido pelo impacto principal da cena. Foram retiradas onomatopeias que, nos quadros 2, 3 e 9, se referiam aos ruídos produzidos pelo movimento do braço ou da perna das personagens e não ao impacto. Nestes casos, considerou-se que o entrevistado se desviou do foco de atenção pretendido pela pesquisa. Algumas onomatopeias descritivas também foram excluídas da análise quantitativa, por não constituírem tentativas de imitação do som que seria produzido na cena representada (por exemplo, “SOC” nos quadros 2 e 3).



Também foram excluídos da contagem exemplos que representavam uma interjeição expressiva emitida por uma das personagens, e não o ruído do impacto sobre o qual recai o foco da atenção na cena, como, por exemplo, uma interjeição representando o grito da personagem que recebe o soco no quadro 3, ao invés do ruído produzido pelo impacto do golpe. Esse desvio da atenção do entrevistado em relação à intenção do artista pode ser resultado da retirada da onomatopeia original do quadro, mostrando o importante papel que as onomatopeias ao auxiliarem o artista a concentrar o foco de atenção do leitor sobre os aspectos que ele julga mais importantes para a cena.

Como resultado deste processo de seleção das respostas, foram analisadas 169 onomatopeias, 69 sugeridas por falantes da língua alemã e 100 sugeridas por falantes da língua portuguesa. Também foram analisadas, em relação ao quadro 8, 30 interjeições expressivas, 16 sugeridas por alemães e 14 sugeridas por brasileiros. A análise foi realizada primeiramente em cada conjunto de expressões correspondente a cada um dos nove estímulos. Posteriormente foi realizada a análise dos resultados gerais. A quantidade de dados não permite que a pesquisa tenha caráter conclusivo, mas permite a constatação de diversas tendências linguísticas específicas de cada idioma e a verificação das teorias linguísticas propostas nos estudos pesquisados.


O principal critério de análise foi a presença de consoantes e de vogais, cada um dos fonemas representados foi transcrito, agrupado e contabilizado. O objetivo da transcrição fonológica foi facilitar a organização e, principalmente, o agrupamento dos dados recolhidos. Procurou-se o estabelecimento de critérios que facilitassem a transcrição e tornassem a interpretação dos dados mais clara, evitando uma demasiada atenção a detalhes que desviariam o foco da análise.

As onomatopeias não seguem necessariamente as convenções linguísticas e existem diversas possibilidades de variação ortográfica para representar uma sequência sonora semelhante. Como o corpus da pesquisa não é composto pelo material sonoro puro (gravação acústica das expressões linguísticas), mas sim, pelas representações gráficas das onomatopeias, a transcrição fonológica mostrou-se adequada para auxiliar na organização dos dados. Considerou-se indiferente para a análise o fato de uma consoante fricativa alveopalatal vozeada (/ʃ/) ser representada graficamente por “SCH”, “SCCCHH”, “XXX” etc.

As vogais foram transcritas como /a, e, ɛ, i, o, ɔ, Ø, u, y/ (além da vogal /æ/, utilizada em apenas uma onomatopeia, para a qual o entrevistado indicou ser utilizada a pronúncia inglesa). Não foram consideradas as diferenças entre vogais tônicas e átonas e longas ou curtas. A representação das consoantes vibrantes foi padronizada como /R/. Quanto às consoantes nasais, foram empregados somente os símbolos /m, n/. As vogais que precedem as nasalizações não foram consideradas necessariamente nasalizadas, como ocorre geralmente no português.

Durante a análise, foram contabilizadas as ocorrências de onomatopeias provenientes da língua inglesa. Além disso, procurou-se identificar onomatopeias derivadas de expressões da língua inglesa que foram adaptadas à ortografia e ao sistema fonético e fonotático da língua do entrevistado. No artigo de Meireles (2007) é proposta uma discussão em relação aos empréstimos linguísticos que podem ser encontrados nas interjeições e onomatopeias, principalmente de termos provenientes da língua inglesa, língua original de quadrinhos muito populares e tradicionalmente comercializados em um grande número de países. No artigo citado procura-se evitar um julgamento de valor baseado na influência linguística que, segundo Houaiss (2001), evidenciaria a relação entre uma cultura dominante e outra dominada.

Serão apresentadas, ao longo da análise, reproduções dos quadros contidos no questionário e a relação dos dados obtidos. As transcrições fonológicas estão grafadas em destaque, acompanhadas pelas relativas transcrições das onomatopeias sugeridas pelos entrevistados do modo como elas foram grafadas, entre parênteses.

4 Análise dos dados coletados

4.1 Quadro 1 – “Explosão”


Há várias semelhanças entre as onomatopeias sugeridas pelos falantes das duas línguas. A explosão é um tipo de ruído bem convencional na linguagem das histórias em quadrinhos e verifica-se uma uniformidade entre as representações gráficas sugeridas pelos falantes das duas línguas. As expressões /bum/ e /kabum/, com algumas variações ortográficas, foram sugeridas por falantes das duas línguas.

A primeira sílaba /ka/ foi bastante utilizada para a representação da explosão, tendo sido registrada em 37% das onomatopeias (50% em português e 50% em alemão). Na verdade, o /ka/ representa um ruído inicial, completado depois pelo ruído “principal” da explosão. Em dos 87% destes casos, o /ka/ é seguido por uma sílaba com a vogal /u/ (há, ainda, uma onomatopeia, em que a segunda vogal é um /a/, e uma, em que ela é um /o/), estabelecendo um contraste entre vogal aberta/fechada, que parece caracterizar para muitas pessoas o ruído produzido por uma grande explosão. Há um caso em português (“XBOUUUXXXSSHHA“) em que este primeiro ruído é representado por uma fricativa e não pelo /ka/, neste caso, a oposição entre a fricativa e a sílaba que contém uma oclusiva e um ditongo parece caracterizar o mesmo padrão de contraste verificado entre as vogais das onomatopeias iniciadas por /ka/.

