Acessibilidade / Reportar erro

Introdução ao "Drama Parasitário". Mecanismos da Teatralidade em Die Kontrakte des Kaufmanns / Os Contratos do Comerciante de Elfriede Jelinek

Introduction to "Parasitic Drama". Mechanisms of theatricality in Elfriede Jelinek's Die Kontrakte des Kaufmanns / The Merchant's Contracts

Resumo

Neste texto, iremos proceder a uma exposição crítica sobre a peça de teatro de Elfriede Jelinek, Die Kontrakte des Kaufmanns, que visa apresentar os princípios de composição literária utilizados pela escritora na sua proposta de um "drama parasitário". Ao mesmo tempo, vamos procurar resgatar o conjunto de referências contextuais que precedem essa teatralização. Para tanto, começaremos por mostrar o contexto de incubação da peça, passando, em seguida, a introduzir a aproximação irônica e paródica que a escritora conduz sobre o mecanismo de legitimação e naturalização do mercado e suas operações financeiras, em particular pela metafísica econométrica e pelo senso comum mediático. Num terceiro ponto, vamos apresentar os procedimentos especificamente literários com que a escritora vai revelar a lógica da economia capitalista como regime de aniquilação de corpos. Por fim, resumimos a intenção da escritora em usar o teatro como dispositivo de ativação dos espectadores pelo "horror".

Palavras-chave:
Elfriede Jelinek; teatralidade; capitalismo

Abstract

In this paper, we present a critical exposition on the play Die Kontrakte des Kaufmanns, by Elfriede Jelinek, which aims to present the literary composition principles used by the writer in his proposition of a "parasitical drama". Concurrently, we will seek to retrieve the set of contextual references that precedes that dramatization. For this purpose, we will start by exposing the play's incubation context, then moving to the introduction of the author's ironic and parodic approach on the market's legitimization and naturalization mechanisms and its financial operations, in particular by econometric metaphysics and the media's common sense. On a third point, we will present the specifically literary procedures by which the writer reveals the logic of the capitalist economy as a regime of bodies' annihilation. Finally, we summarize the writer's intention of using the theater as a viewers activation device by way of "horror".

Keywords:
Elfriede Jelinek; theatricality; capitalism

Zusammenfassung

In diesem Aufsatz geht es um eine kritische Darstellung des Stücks von Elfriede Jelinek Die Kontrakte des Kaufmanns. Dabei werden wir versuchen, die Grundsätze der literarischen Komposition der Schriftstellerin in ihrem Konzept eines "parasitären Dramas" nachzuvollziehen. Zugleich werden wir die kontextuellen Hinweise, die dieser Dramatisierung vorangehen, erläutern. Demzufolge werden wir zunächst den ursprünglichen Kontext dieses Stücks beschreiben, um dann auf den ironischen und parodistischen Ansatz der Autorin über den Legitimations- und Einbürgerungmechanismus des Marktes und seiner Finanzoperationen einzugehen, die sich insbesondere mittels der ökonometrischen Metaphysik und den Gemeinsinn, der durch die Medien verbreitet wird, bemerkbar machen. Ein dritter Punkt soll die spezifisch literarischen Verfahren beleuchten, die die Schriftstellerin benutzt um die Logik der kapitalistischen Wirtschaft als Gerät der Vernichtung der Körper zu verraten. Abschließend fassen wir die Absicht der Autorin zusammen, die Zuschauer im Theater durch den "Horror" wachzurütteln.

Stichwörter:
Elfriede Jelinek; Theatermechanismus; Kapitalismus

1 Os pretextos do texto: a crise bancária, seus antecedentes e consequências

Dirigido por um sindicato, o banco BAWAG, que concentrava poupanças de pequenos investidores, em grande parte trabalhadores que só tinham um parco patrimônio e que mantinham uma ligação privilegiada com os "representantes" sindicais, viu-se implicado, em 2006, numa situação complicada. Ao somar enormes perdas em consequência da especulação realizada nas ilhas do Caribe, em parte com a cooperação de um banco de investimentos de Nova Iorque, a Refco, o banco seria obrigado a explicar em tribunal os seus procedimentos financeiros. O papel central é, porém, reservado para o "caso" do banco Meinl, uma casa bancária ligada a uma velha linhagem de comerciantes coloniais (fundada em 1862, em Viena), que se viu puxada para a falência por força da ligação a uma teia de empresas conexas, a Meinl European Land, a Meinl Airports International e a Meinl International Power, que haviam pago para usarem o nome da firma inicial e pela sua orientação financeira. Logo que essas empresas começaram a ser confrontadas com a estagnação do mercado imobiliário e com o torpor verificado na bolsa, o banco Meinl procurou manter a aparência de vigor financeiro das sociedades em causa pela compra massiva dos seus certificados, a ver se forçava a sua cotação a permanecer por cima. A partir de 2007, todavia, a situação tornou-se insustentável e foram tornadas públicas as primeiras acusações de "manipulação do mercado" e "publicidade enganosa" contra os responsáveis pela empresa. O "bom nome", mais do que como um rótulo ou uma marca, servia como penhor para convencer os investidores a comprarem os seus produtos financeiros, os seus "papéis" comerciais. Desta vez, aparece uma outra ilha ligada ao caso, Jersey (ver Berthold 2011Berthold, Susanne. "Wo kommt das ganze Nichts auf einmal her?" Kapitalismus und Theater: Elfriede Jelineks Die Kontrakte des Kaufmann. 2011. 130 p. Diplomarbeit (Magistra der Philosophie) - Universität Wien, Wien, 2011.: 12-32). Um par de casos aparentemente paroquiais toma, assim, um valor exemplar, como que universal, ao ser processado e transmutado pela prosa de Elfriede Jelinek. A escritora mostra-nos, com significativa antecipação (a peça foi escrita em agosto de 2008, previamente ao escândalo da falência do banco Lehman Brothers, por exemplo), não só a íntima interdependência entre os protagonistas num mercado em escala mundial, independentemente da sua localização territorial, mas também a sintomática similitude de iniciativas e mundivisões que o capitalismo suscita entre os que se ligam com a sua peculiar lógica de ação, o substrato de convicções profundas que os levam a prosseguir, pode ser que irrefletidamente, no mesmo sentido: a perseguição incansável de "resultados".

A peça de teatro serve como câmara de eco para a catástrofe financeira. Distorcendo, misturando e amplificando os barulhos e rumores de um par de "escândalos" sucedidos com bancos da Áustria, Elfriede Jelinek vai remexer nesse monturo para montar o seu texto. A escritora examina a pletora de notícias ou relatos acumulados sobre os eventos, a impetuosa e incontinente proliferação de imagens e palavras que, carreadas por numerosos suportes e veículos de "informação", são usadas para fixar esses eventos, porventura lançando como que uma tela sobre a "realidade" que pretendem registrar. A escritora vasculha e aproveita os "sedimentos", ou "resíduos", que são produzidos por essa torrente de significados que invade e preenche o mundo a partir de registros políticos, econométricos e jornalísticos, que, no seu frenesi, perdem contato com a própria "realidade" e que, funcionando como "mitologias", circunscrevem, ao mesmo tempo, os limites em que se pode mover a nossa imaginação (Bloch 2014Bloch, Natalie. "wir können ganze Märkte deregulieren wie Flüsse". Die Rhetorik des Finanzmarktes in Elfriede Jelineks Die Kontrakte des Kaufmanns. In: ______; Heimböckel, Dieter (Org.). Elfriede Jelinek. Begegnungen im Grenzgebiet. Trier: WVT, 2014. p. 55-72.: 67). A escritora pirateia e extrapola a linguagem que se emprega sem pensar, o jargão jornalístico e financeiro em particular, para tramar, num palimpsesto de "fragmentos" e "restos", a superfície textual em que se vai expor a superficialidade da linguagem em causa.

Temos, neste texto, um exemplo do "drama parasitário" proposto pela escritora (Jelinek 2011Jelinek, Elfriede. Das Parasitärdrama. 12 maio 2011. Disponível em: <http://www.a-e-m-gmbh.com/ej/fparasitaer.htm>. Acesso em: 4 fev. 2016.
http://www.a-e-m-gmbh.com/ej/fparasitaer...
). Nesse "outro teatro", só interessa a "realidade". Não lhe podemos escapar: a imaginação não a supera porque se encastra sobre o terreno da "realidade" (ou o que se representa como tal). A "realidade" é o "precedente" incontornável para a literatura. A escritora não "inventa", a escritora "encontra". "Não se pode inventar nada quando se acha que tudo já ali está disponível. E tudo o que está disponível vem-me parar à mão." Mais: a imaginação nasce da "realidade". Apenas um Deus pode criar do nada. A "realidade" provê a matéria-prima para a criação, melhor: a criação parasita a "realidade". Para montar os seus textos, a escritora procede a uma sucção da "realidade", como nos explica neste trecho:

Eu agrafo-me solidamente à realidade, tal como ela me é apresentada, amalgamada, lavada, filtrada através de opiniões estranhas [...], obrigada, opinião estranha, muito obrigada: é bom que tu estejas à minha disposição, pois eu não tenho uma própria (Jelinek 2011Jelinek, Elfriede. Das Parasitärdrama. 12 maio 2011. Disponível em: <http://www.a-e-m-gmbh.com/ej/fparasitaer.htm>. Acesso em: 4 fev. 2016.
http://www.a-e-m-gmbh.com/ej/fparasitaer...
: s. p.).

A escritora não tem pruridos em tomar por sua conta, voluntariamente, a acusação de parasitismo lançada por certo crítico ("eu sou certamente um parasita da realidade").

