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Contra o tempo: autoria e Revolução na obra de Goethe (1795-1803)

Against the time: Authorship and Revolution in Goethe’s work (1795-1803)

Resumo

Este artigo explora a noção de extemporaneidade tomada como um traço distintivo do modelo temporal adotado pelos classicistas de Weimar, por Goethe em particular. Concebe o “extemporâneo” como um preceito e uma prática que supõe um movimento de dissociação do tempo presente e da pessoa do autor. Com base no ensaio “Sansculottismo literário” e na tradução da “Vida” de Benvenuto Cellini, publicadas originalmente no periódico As Horas (Die Horen), procuro esboçar o elo entre a resposta à Revolução Francesa e a reflexão sobre autoria, e discutir os limites da ‘extemporaneidade” de Goethe como meio de implementar a autonomia artística.

Palavras-chave:
Goethe; Revolução Francesa; classicismo de Weimar; extemporaneidade; autoria

Abstract

This article explores the notion of untimeliness as a defining feature of the temporal model adopted by the Weimar classicists, by Goethe in particular. It approaches the “untimely” as a premise and a practice that presupposes a movement of dissociation from the present time and from the author’s person. Based upon the article “Literary Sanscullotism” and the translation of Benvenuto Cellini’s “Life”, originally published in the journal The Hours (Die Horen), I seek to reconstruct the link between reactions to the French Revolution and reflections about authorship, and discuss the limits of Goethe’s “untimeliness” as a means for implementing artistic autonomy.

Keywords:
Goethe; French Revolution; Weimar classicism; untimeliness; authorship

Para Dorothea von Mücke

Fio perdido

O esmorecimento da sensibilidade filológica e histórica tem sido um fator determinante na recepção da Vida de Benvenuto Cellini, ourives e escultor florentino (Das Leben des Benvenuto Cellini, des Florentinischen Goldschmieds und Bildhauers) que Goethe traduziu para o alemão. Sabe-se que antes de ser publicado em 1803______. Leben des Benvenuto Cellini. Florentinischen Goldschmieds und Bildhauers von ihm selbst geschrieben. Tübingen: Cotta, 1803. em forma de livro, o Cellini alemão circulou em fascículos nos anos de 1796 e 1797. No entanto, o contexto imediato - o fato de que Goethe traduziu a autobiografia em pleno período revolucionário e a publicou na revista que os classicistas de Weimar conceberam como um antídoto à Revolução Francesa - foi sistematicamente ignorado pelos estudiosos. O Cellini de Goethe permaneceu associado ao período pós-revolucionário da sua publicação em livro e circunscrito ao interesse do tradutor por história da arte e personalidades extraordinárias. A obliteração do contexto original apagou o fio que entrelaçou a autobiografia do artista e a Revolução Francesa, Goethe e seu tempo.

O entendimento de que a Revolução Francesa teve um papel decisivo para o desenvolvimento do classicismo de Weimar é ponto pacífico entre os estudiosos.1 1 „Es gehört zu den Grundkenntnissen der neueren Germanistik, dass die Französische Revolution eine wichtige Rolle in der Entwicklung der Weimarer (Hoch)Klassik spielte […] Vor allem das Bündnis zwischen Goethe und Schiller im Jahrzehnt zwischen 1794 e 1805 war nicht nur persönlich, und ästhetisch und literaturpolitisch begründet, sondern auch politisch, indem es gegen die Revolution und vor allem gegen ihre Auswirkungen in Deutschland ausgerichtet war“ (Wilson 2004: 4). Os próprios classicistas, é preciso lembrar, enunciavam o seu programa em resposta aos acontecimentos de Paris. Mas o nexo entre o classicismo e a Revolução é controverso e de modo algum esgotado. Entre outras razões porque a determinação dessa relação põe em jogo a visão do próprio analista sobre uma das principais causas do antagonismo entre Weimar e Paris, o postulado da separação ou da indissociabilidade entre estética e política. Este ensaio aborda a questão da autonomia e da instrumentalidade da arte de uma perspectiva que não é frontal, mas oblíqua, refazendo o fio que os weimarianos traçaram entre a autoria e a Revolução. Mostra que a autobiografia de Cellini, uma vez restituída ao seu contexto de publicação original, não é apenas inextricável, mas paradigmática do projeto classicista. O ato de traduzir e publicar a vida de Cellini põe em prática a “extemporaneidade” dos classicistas. Através do Cellini alemão, eles tematizaram a relação da arte com a política, a questão pungente no presente, a partir de um outro tempo; apresentaram a reflexão sobre o indivíduo e o seu século, não a partir das reviravoltas em Paris, mas das instabilidades na Florença do Renascimento. A matéria prima do texto original, a relação do artista com o seu tempo, recupera assim o sentido especular que os weimarianos lhe emprestaram.

Na publicação da vida de Cellini os classicistas produziram o enlace entre extemporaneidade e autobiografia. E é nesse enlace que reside a afinidade estrutural, até então despercebida, entre a tradução do Cellini e o “Sansculottismo literário” (Goethe 1795Goethe, Johann Wolfgang von. Litterarischer Sanscülottismus. Die Horen, v. 2, n. 5, 1795, p. 50-56. Disponível em <http://ds.ub.uni-bielefeld.de/viewer/image/2104386_005/54/LOG_0008/>. (30/1/2019).
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). Publicado um ano antes da tradução em questão (1796 e 1797), o ensaio é uma resposta desabusada ao pastor Daniel Jenisch que, partindo de uma defesa incondicional do classicismo francês, e postulando-o como modelo a ser seguido, despreza o status quo das letras alemãs. 2 2 O artigo, intitulado “Sobre a prosa e a eloquência dos alemães”, de autoria do pastor Daniel Jenisch, foi publicado no Berlinisches Archiv der Zeit und ihres Geschmacks em 1795. O diagnóstico da “penúria” (Armseligkeit) generalizada da literatura alemã ignoraria as condições (Bedingungen) e a situação (Lage) concreta em que trabalham os escritores. O importante para Goethe não é conjurar a mudança, ou apontar o caminho para o êxito, mas examinar as premissas e a natureza da literatura alemã. Diferentemente de Jenisch, Goethe remonta o surgimento de um “autor nacional clássico” às condições históricas e políticas das letras e reconhece, todavia, que já se delineava a formação de um público de língua alemã. É com o intuito de explicitar as condições em que atuam os letrados que ele defende a publicação de autobiografias de escritores. E é o interesse em abordar a relação entre o artista e a sua época, submetendo a perspectiva do artista individual ao público leitor, que o motiva a publicar a vida de Cellini um ano depois do “Sansculottismo literário”.

Postos lado a lado, o “Sansculottismo literário” e a tradução da vida de Cellini revelam um elo inesperado entre a reação à Revolução Francesa e a reflexão sobre autoria como categoria dissociada da pessoa empírica do signatário do texto. Partindo da leitura destes dois textos, restituindo-os ao contexto comum do qual foram desligados tentarei argumentar que o enlace entre Revolução e autoria é intrínseco ao extemporâneo. Pois o extemporâneo, tal como esboçado e praticado por Goethe, pressupõe um movimento de dupla dissociação: do tempo e de si mesmo. O extemporâneo implica a separação do evento definidor do próprio tempo, a Revolução, e a separação da suposta identidade entre o nome e a pessoa do autor.

Parto de uma sucinta descrição do contexto de publicação, o projeto da revista As Horas, o divisor de águas que foi a Revolução, e a colaboração entre Friedrich Schiller e Goethe. Em seguida procuro discriminar a noção de extemporaneidade tal como Goethe a compreendeu e formulou na tradução do Cellini e no manifesto contra o “sansculottismo”. 3 3 Para uma discussão sobre as obras propriamente literárias em que Goethe elabora respostas à Revolução, como nas Unterhaltungen deutscher Ausgewanderten, na Die natürliche Tochter ou em Hermann und Dorothea, ver os estudos de Gailus (2006) e Cape (1991). Este ensaio, diferentemente, mostra o elo entre as reflexões de Goethe sobre autoria e autobiografia e a Revolução.