Considerando o primeiro som da sílaba principal destas onomatopeias, a sílaba que realmente caracteriza a explosão (desconsiderando o /ka/ e o /ʃ/ como primeira sílaba), 81% das onomatopeias apresenta uma consoante oclusiva bilabial, entre as quais 82% são sonoras (/b/) e 18% são surdas (/p/).

Também se encontram, somente entre as onomatopeias sugeridas por alemães, fricativas nesta posição (primeiro som da sílaba “principal”). Trata-se de 19% das onomatopeias analisadas, todas com o primeiro som da explosão representado por uma fricativa labiodental sonora (“KAWUM” e “WUMM”), sempre formando uma sílaba com uma vogal /u/ e uma nasal bilabial (/m/). A ausência desse tipo de consoante fricativa para representar o ruído de uma explosão nas onomatopeias sugeridas por falantes de língua portuguesa é uma das diferenças mais significativas constatadas entre as duas línguas em relação ao estímulo deste primeiro quadro.

É constante a presença de nasais nas duas línguas, elas ocorrem em 71 % das ocorrências relativas a este primeiro quadro (53% em alemão e 47% em português). Na maior parte destes casos (90%) a nasal é o último som da onomatopeia. Segundo Nogueira (1950: 22-23), a nasalidade é comum para “traduzir” a ressonância de um som natural. No caso do tiro de canhão, a onomatopeia deveria necessariamente conter o que ele chama de consoante nasal longuíssima, representada graficamente pela repetição da letra que representa a nasal. Verificou-se que 58% das onomatopeias que contêm nasais apresentam a repetição da letra que representa a consoante nasal ou a vogal que a precede.

Dois falantes de língua portuguesa, ambos bem familiarizados com a linguagem das histórias em quadrinhos, sugeriram onomatopeias com fricativas alveopalatais surdas (/ʃ/). Um deles sugeriu uma onomatopeia composta por uma única consoante africada (“PSSHHH“), a única entre as sugeridas para este quadro que não possui nenhuma vogal, e comentou que, em sua opinião, o som de explosão se aproxima de fonemas representados pelas letras “X”, “CH” ou “SH”. Nestes dois casos analisados, as letras que representam a fricativa, “XSH” e “SH”, são repetidas diversas vezes, dando a impressão de que, neste tipo de interpretação do ruído, a prolongação da fricativa dá a impressão de grande ressonância, representada pela nasalidade na maioria das outras ocorrências relativas a este quadro.

Em três onomatopeias sugeridas por falante do português, encontra-se o ditongo crescente /ow/ realizando esta função de representar a grande ressonância do ruído. Não há nenhuma ocorrência de ditongo entre todas as onomatopeias sugeridas por alemães para a pesquisa. Ocorrem ditongos somente em quatro ocorrências de interjeições expressivas em alemão relativas ao quadro 8.

Nas duas línguas, há onomatopeias que podem ser identificadas como provenientes da língua inglesa. Em alemão, há o “PENG, “BAAANNNNG” e “BANG”, sendo que o entrevistado que sugeriu “BANG” comentou que deveria ser utilizada a pronúncia inglesa. Mesmo assim, é possível pensar que exista uma adaptação do termo para a língua alemã, com a pronúncia /a/ e não /æ/; desse modo considerou-se que a onomatopeia “BAAANNNNG” é pronunciada com o /a/, sendo uma adaptação do termo americano para a pronúncia alemã.

Em português, é possível identificar melhor as adaptações dos termos da língua inglesa para o idioma, embora as adaptações verificadas sejam apenas ortográficas, e não fonéticas. Foram sugeridos quatro termos com grafia e pronúncia inglesa pelos falantes de português: “BOOOOOOM”, “BOOM!” e “KABOOM” (sugerido duas vezes). Para cada um deles é possível identificar um par em que a grafia está de acordo com o sistema da língua portuguesa: “BUM” e “CABUM”. Já a onomatopeia “KAPOW” foi transcrita com a grafia inglesa, mas sua pronúncia foi considerada como a do português /kapow/, e não /kapaw/. Um entrevistado sugeriu uma expressão semelhante com a grafia adaptada ao português (“PÔU”). Com estes exemplos é possível verificar que a influência da língua estrangeira existe, mas que também se realizam adaptações ao sistema da língua que está recebendo o empréstimo.

4.2 Quadro 2 – “Soco 1”

Todas as onomatopeias relativas a este quadro são iniciadas por uma consoante. Conforme esperado, de acordo com a análise de Nogueira (1950a: 23), esta consoante, que representa o início de um ruído de alta brusquidão, é uma oclusiva em 91% das onomatopeias, sendo equilibrada a distribuição entre bilabiais, alveolares e palatais.

As duas exceções a essa regra da brusquidão do ruído ser representada por uma consoante oclusiva são iniciadas por uma consoante fricativa surda e por uma vibrante. Uma destas onomatopeias (“RÄÄTSCH”) foi sugerida por um falante de língua alemã e é possivelmente uma variação da onomatopeia ratsch, que representa o ruído produzido pelo papel ou pelo pano quando são rasgados. Esta proximidade com uma interjeição consagrada pode explicar a exceção. Esta onomatopeia termina com uma consoante africada, composta por uma oclusiva seguida por uma fricativa. Desse modo, existe uma oclusiva indicando o momento do impacto, embora esta oclusiva não se encontre na posição inicial.

O mesmo acontece com a exceção sugerida por um falante do português (“SHUD”), que apresenta uma fricativa alveopalatal surda na posição inicial e uma oclusiva alveolar sonora na posição final. Neste caso, a onomatopeia parece representar tanto o movimento do braço da personagem anterior ao impacto, através da fricativa (/ʃ/) e da vogal (/u/), quanto o momento do impacto, através da oclusiva (/d/). O entrevistado comenta sobre já ter visto essa onomatopeia antes e que ela parece boa para a representação de um som “seco”, que não reverbera. Esta impressão provém do fato da oclusiva se encontrar na posição final, interrompendo bruscamente o som.

