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O ensino de alemão em escolas públicas pela perspectiva do letramento crítico: um subprojeto PIBID em foco

The German Teaching in Public Schools from the Perspective of Critical Literacy: a subproject PIBID in focus

Resumo

Este trabalho tem como objetivo refletir acerca do ensino da língua alemã em escolas públicas com foco na promoção do letramento crítico. Para tanto, partimos da definição de Letramento e de Letramento Crítico, articulando o último com as atividades desenvolvidas por graduandos em Letras-alemão no âmbito do Programa Institucional de Iniciação à Docência (PIBID) - subprojeto Letras-alemão - em duas escolas estaduais do interior paulista. As reflexões apresentadas basearam-se nos planejamentos e nos diários reflexivos dos licenciandos e nas percepções da coordenadora do subprojeto. Os resultados apontam para o potencial do ensino de alemão em escolas públicas brasileiras, não apenas para a aprendizagem de um novo idioma, mas também para uma formação crítica e cidadã dos alunos.

Palavras-chave:
PIBID Subprojeto Letras-alemão; Ensino de alemão em escolas públicas; letramento crítico

Abstract

This paper aims to reflect about the German language teaching in public schools focused on promoting critical literacy. The starting point was the definition of literacy and literacy critic, relating the latter to the activities developed by undergraduate students in German Studies under the Institutional Program of Introduction to Teaching (PIBID) - subproject German Studies - in two state schools in the State of São Paulo. The reflections presented were based on students´ lesson plans and reflective diaries and on the perceptions of the subproject coordinator. The results point to the potential of the German education in brazilian public schools, not only in order to promote a new language learning, but also as a critical training and civic education.

Key-Words:
PIBID-Subproject German Studies; German teaching in public schools, critical literacy

Introdução

Vivemos na contemporaneidade uma realidade inquestionável de expansão de fronteiras, de comunicação intercultural intensa, de diversidade cultural no interior de uma mesma cultura e na integração com outros povos, de troca de/ e rápido acesso a informações por um número de canais nunca antes imaginável. Tal fato deve ser considerado para se repensar as razões para se aprender uma língua estrangeira, mais especificamente, para se aprender alemão, e as formas de ensiná-lo.

Menezes de Souza (2011Menezes de Souza, Lynn Mario T. Para uma redefinição de Letramento Crítico: conflito e produção de Significação. In: MACIEL, Ruberval Franco; ARAUJO, Vanessa de Assis (Orgs.) Formação de professores de línguas: ampliando perspectivas. Jundiaí, Paco editorial, 2011. https://www.academia.edu/595539/Para_um_redefini%C3%A7%C3%A3o_de_letramento_cr%C3%ADtico_conflito_e_produ%C3%A7%C3%A3o_de_significa%C3%A7%C3%A3o (Acesso em: 12 dez. 2015).
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: 1) afirma que

[...] o mundo globalizado contemporâneo traz consigo a aproximação e justaposição de culturas e povos diferentes - muitas vezes em situações de conflito. Se todas as partes envolvidas no conflito tentassem ler criticamente suas posturas, procurando compreender suas próprias posições e as de seus adversários, há a esperança de transformar confrontos violentos e sangrentos. Por isso, preparar aprendizes para confrontos com diferenças de toda espécie se torna um objetivo pedagógico atual e premente, que pode ser alcançado através do letramento crítico.

No excerto, o autor aponta para a aprendizagem de línguas estrangeiras como forma de compreender o outro, de olhar para as próprias crenças e de possibilitar a visão crítica de suas culturas. Nesse sentido, o ensino de línguas estrangeiras deve considerar mais que as razões meramente utilitaristas para a aprendizagem (mercado de trabalho, economia, força política dos países germanófonos), e se constituir como oportunidade de promover a reflexão crítica acerca da diversidade linguística, cultural, social, política, etc. Nessa perspectiva, cabe destacar a dimensão da tolerância ao outro e à diversidade presente na proposta do letramento crítico.

Autores como Kramsch (1993Kramsch, Claire. Context and Culture in Language Teaching. Oxford, Oxford University Press, 1993.), Byram (2000Byram, Michael. Assessing intercultural competence in language teaching. In: Sprogforum , 6(18), 2000, 8 - 13.), Rozenfeld e Viana (2011Rozenfeld, Cibele Cecilio de Faria; Viana, Nelson. O desestranhamento em relação ao alemão na aprendizagem do idioma: um processo de aproximação ao "outro" sob a perspectiva da competência intercultural. In: Pandaemonium Germanicum 17, 2011, 259-288. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1982-88372011000100014 (Acesso em: 18 mar. 2016).
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), Salomão (2011Salomão, Ana Cristina Biondo. Vizinhança global ou proximidade imposta? Impactos da comunicação intercultural mediada por computador sobre o papel da cultura no ensino de língua inglesa. In: DELTA.27(2), 2011, 235-256.), dentre outros, já discorreram sobre a importância dessa ênfase no ensino de línguas pelo viés dos estudos da interculturalidade.

Para Monte Mór (2013Monte Mór, Walkyria. Crítica e Letramentos Críticos: reflexões preliminares. In: Rocha, Claudia Hilsdorf e Maciel, Ruberval Franco (Orgs.). Língua Estrangeira e formação cidadã: por entre discursos e práticas. Campinas, Editora Pontes, 2013, 31-50.), a sociedade contemporânea, que apresenta desafios como a globalização e a forte presença das tecnologias digitais, exige também o desenvolvimento da criticidade como habilidade. Partindo dessas premissas, propomos neste trabalho o ensino de alemão em escolas públicas pela perspectiva do letramento crítico, que tem como objetivo primeiro promover nos alunos a capacidade de refletir criticamente acerca dos eventos e práticas sociais de leitura e escrita à sua volta. De forma ampla, o Letramento Crítico (doravante LC) é definido por Soares (2014Soares, Erika Amâncio Caetano. O letramento crítico no ensino de língua inglesa: identidades, práticas e percepções na formação do aluno-cidadão. Dissertação de Mestrado. UFMG. Belo Horizonte, 2014.) como

[...] um movimento educacional embasado na necessidade de oferecer aos alunos oportunidades de reconhecimento de tendências e intenções nas mídias às quais têm acesso, de forma a conectar esse novo conhecimento a ações de consciência crítica e transformação da sociedade em que vivem. (Soares 2014Soares, Erika Amâncio Caetano. O letramento crítico no ensino de língua inglesa: identidades, práticas e percepções na formação do aluno-cidadão. Dissertação de Mestrado. UFMG. Belo Horizonte, 2014.: 24)

Assim, apresentaremos um projeto de ensino de alemão no âmbito do Programa Institucional Brasileiro de Iniciação à Docência (PIBID), subprojeto Letras-alemão, pela perspectiva do Letramento Crítico. Partimos da noção de "ensino de alemão" em seu sentido mais amplo, ou seja, não apenas restrito à "transmissão" de estruturas linguísticas da língua alemã, mas aquele que envolve o olhar para a alteridade, para as diferentes formas de comportamento e símbolos culturais, para os estereótipos, para a própria cultura e para a formação crítica e construção de cidadania.

O projeto vem sendo desenvolvido em duas escolas estaduais e constitui-se como uma importante contribuição para a formação dos alunos das escolas públicas, oferecendo-lhes a oportunidade de contato com outras culturas, linguagens e práticas sociais. Por outro lado, ele representa uma possibilidade de ampliação do campo de atuação de professores de alemão em formação inicial.

Nas seções a seguir iremos, assim, discutir inicialmente os eixos teóricos que deram sustentação a este trabalho (seção 2) para depois, na seção 3, descrever mais minuciosamente o subprojeto PIBID Letras-alemão da forma como foi idealizado e que vem sendo desenvolvido pela equipe nas escolas. Ao final, na seção 4, teceremos algumas reflexões acerca do ensino de alemão em escolas públicas pelo viés do LC para, então, apresentarmos as considerações finais do trabalho.

1 Letramento Crítico e ensino de línguas estrangeiras nas escolas

Antes de adentrarmos as discussões sobre o LC, é necessário contextualizar o termo partindo da concepção de Letramento.