Pois eu devoro como o porco [...], e mesmo aquilo que me cai da boca, é novamente levantado e continuamente devorado, assim o fazem os parasitas. Eles tomam o que conseguem apanhar, quer dizer, eles tomam tudo o que ali há e apenas porque o conseguem agarrar, porque isso está ali, porque alguém o pôs à sua frente. Mas eles já tinham antes a intenção de abusar e o usar inadequadamente (Jelinek 2011Jelinek, Elfriede. Das Parasitärdrama. 12 maio 2011. Disponível em: <http://www.a-e-m-gmbh.com/ej/fparasitaer.htm>. Acesso em: 4 fev. 2016.
http://www.a-e-m-gmbh.com/ej/fparasitaer...
: s. p.).

Num só movimento, a escritora vai manipular os materiais das representações da realidade para mostrar a sua natureza artificial e artificiosa, como também vai pôr em causa o artifício literário que concede ao escritor um lugar excepcional como observador da realidade, como ser onisciente e onipotente que tudo vê do mundo e que, precisando, cria a partir de si um mundo.

Sem nos perdermos nas vicissitudes que ambos os "escândalos" conheceram, façamos ver, porém, que a tragédia financeira se converte numa comédia cênica, com a "crise" a ter simultaneamente lugar nesse par de planos, o "financeiro" e o "teatral". Esta é a opinião de Wolfgang Pircher, que se refere, a este respeito, a "um teatro no teatro": a peça de teatro vai provocar uma ruptura da ilusão teatral do espectador (não visa provocar nenhuma crença no que acontece sobre o palco) ao representar uma outra ruptura de confiança, ocorrida no universo financeiro. Vai ser posta em causa a teatralidade, tanto a teatralidade do universo bancário ("promessas", "bom nome", a aparência valorizada do "ministro"), como a teatralidade do próprio teatro (ao desafiar o próprio significado e significância dos signos em palco: personagens com máscaras, uso do pronome "nós", sem enredo), precisamente, sem paradoxo, pela teatralização da "crise" financeira (Pircher 2011Pircher, Wolfgang. "... um fremd zu werden wie Geld ... ". Bemerkungen zu Elfriede Jelineks Die Kontrakte des Kaufmanns. In: Jelinek[Jahr]Buch 2011. Wien: Elfriede Jelinek-Forschungszentrum, 2011. p. 295-300.: 295-296). Retorcendo uma frase de Friedrich Hölderlin, que já em outras ocasiões tinha sido submetido a manipulações semelhantes (como na sua peça Wolken.Heim, escrita em 1988), Elfriede Jelinek pode mesmo afirmar, que "o horrível é sempre do cómico o princípio" (Jelinek 2009Jelinek, Elfriede. Geld oder Leben! Das Schreckliche ist immer des Komischen Anfang. Im E-Mail-Verkehr mit Elfriede Jelinek. Programmheft Thalia Theater Hamburg. Elfriede Jelinek: Die Kontrakte des Kaufmanns. 2 out. 2009. Entrevista concedida a Joachim Lux. Redactor: Benjamin von Blomberg.). A escritora vai extrapolar os incidentes em causa e as suas várias representações políticas e jornalísticas para uma colagem intertextual, prevenindo a sua cristalização canônica como escritos sagrados pela paródia e pelo manuseamento irreverente, lançando um novo e inesperado ponto de vista sobre a sua "verdade", ou mostrando em movimento, levado ao ponto de ruptura pelo exagero, os mecanismos econômicos e retóricos que latejam nesses casos típicos de "crise" econômica. Em particular, Elfriede Jelinek vai proceder por transformações semânticas de conceitos aparentemente inócuos ("sociedade de irresponsabilidade ilimitada"), por pluriacentuações de significados canônicos (por exemplo, "contar" como operação de cálculo e "contar com" como postura de certeza), por transplantações de material textual para novos enquadramentos (as invocações religiosas, que se mostram implausíveis e vazias nas suas novas utilizações), ou pela paronomásia que procede pela repetição e variação rítmicas (ver Lüder 2014Lüder, Sven. (Mit) Autorität Beanstanden: "Die Kontrakte des Kaufmanns" von Elfriede Jelinek oder: Vom Wert des Werkers. 25 out. 2014. Disponível em: <http://jelinek.hypotheses.org/1064>. Acesso em : 12 fev. 2016.
http://jelinek.hypotheses.org/1064...
). Ao curto-circuitar a relação de circularidade que se instaura entre o nosso "inconsciente colectivo" e o sistema de valores e normas que rege o capitalismo, o regime de justificações que protege o capitalismo vai ser "forçado a distanciar-se de si mesmo" (Pflüger 1996Pflüger, Maja Sibylle. Vom Dialog zur Dialogizität. Die Theaterästhetik von Elfriede Jelinek. Tübingen: Francke, 1996.: 17). As frases feitas, os estereótipos e os automatismos da "novilíngua" capitalista aparecem cruamente como tais, e não como um "senso comum" progressivamente naturalizado nesta sociedade. "Aqui vai: liberdade, justiça, honra, dever, perdão, esperança, é o que diz no prefácio do nosso relatório de contas novinho em folha" (100).1 1 Ao longo do texto, por razões de comodidade para o leitor, os números de páginas entre parêntesis remetem sempre para a edição portuguesa da peça de teatro de Elfriede Jelinek, Die Kontrakte des Kaufmanns, recentemente publicada (2015) sob o título Capital Fuck, com tradução de Helena Topa. Para essa ocasião, preparámos uma primeira incursão sobre a obra de Elfriede Jelinek; uma pesquisa que retomamos, corrigimos e alargamos no presente texto. Gostaríamos de expressar publicamente a nossa gratidão pelas inúmeras ocasiões em que pudemos conversar com Helena Topa sobre a obra de Elfriede Jelinek, em particular esta peça, e sobre o ofício de tradutor. Ao mostrar publicamente o esplendor da eufemização ("porquê só vê perdas em vez de juros negativos?"), superfluidade ("o nosso valor está lá registado, mas o que está registado não interessa"), frivolidade ("tanto faz", "o que ia eu a dizer?") e tautologia ("do nada nada vem") que o constituem, Elfriede Jelinek espicaça a nossa perspicácia e vigilância a respeito da "inocência" da linguagem e dos costumes.

Em Die Kontrakte des Kaufmanns, ao contrário do que sucede em outros textos seus, como em Rechnitz (Die Würgeengel) (2010), que recria a orgia em que se massacraram centenas de trabalhadores forçados no final da Segunda Guerra Mundial, ou em Bambiland (2004), ambientada sobre a Guerra do Iraque, Elfriede Jelinek só aparentemente se vai focar sobre uma carnificina, embora esclareça que lidamos com um idêntico "objectivo: extermínio total" (84). Os "pequenos investidores" são, certamente, tratados como "gado miúdo" pelos bancos. "Foi você que nos deu o dinheiro e ainda se espanta? Não se deve espantar que ele agora trabalhe connosco, pois se foi você mesmo que o entregou a nós" (121). No entanto, esses "pequenos investidores" foram por si sós, como a "carneirada", para a matança ("você é um seguidor, você é um seguidista"), seduzidos pela expectativa do lucro e pela vertigem do "sucesso" ("entrar no jogo"). "Não vale o que demos em tempos, até teríamos dado couro e cabelo por aqueles certificados, e de certeza que nos ficavam com couro e cabelo" (84). A liberalidade, a ingenuidade e a ignorância dos "pequenos investidores", que vogam "perdidos" e "sem direcção" pelo mercado ("nem sequer encontramos o mercado"), que repetidamente "ejaculam", para retomar um termo com que Elfriede Jelinek acentua a natureza impulsiva e entusiasmada da ação econômica (que seria, supostamente, "racional"), as suas poupanças sobre "investimentos de risco", sobre "papéis". Esses traços do seu comportamento econômico não são mais do que congênitos a uma servidão livremente consentida para com as ambições de lucro que os bancos insinuavam, certificavam e apregoavam sem pudor. As promessas feitas pelos bancos ("o seu ser é um bébé de mama insaciável, que faz beicinho e quer mamar") só puderam funcionar porque correspondiam e encaixavam com as "esperanças" e "ambições" dos "pequenos investidores" (84).

Na parte final da peça, todavia, surge mesmo um crime verídico: o "Assassino do Machado" (Seeh 2008Seeh, Manfred. Gerichtsthriller: Lebenslange Haft für Axt-Morder. Die Presse, Wien, 7 nov. 2008. Disponível em: <http://diepresse.com/home/panorama/oesterreich/428670/Gerichtsthriller_Lebenslange-Haft-fur-AxtMorder>. Acesso em: 10 fev. 2016.
http://diepresse.com/home/panorama/oeste...
), Reinhard Steinbauer, que trucidou cinco membros da sua família a 13 de maio de 2008 supostamente por não saber como confessar a perda das poupanças da família em investimentos de risco. "Não lastimamos o seu destino com lamentos, de maneira nenhuma, porque foi a sua loucura que lhe destruiu a casa, matou os seus filhos, vendeu o seu carro, que o fez tirar os seus filhos do colégio privado" (178). Nessa altura, as vozes em cena podem proclamar que, num "trabalho digno de um Hércules", este homem cumpriu com as suas obrigações de patriarca, chefe de família, que toma sobre si a missão de "libertar a filha, a mulher, os pais e o pai da mulher". "Libertar de quê? Da vergonha que o assassino trouxe sobre eles com o seu fracasso [...]. O melhor é estarem mortos antes que saibam das perdas" (180). Ao mostrar o acontecimento como um crime de honra, Elfriede Jelinek vai expor a continuidade entre as relações de poder em vigor na sociedade, em que "os pequenos dinheiros dos pequenos" são transferidos para os "sôfregos de grandeza", e as estruturas de violência masculina prevalecem no interior das habitações familiares. Os "trabalhos de Hércules" feitos pelos bancos para trazer a liberdade aos mercados, que passam por vencer esse terrível protetor das "maçãs de ouro" que é o Estado ("matámos o dragão, matámos a CMVM, matámos a regulação do mercado financeiro, e antes matámos todas as instâncias de controlo"), são prolongados por esse outro "Hércules" caseiro que, tendo "estourado o dinheiro todo em especulações", vai terminar a "chacinar a sua família" (182). A "salvação" e a "expiação", motivos recorrentes nesta peça, serão conseguidas por via do "sacrifício" de "cordeiros", seja com o holocausto dos "pequenos investidores" ("carneirinhos"), seja com a eliminação literal do próprio "filho" com o machado. Volta a ser possível, finalmente, recomeçar a matança dos "inocentes" pelo "mercado", pelo "crédito", pela "bolsa", o que permite terminar com a penitência ("o mercado já está a castigar os pecados") e sinalizar uma nova época de prosperidade. Voltemos, pois, a proclamar "cânticos de louvor do mercado", "cantemos ao Senhor" pelo culto do "capital". Afinal, "o comprar redime o vender, tal como o sacrificado redime o assassino no altar" (172).