Há nesta ilustração um detalhe, o visor de vidro do capacete da personagem atingida é quebrado pelo soco. Este ruído de vidro quebrando parece estar representado pela vibrante, presente em 23% das onomatopeias, sempre precedido por uma consoante oclusiva velar surda /k/ e, exceto em um caso (“KRUNK”, sugerida por um falante do português), seguida por uma vogal /a/.

Um dos falantes de língua portuguesa sugeriu duas onomatopeias, uma representando o soco (“SOC!”, excluída da análise por ser uma onomatopeia descritiva com pouca relação fonética com as outras ocorrências relativas a este quadro) e uma que representa exclusivamente o vidro quebrando (“CRSSSSSSSS”), porém este ruído específico chamou a atenção da minoria dos entrevistados. O foco da atenção do leitor é realmente o movimento do soco e também o seu impacto, o quadro é quase todo ocupado pelo corpo e braço da personagem que soca, e o soco é retratado durante o momento do impacto principal. O vidro quebrando é um detalhe menor, explicando a baixa porcentagem de onomatopeias que representam esse ruído.

Além de duas onomatopeias provenientes da língua inglesa sugeridas por falantes de alemão (“BANG” e “PENG”), há duas expressões que parecem adaptações do “BANG” para o alemão (“BÄM!” e “BAMM”). Em português, foram sugeridas seis onomatopeias provenientes da língua inglesa (“CRACK!” e “POW!”, sugerida por 4 entrevistados). Um dos entrevistados sugeriu uma onomatopeia (“TÔU”) que adapta para a grafia do português o ditongo de “POW”, utilizando também a pronúncia do português para a vogal /o/. Também foi sugerida uma onomatopeia (“THUMPFE”) que parece baseada numa onomatopeia de língua inglesa, especialmente pela presença da combinação de letras “TH”, inexistente em língua portuguesa. Porém essa onomatopeia foi grafada com uma vogal na posição final, evitando que a esta posição fosse ocupada por uma fricativa labiodental, o que nunca ocorre em língua portuguesa. Fica claro aqui também o processo de adaptação constante destas expressões estrangeiras, conformando a estrutura destas palavras ao sistema fonotático da língua que recebe o empréstimo.

4.3 Quadro 3 – “Soco 2”

O fato de haver para este quadro o maior número de onomatopeias que não se referem ao ruído produzido pelo impacto da pancada pode ser explicado pelo momento retratado. O desenho representa um momento que é algumas frações de segundo posterior ao momento do impacto, enquanto o desenho do quadro 2 representa o exato momento do impacto.

Todas as onomatopeias analisadas possuem uma consoante oclusiva na posição inicial; em alemão elas são variadas, enquanto em português elas se restringem às surdas alveolares e bilabiais (/t, p/), com um grande predomínio das últimas (82% das onomatopeias em língua portuguesa). Nogueira (1950a: 80) explica que as consoantes oclusivas bilabiais “[ ] favorecem mais a ressonância das onomatopeias do que as linguodentais e estas mais que as velares, visto que a câmara de ar formada pela boca é maior”. Além disso, ele comenta que as oclusivas bilabiais combinam-se com maior facilidade com qualquer vogal, pois enquanto estas são pronunciadas, a língua pode tomar a posição correspondente a qualquer vogal, o que não ocorre com as oclusivas linguodentais e nem com as velares (cf. op. cit. p. 81). Desse modo, a articulação de uma onomatopeia que representa ruído de grande ressonância é menos trabalhosa com o emprego das oclusivas bilabiais.

O fonema final é uma consoante em 76% das onomatopeias, sendo que a maior parte destas consoantes (46%) é fricativa. Novamente, há a presença do ditongo crescente (/ow/) somente em onomatopeias sugeridas por falantes do português, identificado em 36% das onomatopeias neste idioma.

Conforme esperado, a presença de consoantes vibrantes é bem menor nas onomatopeias relativas a este quadro do que naquelas relativas ao quadro 2, no qual o visor de vidro do capacete é estilhaçado. Há apenas duas ocorrências, uma em cada língua, somando 11% das onomatopeias. Porém, na onomatopeia em português que contém a vibrante (“THURSH”), ela não é precedida por uma oclusiva e nem sucedida por uma vogal (como em /kRak/), estrutura que parece representar adequadamente o ruído da quebra, tanto de uma superfície de vidro (como nas onomatopeias relativas ao quadro 2), quanto de um osso (como nas onomatopeias relativas ao quadro 9).


A onomatopeia em língua alemã que contém a consoante vibrante é descritiva (“KRACH”, derivada do verbo krachen – quebrar; estalar, rebentar). Apesar de descritiva, esta onomatopeia não foi excluída da contagem por ser derivada de um verbo cuja origem é onomatopaica e cuja estrutura de fonemas é similar à do restante das ocorrências. Esta onomatopeia é, então, a única relativa a este quadro que apresenta uma vibrante precedida por uma oclusiva e sucedida por uma vogal, o que pode ser explicado pelo fato de ela ser derivada de um verbo, e não por advir de uma tentativa de formação de uma palavra nova ou sem sentido convencional.

Em alemão, há novamente a onomatopeia “BANG” e sua adaptação ao idioma (“BÄÄMM”), comentadas anteriormente. Em português, há novamente a onomatopeia “POW!” e também uma expressão que parece ter grafia da língua inglesa (“THURSH”). Não se trata de uma onomatopeia consagrada proveniente do inglês, mas de uma utilização da estrutura silábica deste idioma. A combinação “consoante vibrante + fricativa na posição final” não é possível em português, mas é comum em inglês. Um dos falantes de português sugeriu a onomatopeia “PAW!!”, que pode ser uma adaptação da pronúncia inglesa de “POW” para a grafia do português.