Horas vs. Revolução

Para os classicistas de Weimar, a adesão a um tempo passado não era mera recusa ao presente, antes, tinha um caráter genuinamente propositivo: o “extemporâneo” virava um dispositivo estético e político, uma tomada de posição. Friedrich Nietzsche vincularia o modelo temporal dos classicistas, de Goethe em particular, ao adjetivo unzeitgemäss, literalmente, “não conforme”, “desencaixado do tempo”, evidenciando assim o viés antagonista e combativo do conceito. Nietzsche opunha-se à “ tirania” daquilo que é zeitgemäss, que se conforma, alinha ao tempo. Se o estopim para o extemporâneo do filósofo-filólogo foi o historicismo,4 4 Como de resto todo conceito-chave, “historicismo” é um termo controverso. Desde a crítica inaugurada por Nietzsche, houve tentativas de reabilitação, p.ex. pela corrente batizada de New Historicism, ou por esforços voltados para reconstruções mais equilibradas (Jaeger; Rüsen 1992). Aqui, entretanto, o termo guarda um sentido crítico, associado a um modo relativização histórica que evade ou dissimula discriminações teóricas. em suas variadas manifestações, para a dos classicistas foi, sem dúvida, a Revolução Francesa e suas avassaladoras implicações. Seguindo o exemplo da relação criada pelos weimarianos com o passado, para Nietzsche, o retorno à Antiguidade representa uma resposta, almeja à intervenção no presente. É na qualidade de “aprendiz” (Zögling) da antiguidade, que a profissão de filólogo clássico lhe oferecia, que ele espera que a sua tomada de posição “extemporânea” aja “contra o tempo e assim sobre o tempo e oxalá a favor de um tempo vindouro” (Nietzsche 1994 [1874]: 5). A “abstinência política” dos weimarianos está longe de implicar a negação da política (Reinhardt 2004:12) ou do tempo; antes, implica uma determinada forma de conceber e atuar no presente.

Na Alemanha, as reações ao grande evento transformador do próprio tempo variaram mesmo nos círculos intelectuais mais estreitos. Goethe destoa da grande maioria dos seus contemporâneos. Ao contrário daqueles que a saudaram, pelo menos de início, como Herder e Schiller, Goethe foi desde a primeira hora um opositor da Revolução.5 5 Sobre a recepção da Revolução Francesa na Alemanha ver Nikolas Dörr, “Friedrich Schiller und die Französische Revolution bei Schiller und anderen deutschen Intellektuellen”, in: MenschenRechtsMagazin, 1, 2006: 36-46. Sobre a relação entre a revolução experimentada por Goethe durante a sua viagem na Itália e a reflexão de Goethe sobre a Revolução Francesa na sua obra, ver Roe (1987: 31-46). Tampouco concordou com aqueles que simplesmente a condenaram, antes, achava que a corrupção da nobreza a tornara incontornável, daí a profusão de metáforas naturais que empregaria em seus escritos para designar o “mais terrível dos eventos” (dieses schrecklichste aller Ereignisse).6 6 Sobre a metaforologia criada por Goethe para assimilar a Revolução, ver o estudo de Cape (1991). A posição de Goethe em relação a Paris seria uma das diferenças congeniais da complementariedade transcendental que os críticos atribuíram à sua amizade com Schiller (cf. Böhler 1996Böhler, Michael. Geteilte Autorschaft: Goethe und Schiller - Visionen des Dichters, Realitäten des Schreibens. In: Goethe-Jahrbuch, n. 12, Göttingen: Wallstein, 1996, p. 167-181.). Após o entusiasmo inicial, o filósofo decepciona-se genuinamente com a eclosão do terror jacobino. Ao saber que St. Just pedira a sentença de morte de Luís XVI, em dezembro de 1792, tomado de indignação e altas esperanças, decide intervir no curso dos eventos com palavras em defesa do rei.7 7 Segundo Peter-André Alt (2005) o discurso de defesa de Luís XVI teria se perdido. Schiller escreve em uma carta a Körner de 21 de dezembro de 1792 sobre “a tentação quase irresistível de se meter no litígio em torno do rei, e escrever um memorando a respeito (“Kaum kann ich der Versuchung widerstehen, mich in die Streitfrage wegen des Königs einzumischen, um ein Memoire darüber zu schreiben”), confiante na sua capacidade de influenciar as “cabeças desorientadas” (“richtungslose Köpfe“). A carta foi reproduzida por W. Daniel Wilson (2004: 483-484). Os franceses o haviam declarado cidadão honorário, em reconhecimento ao sucesso retumbante da peça Die Räuber (Os Bandoleiros), encenada em Paris. Confiante no prestígio de que gozava entre os franceses, Schiller pretendia ler o seu discurso realista diante da Assembleia Nacional com o intuito de demover os jacobinos do desenlace capital. Na universidade de Jena, onde lecionava, era constrangido por estudantes revoltosos que cantarolavam baladas dos Bandoleiros, e pelas severas e ilegais restrições impostas pelo grão-ducado de Saxe-Weimar à autonomia da universidade. Schiller tinha urgência em dissociar-se de vez de posições assumidas no passado. É neste contexto que, em dezembro de 1794, cria o periódico Horen, com o intuito de reunir os mais ilustres autores para colaborarem em uma revista literária cuja repercussão fosse excepcional (cf. Bell 2005Bell, Matthew. Anonymität und Autorschaft in den >>Xenien<<. In: Goethe-Jahrbuch. Göttingen: Wallstein, v.122, 2005, p. 92-106. : 93; Boyle 2000Boyle, Nicholas. Fiction and Riddles (1995). In: Goethe. The Poet and the Age. Vol. II. Revolution and Renunciation (1790-1803). Oxford: Clarendon, 2000, p. 253-346.: 271).

Em virtude do título, dado em homenagem às deusas que na mitologia grega personificavam as estações e a ordem natural das coisas, a revista evoca um tempo de contínua e cíclica duração, refratário à ruptura e à contingência ditadas pela Revolução. No prefácio do primeiro número, Schiller convida o leitor a uma “conversa” que será conduzida em “oposição” (entgegengesetzt) ao presente, dominado pelo “demônio da crítica ao Estado” e pela “luta” de opiniões políticas. Num “mundo de divisão política” (politisch geteilte Welt) e de “espírito de partido” (Parteigeist) a revista pretende ser um abrigo para a “as musas e as graças”. As estratégias escolhidas são a adoção de um rigoroso silêncio sobre os acontecimentos correntes e o recuo deliberado do presente para o passado.

Em pleno tumulto político [a revista] deve dedicar-se às musas e às graças num círculo estreito e familiar, do qual deverá estar banido tudo que for marcado pelo impuro espírito de partido. Mas, na medida em que se proíbe qualquer alusão ao curso atual do mundo e às expectativas iminentes da humanidade, indagará sobre a história do passado e a filosofia que está por vir, e reunirá traços para o ideal de uma humanidade enobrecida, tarefa que se realiza pela razão, mas na experiência facilmente se perde de vista.8 8 Todas as traduções do original alemão são nossas.