2 O massacre dos inocentes: a lógica da "ganância" e do "sacrifício"

Nesta peça parece haver "vítimas", mas não há "inocentes" (ver Bloch 2014Bloch, Natalie. "wir können ganze Märkte deregulieren wie Flüsse". Die Rhetorik des Finanzmarktes in Elfriede Jelineks Die Kontrakte des Kaufmanns. In: ______; Heimböckel, Dieter (Org.). Elfriede Jelinek. Begegnungen im Grenzgebiet. Trier: WVT, 2014. p. 55-72.: 58-59). A concupiscência é o ponto de encontro para bancos e "pequenos investidores", só que apenas estes é que têm que "pagar" por terem sido "idiotas" (os bancos, esses, proclamam "não purgamos nada, não pagamos impostos"). Numa reformulação perversa da fórmula hegeliana da relação entre "Dominação" e "Servidão", usualmente traduzida como relação entre "mestre" e "escravo", Elfriede Jelinek explora a relação de interdependência, certamente assimétrica, entre bancos e "pequenos investidores". "[O] especulador tem-no a si na mão. Mas só porque você lhe deu qualquer coisa para a mão, e depois ele perdeu tudo, você perdeu, e ele perdeu também, e perdeu-o também a si" (78). Unidos pela participação em comum num sistema que visa o "lucro" ("o lucro é o nosso deus", 146), a reciprocidade instaurada pelo interesse e proveito mútuos -"entregou-nos o dinheiro a nós porque não queria cuidar dele", "você é uma criatura prematura, nós somos a sua incubadora, você engorda à nossa custa, nós engordamos à sua custa" (109) -, tem, porém, consequências com um sinal contrário para os seus participantes:

[...] ("o dinheiro que você teve em tempos, temo-lo nós agora", "só você caiu para o lado, nós não caímos", "você será liquidado [...], liquidamos-lhe o seu capital"). "[N]ós compreendemos que se sinta mal de certa maneira por ter perdido o seu dinheiro a nosso favor, mas em compensação somos nós agora que o temos, não fica contente?" (118).

Desde logo, o atestado de menoridade e imaturidade ("bébés chorões", "palerma") que os bancos passam aos "pequenos investidores" parece justificar a situação de tutela e, inclusive, o recurso à impostura ("nós prometemos-lhe 15% por ano e você acreditou nisso?", 96). Os "pequenos investidores" são incapazes e incompetentes para "cuidar" do próprio "capital". "Consigo, nem como empregado doméstico teria emprego, obrigado por tê-lo empregado connosco, deve orgulhar-se disso!" (121). Os "especuladores", pelo contrário, são personal trainers do "capital", que podem operar maravilhas sobre a sua aparência, vigor e resistência. "Enquanto você dormia a sesta na varanda, o seu dinheiro treinava afincadamente e emagrecia connosco, pode acreditar no que dizemos!" (123).

A obsessão com o "aspecto", a "saúde", a "juventude", o "exercício", o "emagrecimento", as "férias" e o "sucesso" que lateja nas imagens e nas frases da sociedade de consumo são, com uma viragem irônica, usados para fundamentar e legitimar a transferência de "capital" para os "paraísos" fiscais. Nessa "ilha bonita", o "dinheiro" pode, finalmente, conhecer uma promoção na sua "carreira" e, ao mesmo tempo, ocupar o seu tempo livre com "vida social", e não "sozinho", e com "entretenimentos, jogos, diversão, desporto a bordo" (110). A relevância da aparência na sociedade de consumo volta a surgir por ocasião do uso de expedientes para ornamentar os relatórios dos bancos com promessas e garantias. "O banco utiliza nos balanços apenas cosméticos naturais [...] e conhece o seu nada muito bem, mas nós não conhecemos o nada que nos há-de reduzir a nada" (91). O "parecer" substitui-se ao "ser". A manipulação das aparências passa a ser o procedimento consensual para construir a "realidade", a pessoal e a social. A produção sistemática de "ilusões" para os "clientes", como aconteceu com a invenção pelos bancos de proteções e seguros para os investimentos ("o nada negativo, que consiste em nada mais do que coberturas implacável e exageradamente maquilhadas", 91), torna-se necessária porque esses consumidores estão inclinados a tomar tais "ilusões" por razoáveis, por verossímeis e acriticamente. A felicidade é um imperativo. Tudo vale para concretizar essa finalidade. Os "consumidores" precisam compreender que se impõe, para a "felicidade" do "capital", a transferência do dinheiro para um local de veraneio.

Essa força de tração que puxa os "pequenos investidores", o impulso que os leva a lançarem-se no vazio ("tinha aberto as portas de par em par para os nossos investimentos, mas aquilo não eram portas, ali não havia nada, aquilo era o nada"), tem uma postura equivalente entre os "especuladores", que, operando segundo as ações expectáveis dos "pequenos investidores" ("[a] sua incerteza é a nossa certeza", 98), têm sempre que velar pelos "interesses do empreendimento", o que significa simplesmente "os nossos interesses, porque somos nós o empreendimento" (95). Uns são meios para os outros satisfazerem os seus interesses, e vice-versa. Essa operação de troca, que constitui, em termos genéricos, o fundamento para qualquer "contrato" (honrado), traz, todavia, para os "pequenos investidores", "em compensação" pelo "pequeno capital que você em tempos possuiu", uma carga de encargos ("culpas" e "dívidas", invocadas com o mesmo vocábulo, "Schulden", na versão original da peça), sobretudo se for vista em comparação com "bancos" sem "culpas" e com "especuladores" sem "responsabilidades" ("administração sedenta pelos seus haveres, devolvendo-lhe os seus deveres"). Vemos surgir um ponto crucial para caracterizar os procedimentos literários de Elfriede Jelinek, a participação submissa das personagens num sistema de imposições e regras que transcende as suas propriedades pessoais ("estes elos de crédito encadeados uns nos outros como os investidores do jogo da roda hão-de manter-se unidos", 159). Trazemos o capitalismo conosco, em nós porque o interiorizamos como maneiras de ser e pensar e sobre nós porque vivemos imersos pelos seus incitamentos mais ou menos silenciosos. "Eu procuro raspar, propriamente esmiuçar, os mecanismos sociais até ao esqueleto, para eu por assim dizer os conseguir mostrar na sua forma pura. Eu destilo o idealístico, o que frequentemente só é mesmo imposto. Por isso, a ideologia é mandada fora, rejeitada, evapora-se, e resta o esqueleto" (Jelinek 2009Jelinek, Elfriede. Geld oder Leben! Das Schreckliche ist immer des Komischen Anfang. Im E-Mail-Verkehr mit Elfriede Jelinek. Programmheft Thalia Theater Hamburg. Elfriede Jelinek: Die Kontrakte des Kaufmanns. 2 out. 2009. Entrevista concedida a Joachim Lux. Redactor: Benjamin von Blomberg.: 15). A respeito de outras obras suas, como em Die Ausgesperrten (1980), pôde já ser constatado, por comentaristas como Marlies Janz (1995Janz, Marlies. Elfriede Jelinek. Stuttgart/Weimar: Sammlung Metzler, 1995. v. 284.: 40-53), a transformação das personagens em "máscaras" (ou "marionetas") que suportam papéis sociais que apenas podem ser compreendidos ao serem inseridos num sistema de relações objetivas. A "consciência" individual surge usualmente comprimida por essas pressões invisíveis e irreversíveis das estruturas sociais e ideológicas. As personagens são projeções sobre o papel, são forçadas a sentir e a escolher, "voluntariamente" segundo parece, sempre consoante as forças que movem o "microcosmos" que as compreende; são "protótipos". Por sua vez, os enredos tornam-se, por via das opções estéticas tomadas, "exemplares". A própria escritora explica-nos o seu procedimento:

Exemplar quer dizer que eu desnudo as relativamente simples estruturas que fundam os processos sociais. O capitalismo tem certamente algo muito complicado, mas pode-se de maneira realmente muito clara e muito simples mostrar estratégias de exploração até por dentro das ramificações e dos pormenores mais privados. Eu sou uma simplificadora. Eu não sou alguém que trabalha com meias-tintas, mas sim - eu digo sempre isso - alguém que golpeia com o machado (Ehlers 1987Ehlers, Kai. Über den Wahnsinn der Normalität oder Die Unaushaltbarkeit des Kapitalismus. Arbeiterkampf, Hamburg, n. 278-279, 12 jan.-9 fev. 1987. Entrevista concedida a Elfriede Jelinek.: 33).