4.4 Quadro 4 – “Corrida 1”


Provavelmente por não se tratar de um ruído tão convencionalmente representado nas histórias em quadrinhos quanto o de uma pancada ou de uma explosão, oito entrevistados (30%) não souberam que onomatopeia sugerir para esta cena.

Foi desconsiderada da análise uma onomatopeia descritiva sugerida por um alemão, por não apresentar semelhança fonética com o restante das ocorrências (“HÄCHEL”, derivada do verbo hecheln, utilizado para indicar a respiração ofegante, especialmente dos cachorros) e também uma onomatopeia descritiva (“CORRE”) sugerida por um falante do português. Esta onomatopeia é a única variedade de onomatopeia descritiva (além do “SOC”, que possui seis ocorrências), sugerida por falantes do português para a pesquisa. De acordo com a análise geral dos dados, é possível perceber que este tipo de onomatopeia descritiva teve um maior número de ocorrências no idioma alemão do que no português. Entre todas as onomatopeias computadas, há 23 descritivas em alemão (24% do total de onomatopeias sugeridas nesse idioma) e apenas sete em português (6% do total no idioma).

Na posição inicial predominam, como nos quadros anteriores, as consoantes (100% das ocorrências). Há uma maior quantidade de oclusivas (71%), e também ocorrências de fricativas nessa posição (29%). A consoante oclusiva alveolar surda (/t/) é a mais frequente nesta posição, estando presente em 43% das onomatopeias. Isto indica que a consoante alveolar surda representa adequadamente o impacto dos pés contra o chão, que possui uma ressonância menor do que os ruídos de pancada ou explosão, para os quais as oclusivas bilabiais parecem mais adequadas.

Para indicar a repetição dos passos, a maioria das onomatopeias foi sugerida duplicada, desse modo é possível entender porque há tantas oclusivas na posição final e inicial. O som repetido dos passos não tem grande ressonância, sendo mais bem representado por onomatopeias repetidas com um final brusco. Como no caso da onomatopeia que representa o ruído do relógio (“TIC-TAC” - cf. Nogueira 1950a: 95-105), a oclusiva parece ser uma forma eficiente de representar a interrupção brusca do som, que será logo retomado, em grande parte das vezes com outra oclusiva que se encontra na posição inicial da onomatopeia (“PLECPLEC”, “TAP TAP”). A maioria das onomatopeias sugeridas (86%) possui pelo menos uma consoante oclusiva.

4.5 Quadro 5 – “Corrida 2”


Todas as onomatopeias sugeridas em relação a este quadro possuem uma consoante como primeiro fonema. Encontra-se equilibrada a incidência de oclusivas (50%, considerando duas ocorrências de consoante africada, formada por uma oclusiva seguida de uma fricativa, ambas sugeridas por falantes do alemão) e fricativas (40%).

Há também duas onomatopeias iniciadas por uma consoante vibrante, uma em cada idioma (“RRRRRRRRR” e “RRUUMMMM!”), sendo que a letra que representa a vibrante é prolongada em ambas. Há mais uma onomatopeia em alemão que é formada por uma oclusiva alveolar seguida pela sucessão de consoantes vibrantes (“TRRRRRRRR”). Nogueira (1959a: 84) explica que a sucessão de consoantes vibrantes alveolares pode ser considerada uma sucessão muito rápida de oclusivas alveolares, visto que o ponto de articulação é o mesmo. O prolongamento da vibrante seria então indicado para a representação de um impacto repetido rapidamente, como o que é representado nesta cena.

Há diversas ocorrências em que as onomatopeias também são repetidas, como em várias onomatopeias sugeridas para o quadro 4. Porém, a repetição nas onomatopeias relativas a este quadro é mais intensa. Ocorrem duplicações, mas também repetições triplas e quádruplas como em “TAP TAP TAP” e “PLECPLECPLECPLEC”. Os mesmos entrevistados sugeriram estas mesmas onomatopeias, porém somente duplicadas (“TAP TAP”, “PLECPLEC”) para o quadro 4. Isso mostra que eles procuraram representar o aumento da velocidade dos passos com um aumento da frequência das onomatopeias repetidas.

Todas as ocorrências possuem apenas uma sílaba. A maior parte das onomatopeias sugeridas por falantes do português (85%) possui uma vogal (sendo “PFF! PFF!” a única exceção), enquanto 71% das onomatopeias sugeridas por falantes de alemão não possui vogais. Nestas ocorrências sem vogais, a consoante é geralmente prolongada.

Enquanto o prolongamento da vibrante representa a rápida sucessão de passos, o prolongamento de fricativas (“SSST”, “ZZUUF!”) parece representar o deslocamento de ar que seria causado pela rápida movimentação das personagens. Este ruído do deslocamento de ar não é realmente produzido quando pessoas correm, seria necessária uma velocidade bem maior para que fosse possível a produção deste som. A associação desse som com personagens correndo é um dos recursos utilizados pelos autores de histórias em quadrinhos para reforçar nos leitores a impressão de alta velocidade do movimento representado. Em 50% do total das onomatopeias relativas a este quadro este tipo de ruído foi representado pelo uso de consoantes fricativas (“ZISCH [2x]”, “FFFTTT”, “SSST”, “VUSH” [2x], “ZOING”, “ZZUUF!”, “FUW! FUW!” e “FUU!”). A onomatopeia descritiva “ZISCH”, sugerida por dois falantes de alemão, é derivada do verbo zischen (sibilar, ziziar - existe também o verbo abzischen - ir-se embora).

4.6 Quadro 6 – “Corrida 3”


Há uma maioria de consoantes fricativas como primeiro fonema nas onomatopeias sugeridas para este quadro (82%). As exceções são quatro onomatopeias em alemão (“ZISCH”, sugerida por 3 entrevistados e “ZOOM”) que são iniciadas por uma consoante africada, formada por uma oclusiva seguida por uma fricativa.