O conceito de letramento tem sua origem na oposição à noção de alfabetização. Conforme Soares (2000Soares, Magda. Letramento: um tema em três gêneros. Belo Horizonte, Editora Autêntica, 2000.), a alfabetização refere-se apenas ao processo do indivíduo de aprender a ler e escrever em seu sentido restrito, ou seja, aquele que envolve apenas a decodificação de símbolos, desconsiderando as práticas sociais envolvidas no processo. O letramento, por outro lado, ocupa-se da apropriação do sujeito da leitura e escrita atuando nas diferentes práticas sociais da linguagem.

Para Menezes de Souza (2011Menezes de Souza, Lynn Mario T. Para uma redefinição de Letramento Crítico: conflito e produção de Significação. In: MACIEL, Ruberval Franco; ARAUJO, Vanessa de Assis (Orgs.) Formação de professores de línguas: ampliando perspectivas. Jundiaí, Paco editorial, 2011. https://www.academia.edu/595539/Para_um_redefini%C3%A7%C3%A3o_de_letramento_cr%C3%ADtico_conflito_e_produ%C3%A7%C3%A3o_de_significa%C3%A7%C3%A3o (Acesso em: 12 dez. 2015).
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), ler criticamente implica em

[...] desempenhar pelo menos dois atos simultâneos e inseparáveis: (1) perceber não apenas como o autor produziu determinados significados que tem origem em seu contexto e seu pertencimento sócio-histórico, mas ao mesmo tempo, (2) perceber como, enquanto leitores, a nossa percepção desses significados e de seu contexto está inseparável de nosso próprio contexto e os significados que dele adquirimos.

De acordo com o autor, a percepção crítica de ações do passado na produção de significação no presente pode contribuir para a transformação de possíveis efeitos mais positivos e desejáveis para o futuro. Nesse sentido, faz-se necessária ainda uma definição de crítica para se pensar no letramento crítico. Muitos são os autores que lançaram luzes a essa distinção.

Partindo das acepções de Gikandi (2005Gikandi, Simon. Globalization and the claims of postcoloniality. In: Desai, Gaurav.; Nair, Supriya. (Eds.) Postcolonialism: an anthology of critical theory and criticism. New Brunswick; New Jrsey: Rutgers University Press, 2005, 608-634.), Monte Mór (2013Monte Mór, Walkyria. Crítica e Letramentos Críticos: reflexões preliminares. In: Rocha, Claudia Hilsdorf e Maciel, Ruberval Franco (Orgs.). Língua Estrangeira e formação cidadã: por entre discursos e práticas. Campinas, Editora Pontes, 2013, 31-50.) relaciona o conceito às noções dos termos em inglês criticism e critique, ambos traduzidos para o português como "crítica". O primeiro estaria mais atrelado ao resultado de avaliações realizadas por especialistas renomados, como crítica de arte, cinema, teatro. Já o segundo estaria atrelado a uma percepção social, independente da escolarização e do grau de especialização. De acordo com Barthes (1999 apud Monte Mór, 2013Monte Mór, Walkyria. Crítica e Letramentos Críticos: reflexões preliminares. In: Rocha, Claudia Hilsdorf e Maciel, Ruberval Franco (Orgs.). Língua Estrangeira e formação cidadã: por entre discursos e práticas. Campinas, Editora Pontes, 2013, 31-50.), o objeto de estudo do crítico, no primeiro sentido, não seria o mundo, mas o discurso de outrem. O autor distingue a crítica entre "universitária" e "ideológica", sendo a universitária aquela que pratica método pautado na objetividade e no rigor no estabelecimento dos fatos. Já a ideológica "permite subjetividade, uma vez que se realiza por meio de interpretação, estando ligada a grandes ideologias como o existencialismo, marxismo, a psicanálise, fenomenologia" (Monte Mór 2013Monte Mór, Walkyria. Crítica e Letramentos Críticos: reflexões preliminares. In: Rocha, Claudia Hilsdorf e Maciel, Ruberval Franco (Orgs.). Língua Estrangeira e formação cidadã: por entre discursos e práticas. Campinas, Editora Pontes, 2013, 31-50.: 36).

Não temos a intenção neste trabalho de aprofundar a discussão do termo, na medida em que autores o tomam em diferentes acepções, mas de tomá-lo, da forma proposta por Ricoeur (1977 apud Monte Mór 2013Monte Mór, Walkyria. Crítica e Letramentos Críticos: reflexões preliminares. In: Rocha, Claudia Hilsdorf e Maciel, Ruberval Franco (Orgs.). Língua Estrangeira e formação cidadã: por entre discursos e práticas. Campinas, Editora Pontes, 2013, 31-50.) como crise, que poderá desestabilizar certezas, sentidos, visões de mundo, partindo da premissa de que a crítica pode ser promovida pedagogicamente.

Assim, compartilhamos a concepção de Letramento Crítico no sentido discorrido por Jordão (2013Jordão, Clarissa Menezes. Abordagem comunicativa, Pedagogia Crítica, Letramento Crítico: farinhas do mesmo saco? In: Rocha, Claudia Hilsdorf.; Maciel, Ruberval Franco. (Orgs.) Língua Estrangeira e formação cidadã: por entre discursos e práticas. Campinas, Editora Pontes, 2013, 69-90.: 74), que toma língua como discurso e como "espaço de construção de sentidos e representação de sujeitos e de mundo", a autora parte da premissa de que os sentidos são construídos na cultura e na sociedade e não "dados" por uma realidade. Nessa perspectiva, a língua, presente em práticas sociais distintas, é um espaço ideológico, ou seja, apoiada no pensamento bakhtiniano, a autora percebe a compreensão de mundo como construções sociais, culturais, políticas e interpretativas e a linguagem como produto da subjetividade ancorada em seu contexto social.

Tomamos ainda a noção de Letramento Crítico como práticas de leitura e escrita que consideram "o contexto geral, seu entorno social, político, cultural, ideológico, as comunidades interpretativas e seus procedimentos de leitura, as formas privilegiadas e as não privilegiadas de construir sentidos e hierarquizá-los" (Jordão 2013Jordão, Clarissa Menezes. Abordagem comunicativa, Pedagogia Crítica, Letramento Crítico: farinhas do mesmo saco? In: Rocha, Claudia Hilsdorf.; Maciel, Ruberval Franco. (Orgs.) Língua Estrangeira e formação cidadã: por entre discursos e práticas. Campinas, Editora Pontes, 2013, 69-90.: 75). Partindo do sentido de "crítico" como "crise", advogamos a importância de levar os alunos a desestabilizar certezas e visões de mundo.

Com base em tais pressupostos, entendemos o ensino de línguas estrangeiras pela perspectiva do Letramento Crítico como ensino da língua em uso (considerando o aluno como agente, o lócus da enunciação do texto, o amplo contexto de leitura e escrita e as diferentes construções de sentidos), como espaço para reflexão crítica (partindo da contraposição do outro ao próprio) e de desconstrução de crenças.

Tais reflexões nos remetem a Freire (1979Freire, Paulo. Educação e Mudança. São Paulo, Paz e Terra, 1979., 2000_______. Educação como prática da liberdade. São Paulo, Paz e Terra, 2000.), que advoga a leitura do mundo como anterior à leitura da palavra. No sentido freiriano, o significado dos textos é expandido, variando conforme as diferentes realidades, nas quais os sujeitos interagem (Monte Mór 2013Monte Mór, Walkyria. Crítica e Letramentos Críticos: reflexões preliminares. In: Rocha, Claudia Hilsdorf e Maciel, Ruberval Franco (Orgs.). Língua Estrangeira e formação cidadã: por entre discursos e práticas. Campinas, Editora Pontes, 2013, 31-50.). Assim, as diferentes vivências e práticas sociais possibilitarão aos alunos construção de diferentes significados para os textos. Nesse cenário, a autora destaca a importância de se considerar o aluno agente de práticas sociais e construtor de significados distintos.

Uma das bases de sustentação dos estudos do Letramento Crítico está nos estudos freirianos, dentre os quais o pensador postula que "formar é muito mais do que puramente treinar o educando no desempenho de destrezas" (Freire 2011Freire, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 43. ed., São Paulo: Paz e Terra, 2011.: 15). Nessa afirmação, o autor reconhece que a formação do aluno vai além da repetição de conteúdos e da transmissão de conhecimentos; ela passa pelo conhecimento prévio do educando e caminha na aprendizagem mútua e na conexão do professor com o aprendiz.