Desse modo, vemos aparecer nos textos de Elfriede Jelinek, que pretendem, por isso, ser "paradigmáticos", a "desindividualização do indivíduo na moderna sociedade de consumo e tempos livres" (Schmölzer 1982Schmölzer, Hilde. Elfriede Jelinek. Ich funktioniere nur im Beschreiben von Wut. In: ______. Frau sein & schreiben. Österreichische Schriftstellerinnen definieren sich selbst. Wien: Österreichischer Bundesverlag, 1982. p. 84-90.: 84). Despersonalização essa que procede sobre as personagens, mas que também mina o estatuto que tem o próprio escritor como sujeito criativo. Elfriede Jelinek pretende aparecer como uma simples "intermediária" para a "linguagem", uma linguagem que ela, escritora, persegue como a um "cão" com a "trela solta": a escritora apenas repõe a "realidade", segue a linguagem para ver "em que esquinas ela fareja" e "o que ela, ali, do lixo e da poeira, ajuda a trazer à luz" (Jelinek 2009Jelinek, Elfriede. Geld oder Leben! Das Schreckliche ist immer des Komischen Anfang. Im E-Mail-Verkehr mit Elfriede Jelinek. Programmheft Thalia Theater Hamburg. Elfriede Jelinek: Die Kontrakte des Kaufmanns. 2 out. 2009. Entrevista concedida a Joachim Lux. Redactor: Benjamin von Blomberg.: 15). Dessa maneira, não pela proposta de "utopias positivas", vai ela pôr em questão o capitalismo, o "sacrossanto capitalismo".

Nesta peça de teatro, vemos que a "avidez" é o princípio da ação, surtindo como uma variante de reflexo condicionado para os "pequenos investidores" e os "especuladores". Da mesma maneira, o "capital" surge investido com propriedades sobrenaturais, um "fetiche" que, "instrumento" que era, se impõe doravante aos seus humanos criadores. O homem surge, assim, como "objecto do capital". Motivações e sujeições "capitalistas" vão, portanto, irmanar as figuras da peça. Vemos surgir sugestivas pistas sobre esse conluio. Todos parecem unidos pela convicção sobre a vitória do mais forte. O mercado funcionaria como arena de combate onde triunfa o mais apto a sobreviver; "selva" primitiva onde os "predadores" mais ferozes prevalecem em razão das suas imanentes propriedades superiores. Essa variedade de "selecção natural" vai tanto explicar a mistificação dos triunfadores do mercado, logo a inveja que os envolve, que são elevados a um patamar sobrenatural de "heróis" ("Hércules" que superam a simples humanidade, pois "o trabalho que fazemos para você é sobre-humano", 130), como vai ainda forçar a resignação perante os vereditos de "fracasso" ("saber perder"). Que essa leitura do mercado como uma "selva" possa ser antiteticamente apreciada, em termos ora positivos, ora negativos, respectivamente, pelos propagandistas capitalistas ou pelos seus contraventores anticapitalistas, pouco importa para a estabilidade da crença. Ambos os campos convergem, por exemplo, sobre a necessidade de manter o mercado protegido de "crises" ou sobre a vantagem de o "libertar de animais selvagens", vendo essas situações como estados patológicos, excepcionais, que não estivessem, pura e simplesmente, previstos pelo funcionamento corrente do capitalismo. Os "esquemas de orientação" (Bloch 2014Bloch, Natalie. "wir können ganze Märkte deregulieren wie Flüsse". Die Rhetorik des Finanzmarktes in Elfriede Jelineks Die Kontrakte des Kaufmanns. In: ______; Heimböckel, Dieter (Org.). Elfriede Jelinek. Begegnungen im Grenzgebiet. Trier: WVT, 2014. p. 55-72.: 70) usados por uns e outros para compreender a crise parecem sobrepor-se nos mesmos binários: forte e fraco, vencedor e perdedor. Nesse sentido, sequestram os nossos raciocínios ao uso de tais conceitos, ainda que possam investi-los com valorizações contrastantes, positivas ou negativas.

A par da "naturalização", vemos surgir uma "casualização" do mercado. A bolsa aparece, assim, como jogo de "sorte" ou "azar" ("pensávamos que tínhamos apostado no cavalo certo", "achávamos que éramos os ganhadores, [...] nós, os sortudos", 89). Surge, assim, uma aparência de equanimidade pela exposição ao "risco" e pela resignação ao acaso ("nós comemos-lhe as papas na cabeça e você pensa que é o destino", 175). "Até os ricos podem perder riquezas! Podem perder em parte, mas ainda têm outras partes. Outros não têm nada. Não têm nada, não recebem nada" (150). Uma vulnerabilidade que se revela, porém, e muito rapidamente, seletiva ("sorte que o nosso banco significa, todavia só para nós, seus proprietários e liquidatários", 98). A reificação das operações financeiras como movimentos explicados pelo acaso, em que convergem equitativamente os comentaristas mais lisonjeiros e os críticos mais estigmatizadores do capitalismo, corresponde a uma leitura do mercado como terreno de "jogo", "uma bolsa à qual até você tem acesso!" (168). Um "jogo" que importa preservar "limpo" perante tentativas de "regulação" externas que vão, supostamente, entravar a "fluidez", a "fuga", a "viagem" e a "corrida" do "dinheiro", outras tantas imagens usadas para comprovar a "essência" da "liberdade" que caracteriza o "capital" (ao contrário, por exemplo, das "pessoas", que têm "raízes" e que são, por isso, "imóveis"). "Queremos uma economia inteiramente livre, não só porque garante liberdades, mas também porque é o melhor caminho para gerar bem-estar e prosperidade" (168). A "naturalização" e a "casualização" vão concorrer poderosamente para a emergência e a instalação da "economia como realidade objectificada" entre os nossos "imaginários sociais modernos" (Taylor 2004Taylor, Charles. Modern Social Imaginaries. Durham: Duke University Press, 2004.: 69-82).

As acusações perante a intervenção do Estado sobre o mercado, vista como uma intrusão e um abuso que vão macular a natureza de uma "economia inteiramente livre", surgem, assim, inspiradas como uma luta contra tentações estatais de autoritarismo e totalitarismo. "Nunca devemos transformar-nos em números num computador do Estado, é melhor não ser número nenhum nos nossos registos do que ser um número nos computadores do Estado!" (170). A paródia a essa "essência" da ideia capitalista de "liberdade", cuja oposição principal surge personificada pelo Estado, e a esse significado amputado de "liberdade" ("liberdade de perder"), culmina com o elogio do "espírito empreendedor privado". "[S]em nós você perderia a sua liberdade para o Estado, mas connosco você também não ganha, nunca há-de ganhar, não vai ganhar mais nada a não ser a sua liberdade de não ganhar nada" (171). Ao Estado pode, todavia, ser-lhe concedida uma função positiva pelos "bancos". "Não importa, o Estado? Não faço ideia, privatiza os lucros que você teve e socializa, não, democratiza as suas perdas. Nunca disse coisa tão banal, e já disse muitas banalidades" (160). O "Estado" pode ser, pois, um instrumento a serviço dos "especuladores" para reparar a "crise", vista usualmente como tribulação episódica e casual do "mercado". "Nós não damos nada, não estamos cá para dar esmola, o Estado é que dá esmola, porque o Estado é nosso criado, nós tiramos partido do criado, hã, há qualquer coisa aqui que não bate certo, não importa" (170). A "política" pode aparecer, assim, como um "médico" (160) invocado em casos de urgência - e apenas por uns momentos. Evitem-se, porém, transigências para com a "política" ("para que saibam que, neste país, não é um político qualquer, mas sim nós, nós que mandamos!", 157). Ou impasses sobre a função que cumpre a "política" para os bancos ("dizemos à política que deve mudar as regras e ela muda-as logo", 174). A ela resta ser, segundo eles, a protetora e a facilitadora do "mercado", a quem é repetidamente lembrada a situação de subordinação hierárquica perante os fins da economia ("se houver risco de o sistema de regulação falhar, mudamos as regras e pronto"). "A política vai agarrar este desafio, agradecida, para libertar o mercado de nós, e depois volta a deixar cair o desafio" (172). Depois, voltamos ao mesmo. As "crises", seguidas pelas suas sucessivas "regulações", "desregulações" e novas "regulações", são apenas instantes do círculo infinitamente repetido do capitalismo. São pontos de passagem do seu curso "normal". Em suma, o que Elfriede Jelinek mostra com o seu trabalho literário, que procede pelo exagero e pela caricatura da "normalidade", é que as "crises", tal como as catástrofes, os massacres, os crimes, não são "excepções" ou "singularidades": eles podem ser casos extremos por comparação com a "normalidade", mas já estão contidos no universo de possíveis dos tempos "normais". Por isso se fala, a respeito de Elfriede Jelinek, no seu "complexo da Cassandra", a capacidade de "prever" ou "vaticinar" o futuro. A verdade é que ela insiste, sistematicamente, em levar às últimas consequências a lógica da "normalidade" no seu trabalho literário. Por isso parece, por vezes, ter "antecipado" os acontecimentos.