Conforme comentado na análise das onomatopeias do quadro anterior, estas onomatopeias, que possuem como característica fonética principal a presença de consoantes fricativas, funcionam bem para a representação do ruído do deslocamento de ar que seria provocado pelas personagens correndo em alta velocidade. Não se trata da imitação mais aproximada do ruído que seria realmente produzido pelas personagens correndo (o ruído da rápida repetição dos passos), mas sim, de um ruído que seria produzido por um deslocamento de ar bem mais intenso. A evocação deste ruído, correspondente a um movimento de altíssima velocidade, serve, então, para intensificar o efeito de alta velocidade da corrida representada na cena.

Koller (2003: 176) classifica tais expressões como ótico-miméticas, entre as interjeições que possuem função de representação e são motivadas onomatopaicamente. Houaiss (2001) classifica estas expressões como palavras expressivas. Segundo o autor, a característica principal destas onomatopeias é a sugestão/evocação de alguma característica daquilo que é denotado, neste caso um movimento em alta velocidade, através de seu aspecto fônico/acústico e não através de uma imitação mais aproximada do ruído realmente produzido. Houaiss comenta que “essa evocação ou sugestão é intuitiva e complexa, pois se reporta à experiência que emissor e receptor, ou falante e ouvinte, têm da língua e de seus recursos expressivos”. Todas as onomatopeias sugeridas em relação a este estímulo possuem esta característica.

A maioria das onomatopeias sugeridas (54%) possui uma nasal como fonema final, outra grande parte (41%) possui uma consoante fricativa nesta posição. As nasais parecem representar o distanciamento gradual do ruído, evitando um final brusco. Na maior parte das onomatopeias, a nasal ou a vogal antecedente foi prolongada, reforçando este efeito de distanciamento gradual. Da mesma forma, as fricativas na posição final sugerem uma continuidade do ruído, cuja intensidade diminui gradualmente, sem nenhuma interrupção brusca.

Nos três quadros com cenas de corrida não foram identificadas expressões que podem ser classificadas como empréstimos ou adaptações da língua inglesa. Isso pode decorrer do fato de que as onomatopeias que denotam esse tipo de ação não são tão comuns como aquelas usadas para explosões ou pancadas, muito frequentes nas histórias em quadrinhos mais populares. Dessa forma, os entrevistados precisaram fazer um esforço maior para elaborar as onomatopeias para as cenas de corrida, enquanto para as cenas de explosão ou de pancadas era possível recorrer a expressões tradicionalmente conhecidas e empregadas com frequência, como as expressões inglesas (“BANG”, “CRACK” etc.).

4.7 Quadro 7 – “Nojo”


Este é o único quadro cujo ruído a ser interpretado pelos entrevistados é uma expressão linguística da personagem, e não um ruído produzido por um algum tipo de impacto. Desse modo, esperava-se que a forma de interpretação deveria ser um pouco diferente em relação a este estímulo. Neste caso, a expressão adequada é uma interjeição com função expressiva, de acordo com a classificação de Koller (2003: 189-197). Este tipo de expressão é a interjeição, do modo como ela é definida na maior parte dos dicionários e gramáticas analisados, que possuem definições e classificações mais simplistas: uma expressão linguística reativa, atitudinal. A intenção é verificar como ocorre, em contraste com as onomatopeias, o processo de representação gráfica destas interjeições.

Nenhum dos entrevistados deixou de sugerir interjeições, sendo que alguns sugeriram duas ou três expressões diferentes. Ao contrário dos quadros representando cenas de corrida, para os quais diversos entrevistados não souberam o que sugerir, não houve dúvidas ou comentários em relação a este quadro. Como interjeições com função expressiva são formas que todos utilizam no cotidiano, ao contrário das onomatopeias (interjeições com função representativa), todos os entrevistados parecem possuir uma boa ideia das expressões adequadas a este tipo de estímulo.

Há um grande número de ocorrências de vogais e semivogais como fonema inicial (50% das interjeições). Este dado já diferencia estas interjeições da maioria das onomatopeias analisadas, cuja grande maioria possui uma consoante como primeiro fonema. Além das vogais, há ocorrências de consoante oclusiva bilabial sonora (/b/) na primeira posição em 47% das interjeições. Uma das interjeições em alemão tem como primeiro fonema uma consoante lateral alveolar (/l/), consoante presente em 30% das interjeições relativas a este quadro, porém encontrada somente neste exemplo nesta posição.

Todas as interjeições sugeridas possuem pelo menos uma vogal. Em alemão, há a predominância do (presente em 88% das interjeições neste idioma e 29% das interjeições sugeridas por falantes de português). A própria expressão facial que denota a sensação de nojo, como a representada neste quadro, caracteriza-se pela abertura da boca na forma necessária para a pronúncia do . Há também a presença da vogal /i/ e da semivogal /w/ (sempre antecedendo o ) nas interjeições sugeridas por alemães. Entre as interjeições sugeridas por falantes do português, há um predomínio da vogal /a/ (64% das interjeições neste idioma, entre as interjeições sugeridas por alemães não há nenhuma ocorrência).

A letra “H” aparece na posição final em 90% destas interjeições nos dois idiomas. Esta letra encontra-se em grande parte dos casos precedida pela letra G, formando um único fonema. Não é possível afirmar que, em todos os casos, a letra “H” represente uma aspiração. Na verdade, ela parece ser utilizada como um tipo de prolongação, quando precedida por vogais (“IH”, “BÄH”). Nestes casos, a letra “H” aparentemente prolonga a sonoridade da vogal precedente, sem ser produzido nenhum tipo de aspiração. Quando a letra “H” é usada em conjunto com o “G” (“ARGH!”, “BLERGH”), também não parece adequado interpretá-la como uma aspiração. Neste caso, aparentemente, a letra “H” “suaviza” a impressão de interrupção brusca que seria causada pela presença da consoante oclusiva na posição final.