É nesse sentido que ensinar não é transferir conhecimentos, conteúdos nem formar é ação pela qual um sujeito criador dá forma, estilo ou alma a um corpo indeciso e acomodado. Não há docência sem discência, as duas se explicam e seus sujeitos, apesar das diferenças que os conotam, não se reduzem à condição de objeto, um do outro. Quem ensina aprende ao ensinar e quem aprende ensina ao aprender. (FREIRE 2011Freire, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 43. ed., São Paulo: Paz e Terra, 2011.: 25)

Freire destaca que ensinar exige rigor metodológico, pesquisa, respeito aos saberes do aluno, criticidade, estética e ética, a corporeifação da palavra pelo exemplo. Ademais, ensinar exige risco, aceitação do novo e rejeição a qualquer forma de discriminação, exige reflexão crítica sobre a prática e, por fim, o reconhecimento e a assunção da identidade.

Para Freire educar é transformar. Nesse ponto, começa a se delinear o conceito de Letramento Crítico: a linguagem como prática social, a língua como espaço de construção de sentidos e de representação de sujeitos e do mundo. Os sentidos são construídos na cultura, na sociedade e na língua, compondo um espaço ideológico de atribuição e constituição de sentidos, em uma prática situada de letramento. Conforme Monte Mór (2013Monte Mór, Walkyria. Crítica e Letramentos Críticos: reflexões preliminares. In: Rocha, Claudia Hilsdorf e Maciel, Ruberval Franco (Orgs.). Língua Estrangeira e formação cidadã: por entre discursos e práticas. Campinas, Editora Pontes, 2013, 31-50.: 41),

[...] as teorias sobre o letramento crítico, os novos letramentos e multiletramentos utilizam-se das concepções defendidas por Freire, como a dialética, a consciência crítica e a natureza política da linguagem, concepções essas desenvolvidas a partir das pesquisas e experiências com a educação de adultos que o teórico realizou no Brasil.

Para se definir o LC, conforme Jordão (2013Jordão, Clarissa Menezes. Abordagem comunicativa, Pedagogia Crítica, Letramento Crítico: farinhas do mesmo saco? In: Rocha, Claudia Hilsdorf.; Maciel, Ruberval Franco. (Orgs.) Língua Estrangeira e formação cidadã: por entre discursos e práticas. Campinas, Editora Pontes, 2013, 69-90.), parte-se da perspectiva de autores como Street (2010Street, Brian. New literacies, new times: developments in literacy studies. In: Street, Brian; Hornberger, Nancy. Literacy: Encyclopedia of language and education. vol.2. New York: Springer, 2010.), Derrida (1976Derrida, Jacques. Of Grammatology. Baltimore: Johns Hopkins, 1976.), Molon (2011Molon, Susana Inês. Notas sobre constituição do sujeito, subjetividade e linguagem. Psicologia em estudo, Maringá, v.16, n.4, 2011, 613-622.), Bakhtin (2004Bakhtin, Mikhail. O freudismo. São Paulo: Martins Fontes, 2004.), segundo os quais nossa compreensão de mundo está sempre atrelada a construções sociais, culturais, políticas, interpretativas e a uma concepção sócio-histórica da linguagem.

Qualquer prática de leitura e escrita é ideológica, na medida em que a construção de sentidos será realizada no momento de realização de tais atividades, com base em procedimentos interpretativos. Consideram-se não apenas as condições de construção inicial do texto, mas o lócus da enunciação, o entorno social, político, cultural em que o texto é interpretado, e as formas privilegiadas e não privilegiadas de construção e hierarquização de sentidos (Jordão 2013Jordão, Clarissa Menezes. Abordagem comunicativa, Pedagogia Crítica, Letramento Crítico: farinhas do mesmo saco? In: Rocha, Claudia Hilsdorf.; Maciel, Ruberval Franco. (Orgs.) Língua Estrangeira e formação cidadã: por entre discursos e práticas. Campinas, Editora Pontes, 2013, 69-90.).

Diante do exposto, considera-se que o Letramento Crítico constitui-se caminho interessante também no campo do ensino e aprendizagem de línguas estrangeiras e, por essa razão, alguns teóricos da área já vêm desenvolvendo pesquisas sobre o assunto.

Mattos e Valério (2010Mattos, Andrea M.A.; Valério, Kátia, V. Letramento crítico e ensino comunicativo: lacunas e interseções. Revista Brasileira de Linguística Aplicada 10(1), 2010, 135-158. http://www.scielo.br/pdf/rbla/v10n1/08.pdf (Acesso em: 15 dez. 2015).
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) discorrem acerca de aproximações e distanciamentos entre as noções de Letramento Crítico e a abordagem comunicativa. De acordo com as autoras, o LC pode ser complementar ao ensino comunicativo, na medida em que "a crítica social pressupõe o controle do código e a negociação de significados é uma prática social que, como tal, é potencialmente transformadora" (Mattos e Valério 2010Mattos, Andrea M.A.; Valério, Kátia, V. Letramento crítico e ensino comunicativo: lacunas e interseções. Revista Brasileira de Linguística Aplicada 10(1), 2010, 135-158. http://www.scielo.br/pdf/rbla/v10n1/08.pdf (Acesso em: 15 dez. 2015).
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: 153). Conforme as autoras, o ensino de línguas pela perspectiva do Letramento crítico coincide com a da abordagem comunicativa em relação ao protagonismo do aprendiz, o foco na diversidade (heterogeneidade), em gêneros textuais e na autenticidade de situações comunicativas significativas para os alunos, mas difere na consciência linguística: enquanto na abordagem comunicativa busca-se a solução de problemas, no letramento crítico almeja-se a problematização. As autoras, que discutem o ensino de inglês, afirmam que a noção de LC foi introduzida nas novas orientações curriculares e delas decorreu uma profunda reformulação da prática pedagógica no Ensino Médio, assim como dos materiais utilizados nesse segmento.

As pesquisadoras concluem que,

[...] [e]m termos práticos, poderíamos talvez dizer que as novas orientações [Orientações Curriculares Nacionais] conduzem à seleção de textos que viabilizem a percepção da heterogeneidade e a elaboração de atividades contextualizadas, significativas para o aluno, que integrem diversas habilidades e que possam ser voltadas para a reflexão crítica. O ensino da língua torna-se, assim, um meio para atingir ambos os objetivos: o desenvolvimento da competência comunicativa do aprendiz e a formação do indivíduo cidadão. A ação pedagógica, exercida de forma consciente e deliberada, firma-se, então, como o elo necessário para se alcançar esses objetivos. (Mattos e Valério 2010Mattos, Andrea M.A.; Valério, Kátia, V. Letramento crítico e ensino comunicativo: lacunas e interseções. Revista Brasileira de Linguística Aplicada 10(1), 2010, 135-158. http://www.scielo.br/pdf/rbla/v10n1/08.pdf (Acesso em: 15 dez. 2015).
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: 154).

Sintetizamos na Tabela 1, o foco de pesquisas realizadas acerca do ensino de línguas estrangeiras pela perspectiva do LC apresentadas por Soares (2014Soares, Erika Amâncio Caetano. O letramento crítico no ensino de língua inglesa: identidades, práticas e percepções na formação do aluno-cidadão. Dissertação de Mestrado. UFMG. Belo Horizonte, 2014.) e também sua própria investigação sobre o tema.

Tabela 1:
Pesquisas no campo do ensino e aprendizagem de línguas estrangeiras pela perspectiva do Letramento crítico.

A fim de analisarmos algumas das ações realizadas no âmbito do PIBID Letras-alemão pela perspectiva do LC, utilizaremos alguns critérios e princípios destacados por Soares (2014Soares, Erika Amâncio Caetano. O letramento crítico no ensino de língua inglesa: identidades, práticas e percepções na formação do aluno-cidadão. Dissertação de Mestrado. UFMG. Belo Horizonte, 2014.), para podermos considerar uma atividade como sendo embasada criticamente (Tabela 2).

Tabela 2:
Critérios para presença de Letramento Crítico (baseado em Soares 2014Soares, Erika Amâncio Caetano. O letramento crítico no ensino de língua inglesa: identidades, práticas e percepções na formação do aluno-cidadão. Dissertação de Mestrado. UFMG. Belo Horizonte, 2014.: 79-80)

Nas seções a seguir apresentaremos, primeiramente, a descrição do subprojeto PIBID-Letras, no qual se insere o PIBID Letras-alemão, com suas características, sua estrutura e seu foco. Esclareceremos também a forma como os dados foram coletados e discutidos neste trabalho. No item 4, discorremos sobre as atividades desenvolvidas no programa e sua relação com as teorias do LC.