3 "Entre nada e nada": crença, transcendência e autofagia do sistema capitalista

O capitalismo passa pelo cumprimento escrupuloso dos "contratos do comerciante", a relação de reciprocidade em que as "vendas" se convertem em "compras" ou, tratando-se de trocas intervaladas por um hiato de tempo mais ou menos longo, as "promessas" se concretizam em "pagamentos", as "expectativas" se convertem em "recompensas", e os "certificados" em "investimentos" e "proveitos". Dom e contra-dom peculiar ("não foi nenhum círculo de prendas, porque ninguém dá nada a ninguém", 150), que o "contrato" supostamente explicita, obriga e avaliza. Essa pretensa combinação harmoniosa de interesses e expectativas que um contrato realiza, unindo numa ligação comum, vinculando, portanto, contraentes que só formalmente são iguais, serve como importante fator de legitimação para o capitalismo, o que explica que surja, não sem uma intenção de paródia, logo no título da peça ("os contratos do comerciante") (ver Lücke 2013Lücke, Bärbel. Ökonomische Gewalt und Oikodizee. Elfriede Jelineks Die Kontrakte des Kaufmanns. Eine Wirtschaftskomödie. In: Jelinek[Jahr]Buch 2013. Wien: Elfriede Jelinek-Forschungszentrum, 2013. p. 41-57.: 41-57). Aliás, o capitalismo, pese os princípios de ação puramente "racionais" que pretende reivindicar como fundamentos da sua legitimidade, constitui, pois, um sistema de crença. Émile Benveniste recorda que, etimologicamente, a ideia de "crença" equivale a um "acto de confiança implicando restituição" ou significa "confiar uma coisa com a certeza de a recuperar" (Benveniste 1969Benveniste, Émile. Le Vocabulaire des Institutions Indo-Européenes. Paris: Éditions du Minuit, 1969. v. 1.: 171). Acreditar passa por creditar, isto é, por conceder, provisória e condicionalmente, um "crédito". De fato, continua Émile Benveniste, o "envolvimento", "dedicação" e "entrega", "seja por palavras, por promessas ou por dinheiro" (Benveniste 1969Benveniste, Émile. Le Vocabulaire des Institutions Indo-Européenes. Paris: Éditions du Minuit, 1969. v. 1.: 177), implica sempre a ideia de "restituição". Essa noção primitiva de "contrato" como operação de crença e crédito surge nesta peça de teatro. "Por favor, dê-nos para nós podermos dar-lhe também a si! O quê, você já não nos dá mais nada, já não confia em nós? Então também não damos nada. Confiança por confiança" (96). Entre "crença" e "crédito", "dívida" e "remissão" (ou, em outros termos, "culpa" e "perdão"), "promissórias" ("empréstimos") e "vencimentos" vai instaurar-se a relação de circularidade que explica a virtuosa progressão do capitalismo. A especulação financeira nos estágios avançados do capitalismo veio acentuar essa marca de nascença do comércio, embora elevando o perigo iminente de entropia ("um naufrágio pode acontecer", 177). Esse vórtice incontrolado de trocas aparece graficamente enunciado numa passagem da peça, em que se sublinha o caráter não só automático, mas ultimamente absurdo da circulação de "investimentos":

As receitas são, pelos vistos, o dinheiro tonto de tanto andar às voltas em círculo, em vez de se reproduzir em linha recta, porque quando o dinheiro anda a correr às voltas, o dinheiro estúpido, quando o mandam correr em círculo, já não sabe onde é o começo e o fim, não encontra um objectivo (151).

A histeria do "mercado", vista como perda de controle momentânea sobre si mesmo, e a miopia dos "pequenos investidores" (sem "visão de conjunto", 147), que os leva a comportarem-se de maneira impotente e hesitante, têm consequências invertidas para os "bancos", que têm, nesse caso, uma vantagem pela posse exclusiva de uma "visão de conjunto" do "mercado" e que podem usar intencionalmente a opacidade dos negócios ("você vê aparecer os caminhos da riqueza, mas dos seus olhos não desaparece a neblina") como vantagem suplementar a seu favor, para seduzir e manobrar mais facilmente os "pequenos investidores". A crise veio romper o juramento ("prometemos", "juramos tudo"); na verdade, veio apenas mostrar a natureza ilusória do "contrato" supostamente criado pela "confiança" recíproca entre as partes, que originalmente produzia a legitimação ideológica do capitalismo ("os certificados também não são nossos amigos, como achávamos até agora", "certos amigos não são autênticos nem verdadeiros", 83).

Os princípios de ética prescritos e proclamados pelo capitalismo são palavras ocas ("os nomes mudam-se como as camisas ao fim e ao cabo, porque tudo serve para tudo", 134). A "responsabilidade", a "prosperidade", o "empreendedorismo" são simples "verbosidade": o verdadeiro "motor" do capitalismo, vemos, não são as sentenças nem os conceitos expelidos pelos seus protagonistas ("para nós não conta como nos chamamos, só nos interessam os lucros", 134). Os nomes não estão a serviço da clareza, nem sequer servem para uma escrupulosa organização do mundo ("os nomes são ruído e fumo", 176). Na verdade, como sucede potencialmente a tudo sob o capitalismo, interessa principalmente a vertente econômica que pode ser retirada da utilização dos "nomes ("os nomes são ruído e fumo, mas para nós, são capitais, este nome é o nosso capital, este bom nome é o nosso rico capital", 107). As mudanças de nome, levadas ao paroxismo nos esquemas criados para esquivar as responsabilidades legais e econômicas ("agora até nos chamamos uma coisa diferente, mas ainda somos nós, já não somos, ainda somos, ainda somos o banco, a empresa não, embora se chame como nós", 107), são sintoma e fator de ficção. "[R]ecebemos o nosso nome no sagrado baptismo, e agora passamos este nome a esta empresa que se chama como nós, sim, a esta sociedade que se chama como nós, mas não somos nós" (105). Nomen est omen? O batismo como sacramento não prescreve uma missão a ninguém. Os nomes podem servir inclusive para manipular a "confiança" ("porque se fiou no nosso nome, no nome em que os comprou, mas agora você lerpou", 106). O capitalismo não pode ser visto como pretende a sua consagração por um rótulo ("um nome dado por deus"), por muito que os "nomes" tragam consigo uma "promessa" ("sagrada, sagrada, sagrada", 112), um valor fiduciário que permite aos seus proprietários intervir ativamente sobre a realidade a partir da manipulação das nomeações e representações dessa "realidade".

Em comparação com os portadores de um "nome valioso", os "pequenos investidores" são menosprezados ("você é aquele que se chama qualquer coisa, e para nós é indiferente, o que interessa é que compre estes certificados", 103) como massa incógnita de indivíduos sem nome - e sem préstimo. "Você não presta para nada" (114). Por outro lado, a paridade entre "coisas" e "nomes" vê-se complexificada, senão interrompida: são planos em que não se consegue verificar uma correspondência ponto a ponto. Exceto que o "nome" funciona como signo de autoridade e instrumento de poder para quem o tem ("ter um nome", "nome precioso") - e a sua carência revela impotência ("não é por coincidência que você não se chama nada", 104). O valor do "nome", em particular, sugere essa iniquidade entre os seus portadores. A fragilidade, a transitoriedade e o menosprezo dos "clientes" é como a imagem invertida da sobrevalorização dos "especuladores" e dos próprios "papéis" de crédito ("os eternos, os imo-valores, porque os imo-valores valem para sempre", 83). No entanto, insistamos que, para Elfriede Jelinek, a ordenação de "clientes" e "bancos" nos extremos opostos, respectivamente negativo e positivo, de uma mesma escala, só pôde surgir e continuar pela conversão, ou redução mesmo, de todos os valores humanos a uma só forma de valor (econômico). Só a preeminência de uma medida de conta que torne todos os valores computáveis e, assim, comparáveis entre si ("somos todos iguais, se nos compararem com o dinheiro, que é distribuído de forma desigual", 90), permite a sua ordenação. No capitalismo, por força da prevalência universal do "dinheiro", tudo passa a ter um "preço". A vida também, embora, "logicamente", haja vidas mais valiosas do que outras.

Num cosmos em que o "nome" e, mais amplamente, o "valor" publicamente outorgado a uma pessoa varia consoante os "valores" (econômicos) que ela possui, os "clientes" do banco, os "pequenos investidores" não podem ser considerados como estando intrinsecamente investidos de "valor" significativo. Na verdade, eles podem mesmo passar a viver pela negatividade ("nada") em função da extinção do seu patrimônio econômico ("registamos perdas e somos apagados", 84). De maneira lapidar: não "ter" nada, é "ser" nada. "O nosso valor é nada, o nosso valor não é nosso, entregámos o nosso valor e não o trocámos por nada, não salvámos nada, não temos salvação possível, não temos valor nenhum e não temos valores nenhuns, os nossos valores não valem nada, e o nosso valor agora é que não vale mesmo nada" (85). Quando as propriedades que qualificam uma pessoa, tais como a autonomia da sua consciência e a capacidade de a exprimir verbalmente ("voto" significando também "voz", Stimme, na versão original da peça), passam a faltar, como acontece aos "pequenos investidores" privados de "votos" e "vozes" (visível, respectivamente, em "só se distingue da carneirada que vota por não ter voto na matéria", 94; e "perdeu a língua", 137), podemos verificar a situação de iminente constrição e negação em que vive a humanidade sob o capitalismo ("como se a pessoa fosse o próprio proprietário, cada pessoa o seu próprio proprietário, seria magnífico", mas, "não lhe damos nada de graça, obviamente, você tem de pagar"). Pelo mesmo raciocínio se vê que não ter propriedades ou posses significa não ter posse de si ("você nem sequer pertence a si próprio", 103), o que se pode, inclusive, traduzir pela perda da independência pessoal ("você pertence ao banco"). A equação entre apatia subjetiva e saldo bancário, entre "ser e ter", passa a ser total e imediata ("cliente passivo que não sai do passivo"). A transferência de "valores" econômicos para os "bancos" e, especialmente, a "perda" de "valores" pela situação de crise ("insolvência") passam, assim, a ser vistas como uma operação massiva de sucção do "valor" vital dos "pequenos investidores", uma apropriação sistemática da sua relevância pessoal e coletiva por via da apropriação das suas posses e propriedades ("solvabilidade"). Uma espécie de suicídio involuntário ("podemos suicidar-nos agora", 85; "porque é que poupou a sua própria vida, porque é que não se atira de um penhasco abaixo?", 182) cometido por um meio entreposto, a "perda" dos "haveres". Por equiparar "ser" e "ter" e, mais, por sujeitar o valor da "vida" ao valor da "posse", esse sistema econômico não apenas torna a existência dos "clientes" num "nada": pela falência financeira, transforma-a num "deve", num "nada negativo", num "menos nada" (87). "Você é aquilo que deve" (178). De maneira transparente, vemos que "o nada que temos nos obriga a aniquilar o outro nada que somos" (86).