Uma interjeição sugerida por um falante do português (“EEK!”) pode ser classificada, especialmente pela forma como ela foi grafada, como uma expressão proveniente da língua inglesa (apesar de também poder ser uma variação da interjeição expressiva “ECA!”, comum em português em relação à sensação de nojo). Trata-se de uma expressão que provavelmente não seria utilizada naturalmente por um falante do português numa situação cotidiana. Esta ocorrência pode ser explicada pelo contexto da pesquisa, as histórias em quadrinhos. É possível concluir que os entrevistados não somente pensaram em interjeições adequadas para este tipo de sensação, como, por exemplo, as que ele mesmo utilizaria em seu cotidiano, mas também pensaram na expressão ideal para este contexto, sendo possível que uma expressão em língua inglesa parecesse mais adequada para este entrevistado. As expressões “BLARGH” e “BLERGH” também não são comuns em nosso cotidiano, mas são facilmente encontradas em histórias em quadrinhos em língua portuguesa.

4.8 Quadro 8 – “Homens comendo”

Foram consideradas 22 onomatopeias para a análise em relação a este estímulo. Foram sugeridas por alemães as seguintes onomatopeias descritivas: “SCHMATZ” (schmatzen – comer ruidosamente), “MAMPF” (mampfen – comer) e “MRMPF” (uma variação de “MAMPF”). Estas expressões são derivadas de verbos cuja origem também é onomatopaica, justificando a inclusão na análise quantitativa.

A variedade de verbos derivados utilizados mostra que não ficou claro para todos entrevistados que o ruído principal nesta cena é o produzido pela mastigação. Isto indica que as onomatopeias empregadas pelo autor (”CHOMP”, “NIAM” e “NAM”, representadas múltiplas vezes), que foram retiradas do quadro para esta pesquisa, têm um importante papel na indicação da ação principal da cena.

A maior parte das onomatopeias em português (54%) possui uma consoante fricativa como primeiro fonema, o que também ocorre em quatro onomatopeias sugeridas por falantes de alemão: “FFFLLLLL”, “SCHLOPP” e “SCHMATZ” (sugerida por dois entrevistados). As consoantes fricativas foram utilizadas em 62% das onomatopeias sugeridas por falantes do português e em 67% das onomatopeias sugeridas por alemães e parecem adequadas para a representação do ato da mastigação, especialmente em relação aos ruídos produzidos pela corrente de ar que “puxa” a saliva para dentro da boca.

Duas onomatopeias em português (“GLUMP!” e “GOW!”) possuem uma consoante oclusiva velar como primeiro fonema. Devido ao ponto de articulação velar destas duas onomatopeias, pode-se inferir que estas expressões sejam relativas ao barulho do alimento sendo engolido, ato que, quando realizado ruidosamente, termina com a produção de uma consoante oclusiva velar. Há também duas onomatopeias, uma em cada idioma, que possuem como primeiros fonemas uma consoante oclusiva velar seguida por uma vibrante (“KRR” em alemão e “CRUNCH” em português). Estas onomatopeias aparentemente se referem ao ruído produzido pelo alimento ao ser mastigado.

Há nasalizações na maior parte destas onomatopeias (85% das onomatopeias em português e 56% das onomatopeias em alemão). O ato de abrir e fechar a boca ao comer pode explicar esta grande presença de nasalizações. Ao comer ruidosamente, o aparelho fonador produz um som característico. Quando a boca encontra-se fechada durante este processo, o som produzido é naturalmente desviado para a cavidade nasal, sendo, então, seguido pela vogal produzida pela abertura da boca. Este processo parece explicar a forma de algumas destas onomatopeias (“NHOM”, “NHOQ!” “NYAM NYAM”, “HAM”).

A maior parte das onomatopeias em português possui uma consoante oclusiva na posição final. Esse tipo de final bruscamente interrompido pode ser explicado pelo tipo de ação representada no quadro. O ato de mastigação é repetitivo, ao que parece adequada uma expressão curta, mas que seria repetida constantemente. A oclusiva na posição final provoca um tipo de delimitação na onomatopeia, permitindo que a expressão seja repetida diversas vezes com um ritmo constante, como o da mastigação. Como nas ocorrências relativas ao quadro 4, a característica repetitiva da ação representada foi reproduzida por vários falantes do português (54% dos falantes desse idioma) com a repetição da onomatopeia.

Há uma grande presença de expressões provenientes da língua inglesa nas onomatopeias sugeridas por falantes de português. A onomatopeia “CHOMP” (to chomp - comer ruidosamente) foi sugerida, com diferentes grafias, por cinco falantes do português. Também são de origem inglesa as onomatopeias “SLURP” (to slurp - comer ou ingerir líquidos ruidosamente) e “CRUNCH” (to crunch - o ruído de um alimento rígido sendo quebrado pelos dentes), que também foram sugeridas por falantes do português. A variedade de verbos relacionados aos diversos aspectos do ato de comer existentes em alemão pode explicar a ausência de empréstimos linguísticos neste idioma em relação a este quadro. Enquanto os falantes do português precisam “importar” verbos do idioma inglês, os alemães contam com diversas possibilidades de verbos (diversos deles onomatopaicos) que podem ser utilizados através do emprego das onomatopeias descritivas.

4.9 Quadro 9 – “Chute”

As onomatopeias sugeridas para este quadro possuem uma grande similaridade fonética entre si, inclusive entre as expressões dos dois idiomas. Em relação a nenhum outro estímulo as respostas apresentaram tal uniformidade. A maior parte das onomatopeias sugeridas por alemães podem ser consideradas variações na derivação dos verbos krachen (quebrar; estalar, rebentar) e (zer)knacken (quebrar). Todas as sugestões de falantes do português podem ser consideradas variações da onomatopeia inglesa “CRACK”, 2 entrevistados utilizaram uma consoante oclusiva alveolar surda (“TRECK”, “TRAACK!!”) como primeiro fonema, um outro utilizou uma fricativa alveopalatal vozeada na posição final (“CRASH!”).