Mitten in diesem politischen Tumult soll sie für Musen und Charitinnen einen engen, vertraulichen Zirkel schließen, aus welchem alles verbannt sein wird, was mit einem unreinen Parteigeist gestempelt ist. Aber in dem sie sich alle Beziehungen auf den jetzigen Weltlauf und auf die nächsten Erwartungen der Menschheit verbietet, wird sie über die vergangene Zeit die Geschichte, und über die kommende die Philosophie befragen, und sie zu dem Ideale veredelter Menschheit, welches durch die Vernunft aufgegeben, in der Erfahrung aber so leicht aus den Augen gerückt wird, Züge sammeln (Schiller 1995Schiller, Friedrich. [Apresentação do primeiro número]. In: Schiller, Friedrich (ed.). Die Horen. Tübingen: Cottasche Buchhandlung, 1995, p. 3-9. Disponível em http://ds.ub.uni-bielefeld.de/viewer/image/2104386_001/5/#topDocAnchor (23/1/2019).
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: 4).

Se a renúncia, “num círculo estreito e familiar”, ao tumulto político e ao “impuro espírito de partido” das massas é a condição para a frequentação livre das musas e graças, a contemplação do passado contrapõe-se à sujeição ao presente e à frivolidade do novo pelo novo. A recusa a quaisquer referências ao “curso atual do mundo” e às “expectativas próximas da humanidade” permitiria investigar o passado histórico e o futuro de uma perspectiva filosófica, ditada pela razão, de modo “a reunir traços para uma humanidade enobrecida”. Aqui se delineia o contorno do projeto histórico-filosófico, centrado no argumento da “imunidade absoluta” das artes, que Schiller desenvolveria nas Cartas sobre a educação estética da humanidade, publicadas nas Horas em 1795.

Além da adoção de estrito silêncio em relação aos acontecimentos da atualidade, Schiller declara na sua apresentação que a revista recorrerá a outra estratégia sigilosa voltada para intervir na recepção das suas contribuições: o anonimato dos autores.

Também será concedido a todos que o desejarem permanecerem anônimos, porque na recepção das contribuições dar-se-á atenção apenas ao conteúdo e não ao selo. Por esta razão, e também para favorecer a liberdade da crítica, deixaremos de lado um hábito generalizado, e guardaremos sigilo em relação ao nome de cada artigo até o término de cada ano, o que o leitor aceitará de bom grado, uma vez que o sumário apresenta o conjunto de autores.

Auch soll jedem, der es verlangt, verstattet seyn, anonym zu bleiben, weyl man bey der Aufnahme der Beyträge nur auf den Gehalt und nicht auf den Stempel sehen wird. Aus diesem Grunde, und um die Freyheit der Critik zu befördern, wird man sich erlauben, von einer allgemeinen Gewohnheit abzugehen, und bey den einzelnen Aufsätzen die Namen ihrer Verfasser, bis zum Ablauf eines jeden Jahrgangs verschweigen, welches der Leser, sich umso eher gefallen lassen kann, da ihn diese Anzeige schon im Ganzen mit denselben bekannt macht (Schiller 1995Schiller, Friedrich. [Apresentação do primeiro número]. In: Schiller, Friedrich (ed.). Die Horen. Tübingen: Cottasche Buchhandlung, 1995, p. 3-9. Disponível em http://ds.ub.uni-bielefeld.de/viewer/image/2104386_001/5/#topDocAnchor (23/1/2019).
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A publicação anônima das contribuições protegia, sem dúvida, aqueles mais expostos que eram, como Goethe, altos funcionários do Estado.9 9 Matthew Bell explica que o anonimato foi discutido por Schiller Goethe e o dono da editora, Cotta. Goethe exigiu o anonimato, para decepção de Cotta, que esperava a publicidade do nome do célebre autor para atrair o público. Chegam ao acordo de que todos os autores teriam direito a anonimato, as contribuições sairiam anônimas, mas uma lista com o nome de todos os colaboradores seria publicada (Bell 2005: 97). Mas o anonimato também se tornou um fim em si mesmo: a omissão da identidade do autor obrigaria o leitor a dedicar a sua atenção à matéria do texto, sem deixar-se distrair por juízos relacionados à pessoa do autor. Em uma carta a Schiller (27/1/1995Schiller, Friedrich. [Apresentação do primeiro número]. In: Schiller, Friedrich (ed.). Die Horen. Tübingen: Cottasche Buchhandlung, 1995, p. 3-9. Disponível em http://ds.ub.uni-bielefeld.de/viewer/image/2104386_001/5/#topDocAnchor (23/1/2019).
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) Goethe diria que achava o anonimato “muito profícuo” (sehr ersprießlich) porque “ao menos o leitor é obrigado a julgar [a obra] antes de saber quem é o autor” (daß der Leser wenigstens erst urtheilen muß, ehe er erfährt wer sein Autor sey; apudBell 2005Bell, Matthew. Anonymität und Autorschaft in den >>Xenien<<. In: Goethe-Jahrbuch. Göttingen: Wallstein, v.122, 2005, p. 92-106. : 98). As especulações sobre a autoria das contribuições das Horas agradavam a Goethe, que via na atribuição a Schiller da autoria de textos que ele tinha composto, e vice-versa, a confirmação de que ele e o amigo estavam “perdendo cada vez mais o maneirismo e assimilando-se ao que é bom em geral” (daß wir immer mehr die Manier los werden und ins allgemeine Gute übergehen) (apud Bell 2005: 98). Por um lado, a adoção de uma prática autoral baseada no anonimato pode ser vista como uma tentativa de implementar o princípio da autonomia da obra de arte. Por outro lado, o postulado da autonomia da obra já pressupunha a redefinição da autoria: o poeta deveria dissimular a sua identidade e abdicar de maneirismos individuais, recolhendo-se atrás da sua obra ou aderindo a modelos clássicos (cf. Bell 2005: 92).10 10 Os amigos não eram desprevenidos, pelo contrário, exploravam a sobreposição e a duplicação de vozes antigas e modernas e percebiam que um estilo antigo podia consistir no maneirismo do autor.

A prática autoral das Horas radicaliza-se no projeto posterior de Goethe e Schiller, baseado na colaboração e no anonimato. Trata-se da coleção de dísticos intitulada Xenien (Xênias, cf. Bell 2005Bell, Matthew. Anonymität und Autorschaft in den >>Xenien<<. In: Goethe-Jahrbuch. Göttingen: Wallstein, v.122, 2005, p. 92-106. ), inspirada nos epigramas do poeta Marcial. O modelo romano mediou a intensa colaboração voltada para criação de uma voz comum e a sátira mordaz do mundo literário alemão. No jogo com as tradições romanas, os dísticos alternam proximidade programática e distância irônica, respaldando a criação de uma voz cujo meio de expressão natural são os dísticos, conformando um eu poético coletivo e anônimo que permitisse aos autores dizer o que in propria persona não seria possível. No auge da colaboração, o “exemplar andarilho” (wanderndes Exemplar) viajava incessantemente entre Jena e Weimar (Bell 2005: 104), como se fosse uma alegoria da obra autônoma, tomando um rumo próprio. Se a colaboração das Xênias redefinia a produção, entrosando os estilos individuais, o anonimato alterava a recepção da obra, privando o público do seu mais arraigado hábito de leitura. Seja nas Xênias ou nas Horas, Goethe e Schiller adotam uma série de práticas redacionais e editoriais que desnaturalizam a relação entre a obra e o autor.

Diferentemente das Xênias, que se dirigiam ao presente, as Horas fazem o silêncio em torno do nome dos autores coincidir com o silêncio em relação ao tempo atual. É o silêncio que entrelaça autoria e Revolução. O duplo afastamento que a revista produz, dos autores e do tempo, pressupõe ações que intervêm no tempo: para alongar o passado no presente e postergar o conhecimento da identidade do autor. No caso de Goethe, esses expedientes fazem parte do arsenal que lhe permitiu como autor afastar-se de si e da sua obra.