A "vida" passa não só a ter um valor que se pode computar, como esse valor passa a variar consoante os "valores" (econômicos) e os "saldos" (bancários) da pessoa que é o seu suporte provisório. Numa acepção muito lata, a vida, parodia Elfriede Jelinek, é sempre um "empréstimo" ("na vida tudo é emprestado, sim, a própria vida e os nomes também", 28), uma concessão temporária "encravada entre nada e nada", o nada prévio ao nascimento e o nada consecutivo à morte. Nesta peça em particular, isso significa que a vida dos "pequenos investidores" tem pouco valor ("a sua vida não vale nada assim como assim", 98). Embora possa haver pontualmente o pressentimento do fetichismo implicado nessa sublimação do "capital" ("o nosso criado que se alcandorou a todo-poderoso", 85), vemos que o "dinheiro" pode funcionar como unidade de medida e como fator de substituição para a "vida". Nas suas consequências últimas, ele torna-se mesmo o próprio fim da vida: no duplo sentido de trazer a "morte" ("já temos os certificados pendurados ao pescoço") e funcionar como finalidade única para a existência humana. Sem poder prolongar, neste momento, a nossa pesquisa sobre o tratamento profanador e subversor a que Elfriede Jelinek submete, num ataque em pinça, o vocabulário filosófico ("ser", "nada") e a lógica do sistema financeiro ("só há manjares sangrentos, só há dinheiros sangrentos"), vale a pena, todavia, sublinhar que a escritora mostra pelo burlesco, sem necessidade de veicular teses, a natureza metafísica das linguagens em causa, com a salvaguarda de que a sua "irrealidade" (por exemplo, a "empresa que só tem existência no papel", 93, ou os revoluteios existencialistas em torno da ideia de "ser" e "autenticidade") têm consequências "reais" para as pessoas (ver Polt-Heinzl 2010Polt-Heinzl, Evelyne. Minus-Nichts, aber mündelsicher oder Besser eine Taube im Mündel als ein MEL-Zertifikat im Portfolio. Über Elfriede Jelineks Die Kontrakte des Kaufmanns. In: Jelinek[Jahr]Buch 2010. Wien: Elfriede Jelinek-Forschungszentrum, 2010. p. 99-115.: 104). As especulações financeiras levaram ao paroxismo a volatilização de "valores" provocada pelo "dinheiro"; a crise financeira vai mostrar onde conduziu essa fluidificação do "capital": não só o capital surge com inusitada "liquidez", como os "clientes" vão ser eles próprios "liquidados".

O purgatório surgiu, entre outras vertentes, para solucionar uma polêmica teológica. As incertezas dos teólogos sobre a classificação dos "pecados" e a colocação das "almas" dos usurários da Idade Média promoveram a invenção de mecanismos de punição e reabilitação peculiares, que passaram de reprovar inapelavelmente a intenção usurária, tratada como "pecado mortal", para a promulgação da confissão pessoal, a possibilidade de penitência e indulgência e a criação do próprio purgatório como instância de transição rumo ao paraíso (Le Goff 2004Le Goff, Jacques. A bolsa e a vida. Economia e religião na Idade Média. São Paulo: Brasiliense, 2004.: 63-82). A usura surgia com sinais visíveis de contranatura. Os "juros" apareciam como espécie que se reproduzia sem cópula; operação que não levava em consideração os ritmos naturais e as pausas sagradas, progredindo noite e dia ou sem respeitar feriados ou domingos; valor que crescia sem trabalhar e sem comer; presunção de um resultado futuro à revelia da vontade de Deus, o que implicava usurpar as prerrogativas celestiais sobre o tempo. Para explicar o contexto de pressão cruzada entre a vertente espiritual e a vertente secular no surgimento do purgatório, é preciso compreender que, a partir do ano 1000, segundo escreve Jacques Le Goff:

[O] impulso e a difusão da economia monetária ameaçam os velhos valores cristãos. Um novo sistema econômico está prestes a formar-se, o capitalismo, que para se desenvolver necessita senão de novas técnicas, ao menos do uso massivo de práticas condenadas desde sempre pela Igreja. Uma luta encarniçada, quotidiana, assinalada por proibições repetidas, articuladas a valores e mentalidades, tem por objetivo a legitimação do lucro lícito que é preciso distinguir da usura ilícita (Le Goff 2004Le Goff, Jacques. A bolsa e a vida. Economia e religião na Idade Média. São Paulo: Brasiliense, 2004.: 6).

As conotações religiosas voltam a vibrar neste texto de Elfriede Jelinek, trazendo uma ressonância para os leitores que permite imediatamente perceber que hoje, ao contrário da tentativa da regulação da economia pela religião que sucedia naquela época remota, é a própria economia que se regula como uma religião. Na peça de Elfriede Jelinek, o "capital", que "trabalha mesmo durante o sono" (107) como sucedia na época medieval para revolta dos teólogos, vê-se içado a um plano sagrado. "O lucro é o nosso deus" (146), surge taxativamente vocalizado. A confirmar este estatuto surgem as tentativas de nomear um Deus, forçadas por meio de tautologias, como ocorria com o pensamento escolástico, por serem incapazes de conter pela palavra a sua transcendência infinita. "Eu sou aquele que é. Eu estou onde estou. Eu sou aquele que é onde está. Onde é que se dizem estas coisas?" (81). A sua perfeição, traduzida pela sua onipotência e pela sua identidade, revela-se, por acréscimo, pela sua recusa ou isenção a ser "controlado", ao contrário do que acontece com os "clientes", para quem se multiplicam os "controlos". Vale a pena transcrever toda a passagem, que mostra como se processa paulatinamente o silogismo que termina pela verificação da semelhança dos banqueiros com o "verdadeiro Deus" a partir da constatação da sua onipotência e onisciência. Em oposição à mortalidade e à impotência dos humanos, o dinheiro tende para a eternidade e a discricionariedade, como se pode ver nesta passagem da peça:

É o controlo, é o controlo de si mesmo, Deus controla-se a si mesmo, e isso quer dizer que ninguém pode controlá-lo, [...] Deus gosta mais dos mais pobres, de nós não gosta, mas isto é só um aparte, porque a nós não nos controla ele, nos controlámo-nos a nós mesmos, como ELE, e isso não lhe agrada, porque ele quer ser o único que se controla a si mesmo e isso quer dizer que nem sequer tem de se controlar, ELE é o que É, nós somos o que somos (112).

Ao mesmo tempo, surgem repetidamente invocações do "mistério" de Deus como vetor de similitude com os "especuladores": primeiro, se "são insondáveis os caminhos do Senhor, os caminhos do nosso dinheiro também" o são (150); em seguida, a "igualdade com o Deus" que é simultaneamente uno e trino, produzida pela "igualdade de nomes connosco mesmo", em que o nome de uma empresa é usado em comum por uma multiplicidade de empreendimentos financeiros e pelos produtos emitidos por si, sem serem, todavia, essa mesma empresa e não pertencerem a ela ("têm o nosso nome, apesar de não serem nós, e também não são nossos"); por último, com a equiparação do prefácio do relatório de contas do banco ("que tudo abrange, que tudo atinge") às palavras das Sagradas Escrituras ("no princípio era o verbo", 100).