A quebra do osso parece ser adequadamente representada pelas consoantes vibrantes, que podem ser encontradas em 80% destas onomatopeias, sendo que todos entrevistados falantes do português sugeriram onomatopeias que continham uma vibrante como segundo fonema. Foi possível verificar, através da análise do quadro 2, a tendência desse ruído de algo rígido sendo quebrado ser representado por consoantes vibrantes. O destaque dado à quebra do osso na cena representada neste quadro (ao contrário do vidro que é quebrado no quadro 2, um detalhe da cena) explica a intensa presença de vibrantes nestas onomatopeias.

O entrevistado que sugeriu a onomatopeia “CRASH!” para esta cena comentou ter a impressão de que os brasileiros estão bem acostumados a sons representados por onomatopeias em inglês. As onomatopeias “CRAK!”, “CRACK”, “CRAC”, “KRAK!” e também “KREK”, “CREC!”, “CRECK”, “KREKT” e “TRECK” podem ser consideradas adaptações da onomatopeia inglesa “CRACK”. A diversidade das formas de grafia e também a utilização de duas diferentes vogais indica que este empréstimo pode ser considerado bem integrado à língua portuguesa, de modo que os falantes sentem segurança para propor uma variação.

5 Considerações Finais

Conforme a linguagem dos quadrinhos foi se desenvolvendo, foram estabelecidas diversas convenções quanto ao modo de representação sonora e visual. As onomatopeias são palavras que adquiriram significação específica dentro desta linguagem. Através dos dados coletados foi possível perceber que estes signos específicos eram conhecidos pelos entrevistados, mesmo por aqueles que possuíam pouca familiaridade com as histórias em quadrinhos. Porém, quando confrontados com a proposta de imitação de um ruído para o qual não foi possível estabelecer a relação com nenhuma expressão conhecida, os entrevistados precisaram recorrer ao processo de interpretação linguística que originou a maior parte destas expressões consideradas convencionais.

Este modo de interpretação refletiu, em diversos aspectos, as teorias propostas por Nogueira (1950a) em sua análise do processo onomatopaico. O autor não cita em nenhum momento a linguagem das histórias em quadrinhos, as expressões que ele utiliza em seu estudo foram retiradas da literatura e de dicionários ou propostas por ele. Mesmo assim os processos por ele descritos podem ser facilmente identificados nos dados obtidos nesta pesquisa.

Nogueira (op. cit. p. 23) considera as consoantes oclusivas articulações que representam adequadamente ruídos bruscos e repentinos, devido à característica principal deste tipo de consoante: a interrupção momentânea da corrente de ar. As consoantes oclusivas foram utilizadas na maioria das onomatopeias como fonema inicial. Para a interpretação de impactos de maior intensidade, como a explosão representada no quadro 1, há uma predominância das oclusivas bilabiais, cuja articulação provoca a formação da maior câmara de ar possível, imitando a grande intensidade da explosão. Nas cenas representando socos (quadros 2 e 3), há também uma grande incidência de oclusivas bilabiais (/p, b/), porém há uma maior distribuição entre estas e as oclusivas alveolares (/t, d/) e velares (/k, g/). No quadro 4, em que o impacto representado é menos intenso (pés contra o chão, de modo repetitivo), há uma maior incidência de oclusivas alveolares. A câmara de ar formada por esta articulação é menor do que aquela formada pela articulação das bilabiais, representando melhor um impacto de intensidade moderada.

Os quadros 2 e 9 representam cenas nas quais uma superfície rígida (capacete de vidro e osso da perna) é quebrada imediatamente como consequência do impacto sofrido. Esta quebra produz um ruído mais agudo do que o do impacto simples (no qual nada é quebrado). Há uma predominância das consoantes oclusivas velares surdas nas onomatopeias referentes a estas cenas, geralmente combinadas com consoantes vibrantes. As oclusivas velares, além de representarem uma menor intensidade do ruído do impacto, produzem um som mais agudo, facilmente associado ao som estridente produzido pela superfície rígida ao ser quebrada.

As consoantes nasais estão presentes em um grande número de exemplos. Na maior parte dos casos ocupam a posição final, e foram grafadas repetidamente (“BUUUMMM”, “KAWUUMMMM”). Nogueira (op. cit., pp. 22-23) considera este tipo de consoante adequado para a representação de uma ressonância prolongada dos ruídos naturais; esta função foi identificada na maior parte das nasalizações analisadas nesta pesquisa. Somente em relação ao quadro 8 encontram-se nasalizações que representam a principal característica do ruído sugerido pelas cenas (nas explosões, a principal característica é representada em geral pelas oclusivas, servindo as nasais somente para a representação da grande ressonância resultante do impacto). Como a cena do quadro 8 representa pessoas comendo, o ruído produzido é emitido pelo aparelho fonador (de forma não linguística). As nasais são naturalmente produzidas durante o ato de uma mastigação ruidosa, devido ao movimento de fechamento da boca, que possibilita a saída do ar somente pela cavidade nasal, provocando a articulação da consoante nasal. Isto explica o modo como os entrevistados interpretaram o ruído produzido pela cena com a utilização deste tipo de articulação.

O emprego de consoantes vibrantes (na maior parte dos casos representadas através da repetição da letra “R”) em relação às cenas de corrida confirma a proposta de Nogueira, elas estão representando uma sequência muito rápida de consoantes oclusivas (que representariam cada passo). A sucessão destas oclusivas torna-se difícil, até o ponto em que o falante produz somente a vibrante prolongada. Nogueira (op. cit. p. 84) apresenta o exemplo do ruído de tiros rápidos (“TÁ TÁ TÁ TÁ”) que, quando em maior frequência (como no caso da metralhadora), passa a ser representado pela vibrante (“TRRRRRR”).

