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O programa de Hölderlin para Iena: Ideias estéticas além de Kant e Schiller

Hölderlin’s project for Jena: Aesthetic Ideas beyond Kant and Schiller

Resumo

A concepção filosófica de Hölderlin compõe-se de duas percepções fundamentais: a indivisibilidade do racional e do sensível presente na ideia platônica de beleza, e a compreensão, de fundo espinosista, de que a unidade assim pensada apreende-se como diferenciada em si mesma. O presente artigo aborda a primeira percepção. Em fins de 1794, Hölderlin abandona o preceptorado na casa dos von Kalb e muda-se para Iena, onde trabalha em seu Hipérion e assiste às preleções de Fichte. No entanto ele não chega na cidade de mãos vazias. Numa carta a Christian Neuffer, de outubro de 1794, Hölderlin manifesta a intenção de escrever um ensaio sobre as ideias estéticas de Kant, que deveria servir como comentário do Fedro, de Platão, ao mesmo tempo que avançaria, mais do que Schiller teria ousado, para além do limite kantiano através de uma simplificação de sua estética. Como o texto jamais foi escrito, o presente trabalho apresenta os elementos articulados na carta e procura reconstituir os marcos gerais do ensaio planejado.

Palavras-chave:
Hölderlin; ideias estéticas; beleza; liberdade

Abstract

Hölderlin’s philosophical conception structures itself upon two insights: the indivisibility between sensibility and reason, such as potentially thought in the Platonic idea of beauty, and the Spinozistic inspired view of a unity differentiated in itself. The aim of this article is to address the former. Towards the end of 1794, Hölderlin left his job as a preceptor, at von Kalb’s, and moves to Jena, where he works on his Hyperion and attends to Fichte’s lectures. Nevertheless, he does not come to town empty-handed: before arriving, Hölderlin writes to Christian Neuffer and expresses the wish to draw up an essay on Kant’s aesthetic ideas, which would both comment upon Plato’s Phaedrus and take a step far beyond Kant by means of a simplification of his theory of beauty. In this matter, Hölderlin considered that Schiller had failed to trespass on the Kantian boundary, but states that he should have dared to. Once the essay has never been written, I will present the elements wherein the writing was conceived, and thus restore its general guidelines.

Keywords:
Hölderlin; Aesthetic Ideas; Beauty; Freedom

1 Introdução

Pela correspondência de 1794, sabemos que Hölderlin não chega em Iena de mãos vazias para assistir às preleções de Fichte. É o que documenta a última de suas cartas de Waltershausen, endereçada a Christian Neuffer com data de 10 de outubro. Hölderlin esboça o seguinte programa teórico, no qual ganham concreção as leituras prévias de Schiller, de Kant e dos gregos2 2 As obras de Hölderlin serão citadas conforme o padrão da Stuttgarter Ausgabe: StA vol.: pág. (cf. Hölderlin 1943-1985). Sobre os relatos das leituras, cf. Carta a Neuffer, abril de 1794 (StA 6: 113); Carta ao irmão, 21 de maio de 1794 (StA 6: 119); também Carta a Hegel, 10 de julho de 1794 (StA 6: 128). A tradução de todas as citações de Hölderlin é de minha responsabilidade. :

Talvez eu possa te enviar um ensaio sobre as ideias estéticas; [...] ele pode valer como um comentário do Fedro de Platão, sendo uma parte do mesmo meu próprio texto [...]. Fundamentalmente, ele deve conter uma análise do belo e do sublime, pela qual a de Kant é simplificada e, por outro lado, diversificada, como Schiller já o fez parcialmente em seu escrito sobre Graça e Dignidade, sem no entanto ter arriscado nenhum passo além do limite kantiano, o que na minha opinião ele deveria ter ousado. (StA 6: 137)

Ainda que não levado a termo, um plano como esse não poderia passar despercebido quando considerados os elementos que articula. De fato, algumas abordagens de reconstrução contextual colocam-no sob o crivo das exigências filosóficas da época.3 3 Baseando-se em W. Böhm, já o editor da StA, F. Beissner, arriscava observar que a superação do limite kantiano (e schilleriano) diria respeito à defesa da “força metafísica” da ideia platônica do belo contra a redução kantiana das ideias a mero uso regulativo, preparando-se com isso uma guinada do idealismo subjetivo para o objetivo (cf. StA 6.2: 699-700). Sobre a carta a Neuffer, cf. também Strack (1976: 107-146), Henrich (2004: 273-285), Santini (2010), Vaccari (2013), Beckenkamp (2017b). Diante da produção poética de Hölderlin, certamente poderia esperar-se um ensaio estético de fôlego, como os de Schiller e de Friedrich Schlegel. Em relação à carta, a originalidade estaria num aspecto crucial situado já na tarefa de análise da crítica kantiana da faculdade do juízo estética: conforme previsto, a superação do limite de Kant resultaria dessa análise. O programa tem seu eixo em um conceito e promete dois feitos com dois propósitos: sob o fio condutor das ideias estéticas, o ensaio deveria oferecer um comentário do Fedro e uma análise do belo e do sublime que simplificasse e diversificasse a crítica do juízo estética, arriscando um passo além de Kant numa direção apontada, mas não trilhada, por Schiller. Portanto, além do Fedro, o ensaio planejado teria como bases textuais a primeira parte da Crítica da faculdade do juízo (1790), de Kant, e o escrito Sobre graça e dignidade (1793), de Schiller. No que segue, passo em revista os elementos dos textos em questão (2, 3, 4), para em seguida situar a posição de Hölderlin (5) e suas consequências (6).

2 Kant e as ideias estéticas

Em sua teoria do belo artístico, Kant definia ideia estética como produto do gênio e como “representação da imaginação que dá muito o que pensar sem que lhe seja adequado um pensamento determinado, i.e., um conceito, e que portanto nenhuma linguagem alcança ou pode tornar totalmente compreensível” (AA 5 KU §.49: 314).4 4 Nas citações da Crítica da Faculdade do Juízo, valho-me, com pequenas alterações, da tradução brasileira (Kant 2016), cuja paginação corresponde à da Edição da Academia, segundo o padrão AA, vol., iniciais da obra em itálico, parágrafo e página (cf. Kant 1900). Exceção feita para a Crítica da Razão Pura, citada conforme as paginações A e B, respectivamente da primeira (1781) e segunda (1787) edições: KrV, ed.: pág. (cf. Kant 1974b); e para a Crítica da Razão Prática, cit. conforme o padrão KpV A: pág. (cf. Kant 1974a). A tradução de citações dessas duas últimas obras é de minha responsabilidade. As ideias estéticas atestam a existência de um “princípio vivificante do ânimo” (AA 5 KU §.49: 313), o espírito (Geist), e são distintas das ideias da razão porque estas são conceitos sem intuição, i.e., conceitos sem representação da imaginação. Como explicitado na Crítica da Razão Pura, as ideias da razão correspondem à “totalidade absoluta no uso dos conceitos do entendimento, conduzindo a unidade sintética, pensada nas categorias, até o absolutamente incondicionado” (KrV: B383). Visto tratar-se de uma unidade inerente à razão, só podemos expor ideias da razão através de seus instrumentos, ou seja, mediante construção racional e discursiva posta em argumentos, sem que possamos com isso imaginar a síntese absolutamente incondicionada das condições de conhecimento. Expressa em seus conceitos como ideias, a unidade da razão em sentido estrito jamais é passível de representações, porque para seus conceitos (alma, mundo, Deus, liberdade, imortalidade etc.) “nenhum objeto congruente pode ser dado nos sentidos” (KrV: B383), quer a título de exemplo (como para um conceito empírico), quer de esquema (como para um conceito puro) do entendimento. No entanto a imaginação vai além de suas funções expositiva e esquemática; ela é produtiva e, assim, capaz de “criar uma outra natureza a partir do conteúdo que a verdadeira lhe dá” (AA 5 KU §.49: 314). Por isso, com as ideias estéticas, Kant admite na Crítica da Faculdade do Juízo um tipo peculiar de representação da imaginação, na qual o conteúdo ordinariamente circunscrito à empiria é transformado mediante analogia e, desse modo, ultrapassa a natureza na direção do suprassensível:

Pode-se chamar tais representações da imaginação de ideias; em parte porque elas ao menos aspiram por algo que está além dos limites da experiência, buscando assim aproximar-se de uma exposição dos conceitos da razão (as ideias intelectuais), o que lhes dá a aparência de uma realidade objetiva; em parte, e aliás principalmente, porque a elas, enquanto intuições internas, nenhum conceito pode ser inteiramente adequado (grifos meus, AA 5 KU §.49: 314).