A estratégia abstinente adotada nas Horas, em relação aos acontecimentos do presente e ao nome dos autores, não significa negação da atualidade ou da autoria. A referência à política, ainda que indireta, está implicada nas declarações de silêncio feitas por Schiller na apresentação da revista. O silêncio que predomina nos três anos de existência da revista não é um gesto de recusa, mas de distanciamento. Os desdobramentos da Revolução são o contexto evocado nas Conversações de exilados alemães e Cartas sobre a educação estética. E mesmo sem serem nomeados, perpassam os inúmeros ensaios, poemas e traduções. Há um caso excepcional de referência direta ao julgamento e à execução de Luís XVI, em uma epístola de um “pensador solitário”, redigida por de Friedrich Heinrich Jacobi (cf. Horen, 1795, vol. 8). Aí também a estratégia extemporânea de deslocar o passado para o âmago do presente prevalece: a figura histórica do rei da França é justaposta a Lear e a Édipo, às representações literárias de Shakespeare e Sófocles, e é a partir de considerações sobre essas obras que o texto indaga implicitamente sobre o presente.

Auto-historicização: separação de si e do tempo

Num ensaio publicado em 1934, a poeta Marina Tsvetáieva propõe uma tipologia singular para distinguir “Poetas com história e poetas sem história” (2010). Os poetas sem história nascem prontos. Os poetas com história desenvolvem-se. Goethe é o grande exemplo dos poetas com história:

O Goethe do Götz von Berlichingen e o Goethe da Metamorfose das Plantas não se conhecem. Goethe guardou numa mochila tudo o que ele necessitava de si mesmo daquele tempo e seguiu adiante. Se o Goethe maduro tivesse encontrado o Goethe jovem numa encruzilhada, talvez não o tivesse reconhecido, e tivesse se apresentado a ele (Tsvetáieva 2010Tsvetáieva, Marina. Poets with History and Poets Without History. In: Tsvetáieva, Marina. Art in the Light of Conscience. Eight essays on Poetry. Trad. Angela Livingstone. Tarset: Bloodaxe Books, [1992] 2010, p. 136-148.:137).

A identidade de Goethe, afirma a poeta mais adiante, reside na sua incansável vontade criadora, “no músculo que suspende o pé do andarilho”. Poderíamos dizer, amparados em Tsvetáieva, que a criação de Goethe é a sua historicidade, a sua genialidade, o músculo que o faz caminhar.

O historiador Reinhart Koselleck, num ensaio sobre Goethe publicado em 1997Koselleck, Reinhart. Goethes unzeitgemäße Geschichte, Heidelberg: Manutius Verlag, 1997., tece reflexões surpreendentemente complementares às da poeta russa. Em A história extemporânea de Goethe (Goethes unzeitgemäße Geschichte), Koselleck afirma que é preciso discriminar entre uma perspectiva externa e uma interna, quando se trata de considerar a história de Goethe; vista de fora, a biografia, a carreira fulminante de Goethe, conforma-se inteiramente ao seu tempo (“Betrachtet man Goethes Lebenslauf von außen, so ist er rundum zeitgemäß zu nennen”, 1997: 7); vista não de fora, mas de dentro, com base no que Goethe disse e escreveu, a sua história é extemporânea (“Goethes unzeitgemäße Geschichte - nicht wie er sie lebte, sondern wie er sie begriffen hat”, 1997: 17). Goethe jamais aderiu à Revolução, tampouco ao moderno conceito de história, concebida como sujeito e objeto do progresso inexorável. Com a idade, passou a “compreender-se historicamente, embora durante a sua própria vida já estivesse monumentalizado” (“[er] begriff sich als geschichtlich, während er schon zu seinen eigenen Lebzeiten denkmalfähig wurde”, 1997:16). Na sua autobiografia - objetiva e subjetiva a um só tempo, histórica, portanto, no sentido moderno do termo - Goethe liga as circunstâncias que condicionam a sua produção criativa e original segundo a fórmula paradoxal de “condicionar-se” (“Sichbedingen”, 1997: 17). Goethe estaria muito distante seja da interioridade inefável ou da história mundial fatídica, os polos então dominantes das narrativas individuais ou coletivas.

Guardadas as diferenças, as reflexões de Tsvetáieva e Koselleck apresentam um denominador comum: para Tsvetáieva, a originalidade do poeta está no fato de ele não se contentar consigo mesmo; para Koselleck, no fato de não aderir internamente ao tempo. Num ou noutro caso, seja a separação de si ou a separação do tempo, Goethe, como autor individual, é resultado da sua auto-historicização, da sua singular relação com o tempo.

O próprio Goethe, segundo Koselleck (1997Koselleck, Reinhart. Goethes unzeitgemäße Geschichte, Heidelberg: Manutius Verlag, 1997.), desenvolve uma visão radicalmente histórica de si mesmo. Já na primeira página da sua autobiografia, Aus meinem Leben. Dichtung und Wahrheit (Da minha minha vida. Poesia e verdade, publicada a partir de 1811), deparamo-nos com a consciência da separação de si ao longo do tempo. Na linda imagem criada por Tsvetáieva, “o Goethe do Götz von Berlichingen e o Goethe da Metamorfose das Plantas não se conhecem”, o autor da obra de juventude não se reconhece no autor da obra de madureza, o indivíduo Goethe e o Goethe autor se desencontram, o nome se desprega da pessoa do autor. Goethe explica que escreveu a sua autobiografia para atender ao pedido de um amigo. Citado logo na abertura do texto, o amigo expressa a incredulidade em relação à identidade do “escritor” (Schriftsteller) e a sua vasta e heterogênea obra. Referindo-se à publicação recente das obras completas em “doze volumes”, o amigo nota:

Não se pode negar que, em face da vitalidade do início da sua carreira de escritor e do longo tempo que desde então correu, uma dúzia desses pequenos volumes parece muito pouco. Tampouco se pode omitir, diante de trabalhos individuais, que geralmente circunstâncias particulares os ensejaram, ou que neles transparecem tanto motivos externos quanto as etapas decisivas da formação interior, ou até mesmo que neles prevalecem certas máximas e convicções estéticas válidas apenas temporariamente. Mas tomadas como um todo essas produções permanecem desconjuntadas; muitas vezes é difícil acreditar que elas tenham se originado do mesmo escritor.

Nun ist nicht zu leugnen, daß für die Lebhaftigkeit, womit derselbe seine schriftstellerische Laufbahn begonnen, für die lange Zeit verflossen, ein Duzend Bändchen zu wenig scheinen müssen. Ebenso kann man sich bey einzelnen Arbeiten nicht verhehlen, daß meistens besondere Veranlassungen die dieselben hervorgebracht, und sowohl äußere bestimmte Gegenstände als innere entschiedene Bildungsstufen daraus hervorscheinen, nicht minder auch gewisse temporäre moralische und ästhetische Maximen und Überzeugungen darin obwalten. Im Ganzen aber bleiben diese Produktionen immer unzusammenhängend; ja oft sollte man kaum glauben, daß sie von demselben Schriftsteller entsprungen seyen. (Goethe 1811______. Aus meinem Leben. Dichtung und Wahrheit. Erster Theil. Tübingen: Cotta, 1811. Disponível em http://www.deutschestextarchiv.de/book/view/goethe_leben01_1811?p=17 (23/1/2019).
http://www.deutschestextarchiv.de/book/v...
: 11)