2 O PIBID-Letras e o subprojeto Letras-alemão: descrição e objetivos

O Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (PIBID) é uma iniciativa do governo federal que tem o intuito de fomentar a carreira docente e promover melhorias na formação dos alunos das escolas públicas. De acordo com informações oficiais, ele tem como objetivo

[...] inserir os licenciandos no cotidiano de escolas da rede pública de educação, proporcionando-lhes oportunidades de criação e participação em experiências metodológicas, tecnológicas e práticas docentes de caráter inovador e interdisciplinar que busquem a superação de problemas identificados no processo de ensino e aprendizagem (Brasil, 2013BRASIL, Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior. Portaria nº 96 de 18 de julho de 2013: Novo regulamento do Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência-PIBID. http://www.capes.gov.br/images/stories/download/legislacao/Portaria_096_18jul13_AprovaRegulamentoPIBID.pdf (Acesso em: 04 jan. 2016).
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, s/p).

O PIBID-Letras em foco neste trabalho foi iniciado em 2011 em uma universidade pública do interior paulista como projeto interdisciplinar, ou seja, incluindo bolsistas não apenas de alemão, mas também de inglês, francês, espanhol e italiano. Além de bolsistas licenciandos, o programa contemplava um supervisor na escola estadual parceira e um coordenador da Instituição de Ensino Superior (IES) com uma bolsa. Nesse período, o foco dos trabalhos estava centrado apenas em oficinas de línguas estrangeiras realizadas semanalmente (uma vez). Assim, o subprojeto Letras oferecia, além de oficinas de outras línguas estrangeiras modernas (espanhol, francês, italiano e inglês), também o alemão, sendo que todo o trabalho do bolsista era acompanhado pela coordenadora e pela supervisora na escola.

Em 2014, ocorreu um desdobramento desse modelo anterior e as diferentes línguas estrangeiras tornaram-se subprojetos independentes. Nesse cenário, surgiu o subprojeto Letras-alemão, que ampliou seu quadro de um para seis bolsistas, licenciandos em Letras-alemão, além de um supervisor e do coordenador específico para seu subprojeto.

Apesar de serem subprojetos distintos, optou-se por um trabalho conjunto entre as cinco línguas estrangeiras em duas escolas, sendo ambas estaduais. Cada subprojeto possui o mesmo número de bolsistas/licenciandos (seis), um supervisor e um docente coordenador.

Assim, o total de trinta bolsistas (cinco subprojetos) foi então dividido em três grupos de atuação diferentes: o Grupo A, que ficaria responsável pela realização de oficinas de línguas estrangeiras, nos moldes do PIBID versão 2011; o Grupo B, cujo foco estaria centrado em eventos culturais; e o grupo C, com foco em questões de interdisciplinaridade e cidadania. Cada grupo (A,B, e C) é constituído por 10 bolsistas (dois de cada língua estrangeira), um ou dois supervisores e um ou dois coordenadores. A Figura 1 apresenta uma representação dessa estrutura para melhor compreensão.

Figura 1:
Representação da estrutura do PIBID subprojeto Letras2 2 Apresentamos na Figura 1 os grupos da forma que foram constituídos. Porém, neste trabalho, focalizaremos apenas a atividades dos bolsistas de alemão nos grupos A, B e C. Fonte: Autoria nossa

Conforme mencionamos, as duas escolas parceiras são estaduais, sendo uma delas para o ensino técnico e médio (escola estadual 1) e a outra para o Ensino Fundamental 2 e Médio (escola estadual 2).

A Escola 1 possui excelentes condições de trabalho, com várias salas de aulas equipadas com TV, DVD, data show e sistema de som, além de laboratórios para as aulas práticas dos seus cursos técnicos. Possui também uma videoteca e uma biblioteca informatizada com acesso à internet. Os alunos que frequentam essa escola também são diferenciados, pois para que se possam se matricular devem passar por um "vestibulinho" concorrido, devido à excelência do ensino nessa instituição.

Já a Escola 2, de condições menos favorecidas, é bastante conhecida na cidade, de grande tradição, mas se encontra hoje em situação mais precária em termos de infraestrutura e no que diz respeito à situação socioeconômica dos alunos. A escola e os professores lidam diariamente com desafios não apenas pedagógicos, mas também de ordem social dos alunos, além de problemas de indisciplina, baixo nível de desempenho escolar, etc.

Conforme pode ser verificado também na Figura 1, cada grupo (A, B e C) é constituído por dois bolsistas de cada uma das cinco línguas estrangeiras. Os grupos A e B atuam na Escola 1 e o grupo C na Escola 2. Assim, os seis bolsistas do subprojeto Letras-alemão foram distribuídos em duplas entre os três grupos, A, B e C, e atuam nas duas escolas.

De forma geral, os objetivos de cada grupo são:

  • Grupo A:   Para os alunos da escola, o programa oferece a oportunidade de aprender uma língua estrangeira que, no geral, não consta no currículo regular, por uma perspectiva intercultural de ensino3 3 Não iremos, no âmbito deste trabalho, nos aprofundar na conceitualização do termo "ensino intercultural" de línguas estrangeiras e/ou "interculturalidade". Partimos do pressuposto de que eles tem como foco não apenas o ensino de estruturas linguísticas e de expressões utilizadas em determinadas situações do cotidiano das culturas-alvo, mas também o desenvolvimento da "competência intercultural", que inclui, além do desenvolvimento da competência linguística e comunicativa, promover melhor compreensão da alteridade, de outras formas de pensar e agir, maior conscientização de "estereótipos" e "autoestereótipos". As premissas teóricas que defendemos já foram amplamente discutidas em Rozenfeld (2008) e Rozenfeld e Viana (2011) . São realizados encontros semanais de 90 minutos e para que eles ocorram de maneira satisfatória, os licenciandos devem elaborar planejamentos de aulas, selecionar temas, materiais didáticos e diários reflexivos posteriormente à realização das aulas. Os planejamentos e os diários reflexivos são postados em ambiente do grupo alocado na plataforma Moodle e são lidos e comentados pelos professores coordenadores IES. Além disso, ocorre uma reunião semanal com os coordenadores para a discussão de textos teóricos referentes a aspectos do processo de ensino e aprendizagem de línguas estrangeiras e uma com as supervisoras na escola, para organização dos trabalhos, resolução de possíveis problemas e discussão de temas inerentes à realidade institucional.
  • Grupo B:   o foco das atividades dessa frente está em promover aos alunos da escola eventos que abordem aspectos das culturas-alvo. Dentre eles podem estar incluídos, por exemplo, mostras de cinema, workshop de música, feira das nações, etc.
  • Grupo C:   o principal objetivo deste grupo é tratar de questões de interdisciplinaridade. Nesse sentido, os bolsistas realizam tanto intervenções quanto mini-intervenções. As intervenções são atividades realizadas em uma aula completa cedida por um professor ou oficinas realizadas no pátio ou em outro local da escola. Já as mini-intervenções são pequenas atividades realizadas na sala de aula de um professor de disciplina regular. Tais atividades são geralmente relacionadas ao tema da disciplina (História, Geografia, por exemplo) em articulação com um tema cultural da língua-alvo do licenciando (por exemplo, discutir o filme Goodbye Lenin em uma aula de História). No âmbito das intervenções os bolsistas elaboram oficinas sobre temas inerentes à formação cidadã do aluno, como meio ambiente, violência, em articulação ou não com aspectos da história e cultura alemã.

Vale destacar que, dada a diversidade das temáticas dos grupos e das realidades escolares, os bolsistas devem, ao longo de sua atuação no programa, passar por todos os grupos, ficando de seis meses a um ano em cada grupo.

Os dados para a elaboração do presente trabalho foram obtidos por meio dos planejamentos e dos diários reflexivos dos bolsistas de alemão4 4 Diante do foco deste trabalho, não foram considerados os planejamentos e diários reflexivos dos licenciandos das outras línguas estrangeiras, mas apenas dos bolsistas e ex-bolsistas do Subprojeto Letras-alemão, a saber, seis bolsistas e um ex-bolsista. , que atuam ou atuaram nos diferentes grupos, e foram articulados com os critérios e princípios de presença do Letramento crítico apresentados na Tabela 2 para proceder à análise dos dados.