Segundo Kant, essa capacidade da imaginação produtiva é mais evidente na arte, em particular na poesia, quando o artista consegue tornar sensíveis ideias sem exemplo na experiência. Sendo um tipo de apresentação de segunda ordem, as ideias estéticas distinguem-se estritamente das ideias da razão, e o princípio que relaciona suas representações a objetos (sem conhecimento) é subjetivo para ideias estéticas, objetivo para ideias racionais (cf. AA 5 KU §. 57: 342). Por sua vez, as ideias estéticas resultam do “talento da imaginação” (o gênio) aplicado, que faz com que uma representação original, sob um conceito, dê mais a pensar por ela mesma do que pelo conceito sob o qual se encontra. Nesse excedente de sentido sem conceito adequado, o conceito emprestado por analogia é ampliado esteticamente e a razão é colocada em movimento para pensar o que ela própria não é capaz de explicar. Ele serve como atributo estético, ou seja, como uma representação secundária de um objeto que se relaciona a outros para expressar o que não pode ser adequadamente apresentado num conceito. No exemplo de Kant, a imagem da águia de Júpiter com o relâmpago em suas garras, na qual organizam-se conceitos empíricos ordinários, serve como atributo estético do “poderoso rei dos céus”, para o qual não há conceito adequado, ou seja, um atributo lógico, e por isso representa algo que dá ocasião à imaginação de expandir-se sobre representações semelhantes para pensar além do que poderia ser denotado (cf. AA 5 KU §. 49: 315).

Da perspectiva das faculdades do ânimo, as ideias estéticas têm sua sede na imaginação que, ao produzi-la, não visa e nem poderia visar a conhecimento em face da falibilidade conceitual estrita. Entretanto, como produto da imaginação, as ideias estéticas se reportam a uma intuição segundo um princípio meramente subjetivo da concordância entre si das faculdades de conhecimento (a imaginação e o entendimento), o que corresponde ao estado anímico exigido na definição kantiana de juízo de gosto (cf. AA 5 KU §. 9: 217-218). Por princípio, a ideia estética seria assim uma representação inexponível da imaginação, uma vez impossível expor um conceito adequado à intuição que ela fornece: podemos dizer que ela é uma imagem sem conceito. Por sua vez, a ideia da razão é indemonstrável, já que não é possível apresentar o objeto a ela correspondente na intuição, ou seja, ela é um conceito sem imagem: “assim como em uma ideia da razão a imaginação, com suas intuições, não alcança o conceito dado, em uma ideia estética o entendimento, com seus conceitos, não alcança nunca toda a intuição interna da imaginação que ela liga a uma representação” (AA 5 KU §.57: 343). Na ideia estética, o entendimento se torna incapaz diante da imaginação: a ideia estética se manifesta apenas em um conceito análogo, ou seja, ela apenas permite que se pense, em relação a um conceito, “muito do inominável cujo sentimento dá vida às faculdades de conhecimento e espírito à mera letra da linguagem” (AA 5 KU §.49: 316).

Na divisão sistemática da crítica da faculdade do juízo estética, Kant introduz a discussão sobre ideias estéticas em suas considerações a respeito do belo artístico. Já para o belo em geral, que inclui também o natural, vale o princípio do juízo de gosto que atesta uma faculdade de julgar objetos ou representações através de uma satisfação sem interesse (cf. AA 5 KU §. 5: 211), e julga belo o que apraz universalmente sem conceito (cf. AA 5 KU §. 9: 219) apenas a partir da forma de sua finalidade, sem no entanto representar um fim (cf. AA 5 KU §. 17: 236). Trata-se, é certo, de uma experiência subjetiva, mas universalmente válida e comunicável através do estado de ânimo em que imaginação e entendimento se encontram num jogo livre e harmônico, e no qual o sujeito não visa à ação ou ao conhecimento conceitual, embora o mesmo estado de ânimo seja requerido para o conhecimento em geral (cf. AA 5 KU §. 9: 217-218). Nesse estado, o sujeito se coloca diante do mundo em tranquila contemplação (cf. AA 5 KU §. 27: 258). Por outro lado, na experiência estética da faculdade do juízo, pode ocorrer que o mesmo se depare com objetos cuja forma escapa à imaginação: no sublime, a grandeza de um objeto é absoluta e incomparável, e a rigor, por inimaginável, não diz respeito a nenhum objeto dos sentidos. O sublime provoca um esforço da imaginação para avançar ao infinito, do mesmo modo que a razão se esforça por abarcar a totalidade absoluta na explicação de uma ideia, e desperta, na “inadequação da nossa faculdade de estimar a grandeza das coisas do mundo sensível para essa ideia”, o “sentimento de uma faculdade suprassensível em nós” (AA 5 KU §. 25: 250). O sublime é o fiador dessa faculdade humana que ultrapassa os sentidos e que é o “substrato suprassensível” que torna “como que intuível a superioridade da destinação racional de nossa faculdade de conhecimento relativamente à maior faculdade da sensibilidade” (AA 5 KU §. 27: 257).5 5 Cf., ainda, AA 5 KU §. 25: 250: “sublime é aquilo que, pelo simples fato de podermos pensá-lo, prova uma faculdade do ânimo que ultrapassa qualquer medida dos sentidos; cf. AA 5 KU §. 26: 255-256: no sublime, a “grandeza de um objeto natural” que escapa à imaginação “tem de conduzir o conceito da natureza a um substrato suprassensível, o qual [...] permite julgar sublime não tanto o objeto, mas antes a disposição do ânimo na estimação do mesmo”. Cf. AA 5 KU §. 27: 257: “o sentimento do sublime na natureza é o respeito pela nossa própria destinação”.

Segundo o arranjo das faculdades do ânimo oferecido por Kant, no belo natural trata-se da “exposição de um conceito indeterminado do entendimento”; no sublime, da exposição “de um conceito indeterminado da razão” (AA 5 KU §. 23: 244). Se na harmonia do belo ocorre o livre jogo de imaginação e entendimento, no sublime Kant identifica “o jogo subjetivo das faculdades do ânimo (imaginação e razão), harmônico mesmo em seu contraste” (AA 5 KU §. 27: 258). O paradoxo de uma aparente harmonia efetivamente desarmônica é explicado por meio da finalidade subjetiva das faculdades do ânimo, que no belo é produzida por acordo, no sublime por conflito:

Trata-se, com efeito, do sentimento de que possuímos uma razão pura autossuficiente, ou uma faculdade de estimação de grandeza cuja superioridade não pode ser tornada intuível senão pela insuficiência daquela faculdade mesma que é ilimitada na exposição das grandezas” (AA 5 KU §. 27: 258).

Pelo fracasso da imaginação diante do sublime, a razão afirma superioridade que, em sua pureza, é ética. Se consideramos, ainda, que no jogo sem conceito com o entendimento, a imaginação se harmoniza com o mesmo em face de uma disposição de ânimo que é habitual no conhecimento, no conflito desarmônico da imaginação com a razão chega-se à finalidade subjetiva do ânimo que, em favor da razão, é correspondente à disposição do ânimo no respeito pela lei moral.6 6 A lei moral provoca um estado subjetivo de resistência que é vencido em seu favor, mas que se mescla ao sentimento de respeito e, portanto, mantém o momento conflitivo: “visto que esta lei é algo em si positivo, ou seja, a forma de uma causalidade intelectual, i.e., da liberdade, então ela é ao mesmo tempo, em oposição a uma resistência (Widerspiel) subjetiva, um objeto do respeito, na medida em que enfraquece a presunção, ou seja, as inclinações em nós” (KpV: A130). Cf. também, na sequência: “o respeito pela lei moral é um sentimento provocado por um fundamento intelectual, e esse sentimento é o único que reconhecemos completamente a priori, e cuja necessidade podemos compreender” (KpV: A130); cf. também: “o respeito pela lei é a própria eticidade considerada subjetivamente como móbil... um efeito sobre o sentimento e, com isso, sobre a sensibilidade de um ser racional” (KpV: A134-135).