Da mesma forma, também poderia ser difícil crer que se originassem do mesmo tempo. Nada há mais de alheio ao espírito de Goethe - que se mantinha à distância de modas e tendências da sua época - do que a expressão Goethezeit. Introduzida por Hermann Korff em Geist der Goethezeit (Leipzig, 1923Korff, Hermann August. Der Geist der Goethezeit: Versuch einer ideellen Entwicklung der klassisch-romantischen Literaturgeschichte. Leipzig: J.J. Weber, 1923. ), o termo seria consagrado sobretudo por Georg Lukács, ainda que o seu entendimento crítico do espírito da época e da identidade do autor divergisse da do seu precursor.11 11 Ver Hermann August Korff, Der Geist der Goethezeit: Versuch einer ideellen Entwicklung der klassisch-romantischen Literaturgeschichte (Leipzig, 1923) e Georg Lukács, Goethe und seine Zeit, coletânea de artigos escritos nos anos 1930 (Berna, 1947). A aproximação entre Goethe e a sua época era corrente já antes do livro de Korff, como indica a obra homônima a de Lukács, Goethe und seine Zeit, do germanista Karl Alt (Leipzig, 1911). Para Lukács trata-se de recuperar “o sentido histórico profundo, no sentido de uma conexão interna com os problemas fundamentais da revolução burguesa” das obras do jovem Goethe como o “ápice revolucionário do movimento europeu do Esclarecimento, da preparação ideológica da grande Revolução Francesa”. (Lukács 1947: 36). Ao culto institucionalizado de Goethe como “gênio” capaz de expressar a totalidade e a identidade de uma época (Goethezeit) escapou inteiramente o ceticismo escancarado em relação à unidade da obra e do seu autor, anunciado no início de Poesia e verdade. Por não se tratar de um gesto retórico, seria equivocado apostar que o texto se encaminha para dissipar a dúvida heterodoxa, ou que numa antecipação da dispersão pós-moderna do sujeito a transformasse em ortodoxia. Vale a pena levar a sério a carta do amigo e fazer duas observações. Em primeiro lugar, a falta de coesão das “produções”, e a improbabilidade de terem se “originado” do mesmo “escritor” são o ponto de partida da autobiografia. Em segundo lugar, o desencontro entre o nome, a autoria e a pessoa é enunciado não pelo eu autobiografado, mas por um amigo e leitor. O recurso de Goethe à voz de outrem não é gratuito: demonstra o papel decisivo que atribui ao leitor em seu projeto autobiográfico.12 12 A carta do amigo citada por Goethe é provavelmente uma ficção do próprio autor. Ver a respeito Jeßing 1997: 278. No posfácio dedicado à publicação em livro da tradução do Cellini, o leitor já é incorporado à problemática relação entre o indivíduo e o seu tempo. O papel do leitor de autobiografias não é apenas teorizado como um efeito do texto, mas encenado, no posfácio, pelo próprio tradutor.

Exposição ao tempo

As reflexões de Goethe sobre a vida do artista italiano são ainda pouco estudadas. Por um lado, atribui-se o interesse de Goethe por Cellini a uma motivação autobiográfica: a personalidade transgressora e, neste sentido, genial do escultor renascentista, refletiria a fase Tempestade e ímpeto do jovem Goethe.13 13 Ver Herding 2003: 379-413, aqui 380. Por outro lado, a tradução da vita faria parte das pesquisas de Goethe sobre personalidades geniais e o seu tempo. O Cellini estaria associado ao Torquato Tasso, o conde Egmont, Girolamo Cardano, e Winckelmann.14 14 Ver Jacobs 1997, p. 66- 83. Como veremos mais adiante, o significado de Cellini para Goethe diz respeito menos à obra do artista do que à capacidade de relatar a própria vida. A sua tradução da autobiografia marcaria o início de uma longa tradição, esquadrinhada por Jacob Burckhardt,15 15 Ver Burckhardt 1985 [1860], p. 143-166. segundo a qual a autobiografia de Cellini se sobrepunha à obra escultórica como uma instância paradigmática do ponto de vista histórico-cultural da tomada de consciência do artista individual.16 16 Ver Mücke (2015: 141-176). Neste ensaio, diferentemente, abordaremos a autobiografia do Cellini no contexto das Horas, o principal veículo do classicismo de Weimar, de modo a capturar o que se perdeu: o sentido momentâneo da sua publicação.

No posfácio à edição de 1803, escrito cinco anos depois da publicação original nas Horas, Goethe refaz o nexo entre a vida de Cellini, o classicismo de Weimar e a Revolução. Como se, perdida a atmosfera beligerante das Horas, ele se sentisse impelido, ex post, a reconstruí-la. A relação entre o artista e o seu tempo, entre a sua “formação” e o mundo que o rodeia e no qual atua (Mitwelt), que está na raiz do programa classicista, volta a ser objeto de intensa problematização. “Representante do seu século”, o famoso epíteto atribuído por Goethe a Cellini, é modulado por um “talvez” e, logo em seguida, relativizado: “Mais claramente […] Cellini mostra-se representante da classe artística, pela abrangência do seu talento” (“Bestimmter jedoch zeigt er sich als Repräsentanten der Künstlerklasse, durch die Allgemeinheit seines Talents”; Goethe 1803: 300).17 17 Para Goethe importam, neste sentido, a emancipação das artes plásticas das artes instrumentais e a incipiente consciência artística. Nesta observação, Goethe deixa em aberto em que medida a arte e a cultura constituem uma esfera separada, relativamente independente do “século”. Em Winckelmann e seu século, Goethe explicita a natureza da relação: Winckelmann, longe de “representar” o seu século, ou a classe de eruditos e letrados, é visto como uma encarnação do paganismo dos antigos, um indivíduo anacrônico, extemporâneo à sua época. A atribuição da originalidade de Winckelmann à sua personalidade anacrônica confere à esfera da arte e da cultura uma certa autonomia, a capacidade de não se deixar reger pelo presente, de abrigar lado a lado tempos diversos. A temporalidade sui generis da arte e a relação do artista com o seu tempo já estavam no cerne do posfácio ao Cellini.

Goethe enxerga na vita uma forma rudimentar de auto-historicização, pois para ele, o projeto de “condicionar-se” é inseparável de experimentações formais, imbuído de um caráter propriamente literário. As práticas textuais e editoriais inovadoras já são introduzidas no posfácio ao Cellini, e exacerbadas em Winckelmann e seu século, a coletânea de cartas entremeadas de prefácios e esboços do organizador, ou na Viagem à Itália, um relato perturbado por um mosaico de textos heteróclitos, ou finalmente em Poesia e verdade, uma autobiografia em que irrompem narrativas em terceira pessoa. Mas, apesar de reconhecer que a autobiografia de Cellini é destituída de uma capacidade de autorreflexão em relação à própria forma, a atenção que Goethe lhe dedica não é ‘historicista’; ele está longe de se contentar em situar a vida de Cellini em algum estágio pré-moderno, anterior à modernidade propriamente dita.

A relação entre o artista e o seu tempo impregna a linguagem do posfácio. São várias as palavras que reiteradamente a perscrutam, seja o “contexto” (Zusammenhang), as “circunstâncias temporais” (Zeitumstände), ou “mundo compartilhado” (Mitwelt). A ênfase em “contextos” artísticos deixa entrever que Goethe abraça o princípio da autonomia da arte em termos muito distintos daqueles empregados pelo amigo Schiller. Enquanto Goethe investiga a natureza do nexo entre arte e política, Schiller declara o banimento da política. Depois de perder a esperança de que na Revolução se realizasse a aliança entre história e razão, este passou a exigir, em nome do humanismo estético, que o “demônio da crítica do Estado” (“Dämon der Staatskritik”, cf. Horas 1795), fosse “banido” (“verbannt”) do mundo do espírito e das artes. A dicção separatista rechaça qualquer forma de “coalizão” com a “ realidade” ou a “ história mundial”, em defesa de uma “separação” rigorosa do “Estado estético”, capaz de garantir a “imunidade absoluta da arte em face do arbítrio humano”, (cf. cartas para a Educação estética do homem, Horas, 1795).18 18 Sobre a dicção “imunológica” das Cartas de Schiller, e as relações entre medicina, moral e estética, ver Zumbusch, 2014. Diferentemente de Schiller, Goethe explora as limitações e as contradições do princípio da autonomia. Ao invés de postular a autonomia da arte, e buscar a sua fundamentação antropológica, como Schiller na Educação estética, Goethe estuda a vulnerabilidade da arte às contingências históricas, e reflete sobre as condições para a sua longa duração na cultura.