Na próxima seção, serão apresentadas algumas atividades realizadas pelos bolsistas licenciandos em alemão nos diferentes grupos, relacionando-as com tais critérios.

3 O ensino de alemão em escolas públicas e Letramento Crítico

Nesta seção, iremos descrever algumas atividades realizadas nos diferentes grupos (A, B e C) e relacioná-las aos critérios e princípios de presença de LC.

Lembramos que tais critérios foram apresentados na Tabela 2 e serão representados nesta análise sinteticamente da seguinte forma:

  • CI  = empoderamento dos alunos para entender e criticar o mundo
  • CII  =valorização do aluno
  • CIII  = ler além do texto (origem, propósito)
  • PI  = diferentes perspectivas do texto
  • PII  =questões sociopolíticas do texto
  • PIII  =fomento de reflexões e ações transformadoras

3.1 Grupo A: foco no ensino da língua alemã - principais atividades e relação com o LC

Há não muito tempo, alunos e professores de alemão tinham grande dificuldade para ter contato com materiais chamados autênticos: um jornal, cardápio, livros, propagandas, filmes, músicas. Atualmente, para realizar tal contato, basta um clique em um computador ligado à rede. Esse fato muda substancialmente o processo de ensino e aprendizagem de alemão e de línguas estrangeiras.

Ainda que as pessoas não sejam aprendizes de um idioma como o alemão, elas podem estar expostas a conteúdos das culturas da língua-alvo por meio da internet. De fato é isso que vem ocorrendo também nas escolas públicas: encontramos com grande frequência alunos que já escutam Rammstein, que já assistiram Die Welle ou leram algo mais sobre Anne Frank na internet.

O alemão não é oferecido em escolas públicas no currículo regular, mas vem sendo ofertado pelos Centros de Estudo de Línguas em várias instituições de ensino público, fato que já representa um salto em termos de política de ensino de línguas estrangeiras. Mas é preciso continuar avançando, e nesse sentido, o PIBID Letras-alemão demonstrou ser uma possibilidade riquíssima para os alunos das escolas públicas ampliarem seu universo cultural, além de se desenvolverem como cidadãos críticos e conscientes.

No âmbito do grupo A, as oficinas/aulas foram inteiramente planejadas por uma dupla de bolsistas de Letras - alemão, com o apoio do professor coordenador. Conforme mencionamos, o foco das aulas não está apenas no ensino de estruturas linguísticas, mas de aspectos culturais, em questões de interculturalidade, em elementos que demonstram a presença da cultura alemã em nossa própria cultura, aproximando-se de premissas da abordagem intercultural e do desenvolvimento da competência intercultural e do Letramento Crítico, foco deste trabalho. Cada planejamento, bem como os diários reflexivos, era postado no ambiente PIBID do Moodle e comentado pelo coordenador.

Destacamos, a seguir, algumas atividades que acreditamos denotar a presença do LC:

  • a) Leitura do conto Die Prinzessin auf der Erbse:   o objetivo da aula foi ler e compreender o conto, por meio do uso de estratégias de leitura. Nesse sentido, os alunos foram encorajados a compreender o texto, sem a ajuda do dicionário, valendo-se apenas de conhecimentos prévios, linguísticos e de mundo, para a constituição dos sentidos do texto. Com este intento, os bolsistas/professores, valorizaram os conhecimentos dos alunos (CII), alertando-os para o fato de que eles seriam capazes de construir sentidos para o texto com o conhecimento que já tinham. Além disso, os bolsistas apresentaram também a origem do texto, correspondendo assim ao critério CIII.
  • b) arquitetura Bauhaus (vídeo):   Nesta aula, os bolsistas levaram aos alunos um vídeo que apresenta a escola de design e arquitetura Bauhaus, discutindo questões acerca do tema arquitetura, relacionando-se assim ao critério CI, na medida em que possibilitou empoderamento do aluno para melhor entender e criticar o mundo do ponto de vista arquitetônico. Além disso, após eles terem assistido ao vídeo, eles deveriam manifestar sua compreensão, sendo, assim, valorizados em seu conhecimento, podendo a atividade se relacionar também ao critério CII.
  • c) feira de profissões, ingresso na faculdade:   aproveitando a ocasião da visita dos alunos a uma "Feira das profissões", realizada na semana de uma das aulas, os bolsistas conduziram uma longa conversa com os alunos acerca das diferentes profissões e do vestibular como processo seletivo para ingresso em universidades. Apesar de este não ter sido o foco planejado da aula, a discussão foi produtiva, contando com o engajamento dos alunos na discussão, relacionando-se assim ao princípio PIII, ou seja, eles possibilitaram reflexões acerca dos textos que lhe foram apresentados na feira, podendo contribuir para ações transformadoras em relação ao futuro profissional dos alunos. A discussão pôde contribuir também para o empoderamento dos alunos para entender e criticar o mundo profissional, relacionando-se ao critério CI. Além disso, valorizou-se os relatos e as reflexões sobre a visita, remetendo também ao critério CII.
  • d) invenções alemãs, invenções brasileiras:   a partir de figuras sobre as invenções de alemães, como o scanner, a imprensa, a aspirina, entre outras, buscou-se conscientizar os alunos acerca da presença e influência de elementos da cultura alemã no Brasil. Após essa etapa, os alunos deveriam ainda elencar as descobertas brasileiras, lista que foi então complementada pelos professores bolsistas (por exemplo, o avião, o rádio, o balão, a urna eletrônica, etc). Dessa forma, consideramos que a atividade relaciona-se ao critério CI, na medida em que os alunos puderam perceber não apenas que aspectos de outras culturas já se encontram invisíveis em nossa cultura, mas que também várias descobertas feitas por brasileiros se encontram inseridas em outras culturas.

O impacto das atividades do grupo A na formação dos alunos da escola pode ser evidenciado nos relatos dos bolsistas nos diários reflexivos, que destacam a grande motivação dos alunos para frequentar as oficinas, conforme excertos a seguir:

A: No finalzinho da aula, quando já estávamos nos despedindo, um aluno, que havia nos dito que não poderia mais ir às aulas devido ao seu trabalho, veio avisar de que ele combinou com o seu chefe de que ele trabalharia uma hora a mais nos outros dias da semana para poder continuar fazendo alemão com a gente. Isso me deixou extremamente contente e com certeza vai servir como uma motivação para me dedicar cada vez mais na preparação das aulas.

B: Foi muito legal ver a empolgação deles, sai muito feliz e grata. Mas junto a isso, senti um aperto e pouco de tristeza só de pensar na possibilidade de não poder mais dar aula para eles por conta do possível corte do projeto. Nossos alunos são incríveis e sempre me sinto muito feliz depois de dar aula para eles. [relato referente à última aula do ano de 2015]

B: Como sempre, os alunos foram muito participativos e interessados. Eles são ótimos alunos e não tenho praticamente nenhuma dificuldade em ensiná-los.

Sobre uma atividade realizada na ocasião da visita de um professor assistente alemão ao grupo, a bolsista destaca o interesse dos alunos e o conhecimento linguístico construído:

B: Os alunos pareceram gostar bastante e aproveitaram muito. A princípio, estavam tímidos, apesar de curiosos, para fazer perguntas ao L. [nome do professor assistente]. Mas por fim se soltaram; uma das alunas até conseguiu falar um pouco com ele em alemão.

Destaca-se ainda que são bastante recorrentes nos diários dos bolsistas algumas reflexões sobre o impacto do programa na sua própria formação, conforme observamos no excerto a seguir:

A: Essa foi uma turma que eu gostei muito de dar aula e que me fez perder muitos preconceitos que eu tinha a respeito de dar aula para adolescentes e principalmente na rede pública.