Há, portanto, a seguinte correlação entre as faculdades em Kant: no sublime, a imaginação sucumbe em favor da razão; na produção de ideias estéticas, o entendimento sucumbe em favor de uma representação da imaginação. Diante do belo, o entendimento encontra-se em livre harmonia com a imaginação, o que igualmente é favorável à razão. Em todas as três situações, a razão sai incólume, motivo pelo qual o fechamento do sistema estético está na superioridade racional que é puramente prática, assim como o conceito de liberdade é o “fecho de abóboda” da razão pura e especulativa (cf. KpV: A4). No rigorismo formal e sistemático kantiano, a unidade subjetiva do ânimo é sempre o caráter ético.

3 Schiller: beleza e liberdade

Schiller, que na avaliação de Hölderlin não ousou completar o passo além da análise kantiana, também propõe uma simplificação e diversificação da estética que, na perspectiva de uma unificação de razão e sensibilidade, ainda se situa dentro dos limites impostos pelo formalismo kantiano. Como o passo almejado por Hölderlin seria dado na esteira de Schiller, deve-se lembrar que as exigências de unificação da razão já vinham sendo por ele esboçadas em alguns ensaios estéticos, dos quais Sobre graça e dignidade (1793) foi o único acessível a essa altura, antes que Hölderlin pudesse ler, em janeiro de 1795, a primeira leva das Cartas sobre educação estética do homem.

Dois anos antes, numa carta a Christian Körner de dezembro de 1792, Schiller relatava ter encontrado “o conceito objetivo do belo, que eo ipso qualifica-se também como princípio objetivo do gosto, pelo qual Kant não nutre esperanças” (SW 5: 1200).7 7 As citações de Schiller serão feitas a partir da edição W. Riedel (cf. Schiller 2004), segundo o padrão SW vol.: pág. A tradução das citações é de minha responsabilidade. Como o belo dissesse respeito à universalidade subjetiva em Kant, sua qualificação objetiva abriria espaço para uma união do subjetivo e do objetivo. A tentativa de dedução do belo objetivo é documentada nas preleções de estética ministradas por Schiller em 1792 e 1793, quando atua como professor da Universidade de Iena.8 8 As anotações são de um dos ouvintes, Christian Friedrich Michaelis, cf. SW 5: 1021-1041. Da correspondência contemporânea com Körner, entre janeiro e fevereiro de 1793, resultou a edição póstuma de Kallias ou Sobre a Beleza, onde Schiller expõe claramente seu conceito objetivo: “beleza nada mais é do que liberdade na aparência” (SW 5: 400). Sendo a liberdade uma ideia (moral) da razão, Schiller entende a beleza como a instância de sua apresentação, o que equivaleria a afirmar que, na beleza, a própria razão encontra manifestação no mundo dos fenômenos, i.e., na natureza. E visto que em Kant o domínio da aparência é regido exclusivamente por leis do entendimento, limitando-se a estética a uma fundamentação subjetiva da beleza, esse vínculo pensado por Schiller ousaria um passo além da linha kantiana, mantendo-se, contudo, o horizonte moralizante.

Sobre graça e dignidade é menos explícito quanto à tese da liberdade na aparência, embora suas formulações denotem o mesmo. Em linhas gerais, o texto apresenta in totum uma teoria modificada do belo e do sublime, que Schiller traduz com seu par de conceitos graça e dignidade. Considerando as manifestações graciosas e a dignidade humana diante de afetos dolorosos, as reflexões de Schiller propõem pensar, ora na perspectiva da graça, ora na da dignidade, a unificação do sensível e do inteligível na natureza humana. Mas quanto mais avançam, mais deixam exposta a tensão conflitiva entre ambas as dimensões, e mais se torna visível seu tratamento unilateral, interditando o caminho para a harmonia efetiva e abrindo para o ideal. Nos arrazoados sobre graça, Schiller considera a beleza como “livre efeito natural”, ao qual a ideia da razão, como determinante da “técnica da construção humana”, jamais pode “conferir, mas apenas permitir beleza” (SW 5: 440). Apesar do belo não se basear sobre nenhuma característica do objeto relativa à razão, para Schiller o belo agrada à razão. É ela, portanto, que deve ser promovida, ao mesmo tempo elevando os homens pela educação de sua sensibilidade para a moral. Ao tornarem-se objetos da razão, “as aparências podem expressar ideias” (SW 5: 441), distinguindo-se na relação com a razão os modos da perfeição e da beleza: na perfeição, a razão encontra seu conceito objetivamente na aparência, servindo-lhe a ideia para dar explicação da possibilidade do objeto; na beleza, a razão “torna o que é dado na aparência, independentemente do conceito [da razão], uma expressão do mesmo e, portanto, trata algo meramente sensível de modo suprassensível” (SW 5: 442). Se, por um lado, é possível limitar o belo objetivamente a meras condições naturais e explicá-lo como efeito do mundo dos sentidos, por outro, pode-se deslocar o belo para o mundo inteligível através de um uso transcendente, pela razão, do efeito sensível. Para Schiller, “a beleza deve ser considerada cidadã de dois mundos, pertencendo a um [i.e., o sensível] por nascimento, a outro [i.e., o inteligível] por adoção; ela recebe sua existência na natureza sensível e exige sua cidadania no mundo da razão” (SW 5: 442). Nessa construção, Schiller situa o gosto entre o espírito e a sensibilidade, unindo-os em um “acordo feliz” que desperta o respeito da razão pelo material e a inclinação dos sentidos pelo racional, elevando intuições a ideias e transformando o mundo dos sentidos em “reino da liberdade” (SW 5: 442).

Já nessa formulação é possível perceber uma cláusula incontornável na unificação schilleriana: o sensível deve ser elevado ao racional para a realização do racional. O acordo feliz é favorável à razão que deve produzir uma inclinação pela liberdade na sensibilidade, que só assim obtém seu respeito. Em outras palavras, Schiller reivindica o sentimento de respeito pela sensibilidade que, em Kant, encontra-se contingentemente exposta ao sentimento de prazer e desprazer, enquanto o respeito pela lei moral é necessário para a faculdade de desejar. Para Schiller, “a perfeição ética do homem só pode explicar-se a partir da participação de sua inclinação em seu agir moral” (SW 5: 464). Seguindo essa premissa, ele também advoga à época uma “utilidade moral de costumes estéticos”.9 9 Cf. do ensaio homônimo: “em almas esteticamente refinadas há ainda uma instância que não raro substitui a virtude onde ela falta, e a promove onde ela existe. Essa instância é o gosto” (SW 5: 784). A motivação de Schiller é dada por Kant, que apesar de seu rigorismo admite a relevância formativa do gosto em seus arrazoados sobre a relação analógica do belo com a moralidade: “o gosto torna possível uma espécie de transição do atrativo sensível ao interesse moral habitual, sem um salto muito violento, na medida em que representa a imaginação, mesmo em sua liberdade, como determinável para o entendimento de maneira conforme a fins, e ensina a encontrar uma livre satisfação em objetos dos sentidos mesmo quando não há um atrativo sensível” (AA 5 KU §. 59: 354). Para o sujeito, a relação entre ideia e o correspondente sensível no objeto deve ser tal que instigue a razão a agir segundo suas leis próprias. Se em Kant o respeito pela lei é objetivo, em Schiller a correspondência subjetiva entre razão e sensibilidade é um móbil para o agir racional. Mas isso não retira o momento da sensibilidade da subordinação ao rigorismo moral já formulado por Kant. A beleza é para Schiller a exposição de ideias morais, e por isso também a beleza do ser humano é pensada por Schiller como “expressão sensível de um conceito da razão”; uma beleza que sobressai, em relação às demais, por receber um “sentido suprassensível na representação” (SW 5: 443). Esse sentido viria da graça como beleza da forma sob influência da liberdade: “a graça é sempre apenas a beleza da forma movida por liberdade”, ao passo que movimentos “pertencentes apenas à natureza” (SW 5: 447) são belos, mas não graciosos. Schiller reconhece o limite teórico que não permite atribuir liberdade à natureza, de modo que a liberdade na aparência é apenas uma “concessão por parte do espírito”, e a graça um “favor que o ético mostra ao sensível” (SW 5: 459).10 10 É preciso notar que Schiller avança um pouco o aspecto desse acordo na direção da sensibilidade. Assim, a graça teria lugar quando o espírito se manifestasse na natureza sensível sem colidir com as exigências da sensibilidade. Na relação do homem com a razão, a beleza aparece na harmonia, sem coerção, dos impulsos sensíveis com as leis racionais, fomentando a unidade do ser humano consigo mesmo: “o estado do ânimo no qual razão e sensibilidade - dever e inclinação - concordam é a condição sob a qual sucede a beleza do jogo” (SW 5: 463). Como ser racional sensível, o homem pode e deve ligar prazer e dever, pode e deve procurar unificar a razão de modo mais íntimo com seu ser. O espírito não pode dominar sem que a natureza reaja com força. Com efeito, o homem observa muito mais o princípio moral se para isso não precisa suprimir a sensibilidade. A confluência de moral e sensibilidade aponta para a unificação harmônica de seus princípios como o selo da humanidade perfeita: “chama-se bela alma quando o sentimento ético de todas as sensações do homem chegou a um tal grau que é permitido entregar, sem reservas, a condução da vontade ao afeto” (SW 5: 468). A bela alma sela a concordância do caráter ético inteiro, onde dever e natureza se harmonizam na aparência e permitem a manifestação da liberdade.