Goethe discute a vulnerabilidade da arte ao tempo a partir de obras de Michelangelo e Leonardo da Vinci, especialmente “significativos e memoráveis” (“bedeutend und erinnerlich”, Goethe 1803: 261) para Cellini, cuja história é atravessada por graves perdas e acidentes. As obras têm a sua origem na recém-proclamada república de Florença, após os dias de revolução, durante os quais a turba havia dispersado e destruído “o belo cabedal artístico” (“[das] schöne Kunstkapital”, Goethe 1803: 263) reunido por Lorenzo Médici. Para remodelar o centro do poder político, o salão do grande conselho, os novos governantes encomendaram aos maiores artistas da época, a da Vinci e a Michelangelo, uma representação de feitos memoráveis dos florentinos. As cenas de batalha retratadas por cada uma das obras são evocadas vividamente através de uma minuciosa descrição. A certa altura, o retrato das obras é interrompido, bruscamente, por uma inquietante revelação: as duas obras se perderam antes mesmo de serem concluídas. Na verdade, nunca passaram de esboços de afrescos jamais realizados. Goethe especula que “talvez a república jamais tenha tido forças e tranquilidade para executar tão grandiosa ideia” e, com indisfarçável ironia, conclui que os Médici, quando voltaram a governar Florença, não terminariam o que os seus inimigos haviam começado.19 19 „Beide Werke, welche die Bewunderung und den Nacheifer aller künstlerischen Zeitgenossen erregten und höher als andere Arbeiten dieser großen Meister geschätzt wurden, sind leider verloren gegangen. Wahrscheinlich hatte die Republik weder Kräfte noch Ruhe genug, einen so groß gefaßten Gedanken ausführen zu lassen, und schwerlich fühlten sich die Medicis geneigt, als sie bald zur Herrschaft wieder zurückkehrten, das, was jene begonnen hatten, zu vollenden“ (Goethe 1803: 267). “Outros tempos, outras preocupações”, exclama com aparente resignação, para em seguida, sem qualquer transição, confrontar o passado recente da Revolução Francesa. Goethe refere-se a uma obra inacabada de Jacques-Louis David, o maior pintor da Revolução Francesa, membro da Assembleia Constituinte.

E não vemos, em nossos dias, a imagem revolucionária esboçada com grande sentido e entusiasmo, com estimável mérito artístico, representando o juramento no salão de festas, inacabada? E quem sabe o que terá restado desta obra em três séculos?

Und sehen wir nicht in unseren Tagen das mit großem Sinne und Enthusiasmus entworfene Bild, mit schätzbarem Kunstverdienst begonnene revolutionäre Bild Davids, den Schwur im Ballhause vorstellend, unvollendet? Und wer weiß, was von diesem Werke in drei Jahrhunderten übrig sein wird? (Goethe 1803______. Leben des Benvenuto Cellini. Florentinischen Goldschmieds und Bildhauers von ihm selbst geschrieben. Tübingen: Cotta, 1803.: 267).

Trata-se de um esboço para uma representação do Juramento de Péla, realizado em 20 de junho de 1789 no Salão de Péla, em Versalhes, quando membros do Terceiro Estado e do baixo clero decidiram formar uma Assembleia Constituinte. O juramento pelo qual se instaurou o voto individual em lugar do voto proporcional aos Estados é considerado o evento que desencadeou a Revolução. Os paralelismos entre Da Vinci, Michelangelo e David são claros. Todos os pintores são levados a colocar a sua arte a serviço de novos governantes, e legitimá-los simbolicamente através de representações históricas. Todas as obras nascem destinadas a ocupar o centro do poder político e, no entanto, permanecem ruínas de um futuro do passado. O caráter dos desenhos de Michelangelo e da Vinci não é definido pela nova república, já a obra de David, descrita como de estimável “valor artístico”, é em si mesma “revolucionária”. É notável e deliberado o tom de imparcialidade adotado por Goethe, que se cala sobre o envolvimento político de David, para pronunciar-se elogiosamente sobre a obra. O sentido da comparação entre Florença e Paris parece claro: demonstrar a vulnerabilidade do artista e sua obra em tempos de revolução. A adesão do artista ao novo poder, ou a simpatia que o regime lhe dedica, em tempos de ruptura, especialmente, não asseguram a integridade, muito menos a “imunidade” da arte. Pois, como mostram os exemplos, a exacerbação da contingência e a aceleração da mudança, provocadas pela revolução, não atingem somente a arte, mas o próprio poder.

A vulnerabilidade radical da arte ao tempo, rememorada no relato das obras inacabadas, sugere uma atitude mais sóbria, cética e problemática em relação ao afastamento do presente, do que aquela assumida por Schiller, na apresentação do primeiro volume das Horas e fundamentada nas Cartas sobre a educação estética do homem, publicadas nos volumes subsequentes. Ao invés de decretar o “banimento” da política e o “silêncio rigoroso” sobre assuntos ligados à Revolução, a vida de Cellini dá provas da exposição inelutável ao tempo e ao poder e, assim, lança dúvidas sobre o distanciamento do presente, como condição da aliança com o passado - recurso primordial do programa classicista. Em carta a Schiller, Goethe é lapidar: “Quem pode separar o seu navio das ondas em que navega? Contra a correnteza e o vento só é possível avançar pequenas distâncias” (“Wer kann sein Schiff von den Wellen sondern auf denen er schwimmt, gegen Strom und Wind legt man nur kleine Strecken zurück”; apudKeller 2014Keller, Claudia. Aus dem Schiffbruch gerettet? Kulturhistorische Zeitreflexion der >Weimarischen Kunstfreude<. In: Goethe-Jahrbuch, n. 131. Göttingen: Wallstein, 2014, p. 51-58.: 52). A antiga metáfora náutica dá corpo à experiência de uma temporalidade nova, veloz e eruptiva, instaurada pela Revolução. São inelutáveis as ações do vento e da correnteza, mas o navio - i.e., a obra ou o autor - não se deixa absorver por elas.

Os esboços de Michelangelo, Da Vinci e David são exemplares justamente porque não flagram apenas a sujeição da arte ao tempo. Mesmo inacabadas ou perdidas, as ‘obras’ sobreviveram às grandes rupturas históricas, e permaneceram na memória cultural graças às inúmeras cópias e descrições verbais. A vida de Cellini e as autobiografias de artistas em geral funcionariam, nesse sentido, como dispositivos de inscrição da arte na cultura. A sua função arquivológica, entretanto, não é reacionária, não “imuniza” as obras, mas é ela mesma histórica: depende da mobilização do público, da intervenção ativa dos leitores individuais, de práticas editoriais e tradutórias.

Condicionar-se (Sichbedingen): contemplação das circunstâncias

A afinidade entre o posfácio à autobiografia de Cellini e o ensaio sobre o sansculottismo literário está na tematização da relação entre o artista e o mundo que o circunda, não como algo que estivesse dado, mas como algo que é problematizado continuamente no âmbito da recepção e da transmissão de memórias. Os termos empregados nos textos são múltiplos, sinalizando alternâncias de perspectiva e ênfase: o “mundo compartilhado” (Mitwelt), as “circunstâncias temporais (Zeitumstände), o “contexto” (Zusammenhang), ou “grande convergência” (Zusammenwirken), para citar apenas alguns exemplos. É notável que as reflexões de Goethe sobre o alcance de autobiografias desemboquem numa espécie de estética da recepção avant la lettre. O posfácio ao relato de Cellini põe em cena o Goethe leitor, cujas reações demonstram exemplarmente o efeito que as autobiografias devem suscitar. Ao oferecer “algo semelhante”, o posfácio encena e intensifica o efeito da autobiografia:

Se um posfácio, após uma obra como a descrição de vida de Cellini, deve atrair o leitor, então deveria lograr algo semelhante e conduzir a uma contemplação mais vívida das circunstâncias da época, nas quais uma pessoa tão notável e singular pôde formar-se.