Nessa projeção do capitalismo como religião, os banqueiros e os "especuladores" cumprem necessariamente a função de sacerdotes; as suas teorias econômicas são, nesse sentido, a sua teologia. "A culpa é toda sua" (133): essa capacidade de imputar "culpas", logo "dívidas", que lhes confere o conhecimento do mercado, vem acompanhada pela pretensão e capacidade de instruir os "pequenos investidores" para encontrarem a "salvação" por via de "sacrifícios". Esses "especialistas" da celebração do "dinheiro" pretendem, por isso, ser os únicos protagonistas intitulados para a especulação (bancária e intelectual) nesse universo econômico. Por acréscimo, são eles que velam pela preservação do "bosque sagrado" que é o mercado (172). "[N]ós somos o caminho, a verdade e a vida, quem acreditar em nós que nos siga" (135). Ao longo da peça, eles atuam como os intérpretes e os zelotes que cuidam da manutenção de uma ortodoxia, que insistem em repetir até à náusea ("cantamos ao Senhor um canticozinho, um cântico de júbilo", 171). Vemos que apelando para as suas supostas habilidades técnicas e a sua proclamada investidura estatutária ("nós somos o cordeiro de Deus"), eles pretendem ser os únicos que podem conhecer e manipular o círculo sagrado dos segredos da "especulação". Assim, pretendem remeter os leigos para a completa insciência a respeito do funcionamento do mercado e para o papel de contempladores subservientes das suas proezas financeiras. "Você não está legalizado para entrar no mercado, esqueceu-se da sua legalização?" (174). Em certo momento, sugere-se a sua parecença com os "áugures" da época clássica, que liam "os voos dos pássaros" ou as "entranhas" de bichos imolados ("os iniciados lêem tudo", 119). Esse monopólio da habilidade e da legitimidade de operar sobre o mercado, extorquida pela continuada espoliação em seu favor da capacidade de interrogação e protesto dos "clientes" ("oh gente bacoca, tudo bacocos, caros bacocos, façam uso da vossa boca e digam o que querem, não hão-de recebê-lo, façam uso da vossa boca, que não têm", 141), vem a tornar plausível que os "especuladores" pareçam ultrapassar os limites da mortalidade. Na verdade, segundo eles, operam verdadeiras proezas sobre-humanas, "um trabalho de Hércules". A sua megalomania ("somos deuses, incitados por nós mesmos") significa, por outro lado, que o Estado, que teria que fiscalizar, se vê reduzido a um simples "tutor", tolerado na proporção da sua inocuidade ("o Estado tem a competência, mas nós dispomos, o Estado põe e nós dispomos", 139). A crise veio, precisamente, comprometer os "segredos" que faziam a fortuna, literalmente, dos especialistas dos mercados, como as coordenadas das "ilhas" ("Aruba Aruba Aruba") onde se esconde o "dinheiro em férias" ou os equívocos criados pelo uso de um mesmo nome por uma multiplicidade de empresas ("é um segredo bem guardado, é o segredo mais bem guardado de todos, mas parece que se soltou do guardador, já que você agora também o conhece, mas de nada lhe vale", 126). Essa "sobrecodificação teológica" serve como forte princípio de coesão para a "oikodiceia" do capitalismo (Lücke 2013Lücke, Bärbel. Ökonomische Gewalt und Oikodizee. Elfriede Jelineks Die Kontrakte des Kaufmanns. Eine Wirtschaftskomödie. In: Jelinek[Jahr]Buch 2013. Wien: Elfriede Jelinek-Forschungszentrum, 2013. p. 41-57.: 50). O pastiche de Elfriede Jelinek com citações bíblicas e temas litúrgicos veicula a transposição do "dinheiro" para o plano divino. Esse movimento não é apenas uma alegorização, pois confere ao "dinheiro" propriedades demiúrgicas e a habilitação à "eternidade". A apoteose do mercado vem, assim, acompanhada pela intenção de tornar o mercado a-histórico.

Finalmente, mencionemos de passagem a torrente de imagens cristológicas que circulam em torno do "dinheiro". Os especuladores são os celebrantes que mantêm acesa a pira onde os "pequenos investidores" vão imolar ("matou-o por nós") o seu "porquinho", o "mealheiro" (114-115). "Apresentadas e postadas no nosso altar" (113), as prestações de capital viverão eternamente, como promete o receituário religioso da sagrada comunhão:

O seu capital continua a viver, vive eternamente, há-de sobreviver-lhe, e vive na nossa sociedade, que é a sociedade de todos, você foi só o seu hospedeiro, pôde albergá-lo transitoriamente, o seu pequeno e simpático capital, mas este capítulo está encerrado agora, agora está connosco em permanência, o banco exigiu direitos sobre os direitos, mas o seu capital ainda vive! (110).

O capital vai para o "paraíso" (fiscal), onde viverá para sempre feliz e pacificado. A transmigração do capital como "espírito", sublimado a partir do seu "sacrifício", pela sua "morte" terrena, toma o sentido de uma expiação, uma penitência ("o carneirinho que você tem"). Nesses tempos pré-apocalípticos em que se prepara e se protela continuamente a chegada do salvador ("até o salvador nos livrar de tudo"), esse sacrifício, todavia, "não lava as suas dívidas, não lava as nossas culpas" (96).

4 Nota final: o "horror" como estratégia para "activar" os espectadores

As suposições sobre viver e morrer em tempos do capitalismo formam uma corrente magmática que, correndo sob a superfície do texto desta peça de teatro, surge inesperada e reiteradamente, vulcanicamente, em erupções de palavras que trazem cinza e fogo para o panorama tranquilo do capitalismo que é visto pelo público (leitor ou espectador). A irreversibilidade da passagem do tempo, tornado passado, e a inevitabilidade da morte, que se apresenta como futuro inevitável, é o princípio regente da vida humana. "Do nada para o nada": a vulgata existencialista tornou corrente uma pletora de expressões sobre a interpretação da "vida", um "vazio" para onde se lança o homem; a linguagem religiosa de matriz católica forneceu um cavername para pensar a passagem pela terra e o acesso ao paraíso celeste em termos que enobrecem o "sacrifício" e que preconizam a resignação aos atos de Deus; a retórica economicista dos bancos recupera, sem piedade, com um cinismo exemplar, as versões mais completas da "selecção natural" para explicar a sobrevivência humana e legitimar a sua intervenção sobre o "mercado" (visto como uma "selva" onde impera a lei do mais forte mas, ao mesmo tempo, como um "bosque sagrado" que se tem que proteger de um Estado prepotente). Nesta peça, os registros ideológicos hegemônicos usados para explicar a vida contemporânea são insuflados até se verem, se rasgarem as costuras. A sátira a registros textuais com um halo de santidade permite mostrar a sua vacuidade e a sua utilização como instrumentos de violência e controle.

O capitalismo transtorna a simetria entre temporalidades, em particular com as suas conjunturas críticas, que rompem a linearidade e a teleologia do tempo, usualmente retesadas entre a solidez do passado e a previsão do futuro. Desde logo, a "crise" vem "liquidar" retroativamente o tempo usado para criar "poupanças". "[E]spatifámos a nossa vida naquilo, prescindimos da nossa vida e poupámos décadas a fio, para podermos comprar estes certificados" (94). Note-se que as "poupanças" implicaram sofrimentos e privações ("as nossas poupanças, o que poupámos, o que pudemos poupar porque não fomos poupados a nada durante décadas", "os pequenos investidores aplicados, que apanharam os seus grãozinhos, que juntaram talões de desconto anos a fio", 92), tanto mais se forem provenientes do trabalho vivo dos "pequenos investidores", que tiveram que penar anos e anos, frequentemente em empregos precários e com baixos salários, para acumularem o seu pequeno pecúlio. Da mesma maneira, a "crise" invalida e nega o horizonte de expectativas que acompanhara os investimentos dos "pequenos investidores", como as esperanças de uma "velhice" tranquila num "lar de terceira idade" de sonho. A "redenção" das privações e sofrimentos, prometida pela entrada num paraíso, vê-se impedida de se realizar ("ainda vamos ter de aguardar vinte anos de trabalho, porque a nossa reforma foi-se, evaporou-se, sumiu", 84). Tudo revogado, niilismo total. Fora do vácuo metafísico, o "nada" toma implicações cabais. "Aquilo era o nada, era uma coisa que se mantinha em vida com as nossas vidas [...] Infelizmente não nos mantém vivos a nós, agora que precisávamos" (94). Vemos os maquinismos do sistema financeiro aparecerem como um matadouro ("nós, os pernetas, os degolados"), um sorvedouro de tempo de vida (passada e futura), um "vazio que tudo suga" (86). Frequentemente aparece sinalizada, na peça, a vertente escatológica do capital ("deitávamos a mão à merda"). Encontramos também relatada a sua emergência como "valor" supremo, que impõe a ponderação do significado e valor da existência ("ser") unicamente pelos "valores" econômicos ("ter", "haver"). "Nós investimos e investimos no nada, o nada é a nossa vida" (90). A "liquidação" do capital torna o "nada" palpável e indelével, pois "investimos no nada a partir de nada, que nada nos rendeu". Vemos, por fim, aparecer comentada a sua vertente vampiresca.

"Nós comemo-lo a si" (175), proclama furiosamente um coro de vozes perto do final da peça. Os "pequenos investidores" são "sugados até ao tutano" (87). Os bancos ("o nosso banco tem de viver de alguma coisa", 109) são "vírus" canibais. "Cobramos de todos vós, os que estão vivos, como algozes, somos como animais ferozes que se alimentam da vossa carne, que comem da vossa carne" (114). Uma voz vinda da mitologia lança o terror. "Os nossos cavalos precipitam-se aos gritos para o manjar sangrento nas manjedouras assassinas, [...] só há manjares sangrentos, só há dinheiros sangrentos" - são "cavalos que comem carne humana" (175). Quem será essa reencarnação de Diómedes, o lendário rei dos Bistones que alimentava os seus cavalos com carne humana? Num par de passagens do capítulo 8 do livro I de O Capital, Karl Marx vai não só proceder a uma personificação do capital como "vampiro", vai também mostrar como o capital, "trabalho morto", come os "vivos", os trabalhadores e o seu trabalho. "O capital é o trabalho morto, que só se revive vampirescamente pela sucção de trabalho vivo e para tanto mais viver, tanto mais suga dele" (Marx 1968Marx, Karl. Das Kapital. In: ______; Engels, Friedrich. Werke. Berlin: Dietz, 1968. v. 23.: 245). Em particular nesta passagem de Karl Marx, a "sede de vampiro pelo sangue do trabalho vivo" (Marx 1968Marx, Karl. Das Kapital. In: ______; Engels, Friedrich. Werke. Berlin: Dietz, 1968. v. 23.: 270) significa, nos termos do processo de produção capitalista, o prolongamento da jornada de trabalho para os seus máximos. Nos termos do capitalismo financeiro, a concentração e a mobilização de enormes volumes de capital pressupõe a sucção de trabalho vivo acumulado, as poupanças conseguidas com os salários dos trabalhadores. "[É] para nós que trabalha o seu dinheiro, para o qual você trabalhou!" (154). Para que os produtos do trabalho sirvam como "capital" para os "especuladores", os trabalhadores precisaram primeiro servir o trabalho. No reino etéreo do capitalismo sem materialidade, "uma sociedade sem trabalho, já que o dinheiro pode e deve trabalhar sozinho", uma "sociedade do ócio" (154) que teria reduzido ou mesmo suplantado a pertinência do trabalho humano, Elfriede Jelinek força-nos a ver que o "capital" precisa e conserva o "trabalho" e a sua exploração como contraparte imprescindível. No entanto, essa extorsão de vida pelo "capital" traduz-se por uma sistemática repressão do "trabalho" de que depende para a sua perpetuação. Assim, vemos que a parúsia do capital significou subvalorizar o trabalho, intensificar a sua exploração ("nós que já nem ousamos ter tempo para o almoço") e torná-lo precário ("há pessoas que trabalham mesmo, para não perderem os empregos verdadeiros, que para eles não são os empregos certos", 78). O trabalho vivo é menosprezado, melhor: "liquidado" ("o trabalho foi liquidado, e os ganhos provenientes do trabalho também", 154), e o trabalhador (continua) forçado a viver sobrevivendo ("cabe ao trabalhador apenas o necessário para manter aquela que é a condição do trabalho, a sociedade", 154).