A análise schilleriana do belo vai até o ponto em que não é possível abdicar do caráter ideal da união entre razão e sensibilidade. Ao introduzir o conceito de dignidade como expressão de uma “disposição sublime”, ele reconhece que a concordância íntima entre as naturezas racional e sensível é uma “mera ideia, à qual [o homem] pode se esforçar com vigilância contínua, mas jamais pode alcançá-la mesmo mediante todos os esforços” (SW 5: 470). Como o impulso natural (Naturtrieb) corresponde à necessidade do que ocorre na natureza, mesmo o arbítrio é permeado pelas determinações naturais necessárias, e não resta alternativa a considerar a unificação da humanidade como um ideal almejado, ao qual nos aproximamos pelo aprimoramento ético-estético. As tentativas de união da perspectiva da dignidade transitam no terreno do sublime e esbarram na intransigência da natureza racional, que pelo viés da graça ao menos podia ser minimizada, embora também ali se cuidasse da beleza como expressão do suprassensível, i.e., do racional, no sensível (cf. SW 5: 443). Nas tentativas seguintes de conciliação, Schiller procede sempre de modo dicotômico: onde a vontade tem a prerrogativa e a sensibilidade apenas a segue, não deve haver rigor, mas indulgência; ao contrário, onde a ação surge do impulso, a incumbência da vontade é intervir sem indulgência, de modo que sua autonomia se mostre pela resistência. Essa “lei da relação de ambas as naturezas no homem” (SW 5: 477) anula a possibilidade de união harmônica, e quem tem a prerrogativa é a natureza racional. A dignidade não combinaria com o ideal da humanidade perfeita, porque nele não há conflito, mas concordância harmônica do ético com o sensível. A dignidade torna visíveis os limites entre o sujeito particular e a humanidade universal, e a resistência que o sujeito mostra diante de inclinações e do sofrimento é o testemunho da existência de uma natureza suprassensível, na qual se funda o empenho pela realização do ideal de união da humanidade. Na dignidade, há ação do ético sobre o sensível, mas não há graça: “aqui vale em geral a lei segundo a qual o homem deveria fazer com graça tudo o que ele pode executar nos limites de sua humanidade, e com dignidade tudo o que ele só pode realizar superando sua humanidade” (SW 5: 479).

Embora a perspectiva oscile com as Cartas sobre educação estética do homem11 11 Cf. a Sexta Carta: “é portanto falso que a configuração das forças isoladas torna necessário o sacrifício de sua totalidade; e mesmo que a lei da natureza se esforce por isso, depende de nós reestabelecer em nossa natureza, através de uma arte mais elevada, essa totalidade que foi destruída pelo artifício (Kunst)” (SW 5: 588). Em vez de fazer a sensibilidade se submeter à razão através da beleza, Schiller pensa na elevação de uma natureza inicial, em si harmônica, a um nível cultural superior da humanidade. Sobre isso, cf. Waibel (1997: 47). , os esforços de Graça e dignidade para superar os limites subjetivos da estética kantiana não logram unificar harmonicamente a natureza humana sem lesar o sensível, pois sempre se empenham por uma unificação via aprimoramento estético em direção à moralidade, servindo a beleza como meio de transformação da lei moral em inclinação. Por um lado, se há em Kant o desenho de uma tripartição da experiência estética entre o belo natural, como forma da finalidade de um objeto sem a representação de um fim (Cf. AA 5 KU §. 17: 236) e que apraz sem conceito (cf. AA 5 KU §. 9: 219), o belo artístico, como expressão de ideias estéticas12 12 O belo natural também expressa ideias estéticas, com a diferença de que nele essa expressão é comunicada pela “mera reflexão sobre uma dada intuição, sem o conceito do que o objeto deve ser”, ao passo que no belo artístico “a ideia tem de ser ocasionada por um conceito de objeto” (cf. AA 5 KU §. 51: 320). Cf. também AA 5 KU §. 48: 311: “uma beleza natural é uma coisa bela; a beleza artística é uma representação bela de uma coisa. Para julgar uma beleza natural enquanto tal não preciso ter antes um conceito da coisa que o objeto deveria ser, ou seja, não preciso conhecer a finalidade material (o fim); a mera forma apraz por si (...). Se o objeto é dado como um produto da arte e deve, enquanto tal, ser declarado belo, então, uma vez que a arte sempre pressupõe um fim na causa (e sua causalidade), tem de ser posto, como fundamento, um conceito do que a coisa deve ser; e, na medida em que a perfeição da coisa é a concordância do diverso nela com a sua determinação interna como fim, é preciso que, no julgamento da beleza artística, a perfeição da coisa seja levada ao mesmo tempo em conta, algo que não está absolutamente em questão no julgamento de uma beleza natural”. , e o sentimento do sublime, como manifestação da moralidade no sujeito, por outro, pode-se afirmar que Schiller desfaz os limites entre o belo artístico e belo natural ao entender a beleza, em geral, como liberdade na aparência13 13 No Kallias, Schiller afirma que, apesar de separar adequadamente o lógico do estético com seu conceito de beleza sem finalidade, Kant perde o conceito de beleza, na medida em que ela “se mostra em seu maior esplendor quando supera a natureza lógica de seu objeto” (SW 5: 395). Essa superação é entendida como exteriorização da liberdade. , ao mesmo tempo que introduz na arte, com o conceito de dignidade, também o sentimento do sublime - especialmente na arte dramática, da qual o próprio Schiller é mestre. São dois movimentos que, no entanto, mantêm a distinção kantiana entre belo e sublime com o par graça e dignidade. Mas, mesmo na graça, é possível dizer que a beleza natural se eleva a um nível de expressão do suprassensível. Em Kant, o mesmo ocorreria primordialmente no sentimento do sublime, embora quanto a isto resida uma ambiguidade em seu conceito de ideias estéticas.14 14 Na explicação do gênio pela faculdade de ideias estéticas, Kant considera que o padrão de julgamento do belo artístico deve ser a “mera natureza do sujeito” que “dá a regra à arte”, o que corresponde ao “substrato suprassensível de todas as suas faculdades, pelo qual o último fim dado pelo inteligível em nossa natureza é fazer todas as faculdades de conhecimento concordarem” (AA 5 KU §. 57: 344). Portanto, também no belo artístico, essa dimensão suprassensível subjetiva é (universalmente) comunicável. Nessa malha intrincada, o passo além de Kant que, para Hölderlin, Schiller não chega a completar, teria de perfazer uma unificação efetiva, e não projetada, da experiência humana. A unificação deveria valer tanto da perspectiva do belo em geral e da desarmonia que desperta a razão no sublime, quanto da união entre razão e sensibilidade na experiência sensível da ideia de beleza.