3.2 Grupo B: foco em eventos culturais - principais atividades e relação com o LC

Conforme já mencionado, o principal foco de atuação deste grupo é a promoção de eventos culturais. Algumas atividades realizadas foram:

a) projeto intitulado "Luz, câmera, action": A proposta já vinha sendo desenvolvida há alguns anos pelas professoras de inglês e português e, com a inserção do PIBID, o projeto passou por um processo de reorganização das atividades. O "Luz, câmera, action" tem como objetivo a elaboração de um curta metragem pelos alunos. Com a inserção da colaboração dos bolsistas PIBID, definiu-se que os alunos deveriam elaborar um curta de contos de autores alemães e um trailer do vídeo produzido no idioma original, ou seja, em alemão. O filme poderia ser uma adaptação ou uma reprodução fiel da ou das obras. Assim, em 2014, foram lidos quatro contos de Kafka aos alunos, dos quais eles selecionaram dois: O Fratricídio e Diante da Lei (Ein Brudermord e Vor dem Gesetz). Os bolsistas auxiliaram os alunos na leitura e interpretação dos contos, na elaboração de um roteiro de adaptação, na definição dos atores, das cenas, etc. Nesse processo foi dada plena liberdade aos alunos para interpretarem e criarem o curta da forma que achassem mais interessante. Assim, a adaptação criada por eles reuniu elementos de ambos os contos, e foram feitos um curta5 5 O curta "Adaptação de Um Fratricídio e Diante da Lei" encontra-se disponível em https://www.youtube.com/watch?v=hpkPdPs5V2E (18/12/2015). e um trailer em alemão. Na adaptação feita pelos alunos, eles produzem uma crítica ao sistema, na medida em que as leis são tomadas de forma diferente, de acordo com a classe social da pessoa envolvida. Sendo assim, consideramos que a elaboração da adaptação envolveu reflexão crítica, relacionando-se aos critérios CI, CII, CIII, além de PI, PII e PIII.

Em 2015, foram selecionados os contos "João Felizardo" e "As doze princesas bailarinas", dos Irmãos Grimm (Hans im Glück e Die zwölf tanzenden Prinzessinnen). Assim como no ano anterior, os bolsistas participaram da atividade de interpretação dos contos, chamando a atenção dos alunos para as características de contos fantásticos, para a origem dos textos e autoria, podendo se relacionar ao critério CIII, de leitura além do texto. No contexto da compreensão dos contos fantásticos, eles mostraram alguns filmes que utilizaram contos de fadas como base para novas suas interpretações ou que os reproduziram fielmente. Após essa etapa, os alunos deveriam elaborar um roteiro para o curta e o trailer, reproduzindo fielmente ou adaptando os contos. O conto selecionado foi "As doze princesas bailarinas" e foi elaborada uma adaptação em forma de curta metragem que se encontra disponível no canal de filmes youtube.6 6 Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=7AVNcHzxIIY (18/12/2015).

Em síntese, consideramos que os trabalhos desenvolvidos no âmbito do "Luz, câmera, action" nos dois anos foram bastante ricos e julgamos ter sido possível relacioná-los aos critérios C1, CII, CIII, além de PI, PII e P III, na medida em que houve valorização das propostas e interpretações dos alunos, fomento à reflexão transformadora, empoderamento para criticar o mundo, e abriu-se espaço para diferentes perspectivas do texto. Foi interessante notar que a adaptação dos contos de Kafka resultou em um curta centrado em questões sociopolíticas suscitadas pelos textos originais.

O envolvimento dos alunos nas atividades foi bastante enfatizado em relatos dos bolsistas, conforme é possível observar nos excertos abaixo:

B: [...] As meninas apresentaram o roteiro praticamente completo - faltando apenas as duas cenas finais. Li o roteiro inteiro e fiquei bastante impressionada com a execução do mesmo. O roteiro foi muito bem elaborado, com boas ideias e muito detalhado. Nele, as meninas colocaram desde o caráter e o psicológico das personagens quanto as falas, mudanças de cena, os locais em que as personagens estariam, seus gestos etc.

B: Me surpreendi com o progresso, a execução do roteiro, as ideias apresentadas, o interesse mostrado pelas meninas e também com meu desempenho e com a naturalidade com que consegui agir, expor as ideias e discutir mesmo estando nervosa a princípio. (grifo meu)

É importante destacar ainda a importância do trabalho como prática pedagógica para a futura professora, no momento em que ela percebe estar ganhando confiança em sua atuação como professora.

B: Fiquei surpresa com a qualidade dos vídeos e o progresso dos alunos. Em particular, fiquei contente de ver o vídeo dos alunos do 2ºC que auxiliamos. Foi realmente gratificante ver o resultado do trabalho dos alunos e saber que fizemos parte daquilo. A adaptação dos contos ficou coerente e as filmagens, tanto do curta-metragem quanto do trailer, ficaram ótimas. Os alunos conseguiram captar o que tentamos passar para eles sobre os contos e suas essências e retransmitir isso nos vídeos.

Nota-se que, além do contato dos alunos com autores da literatura alemã, o projeto promoveu reflexão sobre elaboração de roteiro fílmico, elaboração de filmagem, possibilitou grande interação entre os alunos e negociação de ideias, relação de sentidos dos contos com o contexto atual; o resultado foi gratificante tanto para os alunos quanto para a bolsista/futura professora.

b) workshop "Língua e cultura alemã": apresentação de alguns aspectos característicos de culturas de língua alemã, como países germanófonos, festividades, curiosidades, etc. O objetivo era aproximar os alunos das culturas da língua-alvo, ampliando seu universo de conhecimento, podendo, assim se relacionar ao critério CI.

c) workshop "Estereótipos": Após os bolsistas graduandos terem feito um levantamento de imagens pré-construídas acerca do idioma e das culturas de língua alemã, eles ofereceram uma oficina aberta à toda a comunidade escolar, visando a desconstrução de estereótipos. Abordaram-se, por exemplo, os diferentes países onde se fala a língua alemã (e não apenas a Alemanha), a presença dos alemães no Brasil (imigração), suas descobertas presentes hoje no cotidiano brasileiro. Além disso, tratou-se do conceito de cultura e da conscientização sobre estereótipos que existem sobre outros povos, como construções constituídas socialmente (por exemplo, japoneses são trabalhadores, ingleses são educados, alemães são frios, etc). Partindo da apresentação de imagens e textos, foi conduzida uma discussão sobre tais aspectos, considerando as percepções e imagens dos alunos sobre a referida língua e seus povos. Nesse sentido, consideramos possível relacionar a atividade aos critérios CI, CII, PII e PIII.

d) Workshop "Mostra de filmes": No ano de 2014 foi realizada uma mostra de cinema, com o intuito de fazer um levantamento dos filmes alemães conhecidos dos alunos e de discutir e apresentar um filme alemão importante por seu contexto sócio-histórico e roteiro. Nesse sentido, selecionou-se o filme Goodbye Lenin. Foram destacados os dados dos atores, do diretor, discutiu-se o contexto sócio-histórico e exibiu-se um trecho do filme. Jugamos ser possível, dessa forma, relacionar a atividade aos critérios CI, CII e PII.

Outras atividades foram desenvolvidas no âmbito deste grupo B, como o "Chá do Chapeleiro", a "Feira das nações", etc. No entanto, não nos estenderemos na descrição de todas elas. Nosso intento é tomar algumas iniciativas como exemplos de atividades capazes de fomentar o Letramento Crítico dos alunos.

3.3 Grupo C: foco na interdisciplinaridade e questões de cidadania - principais atividades e relação com o LC

Conforme mencionamos anteriormente, as atividades do grupo C tiveram como objetivo tratar questões do ensino de alemão na interdisciplinaridade, bem como abordar temas mais gerais referentes a questões de cidadania.