Mesmo com a característica que as onomatopeias têm de apresentarem sequências de fonemas e letras incomuns às línguas dentro das quais elas são produzidas, diversas regularidades no modo de imitação dos sons naturais puderam ser identificadas. Há certas características de cada idioma que podem inclusive ser identificadas nas expressões sugeridas pelos seus respectivos falantes:

1. Apenas entre as onomatopeias sugeridas por alemães em relação ao estímulo do quadro 1 foi possível identificar a ocorrência de consoantes fricativas labiodentais para denotar o momento da explosão (“WUMM”, “WHOOOOOOM”, “KAWUM”). Entre as onomatopeias sugeridas por falantes do português foram utilizadas somente consoantes oclusivas bilabiais surdas e sonoras (“BUM”, “KAPOW”).

2. A utilização de ditongos decrescentes no lugar das consoantes nasais em posição final para indicar a ressonância do impacto foi identificada somente em onomatopeias sugeridas por falantes do português (“PÔU”, “TÔU”), este tipo de combinação de vogais é menos frequente no idioma alemão. O ditongo decrescente produz um efeito semelhante ao da consoante nasal neste contexto, a impressão de que o ruído se extingue gradualmente. Já entre as interjeições expressivas sugeridas por alemães em relação ao estímulo do quadro 7, há diversas ocorrências de ditongos crescentes (“UÄRGH”, “UÄH”), entre aquelas sugeridas por falantes de português não há ocorrências desse tipo de combinação vocálica.

3. O ruído da quebra do osso representado no quadro 9 foi representado pela maioria dos entrevistados por uma consoante vibrante como segundo fonema. Somente entre as onomatopeias sugeridas por alemães há a ocorrência de consoantes nasais nesta posição, também precedidas por uma consoante oclusiva velar surda (“KNACK”). Esta peculiaridade pode ser explicada pela existência do verbo alemão (zer)knacken (quebrar algo, por ex. nozes), do qual estas expressões são derivadas.

4. Há uma maior incidência de onomatopeias sem vogais entre aquelas sugeridas por falantes de alemão. Este idioma possui uma maior tolerância para a combinação de consoantes, fato que pode explicar estas ocorrências. Também são mais frequentes as onomatopeias descritivas, derivadas de um verbo, entre as sugestões de falantes da língua alemã. Este tipo de onomatopeia é descrito na gramática Duden (2005: 606) e no léxico de onomatopeias de Havlik (1981: 38), enquanto em obras em português não há nenhuma referência a este tipo de expressão. O fato de este tema ser discutido em obras teóricas alemãs indica que este tipo de expressão é mais convencional neste idioma, a maior incidência das onomatopeias descritivas entre aquelas sugeridas por alemães para esta pesquisa reforça esta impressão.

Nos dois idiomas foi constatada a presença de expressões em língua inglesa e também de adaptações destas expressões à grafia e pronúncia de cada língua. Isto comprova que existe uma grande influência dos quadrinhos americanos sobre a linguagem das histórias em quadrinhos. As indústrias americana e japonesa são as maiores produtoras de quadrinhos no mundo, é natural que as influências destas duas indústrias sejam fortes nos quadrinhos produzidos em outros países. A ocorrência de adaptações destes empréstimos indica que a relação não seja necessariamente entre culturas dominada e dominante, como propõe Houaiss (2001). As expressões em língua inglesa funcionam como a maior parte dos empréstimos linguísticos, que vão gradualmente se adaptando ao sistema da língua que recebeu o empréstimo, configurando um processo natural na formação do léxico dos diversos idiomas.

Foi possível perceber uma maior segurança nas sugestões dos entrevistados em relação aos estímulos que caracterizam cenas mais comuns nas histórias em quadrinhos mais populares. Vários entrevistados não souberam quais expressões sugerir, principalmente em relação aos quadros 4, 5 e 6 (personagens correndo) e oito (personagens comendo), que representam cenas menos convencionais. Alguns entrevistados inclusive comentaram não terem entendido o que estava acontecendo no quadro 8. Esta insegurança pode ser causada pela retirada das onomatopeias do quadro, mostrando que estes signos específicos desta linguagem ajudam o leitor a decifrar a ação representada nos quadros. A leitura dos quadrinhos pressupõe o conhecimento destes tipos de signo, que possuem uma significação específica no contexto desta linguagem.

Isto explica também as sugestões de expressões que não se referem ao impacto principal reproduzido nos quadros. As onomatopeias ajudam o artista a guiar o foco de atenção do leitor, indicando as ações mais relevantes da cena representada. Os quadros escolhidos para esta pesquisa representam cenas em que ocorre somente uma ação. Em um quadro de grandes proporções em que ocorrem diversas ações simultâneas, as onomatopeias podem, além de indicar o que merece maior atenção, estabelecer a sequência temporal dos acontecimentos.

Estes resultados indicam que esse tipo de metodologia de análise foi eficiente para evidenciar alguns padrões linguísticos, tanto gerais quanto específicos em relação aos idiomas estudados. Pesquisas de maiores dimensões possibilitariam resultados mais concretos, além de uma análise mais profunda. Estudos contrastando outros idiomas também contribuiriam enormemente para uma melhor compreensão linguística global em relação às interjeições e onomatopeias na linguagem das histórias em quadrinhos.

Informações de Copyright

Quadro 1 : Astérix en Corse © Dargaud S.A.

Quadro 2: Batman & Juiz Dredd © DC Comics, Inc.

Quadro 3: The Savage Dragon © Erik Larsen.

Quadros 4, 5, 6 e 7: Calvin and Hobbes © Universal Press Syndicate.

Quadro 8: Versus: Buen Provecho © Metal Mammoth, Inc.

Quadro 9: Daredevil: The man without fear © Marvel Entertainment Group, Inc.

Recebido em 01/03/2011

Aprovado em 27/07/2011

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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      16 Jan 2012
    • Data do Fascículo
      Dez 2011

    Histórico

    • Recebido
      01 Mar 2011
    • Aceito
      27 Jul 2011
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