4 A função do Fedro

Em suas “ocupações estético-kantianas” (StA 6: 126), Hölderlin certamente pôde vislumbrar a complexidade e o alcance das ideias estéticas, e não apenas no que diz respeito à definição kantiana do belo artístico, mas sobretudo quanto à possibilidade de associar simbolicamente o belo à moralidade.15 15 Cf. AA 5 KU §.59: 351-54. Sobre o horizonte moral das ideias estéticas, cf. Zuidervaart (2003: 199-208). Beckenkamp (2017a: 408-410) reconhece a circunscrição das ideias estéticas ao aspecto moral como um dos déficits históricos do conceitualismo kantiano, de modo que uma concepção da produção artística como “técnica de expressão de ideias estéticas” é um tópico inexplorado por Kant. Embora Schiller também se sirva desse expediente, ele não lança mão das ideias estéticas, ao passo que Hölderlin provavelmente tenha percebido nelas um potencial que não é afirmado diretamente por Kant: as ideias estéticas, como imagens sem conceito, poderiam valer como uma espécie de expressão ou apresentação intuitiva indireta de ideias da razão enquanto conceitos sem imagem, deslocando para o aparente (Anschein) sua realidade objetiva indemonstrável. Com isso, abre-se um campo de associações no qual o belo finalmente pode figurar - e não apenas em sentido estritamente estético (Schiller) - ao lado da ideia racional mais cara a todos os que então se ocupavam de filosofia e que assistiam, a distância, à Revolução Francesa: a ideia de liberdade.

Ora, nessa constelação seria necessário reivindicar também a beleza para a imagem sem conceito pensada na ideia estética. Por si, a carta a Neuffer não é o suficiente para formular a exigência de uma unificação concreta mediante a ideia de beleza, especialmente porque nela ainda não se encontra a referência específica ao elemento do Fedro que a promove e que servirá a Hölderlin para a apresentação do conceito de beleza na penúltima versão de Hipérion, escrita em Nürtingen no segundo semestre de 1795. Mas no que diz respeito aos desafios que a formulação de Hölderlin propõe, é possível situar já em fins de 1794 o que será o foco também das versões ienenses de Hipérion. Se Kant compreende os dois momentos fundamentais da estética como oriundos de sentimentos distintos, o da harmonia e o da desarmonia das faculdades em vista de sua finalidade subjetiva, a compreensão de Hölderlin situa o belo diretamente no mundo racional como harmonia e liberdade, o que faz de desarmonia e necessidade apenas faces parciais da beleza, que estão a seu modo vinculadas à aparência sensível. Precisamente sobre isso, Franz (2012Franz, Michael. Tübinger Platonismus. Die geimeinsamen philosophischen Anfangsgründe von Hölderlin, Schelling und Hegel. Tübingen: Francke Verlag, 2012.: 85-86) levanta a hipótese de que a menção ao Fedro, na carta a Neuffer, teria por objeto uma passagem específica do diálogo de Platão sobre o conceito de beleza, onde ele não é pensado apenas esteticamente, mas carregado de sentido metafísico e ontológico. Em seu discurso a Fedro sobre a reminiscência (anámnēsis) das ideias, Sócrates adverte que o delírio (manía) diante da beleza terrena desperta na alma a “lembrança da verdadeira beleza” (Fedro 249d)16 16 Citado segundo a paginação padrão (cf. Platão 2011). , ao passo que o mesmo não ocorre tão facilmente em relação às demais ideias contempladas como “verdadeira realidade”:

Em relação à justiça, à temperança e tudo o mais que a alma tem em grande estima, as imagens terrenas são de todo em todo privadas de brilho; com órgãos turvos e, por isso mesmo, com assaz dificuldade, é que as poucas pessoas que se aproximam das imagens conseguem reconhecer nelas o gênero do modelo original. Porém a Beleza era muito fácil de ver por causa do brilho peculiar, quando, no séquito de Zeus, tomando parte no coro dos bem-aventurados e os demais no de outra divindade, gozávamos do espetáculo dessa visão admirável. (...) de volta para a terra, apreendemo-la em todo o seu resplendor por meio do nosso mais brilhante sentido (Fedro 250b, 250d).

De acordo com isso, a beleza é entre as ideias a única imune à separação (chōrismós) entre os arquétipos celestes inteligíveis e as cópias terrenas sensíveis, e sua presença sensível suscitaria imediatamente a lembrança da ideia verdadeira. Embora, na versão final de Hipérion, Hölderlin mantenha de modo crucial a dimensão da memória na recuperação da unidade perdida, e portanto observe a distância em relação a algo passado, em sua concepção de Iena ele modifica essa dinâmica da rememoração ao considerar que a beleza já se encontra presente como ser, sem distância, na penúltima versão de Hipérion (cf. StA 3: 237).17 17 Sobre isso, a hipótese que defendo, mas não pretendo nem posso desenvolver aqui, é de que, no Hipérion, o momento fundante da recuperação da unidade perdida na memória é o da diferença, não o da distância. Na perspectiva apresentada a Neuffer, o conceito de liberdade motivaria o acoplamento desse elemento platônico ao pensamento kantiano, cujo substrato inteligível é de estrutura inteiramente distinta do conhecimento objetivo, e contém um tipo de certeza prática que faz tomar por efetivos tanto a liberdade e sua lei (o fato kantiano da razão), quanto o que nela é pensado como ideia.18 18 Henrich (2004: 271) aponta para o fato de que Kant jamais chegou a explicar satisfatoriamente o status da certeza dessa “metafísica fundada praticamente”, remetendo-se à compreensão fichteana da certeza da liberdade como inerente à ação ética. Cf. também Henrich (2004: 800, nota 163). Assim, na experiência estética, o tipo de saber que se revela na unidade sensível-inteligível da beleza corresponde ao status da certeza encontrada na efetividade da lei moral da liberdade, ao lado do que é pensado em sua ideia. Com isso, a lei kantiana da liberdade adquire um estofo que ela não possui em vista de sua formalidade estrita, abrindo-se uma perspectiva que, segundo Henrich (2004Henrich, Dieter. Der Grund im Bewußtsein. Untersuchungen zu Hölderlins Denken (1794-1795). 2. ed. Stuttgart: Klett-Cotta, 2004.: 272-273), mantém a liberdade como ideia, constituindo-se simultaneamente um saber oriundo da consciência da mesma, e reivindica uma explicação adequada sobre como as ideias da razão estão presentes para nós e interferem em nossa vida.

Para bem situar a correção da hipótese de Franz, a versão métrica de Hipérion, escrita em Iena, fornece a sustentação necessária. Nela, Hölderlin narra o encontro de Hipérion com um sábio estrangeiro que lhe revela suas concepções de beleza, consciência e amor, com as quais o narrador concorda. Ao apresentar sua tese sobre a origem da consciência, o sábio faz uma referência evidente ao Banquete e lança mão de um topos que se encontra no Fedro. Depois de Hipérion afirmar que teria visualizado o segredo da lição, o sábio prossegue:

[...] Quando nosso espírito [...]

[...] Perdeu-se do voo livre

Dos celestiais e, em direção à terra,

Curvou-se do éter, e com o excesso

A pobreza se acasalou, nasceu

O amor. Isso aconteceu no dia

Em que Afrodite emergiu dos mares.

No dia em que começou o belo mundo

Para nós, começou a escassez

Da vida e trocamos a consciência

Por nossa pureza e liberdade. (StA 3: 193)

Hölderlin elabora nesses versos uma teoria da consciência finita ilustrada no mito do nascimento de Eros, narrado no Banquete. Mas o sábio relata pari passu a queda do espírito, do “éter em direção à terra”, em alusão à passagem do Fedro em que Platão apresenta a alegoria da parelha de cavalos (Fedro 245c-250c). Na parte central desse diálogo, o personagem de Sócrates inicia a narrativa sobre a imortalidade da alma e, em seguida, por tratar-se de assunto “divino” e inacessível à linguagem humana, recorre à alegoria como imagem humanamente acessível sobre a “realidade” da alma. Assim, narra-se o passeio dos deuses pela região supraceleste conduzidos por cavalos alados, nobres e distintos em relação aos de uma parelha comum, na qual um é excelente e outro não, dificultando a condução das rédeas (cf. Fedro 246b). A alma assemelha-se a esses cavalos: perfeita e alada, voa nas alturas e domina o mundo, mas “vindo a perder as asas, é arrastada até bater em alguma coisa sólida, onde fixa a moradia e se apossa de um corpo na terra, que pareça mover-se por si mesmo, em virtude da força própria da alma” (Fedro 246c). Nas alturas, Zeus marcha com o carro alado seguido dos demais deuses em “evoluções no interior do céu” (Fedro 247a), subindo depressa até seu “vértice” e atravessando para o outro lado, para a região onde “contemplam a justiça em si mesma, a temperança, o conhecimento do que verdadeiramente existe” e retornam para sua morada no interior do céu (cf. Fedro 247d-e). Guiadas por cavalos inferiores, as almas humanas não acessam a região acima do céu, mas dividem-se entre aquelas que mais se esforçam na ascensão, a ponto de vislumbrarem o que há do outro lado; aquelas que tentam, mas precisam cuidar dos cavalos e perdem de vista muitas “essências”; e finalmente as que desejam subir, mas caem por falta de força: “depois desse trabalho insano, todas voltam sem terem conseguido contemplar a realidade e, uma vez dali afastadas, alimentam-se apenas com a opinião” (Fedro 248b). Nesses diversos movimentos, o que resta da experiência é a reminiscência da vista do verdadeiro, sendo o filósofo o amante da beleza e da verdade, entre os homens, e também aquele que dá asas ao pensamento para conhecer as coisas por meio da memória das ideias, bastando para isso o despertar do amor no belo sensível.