Assim como nos grupos anteriores, elencaremos algumas das atividades desenvolvidas como exemplo, relacionando-as com critérios e princípios de presença de LC.

a) Uma das primeiras atividades desenvolvidas foi a discussão, em forma de intervenção, na aula do professor de filosofia, acerca do sistema educacional alemão (com destaque ao ensino técnico) em contraposição ao brasileiro. Nessa atividade, os alunos da escola puderam não apenas conhecer o sistema de um outro país (Alemanha), como também refletir acerca de seu próprio. Partindo de um texto, foi conduzido um debate acerca de possibilidades (ou não) de acesso ao ensino superior, dos desejos de que isso ocorra, com grande participação dos alunos. Julgamos que a atividade relaciona-se fortemente aos critérios CI, CII, PII e PIII, na medida em que se deu voz aos alunos. Valorizando-se suas opiniões e realidades, discutiram-se questões sociopolíticas relacionadas aos sistemas educacionais alemão e brasileiro, tendo como objetivo fomentar reflexões e ações transformadoras. Em continuidade a essa atividade, mas em outra aula, foram feitas em salas do Ensino Médio várias discussões acerca de possibilidades profissionais futuras. No contexto dessa atividade, um bolsista relatou a "piada" de um aluno que dizia querer ganhar a vida no tráfico de drogas. O bolsista aproveitou o momento para refletir com os alunos todas as repercussões que tal decisão pode acarretar. Assim, relacionamos essa discussão aos critérios CI e aos princípios PII e PIII.

b) Em outra atividade, e partindo da discussão de um texto7 7 O texto utilizado encontra-se disponível em https://onedrive.live.com/?cid=1416bc6585a0bc2e&id=1416BC6585A0BC2E%21404&authkey=%21ANKDmAv6qB1wkmc (16/12/2015). por ocasião do Dia da Consciência Negra, o bolsista de alemão abordou com alunos do Ensino Médio questões acerca do preconceito racial, refletido em expressões idiomáticas, em padrões de beleza, em comportamentos, etc, incentivando-os a refletir acerca de práticas comuns em nosso país. A partir da discussão, eles deveriam então elaborar uma produção textual sobre essa temática. Relacionamos a atividade aos critérios CI, CII e aos princípios PII e PIII.

c) Concurso cultural: em prosseguimento à atividade descrita no item b, o concurso cultural consistiu no envio de fotos, vídeos, textos, poemas, contos acerca do tema do preconceito racial, dentre os quais seriam selecionados e premiados alguns dos trabalhos inscritos. Ao longo de um mês, os bolsistas receberam as inscrições juntamente com desenhos, poemas, vídeos, etc. O número de inscrições foi bastante alto, os alunos da escola se empenharam muito e, no dia da apresentação final, apresentaram seus trabalhos. Os bolsistas relataram terem se emocionado muito com as produções dos alunos. Relacionamos tal atividade com os critérios CI, CII, PI, PII e PIII, ou seja, julgamos que todos os critérios e princípios para reconhecimento da presença de LC foram contemplados com esta atividade.

d) discussão sobre o uso de drogas na Alemanha e o tráfico: a partir de um texto, nessa intervenção foram discutidas algumas medidas do governo alemão e de setores da União Europeia para conscientizar a população acerca dos efeitos da dependência química, como o Klasse 2000, lançado em 1991. Tal programa consiste em promover ciclos de pequenas palestras para alunos de 10 a 14 anos sobre o tema, não apenas envolvendo a dependência química, mas também a do álcool, de cigarros, jogos de azar e até da internet. Destacou-se que, na Alemanha, o Klasse 2000 considera todos esses casos de dependências passíveis de acompanhamento profissional ao usuário. Os alunos ficaram bastante surpresos e mencionaram que eles mesmos poderiam "se encaixar" nos portadores de vícios alertados pelos programas alemães, denotando atitude crítica em relação ao seu próprio estilo de vida, a partir de sistemas de funcionamento de outra sociedade, a alemã. Diante disso, relacionamos a atividade aos critérios CI, CII, CIII, PII e P III.

e) intervenção sobre o tema violência física e verbal. Partindo da leitura de um texto, os alunos refletiram sobre o fato de que muitas "brincadeiras" são, na verdade, bullying, pois ferem o interlocutor em alguma esfera. Julgamos que a atividade responde aos critérios CI, PI, PII, PIII.

Relatos dos bolsistas evidenciam a relevância da atividade no processo reflexivo dos alunos (de Ensino Fundamental) acerca da violência verbal e do preconceito racial:

E: Na primeira intervenção feita pelo PIBID no EEBA percebi, saindo de lá, que eu havia encontrado meu objetivo na docência (grifo meu). As crianças foram muito receptivas e se importaram em estar lá naquele momento, compartilhando suas opiniões e aprendendo. O tema inicial foi sobre violência verbal, mas acabou se estendendo para a erradicação de preconceitos de uma consciência humana, a qual se constitui como pensar o colega como um ser humano igual a todos, com direitos e liberdade.

Destaca-se também no excerto (negrito) o impacto do programa na identidade docente da futura professora, na medida em que a vivência na escola favorece o reconhecimento de seu desejo de atuar como professora.

E: [...] A violência verbal foi enfatizada, principalmente, na internet, mas também na vida real, com situações banais. As crianças, de maneira surpresa, sabiam do que estávamos falando, e tinham suas opiniões a respeito. Nunca haviam ouvido falar do Holocausto, período sombrio da História, no qual o preconceito foi propagado por meio da palavra e acarretado em um genocídio, em uma violência desumana. Foi assim que eles perceberam que uma palavra, no começo inofensiva, pode se espalhar e gerar violência física.

Discutiu-se o tema violência verbal também fortemente na relação com o Holocausto, conforme é possível verificar no excerto anterior e também no que é apresentado a seguir:

E: [...] Muitos se chocaram com o fato da violência verbal culminar numa violência física e, inclusive, começar pelas redes sociais. Alguns, inclusive, se interessaram muito pelo Holocausto, e outros sugeriram filmes e leituras para os colegas aprenderem mais sobre esse fato histórico. No entanto, nessa sala o foco foi como conviver com o colega de sala sem ofendê-lo e aprender a medir as palavras ao próximo, evitando comentários que deixem alguém constrangido, coagido ou vítimas de preconceito.

Notou-se nos relatos do bolsista a grande relevância da atividade, não apenas para a compreensão e fatos históricos, mas também para a reflexão e fomento de ações transformadoras (CI, PIII), como podemos perceber nos excertos abaixo:

E: Novamente, percebi o grande interesse pelo assunto da Segunda Guerra Mundial e o motivo real do porquê estávamos interligando esse assunto com a violência. Percebi a participação de vários alunos que, aparentemente, sofriam com algum tipo de violência. Inclusive, ouvimos alguns depoimentos, principalmente de meninas contra abuso verbal de machismo.

E: Ao final não tive dúvidas de que a experiência havia sido positiva, pois alguns alunos vieram abraçar os bolsistas, e um deles me deu um abraço carinhoso e agradeceu.

f) intervenção sobre o tema vestibular: com base em uma apresentação de textos e fotos, tratou-se de discutir a prova da universidade à qual os bolsistas se vinculam, o vestibular, o alojamento estudantil, a pesquisa e a extensão. Buscou-se, dessa forma, valorizar o aluno em sua capacidade de ingressar e se manter em uma universidade pública, referindo-se assim aos critérios CII, PII, PIII.

De forma geral, notamos um forte componente afetivo nos relatos dos bolsistas dos três grupos: a alegria por perceber os seus alunos motivados, por se perceberem professores capazes de despertar o interesse, a sensibilização diante de expressões afetivas dos alunos (como o abraço de um aluno no excerto de E anteriormente). Da mesma forma, fica evidente a sensibilização dos licenciandos para com aspectos da afetividade de seus alunos

Considerações finais

Com este trabalho, objetivou-se apresentar um programa de formação inicial de professores de alemão, que vem sendo realizado em uma universidade pública do interior paulista ao longo de dois anos. Trata-se do PIBID-Subprojeto Letras-alemão, que é estruturado nesta universidade a partir de ações realizadas em duas escolas públicas em três eixos: Grupo A (com foco no ensino de língua estrangeira em perspectiva intercultural), Grupo B (organiza eventos culturais) e Grupo C (focaliza questões interdisciplinares e de cidadania). O programa tem demonstrado ser rico tanto para alunos das escolas quanto para os licenciandos, futuros professores, que participam dele como bolsistas.

Apesar de não sabermos hoje, no momento da escrita deste trabalho, se será dada continuidade ao PIBID8 8 A Capes, agência financiadora do PIBID, está em processo de enxugamento orçamentário e sabe-se que muitos programas receberão cortes. Existe atualmente a forte suspeita de que, neste cenário, o PIBID sofra cortes e/ou reajustes, porém, não se conhecem até o momento a natureza e a dimensão de tais medidas. , consideramos que, mesmo que ele venha a ser extinto, total ou parcialmente, a proposta de trabalho do subprojeto em foco é adequada para o ensino de alemão em escolas brasileiras, visto que prepara os alunos não apenas para viagens, realização de pesquisas científicas em países de língua alemã, vivências em situação de imersão, etc, mas também para sua formação cidadã, para atuar em uma sociedade marcada pela diversidade e pelos contatos internacionais. A proposta considera o lócus do aluno, sua realidade, sua história, valoriza o conhecimento trazido por ele para a sala de aula e promove reflexão crítica acerca de aspectos da cultura de outros e da própria. Tais premissas, que constituem o pano de fundo das ações do programa, podem nortear o ensino de alemão também em outros contextos.