Wenn hinter einem Werke wie die Lebensbeschreibung Cellinis eine Nachschrift den Leser anziehen sollte, so müßte sie etwas Gleichartiges leisten und zu einem lebhafteren Anschauen der Zeitumstände führen, welche die Ausbildung einer so merkwürdigen und sonderbaren Person bewirken konnten (Goethe 1803______. Leben des Benvenuto Cellini. Florentinischen Goldschmieds und Bildhauers von ihm selbst geschrieben. Tübingen: Cotta, 1803.: 257).

A expressão “contemplação” (Anschauen), que aqui designa a reação do leitor, dotando-a de uma dimensão estética, indica que a leitura não está encerrada num sentido prévio. Assim também o posfácio apenas se aproxima da representação da época de Cellini de forma “rascunhada, aforismática, fragmentária” (“skizzenhaft, aphoristisch, fragmentarisch”), de modo que cada leitor possa, individualmente, “formar para si um esboço furtivo da grande convergência que então havia” (“sich einen flüchtigen Entwurf jenes großen Zusammenwirkens selbst auszubilden”, 1803: 257). A relação circular entre parte e todo é historicizada tanto no âmbito da produção quanto da recepção. Desse modo, a “ostensiva parcialidade” (“zudringliche Einseitigkeit”) da autobiografia de Cellini instigaria no leitor o desejo de familiarizar-se com o “estudo da história mais geral” (“Studium der allgemeinern Geschichte”):

[...] Pois quando se considera um homem notável como parte de um todo, de seu tempo, do local do seu nascimento e moradia, é possível decifrar algumas peculiaridades que permaneceriam eternos enigmas. Por isto surge no leitor destas primeiras descrições de vida um estímulo irresistível para adquirir conhecimento das circunstâncias daquele tempo, e é um grande mérito destas memórias escritas com vivacidade, que a sua ostensiva parcialidade nos incline ao estudo da história geral.

Denn, indem man einen merkwürdigen Menschen als Theil eines Ganzen, seiner Zeit, seines Geburts und Wohnorts betrachten, dann lassen sich gar manche Sonderbarkeiten entziffern, welche sonst ewig ein Rätsel bleiben würden. Daher entsteht bei jedem Leser solcher frühern, eignen Lebensbeschreibungen, ein unwiderstehlicher Reiz, von den Umgebungen jener Zeit nähere Kenntnis zu erlangen, und es ist ein großer Verdienst lebhaft geschriebener Memoiren, daß sie uns durch ihre zudringliche Eindringlichkeit in das Studium der allgemeinen Geschichte hineinlocken. (Goethe 1803______. Leben des Benvenuto Cellini. Florentinischen Goldschmieds und Bildhauers von ihm selbst geschrieben. Tübingen: Cotta, 1803.:285)

Os comentários de Goethe podem ser lidos como uma encenação da reação do leitor que toma para si a tarefa de traçar a relação entre o indivíduo e o seu contexto, o artista e a sua obra. A mobilização do leitor pressupõe que a investigação das circunstâncias em que viveu um indivíduo singular não se confunde com nenhuma forma de determinismo. Pelo contrário, a relação entre “algumas peculiaridades” e a “grande convergência” não é previamente esclarecida, mas transferida para a esfera da recepção, delegada ao escrutínio do público. A resposta do leitor não a esgota; antes, a exemplo do Goethe leitor, é por definição incompleta, “rascunhada, aforismática, fragmentária” (“skizzenhaft, aphoristisch und fragmentarisch”, 1805:257). A “parcialidade” do posicionamento do indivíduo talentoso em relação ao seu tempo encontra a sua contraparte nos “esboços furtivos” que o público leitor lhe devolve.

Como já dissemos, o grande mérito de Cellini para Goethe possivelmente se deve mais à pluma do que à talhadeira. A capacidade de registrar a sua trajetória não apenas o distingue dos demais artistas do seu círculo, mas permite aos seus leitores assentar “as artes plásticas” no âmbito da cultura florentina.

Assim como do ponto de vista das artes plásticas é incontestável a grande vantagem de Cellini ter nascido no inestimável círculo artístico de Florença, assim também como florentino alcançou, sem que tivesse estudado a língua ou a arte de escrever, antes de muitos outros, a capacidade de deixar, através da pluma, monumentos duradouros da sua vida e da sua arte, quase mais do que através do formão ou da talhadeira.

So wie er nun in Absicht auf bildende Kunst wohl unstreitig dadurch den größten Vorteil gewann, daß er in dem unschätzbaren florentinischen Kunstkreise geboren worden, so konnte er als Florentiner, ohne eben auf Sprache und Schreibart zu studieren, vor vielen andern zu der Fähigkeit gelangen, durch die Feder seinem Leben und seiner Kunst fast mehr als durch Grabstichel und Meißel dauerhafte Denkmale zu setzen. (Goethe 1803______. Leben des Benvenuto Cellini. Florentinischen Goldschmieds und Bildhauers von ihm selbst geschrieben. Tübingen: Cotta, 1803.:309; grifo nosso)

A inscrição das artes plásticas na cultura é vinculada à capacidade do artista florentino de escrever a sua autobiografia e legar “monumentos duradouros”. A importância conferida ao registro da própria formação é reiterada, significativamente, no ensaio contra o “sansculottismo literário”.

Escola invisível

Goethe investe o termo que dá título ao ensaio de um sentido explícito e outro velado. “Sansculottismo” é o rótulo nada enaltecedor de revolucionário das Letras que ele lança contra o crítico e pastor Daniel Jenisch. “Sansculottismo” também adquire uma referencialidade ampla, cuja apreensão depende do conhecimento das instituições políticas francesas e alemãs, assim como da leitura atenta de expressões que permeiam o texto, tais como “autor nacional” ou “unidade significativa”. “Quando e como surge um autor nacional clássico?“ (“Wann und wo entsteht ein klassischer Nationalautor?” (Goethe 1795: 51). A resposta de Goethe alude diretamente às condições intrínsecas à centralização e à unidade da ordem política na França: “Quando as condições amplas e suas consequências na sua nação encontram uma unidade significativa e feliz” (“Wenn er in der seiner Nation große Begebenheiten und ihre Folgen in einer glücklichen und bedeutenden Einheit vorfindet”, 1795: 51). Em seguida, enfatiza que um “texto relevante ou um discurso relevante são simplesmente consequência da vida. O escritor, tanto quanto o homem de ação, não forma as circunstâncias nas quais nasce e atua” (“Eine bedeutende Schrift ist, wie eine bedeutende Rede, nur Folge des Lebens; der Schriftsteller so wenig als der handelnde Mensch bildet die Umstände, unter denen er geboren wird und unter denen er wirkt”, 1795: 52). É justamente a precariedade das circunstâncias nas quais “os melhores escritores alemães desse século trabalharam” (idem) que é preciso levar em consideração, não apenas para constatar a ausência de autores clássicos nacionais, mas para reconhecer o extraordinário mérito das suas obras. E conclui, não sem ironia: “Não queremos desejar as revoluções, que possam fomentar obras clássicas na Alemanha. (“Wir wollen die Umwälzungen nicht wünschen, die in Deutschland klassische Werke vorbereiten könnten”; 1795: 53).