Ora, precisamente nessa passagem encontra-se a inseparabilidade da ideia da beleza (cf. Fedro 250b) e da beleza terrena como um ponto nodal que poderia servir ao ensaio de Hölderlin sobre as ideias estéticas kantianas. Com o verso do “voo livre dos celestiais” da versão métrica de Hipérion, confirma-se a centralidade da ideia de beleza que, no Fedro, unifica o racional e o sensível e constitui tanto a estrutura do ideal quanto a do real, justamente por não conhecer a cisão constitutiva entre o ideal e seu aparecimento. Assim, a beleza platônica retomada por Hölderlin figura como o principal candidato para o referente das ideias estéticas kantianas.

5 Hölderlin: imaginação, beleza e liberdade

Mas há uma fonte adicional, da lavra do próprio Hölderlin, que ensaia um outro vínculo: o entre imaginação e liberdade. Trata-se do fragmento Sobre a lei da liberdade, contemporâneo da carta19 19 Cf. Schmidt (2008: 1227). Beissner sugere que tenha sido escrito o mais tardar em novembro de 1794, cf. StA 4: 400-401. e já reivindicado como a tentativa de Hölderlin de fundar uma estética antes de Iena, em Waltershausen, embora em nenhum momento mencione os conceitos de beleza e de arte, ou mesmo refira-se ao domínio estético. Sem entrar em detalhes da interpretação do viés estético do fragmento20 20 Sobre isso, cf. Strack (1976: 43-106). , é suficiente aqui apontar o lugar central ocupado pela liberdade na tarefa de uma unidade da experiência humana. Diz Hölderlin:

Há, na verdade, um estado natural da imaginação que tem algo em comum, a ausência de lei, com aquela anarquia das representações que o entendimento organiza, mas que talvez precise ser diferenciado em relação à lei pela qual deve ser organizado.

Eu entendo por esse estado natural da imaginação, por essa ausência de lei, a ausência de lei moral, por essa lei a lei da liberdade. (StA 4: 211)

Na anarquia habitual das representações, a imaginação é considerada em e para si, e é capaz de organização pelo entendimento mesmo sob essa ausência de lei especificamente tratada no fragmento: “por essa ausência de lei, [entendo] a lei da liberdade”. A passagem sugere dois estados naturais: o primeiro tem a ver com a anarquia de representações, o segundo “precisa ser diferenciado em relação à lei [da liberdade]”. No segundo estado, segue Hölderlin, a imaginação não é mais considerada por si, mas “em conexão com a faculdade de desejar (Begehrungsvermögen)” (StA 4: 211). Em e para si, a faculdade da imaginação é considerada teoricamente, portanto, sob as leis do entendimento. Como Hölderlin distingue entre esse estado e o da conexão com o desejo, as leis do entendimento não valem para o segundo. Seguindo esse arranjo, Hölderlin estabelece três hipóteses possíveis de unificação (ao fim, frustrada) da totalidade da experiência humana:

Naquela anarquia das representações, onde a imaginação é considerada teoricamente, era na verdade possível uma unidade do múltiplo, uma ordenação das percepções, mas apenas por acaso. Nesse estado natural da fantasia, onde ela é considerada em conexão com a faculdade de desejar, a conformidade à lei era na verdade possível, mas apenas por acaso.

Há um lado da faculdade de desejar empírica, a analogia do que se chama natureza, que é o mais notável, onde o necessário parece se irmanar com a liberdade e o sensível com o sagrado, uma inocência natural que poderia chamar-se de moralidade do instinto, e a fantasia sintonizada com a mesma é celestial.

Mas esse estado natural depende de causas naturais.

É mera sorte estar assim disposto. (StA 4: 211)

Sem conexão com a liberdade, a imaginação solta é capaz de unificar o múltiplo das percepções apenas por acaso; também no “estado natural da fantasia” em relação ao desejo, a conformidade à lei moral é ainda mero acaso. Em analogia com a natureza, o lado empírico do desejo é pensado como uma espécie de “inocência natural” ou “moralidade do instinto”, em que finalmente liberdade e necessidade estariam unidas: novamente, esse estado natural é “mera sorte”. Descartando essas hipóteses, Hölderlin considera que é somente sob a lei da liberdade que a faculdade de desejar se une à fantasia e assim estabelece “um estado fixo” (StA 4: 211): “a lei da liberdade ordena, sem qualquer consideração pela ajuda da natureza”, e por isso ela se manifesta como “punitiva” (cf. StA 4: 212). Segundo o fragmento, a moralidade não pode ser confiada à natureza, pois a legalidade produzida pela última não alcançaria solidez, restando sempre bastante incerta e variável no tempo e nas circunstâncias.

Para a discussão que aqui nos interessa, é possível notar uma reconfiguração das relações entre imaginação e entendimento, entre imaginação e razão, que Hölderlin substitui pela faculdade de desejar e propõe um vínculo que não se encontra em Kant. Retomando a teoria estética kantiana aplicada ao ânimo, temos o seguinte quadro: a relação harmônica entre imaginação e entendimento corresponde ao juízo de gosto sobre o belo; a relação desarmônica entre imaginação e entendimento, em favor da imaginação, corresponde à disposição do ânimo diante de uma ideia estética; e a relação entre razão e imaginação, em favor da razão, desperta o sentimento do sublime. Ora, o fragmento de Hölderlin trabalha três níveis: a relação teórica entre imaginação e entendimento, que na organização do múltiplo corresponde às condições do conhecimento em geral; a relação prática entre imaginação e desejo, cuja conformidade à lei corresponde à moralidade; a relação igualmente prática do desejo, pensado analogamente como natureza, com a imaginação, cuja concordância “celestial” poderíamos compreender na proximidade da liberdade na aparência schilleriana. Mesmo essa, para Hölderlin, é contingente. Portanto, a tentativa especulativa de uma união da imaginação com a faculdade de desejar sob a lei da liberdade corresponderia a uma união necessária para um estado fixo que se igualaria ao da moralidade do instinto. O desejo, submetido à razão na vigência da lei da liberdade, encontraria em sua harmonia com a imaginação, igualmente sob a liberdade, o ponto em que “o necessário e a liberdade, o sensível e o sagrado” (StA 4: 211) não apenas parecem se irmanar, como de fato encontram-se unidos.

Ora, como a liberdade é uma ideia da razão, e como sua representação só teria lugar indiretamente numa ideia estética, podemos perceber que essa união especulativa se associa aos elementos pensados por Hölderlin em seu plano de ensaio comunicado a Neuffer. O vínculo do programa da carta com Sobre a lei da liberdade estaria, assim, na principal nota das ideias estéticas: sua matéria é propriamente a representação sem conceito e, segundo aponta Strack (1976Strack, Friedrich. Ästhetik und Freiheit. Hölderlins Idee von Schönheit, Sittlichkeit und Geschichte in der Frühzeit. Tübingen: Max Niemeyer Verlag, 1976.: 109), corresponderia a um “livre desenvolvimento da imaginação”21 21 No mesmo local, Strack diferencia nas ideias estéticas kantianas a matéria ou ‘estofo’ (desenvolvimento livre da imaginação), a vivificação (concordância final com o entendimento) e ausência de conceitos (a não participação da atividade do entendimento no jogo estético). , ou seja, a uma conexão entre imaginação e liberdade. Com a reivindicação do conceito de liberdade para essa organização da imaginação, a imagem sem conceito da ideia estética novamente preenche a lacuna estrutural entre imaginação e razão, afinal a ideia estética retira sua força semântica justamente do vínculo analógico com as ideias da razão, das quais, portanto, ela pode ser apresentação indireta. Isso permite que a ideia de liberdade situe-se, como a ideia de beleza platônica, no limite entre o sensível e o inteligível, em função de sua peculiar certeza prática. Assim, o livre desenvolvimento da imaginação, para além do acordo com as condições limitantes do entendimento, não significa uma espontaneidade anárquica, mas uma exigência de base consistente para a estética.