Menezes de Souza (2011Menezes de Souza, Lynn Mario T. Para uma redefinição de Letramento Crítico: conflito e produção de Significação. In: MACIEL, Ruberval Franco; ARAUJO, Vanessa de Assis (Orgs.) Formação de professores de línguas: ampliando perspectivas. Jundiaí, Paco editorial, 2011. https://www.academia.edu/595539/Para_um_redefini%C3%A7%C3%A3o_de_letramento_cr%C3%ADtico_conflito_e_produ%C3%A7%C3%A3o_de_significa%C3%A7%C3%A3o (Acesso em: 12 dez. 2015).
https://www.academia.edu/595539/Para_um_...
:1), na primeira citação apresentada neste trabalho, afirma que "se todas as partes envolvidas em conflitos tentassem ler criticamente suas posturas procurando compreender suas próprias posições e as de seus adversários, há a esperança de transformar confrontos violentos e sangrentos". Em consonância com o autor, advogamos um ensino de alemão em escolas de Ensino Básico pautado não apenas no ensino do sistema linguístico e de aspectos culturais dos povos germanófonos, mas também no olhar crítico para a própria cultura e nos conflitos nela existentes: no preconceito, na violência e em formas de transformar essa realidade. A visão crítica das diferentes "culturas" no interior da própria, é tão importante quanto o olhar para o "além mar", para outros países e formas de comportamento distintas de seus povos, bem como suas línguas.

Pelas razões expostas, embora o conceito de Letramento Crítico tenha sido amplamente discutido no campo do ensino e aprendizagem de línguas estrangeiras prioritariamente na área de inglês (realidade linguística diferente daquela do alemão, relação distinta com o aprendiz da língua alemã), defendemos sua adequação aos estudos do campo do ensino e aprendizagem de alemão.

Advogamos, dessa forma, a relevância de levar alunos de alemão a terem uma visão crítica do mundo, dos padrões sociais, de si mesmos, buscando a compreensão do outro e a transformação. Tais aspectos vão muito além de sistemas linguísticos e das distintas realidades das línguas estrangeiras: nos processos de ensino e aprendizagem das diferentes línguas estrangeiras existe em comum o fato de que todas as culturas têm muito a aprender com as outras e a experiência de se conhecer um novo idioma, em seu sentido mais amplo, no qual se associa também a cultura, o autoconhecimento, a criticidade e a transformação, é uma oportunidade muito valiosa para os alunos, incluindo os da rede pública brasileira.

Ademais, diante da crescente oferta do alemão com língua estrangeira, não apenas em escolas particulares de idiomas, mas em escolas regulares de Educação Básica (como, por exemplo, nos Centros de Estudo de Línguas (CELs)9 9 Os CELs originaram-se de um programa do Estado de São Paulo e oferece aulas de sete línguas estrangeiras (inglês, francês, inglês, espanhol, alemão, italiano, japonês e mandarim para alunos do Ensino Fundamental e Médio da rede pública. (cf. http://www.educacao.sp.gov.br/centro-estudo-linguas, Acesso em: 31 mar. 2016) , em escolas do programa PASCH10 10 O programa PASCH é uma iniciativa do Ministério dos Negócios Estrangeiros da República Federal da Alemanha, lançado em 2008, com os objetivos de intensificar contatos e de consolidar o ensino de alemão como língua estrangeira no Brasil e no mundo, por meio da ampliação da cooperação das escolas entre si. O programa inclui bolsas para curso superior na Alemanha e possibilidades de realização de intercâmbio de alunos e parcerias de escolas. As escolas PASCH no Brasil encontram-se listadas no endereço http://www.goethe.de/ins/br/lp/lhr/pas/sch/ptindex.htm (Acesso em: 31 mar. 2016) ou escolas bilíngues), é necessário que se reflita acerca de aspectos inerentes à formação de crianças e jovens como cidadãos críticos, por meio do ensino da língua estrangeira, em nosso caso, do alemão. Tomando como premissa os estudos do Letramento Crítico encontrados na literatura, cabe ao professor fazer as devidas adequações a seu contexto pedagógico e sociocultural em relação às suas práticas docentes.

Para finalizar, consideramos que o ensino de alemão em escolas públicas deva ser ampliado. Para tanto, são necessárias políticas públicas coerentes com essa perspectiva e professores alinhados a essa proposta.

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  • Street, Brian. New literacies, new times: developments in literacy studies. In: Street, Brian; Hornberger, Nancy. Literacy: Encyclopedia of language and education. vol.2. New York: Springer, 2010.
  • 1
    As palavras-chave que se encontram entre parênteses e em negrito ao final da linha da tabela foram propostas por nós, com o intuito de se poder utilizá-las posteriormente na análise das nossas atividades e de facilitar ao leitor o reconhecimento do critério.
  • 2
    Apresentamos na Figura 1 os grupos da forma que foram constituídos. Porém, neste trabalho, focalizaremos apenas a atividades dos bolsistas de alemão nos grupos A, B e C.
  • 3
    Não iremos, no âmbito deste trabalho, nos aprofundar na conceitualização do termo "ensino intercultural" de línguas estrangeiras e/ou "interculturalidade". Partimos do pressuposto de que eles tem como foco não apenas o ensino de estruturas linguísticas e de expressões utilizadas em determinadas situações do cotidiano das culturas-alvo, mas também o desenvolvimento da "competência intercultural", que inclui, além do desenvolvimento da competência linguística e comunicativa, promover melhor compreensão da alteridade, de outras formas de pensar e agir, maior conscientização de "estereótipos" e "autoestereótipos". As premissas teóricas que defendemos já foram amplamente discutidas em Rozenfeld (2008) e Rozenfeld e Viana (2011)
  • 4
    Diante do foco deste trabalho, não foram considerados os planejamentos e diários reflexivos dos licenciandos das outras línguas estrangeiras, mas apenas dos bolsistas e ex-bolsistas do Subprojeto Letras-alemão, a saber, seis bolsistas e um ex-bolsista.
  • 5
    O curta "Adaptação de Um Fratricídio e Diante da Lei" encontra-se disponível em https://www.youtube.com/watch?v=hpkPdPs5V2E (18/12/2015).
  • 6
    Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=7AVNcHzxIIY (18/12/2015).
  • 7
    O texto utilizado encontra-se disponível em https://onedrive.live.com/?cid=1416bc6585a0bc2e&id=1416BC6585A0BC2E%21404&authkey=%21ANKDmAv6qB1wkmc (16/12/2015).
  • 8
    A Capes, agência financiadora do PIBID, está em processo de enxugamento orçamentário e sabe-se que muitos programas receberão cortes. Existe atualmente a forte suspeita de que, neste cenário, o PIBID sofra cortes e/ou reajustes, porém, não se conhecem até o momento a natureza e a dimensão de tais medidas.
  • 9
    Os CELs originaram-se de um programa do Estado de São Paulo e oferece aulas de sete línguas estrangeiras (inglês, francês, inglês, espanhol, alemão, italiano, japonês e mandarim para alunos do Ensino Fundamental e Médio da rede pública. (cf. http://www.educacao.sp.gov.br/centro-estudo-linguas, Acesso em: 31 mar. 2016)
  • 10
    O programa PASCH é uma iniciativa do Ministério dos Negócios Estrangeiros da República Federal da Alemanha, lançado em 2008, com os objetivos de intensificar contatos e de consolidar o ensino de alemão como língua estrangeira no Brasil e no mundo, por meio da ampliação da cooperação das escolas entre si. O programa inclui bolsas para curso superior na Alemanha e possibilidades de realização de intercâmbio de alunos e parcerias de escolas. As escolas PASCH no Brasil encontram-se listadas no endereço http://www.goethe.de/ins/br/lp/lhr/pas/sch/ptindex.htm (Acesso em: 31 mar. 2016)

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Maio 2016

Histórico

  • Recebido
    05 Jan 2016
  • Aceito
    23 Mar 2016
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