Outras tensões surgem a acompanhar o triunfo do capitalismo. Evitando retardar a conclusão do nosso texto, mencionemos apenas que a fluidez, a circulação e a expansão ilimitadas do capital que a "Europa" assegura estão em flagrante contraste com a instauração de "fronteiras" fechadas e vigiadas para o espaço europeu. Não há lugar para nada, "excepto dinheiro, na Europa". Por sua vez, a crise financeira veio tornar saliente a tensão entre a "privatização" dos lucros ("o dinheiro trabalha para toda a sociedade, não, não é para toda a sociedade, é só para a nossa", 121) e, em contrapartida, a "socialização" das perdas, que insiste em repetir-se como solução política para as conjunturas de avaria do capitalismo. A "regulação" e a "desregulação" seriam, assim, as soluções com que o Estado, "servo" dos bancos, corrigiria o mercado. Vemos como o "Anjo da Justiça", na metade da peça, apenas consegue falar com medo, tartamudeando germes de uma possível utopia positiva, que já sequer ele parece saber o que poderá ser ("porque já não sei mais o que dizer"). Não obstante, ele avança sugestões de interpretação sobre a natureza do trabalho ("o trabalho é fonte de toda a riqueza e de toda a cultura", 147), logo sobre o imperativo da sua valorização com justiça e a premência da sua repartição coletiva ("as receitas do trabalho devem pertencer inteiramente, com direitos iguais, a todos os membros da sociedade", 58). Um pouco mais à frente, ele vai também insistir, como em transe, na relevância do Estado-Providência ("é justo o Estado social que pode ser reconstruído como resultado de normas cuja aplicação trata todos os indivíduos de igual modo", 158), com os seus mecanismos de reequilíbrio da riqueza ("em que cada um contribui em função das suas capacidades financeiras", 158). Na verdade, a aparição do "Anjo da Justiça" será malograda. A peça não veicula uma mensagem ou uma proposta de sentido político. A peça de teatro visa lançar o horror perante os olhos do público, mexer com os seus nervos, pouco importando se for para obrigá-lo a protestar ou a vomitar (ver Hoffmann 1996Hoffmann, Yasmine. "Sujet impossible" suivi de "Ich will seicht sein" et d'un entretien avec Elfriede Jelinek. Germanica, Villeneuve d'Ascq Cédex, n. 18, p. 153-175, 1996.). Nesse teatro, a "activação dos espectadores" parte de uma intencional "irritação" dos seus receptores sensoriais e intelectuais, a começar pela forçada interrupção da crença inquestionada na irrefutabilidade das "teorias" econômicas e filosóficas ou na aparência "natural" do mundo social.

Referências bibliográficas

  • Benveniste, Émile. Le Vocabulaire des Institutions Indo-Européenes Paris: Éditions du Minuit, 1969. v. 1.
  • Berthold, Susanne. "Wo kommt das ganze Nichts auf einmal her?" Kapitalismus und Theater: Elfriede Jelineks Die Kontrakte des Kaufmann 2011. 130 p. Diplomarbeit (Magistra der Philosophie) - Universität Wien, Wien, 2011.
  • Bloch, Natalie. "wir können ganze Märkte deregulieren wie Flüsse". Die Rhetorik des Finanzmarktes in Elfriede Jelineks Die Kontrakte des Kaufmanns In: ______; Heimböckel, Dieter (Org.). Elfriede Jelinek. Begegnungen im Grenzgebiet Trier: WVT, 2014. p. 55-72.
  • Seeh, Manfred. Gerichtsthriller: Lebenslange Haft für Axt-Morder. Die Presse, Wien, 7 nov. 2008. Disponível em: <http://diepresse.com/home/panorama/oesterreich/428670/Gerichtsthriller_Lebenslange-Haft-fur-AxtMorder>. Acesso em: 10 fev. 2016.
    » http://diepresse.com/home/panorama/oesterreich/428670/Gerichtsthriller_Lebenslange-Haft-fur-AxtMorder
  • Ehlers, Kai. Über den Wahnsinn der Normalität oder Die Unaushaltbarkeit des Kapitalismus. Arbeiterkampf, Hamburg, n. 278-279, 12 jan.-9 fev. 1987. Entrevista concedida a Elfriede Jelinek.
  • Hoffmann, Yasmine. "Sujet impossible" suivi de "Ich will seicht sein" et d'un entretien avec Elfriede Jelinek. Germanica, Villeneuve d'Ascq Cédex, n. 18, p. 153-175, 1996.
  • Janz, Marlies. Elfriede Jelinek Stuttgart/Weimar: Sammlung Metzler, 1995. v. 284.
  • Jelinek, Elfriede. Das Parasitärdrama 12 maio 2011. Disponível em: <http://www.a-e-m-gmbh.com/ej/fparasitaer.htm>. Acesso em: 4 fev. 2016.
    » http://www.a-e-m-gmbh.com/ej/fparasitaer.htm
  • Jelinek, Elfriede. Capital Fuck Tradução de Helena Topa. Porto: Verso da História, 2015.
  • Jelinek, Elfriede. Geld oder Leben! Das Schreckliche ist immer des Komischen Anfang. Im E-Mail-Verkehr mit Elfriede Jelinek. Programmheft Thalia Theater Hamburg Elfriede Jelinek: Die Kontrakte des Kaufmanns 2 out. 2009. Entrevista concedida a Joachim Lux. Redactor: Benjamin von Blomberg.
  • Le Goff, Jacques. A bolsa e a vida. Economia e religião na Idade Média. São Paulo: Brasiliense, 2004.
  • Lücke, Bärbel. Ökonomische Gewalt und Oikodizee. Elfriede Jelineks Die Kontrakte des Kaufmanns Eine Wirtschaftskomödie. In: Jelinek[Jahr]Buch 2013 Wien: Elfriede Jelinek-Forschungszentrum, 2013. p. 41-57.
  • Lüder, Sven. (Mit) Autorität Beanstanden: "Die Kontrakte des Kaufmanns" von Elfriede Jelinek oder: Vom Wert des Werkers. 25 out. 2014. Disponível em: <http://jelinek.hypotheses.org/1064>. Acesso em : 12 fev. 2016.
    » http://jelinek.hypotheses.org/1064
  • Marx, Karl. Das Kapital. In: ______; Engels, Friedrich. Werke Berlin: Dietz, 1968. v. 23.
  • Pflüger, Maja Sibylle. Vom Dialog zur Dialogizität. Die Theaterästhetik von Elfriede Jelinek Tübingen: Francke, 1996.
  • Pircher, Wolfgang. "... um fremd zu werden wie Geld ... ". Bemerkungen zu Elfriede Jelineks Die Kontrakte des Kaufmanns In: Jelinek[Jahr]Buch 2011 Wien: Elfriede Jelinek-Forschungszentrum, 2011. p. 295-300.
  • Polt-Heinzl, Evelyne. Minus-Nichts, aber mündelsicher oder Besser eine Taube im Mündel als ein MEL-Zertifikat im Portfolio. Über Elfriede Jelineks Die Kontrakte des Kaufmanns In: Jelinek[Jahr]Buch 2010 Wien: Elfriede Jelinek-Forschungszentrum, 2010. p. 99-115.
  • Schmölzer, Hilde. Elfriede Jelinek. Ich funktioniere nur im Beschreiben von Wut. In: ______. Frau sein & schreiben. Österreichische Schriftstellerinnen definieren sich selbst. Wien: Österreichischer Bundesverlag, 1982. p. 84-90.
  • Taylor, Charles. Modern Social Imaginaries Durham: Duke University Press, 2004.
  • 1
    Ao longo do texto, por razões de comodidade para o leitor, os números de páginas entre parêntesis remetem sempre para a edição portuguesa da peça de teatro de Elfriede Jelinek, Die Kontrakte des Kaufmanns, recentemente publicada (2015) sob o título Capital Fuck, com tradução de Helena Topa. Para essa ocasião, preparámos uma primeira incursão sobre a obra de Elfriede Jelinek; uma pesquisa que retomamos, corrigimos e alargamos no presente texto. Gostaríamos de expressar publicamente a nossa gratidão pelas inúmeras ocasiões em que pudemos conversar com Helena Topa sobre a obra de Elfriede Jelinek, em particular esta peça, e sobre o ofício de tradutor.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Maio 2016

Histórico

  • Recebido
    22 Jul 2015
  • Aceito
    11 Out 2015
Universidade de São Paulo/Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas/; Programa de Pós-Graduação em Língua e Literatura Alemã Av. Prof. Luciano Gualberto, 403, 05508-900 São Paulo/SP/ Brasil, Tel.: (55 11)3091-5028 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: pandaemonium@usp.br