6 No limite das ideias estéticas

Em vista desses elementos, é possível agora ensaiar uma abordagem da almejada simplificação da estética kantiana. Na divisão geral da crítica da faculdade do juízo estética, Kant estabelece um paralelismo entre belo e sublime do ponto de vista dos tipos de finalidade do juízo de gosto:

A receptividade de um prazer a partir da reflexão sobre as formas das coisas (tanto da natureza como da arte) não designa apenas, contudo, uma finalidade dos objetos em relação à faculdade de julgar reflexionante no sujeito (segundo o conceito da natureza), mas também, inversamente, uma finalidade do sujeito em vista dos objetos segundo sua forma - e mesmo sua deformação - a partir do conceito de liberdade. E assim acontece que o juízo estético não se refira apenas ao belo, como juízo de gosto, mas também ao sublime, como um juízo originado em um sentimento do espírito, de modo que essa crítica da faculdade de julgar estética tem de ser desmembrada nessas duas partes principais. (AA 5 KU: 192, grifos meus)

Vimos que, na produção de ideias estéticas, o espírito é o princípio vivificante, e de sua perspectiva o ajuizamento estético dos objetos, naturais ou artísticos, remonta à própria finalidade (moral) como sujeito. Por isso, já o próprio belo (artístico) é capaz de satisfazer as condições de manifestação da natureza ética do ser humano, afinal a “beleza em geral (quer seja a da natureza ou da arte) é expressão de ideias estéticas” (AA 5 KU §. 51: 320). Aqui entraria uma dupla simplificação, que é simultaneamente diversificada na diferenciação estética dos momentos da manifestação do suprassensível (o ético) entre belo e sublime. Vimos também que a aproximação do belo ao sublime funda-se na correlação indireta entre ideias estéticas e ideias da razão (liberdade), em que o conceito sem objeto da última encontraria na imagem sem conceito das primeiras uma representação adequada. Quando produz uma imagem original que dá o que pensar sem conceito, o artista provoca no ânimo o arranjo das faculdades que ora se encontram numa disposição subjetiva que julga o objeto como belo, se o arranjo for o jogo livre entre imaginação e entendimento, ora se colocam na disposição subjetiva que julga o objeto como sublime, se o mesmo se der entre imaginação e razão com a manifestação da liberdade na superioridade moral. Essa mesma relação é refletida em Sobre a lei da liberdade, embora a razão apareça como faculdade de desejar. Da perspectiva da finalidade subjetiva, como afirma Kant, belo e sublime, por vias distintas, produzem o mesmo estado do ânimo diante da ideia de liberdade: tanto na harmonia do livre jogo entre entendimento e imaginação, condizente com as condições do conhecimento em geral, quanto na desarmonia entre razão e imaginação, condizente com as condições do respeito à lei moral, o estado subjetivo tem a ocasião de experimentar efetivamente a ideia de liberdade, como uma espécie de espelho ou reflexo da própria razão que, como a beleza, podemos “apreender em todo o seu resplendor por meio do nosso mais brilhante sentido” (Fedro 250d). Assim, como afirma Henrich (2004Henrich, Dieter. Der Grund im Bewußtsein. Untersuchungen zu Hölderlins Denken (1794-1795). 2. ed. Stuttgart: Klett-Cotta, 2004.: 275), “o passo além do limite kantiano permite que no domínio do sensível apareça um reflexo do mundo racional”.

Dessa forma, também é possível rever a manutenção schilleriana da distinção kantiana entre belo e sublime por meio dos conceitos de graça e dignidade. Com a expressão da beleza enquanto ideia presente, dissolve-se a dicotomia entre uma liberdade suprassensível e uma liberdade que aparece. Pois quando Schiller postula seu conceito de liberdade na aparência, ele tem em mente as manifestações humanas em que “uma ação segundo a lei da razão é bela por parecer como se ocorresse por inclinação e sem qualquer coerção” (SW 5: 1037). De fato, a liberdade em sentido kantiano diz respeito à observância da lei moral, não importando se a sensibilidade é favorável à razão; em Schiller, o fenômeno da beleza harmoniza duas naturezas distintas por princípio, segundo a necessidade e segundo a liberdade. Para ele, a beleza tem lugar quando a necessidade parece liberdade. Ora, com a beleza pensada por Hölderlin, esse conflito entre liberdade e natureza desaparece como separação e passa a ser considerado como diferenciação: não se trata de fazer o sensível concordar com o inteligível, mas de reconhecer que o inteligível já está presente, sem distância, apenas contido de modo diferenciado no sensível, bastando ao poeta (artista, gênio) dar expressão a essa presença diferenciada e coincidência invisível, que exige o esforço de reconhecimento da unidade pelo ânimo disperso nos diversos tipos de arranjo entre suas faculdades.

Por fim, a título de nota, a experiência estética também estará no centro do fragmento O mais antigo programa de sistema do idealismo alemão (1796-97), cuja redação, embora a grafia seja comprovadamente de Hegel, foi concebida na proximidade da concepção de Hölderlin, quando ambos se encontravam na região de Frankfurt:

[...] a ideia que unifica todas, a ideia da beleza, a palavra tomada no sentido superior, platônico. Estou convencido de que o ato supremo da razão, na medida em que ela abarca todas as ideias, é um ato estético, e que verdade e bondade estão irmanadas apenas na beleza. (StA 4: 298)

A manutenção dessa perspectiva em Frankfurt fala em favor da consistência da convicção quanto à centralidade da experiência da beleza, quando o conceito de razão de Hölderlin articula-se então a partir do conceito de liberdade kantiano, situando-se a união efetiva do substrato suprassensível com o sensível na origem comum de beleza e liberdade, e não na mera analogia do belo com a moralidade, estabelecida por Kant, ou mesmo na cidadania adotiva da beleza no mundo racional, reivindicada por Schiller.

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  • 2
    As obras de Hölderlin serão citadas conforme o padrão da Stuttgarter Ausgabe: StA vol.: pág. (cf. Hölderlin 1943-1985). Sobre os relatos das leituras, cf. Carta a Neuffer, abril de 1794 (StA 6: 113); Carta ao irmão, 21 de maio de 1794 (StA 6: 119); também Carta a Hegel, 10 de julho de 1794 (StA 6: 128). A tradução de todas as citações de Hölderlin é de minha responsabilidade.
  • 3
    Baseando-se em W. Böhm, já o editor da StA, F. Beissner, arriscava observar que a superação do limite kantiano (e schilleriano) diria respeito à defesa da “força metafísica” da ideia platônica do belo contra a redução kantiana das ideias a mero uso regulativo, preparando-se com isso uma guinada do idealismo subjetivo para o objetivo (cf. StA 6.2: 699-700). Sobre a carta a Neuffer, cf. também Strack (1976: 107-146), Henrich (2004: 273-285), Santini (2010), Vaccari (2013), Beckenkamp (2017b).
  • 4
    Nas citações da Crítica da Faculdade do Juízo, valho-me, com pequenas alterações, da tradução brasileira (Kant 2016), cuja paginação corresponde à da Edição da Academia, segundo o padrão AA, vol., iniciais da obra em itálico, parágrafo e página (cf. Kant 1900). Exceção feita para a Crítica da Razão Pura, citada conforme as paginações A e B, respectivamente da primeira (1781) e segunda (1787) edições: KrV, ed.: pág. (cf. Kant 1974b); e para a Crítica da Razão Prática, cit. conforme o padrão KpV A: pág. (cf. Kant 1974a). A tradução de citações dessas duas últimas obras é de minha responsabilidade.
  • 5
    Cf., ainda, AA 5 KU §. 25: 250: “sublime é aquilo que, pelo simples fato de podermos pensá-lo, prova uma faculdade do ânimo que ultrapassa qualquer medida dos sentidos; cf. AA 5 KU §. 26: 255-256: no sublime, a “grandeza de um objeto natural” que escapa à imaginação “tem de conduzir o conceito da natureza a um substrato suprassensível, o qual [...] permite julgar sublime não tanto o objeto, mas antes a disposição do ânimo na estimação do mesmo”. Cf. AA 5 KU §. 27: 257: “o sentimento do sublime na natureza é o respeito pela nossa própria destinação”.
  • 6
    A lei moral provoca um estado subjetivo de resistência que é vencido em seu favor, mas que se mescla ao sentimento de respeito e, portanto, mantém o momento conflitivo: “visto que esta lei é algo em si positivo, ou seja, a forma de uma causalidade intelectual, i.e., da liberdade, então ela é ao mesmo tempo, em oposição a uma resistência (Widerspiel) subjetiva, um objeto do respeito, na medida em que enfraquece a presunção, ou seja, as inclinações em nós” (KpV: A130). Cf. também, na sequência: “o respeito pela lei moral é um sentimento provocado por um fundamento intelectual, e esse sentimento é o único que reconhecemos completamente a priori, e cuja necessidade podemos compreender” (KpV: A130); cf. também: “o respeito pela lei é a própria eticidade considerada subjetivamente como móbil... um efeito sobre o sentimento e, com isso, sobre a sensibilidade de um ser racional” (KpV: A134-135).
  • 7
    As citações de Schiller serão feitas a partir da edição W. Riedel (cf. Schiller 2004), segundo o padrão SW vol.: pág. A tradução das citações é de minha responsabilidade.
  • 8
    As anotações são de um dos ouvintes, Christian Friedrich Michaelis, cf. SW 5: 1021-1041.
  • 9
    Cf. do ensaio homônimo: “em almas esteticamente refinadas há ainda uma instância que não raro substitui a virtude onde ela falta, e a promove onde ela existe. Essa instância é o gosto” (SW 5: 784). A motivação de Schiller é dada por Kant, que apesar de seu rigorismo admite a relevância formativa do gosto em seus arrazoados sobre a relação analógica do belo com a moralidade: “o gosto torna possível uma espécie de transição do atrativo sensível ao interesse moral habitual, sem um salto muito violento, na medida em que representa a imaginação, mesmo em sua liberdade, como determinável para o entendimento de maneira conforme a fins, e ensina a encontrar uma livre satisfação em objetos dos sentidos mesmo quando não há um atrativo sensível” (AA 5 KU §. 59: 354).
  • 10
    É preciso notar que Schiller avança um pouco o aspecto desse acordo na direção da sensibilidade. Assim, a graça teria lugar quando o espírito se manifestasse na natureza sensível sem colidir com as exigências da sensibilidade. Na relação do homem com a razão, a beleza aparece na harmonia, sem coerção, dos impulsos sensíveis com as leis racionais, fomentando a unidade do ser humano consigo mesmo: “o estado do ânimo no qual razão e sensibilidade - dever e inclinação - concordam é a condição sob a qual sucede a beleza do jogo” (SW 5: 463). Como ser racional sensível, o homem pode e deve ligar prazer e dever, pode e deve procurar unificar a razão de modo mais íntimo com seu ser. O espírito não pode dominar sem que a natureza reaja com força. Com efeito, o homem observa muito mais o princípio moral se para isso não precisa suprimir a sensibilidade. A confluência de moral e sensibilidade aponta para a unificação harmônica de seus princípios como o selo da humanidade perfeita: “chama-se bela alma quando o sentimento ético de todas as sensações do homem chegou a um tal grau que é permitido entregar, sem reservas, a condução da vontade ao afeto” (SW 5: 468). A bela alma sela a concordância do caráter ético inteiro, onde dever e natureza se harmonizam na aparência e permitem a manifestação da liberdade.
  • 11
    Cf. a Sexta Carta: “é portanto falso que a configuração das forças isoladas torna necessário o sacrifício de sua totalidade; e mesmo que a lei da natureza se esforce por isso, depende de nós reestabelecer em nossa natureza, através de uma arte mais elevada, essa totalidade que foi destruída pelo artifício (Kunst)” (SW 5: 588). Em vez de fazer a sensibilidade se submeter à razão através da beleza, Schiller pensa na elevação de uma natureza inicial, em si harmônica, a um nível cultural superior da humanidade. Sobre isso, cf. Waibel (1997: 47).
  • 12
    O belo natural também expressa ideias estéticas, com a diferença de que nele essa expressão é comunicada pela “mera reflexão sobre uma dada intuição, sem o conceito do que o objeto deve ser”, ao passo que no belo artístico “a ideia tem de ser ocasionada por um conceito de objeto” (cf. AA 5 KU §. 51: 320). Cf. também AA 5 KU §. 48: 311: “uma beleza natural é uma coisa bela; a beleza artística é uma representação bela de uma coisa. Para julgar uma beleza natural enquanto tal não preciso ter antes um conceito da coisa que o objeto deveria ser, ou seja, não preciso conhecer a finalidade material (o fim); a mera forma apraz por si (...). Se o objeto é dado como um produto da arte e deve, enquanto tal, ser declarado belo, então, uma vez que a arte sempre pressupõe um fim na causa (e sua causalidade), tem de ser posto, como fundamento, um conceito do que a coisa deve ser; e, na medida em que a perfeição da coisa é a concordância do diverso nela com a sua determinação interna como fim, é preciso que, no julgamento da beleza artística, a perfeição da coisa seja levada ao mesmo tempo em conta, algo que não está absolutamente em questão no julgamento de uma beleza natural”.
  • 13
    No Kallias, Schiller afirma que, apesar de separar adequadamente o lógico do estético com seu conceito de beleza sem finalidade, Kant perde o conceito de beleza, na medida em que ela “se mostra em seu maior esplendor quando supera a natureza lógica de seu objeto” (SW 5: 395). Essa superação é entendida como exteriorização da liberdade.
  • 14
    Na explicação do gênio pela faculdade de ideias estéticas, Kant considera que o padrão de julgamento do belo artístico deve ser a “mera natureza do sujeito” que “dá a regra à arte”, o que corresponde ao “substrato suprassensível de todas as suas faculdades, pelo qual o último fim dado pelo inteligível em nossa natureza é fazer todas as faculdades de conhecimento concordarem” (AA 5 KU §. 57: 344). Portanto, também no belo artístico, essa dimensão suprassensível subjetiva é (universalmente) comunicável.
  • 15
    Cf. AA 5 KU §.59: 351-54. Sobre o horizonte moral das ideias estéticas, cf. Zuidervaart (2003: 199-208). Beckenkamp (2017a: 408-410) reconhece a circunscrição das ideias estéticas ao aspecto moral como um dos déficits históricos do conceitualismo kantiano, de modo que uma concepção da produção artística como “técnica de expressão de ideias estéticas” é um tópico inexplorado por Kant.
  • 16
    Citado segundo a paginação padrão (cf. Platão 2011).
  • 17
    Sobre isso, a hipótese que defendo, mas não pretendo nem posso desenvolver aqui, é de que, no Hipérion, o momento fundante da recuperação da unidade perdida na memória é o da diferença, não o da distância.
  • 18
    Henrich (2004: 271) aponta para o fato de que Kant jamais chegou a explicar satisfatoriamente o status da certeza dessa “metafísica fundada praticamente”, remetendo-se à compreensão fichteana da certeza da liberdade como inerente à ação ética. Cf. também Henrich (2004: 800, nota 163).
  • 19
    Cf. Schmidt (2008: 1227). Beissner sugere que tenha sido escrito o mais tardar em novembro de 1794, cf. StA 4: 400-401.
  • 20
    Sobre isso, cf. Strack (1976: 43-106).
  • 21
    No mesmo local, Strack diferencia nas ideias estéticas kantianas a matéria ou ‘estofo’ (desenvolvimento livre da imaginação), a vivificação (concordância final com o entendimento) e ausência de conceitos (a não participação da atividade do entendimento no jogo estético).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Abr 2019

Histórico

  • Recebido
    06 Jul 2018
  • Aceito
    23 Ago 2018
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