Goethe sabe, é claro, que as condições dadas na França para o surgimento de um “autor nacional clássico” precederam a Revolução. Mas, aproveita o ensejo para rechaçar a versão republicana do modelo francês, sugerindo causticamente que as condições favoráveis ao surgimento de um autor nacional clássico só poderiam ser introduzidas na Alemanha através de uma Revolução que, a exemplo da que ocorreu em Paris, cultivasse a “unidade e a indivisibilidade” em ideais supremos da República. Schings observa com argúcia “que em Paris unité e indivisibilité eram considerados valores revolucionários sagrados, que deveriam ser defendidos a qualquer preço - e nada era mais execrável do que o féderalisme” (“dass unité und indivisibilité in Paris den Rang von revolutionären Heiligtümern besaßen, die um jeden Preis zu verteidigen waren - und nichts war deshalb verabscheungswürdiger als der féderalisme”, Schings 2017: 12). As condições “fragmentadas” (“zerstückelt”) e “dispersas” (“zerstreut”) da Alemanha, às quais Goethe se refere, constituem um claro contraponto à unificação do Estado francês, ainda que - eis o argumento - a falta de uma ordem política centralizada não tenha impedido a formação de uma literatura nacional. Encontra-se aqui, numa noz, a noção de uma nacionalidade derivada da língua e da cultura, e não da política. A literatura torna-se de certa forma o único representante do nacional e a ausência de uma ordem política sublinha a independência dos letrados, seja em relação à corte, ou ao soberano. No poema de Schiller intitulado “A musa alemã” (“Die Deutsche Muse”, 1798), a “arte alemã” não desabrochou pela “benevolência do príncipe” (“Fürstengunst”), mas somente pelo mérito dos artistas e seu público.20 20 Sobre a interpretação da ausência de Estado como condição do caráter meta-político e universal, a um só tempo nacional e supranacional da cultura, ver Pornschlegel, 2004, p. 5. O elogio de Schiller aos letrados e o diagnóstico de que já existe uma literatura clássica nacional, reverbera na visão de Goethe sobre o legado das gerações anteriores:

O que os críticos inábeis menos percebem é a sorte que têm hoje os homens jovens, pois se formam e alcançam mais cedo um estilo puro e adequado ao objeto. A quem a devem senão aos seus predecessores, que na última metade desse século, com empenho incansável e contra inúmeros obstáculos se formaram cada um a seu modo? Assim surgiu uma escola invisível, e o homem jovem que nela ingressa chega agora a um círculo muito mais luminoso do que o escritor que o antecedeu, e que o atravessou a esmo no crepúsculo, para pouco a pouco, quase ao acaso, ajudar a ampliá-lo. O crítico de meia tigela, que quer nos mostrar o caminho com a sua luzinha, chega tarde demais; o dia raiou e não vamos reabrir as portas.

Denn worauf ungeschickte Tadler am wenigsten merken, das Glück, das junge Männer von Talent jetzt genießen, indem sie sich früher ausbilden, eher zu einem reinen, dem Gegenstande angemessenen Stil gelangen können, wem sind sie es schuldig als ihren Vorgängern, die in der letzten Hälfte dieses Jahrhunderts mit einem unablässigen Bestreben, unter mancherlei Hindernissen, sich jeder auf seine eigene Weise ausgebildet haben? Dadurch ist eine Art von unsichtbarer Schule entstanden, und der junge Mann, der jetzt hineintritt, kommt in einen viel größeren und lichteren Kreis als der frühere Schriftsteller, der ihn erst selbst beim Dämmerschein durchirren mußte, um ihn nach und nach, gleichsam nur zufällig, erweitern zu helfen. Viel zu spät kommt der Halbkritiker, der uns mit seinem Lämpchen vorleuchten will; der Tag ist angebrochen und wir werden die Läden nicht wieder aufmachen. (1795:55)

Os jovens talentosos podem formar-se com muito mais facilidade graças ao empenho de precursores que “forma[ndo-se] cada um a seu modo” lograram construir uma “escola invisível” (“unsichtbare Schule“). “Escola invisível” designa a entidade que se construiu a partir de meados do século, sem o amparo de um centro político, e para além das diferenças estamentais, através da criação de um “estilo”, i.e., língua padrão, e a circulação de livros impressos. A “escola invisível” de Goethe evoca diretamente a expressão “igreja invisível”, que pode ser traçada de volta a Lessing e Herder (cf. Irmscher 2009Irmscher, Hans Dietrich. Poesie als Ausdruck des Nationalcharakters und des Gesamtwunsches und Sehnens der Menschheit. In: Irmscher, Hans Dietrich."Weitstrahlsinniges" Denken: Studien zu Johann Gottfried Herder. Würzburg: Königshausen & Neumann, 2009, p. 103.: 103). Enquanto para Lessing os irmãos maçônicos reconhecem-se mutuamente, para além dos estamentos, da religião ou nacionalidade, para Herder a “igreja invisível” abrange também aqueles reunidos no cultivo das grandes obras do passado. Embora não caiba aqui destacar as diferenças, vale a pena notar que a “invisibilidade” da escola de Goethe também sugere um âmbito que virtualmente atravessa fronteiras nacionais. A escola circunscreve e integra a trajetória daqueles que nela ingressam, ao mesmo tempo em que é destituída da visibilidade pomposa que soem ter as instituições políticas. Enquanto metáfora para a literatura, a sua “invisibilidade” remete à separação entre o público e o privado característica da cultura letrada, identificada a um ‘público’ de indivíduos reunidos por experiências de leitura. O público literário, enquanto entidade imaginária, à qual os autores se dirigem em suas obras, é, por definição, “invisível”: real apenas através da sua articulação discursiva.

Significativamente, o que está em jogo no chamado de Goethe para a publicação de autobiografias - i.e., “histórias de formação” - é a relação entre o público e o autor.

Talvez ousemos em seguida submeter ao público a história de formação, tal como se apresenta em suas obras, dos nossos mais exímios escritores. Se eles próprios quisessem, por menores que sejam as nossas exigências em relação a confissões, comunicar de bom grado apenas aqueles momentos que mais contribuíram para a sua formação, e divulgar os maiores empecilhos, o uso que isto proporcionaria seria ainda mais amplo.

Vielleicht wagen wir in der Folge, die Geschichte der Ausbildung unsrer vorzüglichsten Schriftsteller, wie sie sich in ihren Werken zeigt, dem Publikum vorzulegen. Wollten sie selbst, sowenig wir an Konfessionen Ansprüche machen, uns nach ihrem Gefallen nur diejenigen Momente mitteilen, die zu ihrer Bildung am meisten beigetragen haben, und dasjenige, was ihr am stärksten entgegengestanden, bekanntmachen, so würde der Nutzen, den sie gestiftet, noch ausgebreiteter werden. (Goethe 1795Goethe, Johann Wolfgang von. Litterarischer Sanscülottismus. Die Horen, v. 2, n. 5, 1795, p. 50-56. Disponível em <http://ds.ub.uni-bielefeld.de/viewer/image/2104386_005/54/LOG_0008/>. (30/1/2019).
http://ds.ub.uni-bielefeld.de/viewer/ima...
: 54-55)

Encetada por “talvez ousemos” a passagem alia a exortação à dúvida. Essa modulação ambivalente de tom não é gratuita, reflete as nuances do argumento. As palavras “formação” (Bildung) e “história” (Geschichte) prometem açambarcar a relação entre obra, autor, vida, conferindo-lhe uma unidade de sentido. O uso dos superlativos, “os mais exímios escritores”, “os momentos que mais contribuíram” e os “momentos que mais favoreceram” também acena para uma convergência de sentido. A “história de formação” (Geschichte der Ausbildung) de autores atenderia ao preceito hermenêutico de tornar legível o fio oculto que liga as obras, os momentos decisivos e o autor. No entanto, essa leitura é incompleta. Não faz jus à fina distinção entre uma “história de formação dos mais exímios escritores” alemães que “nós” - os colaboradores das Horas? - “ousaríamos” “submeter” ao “público”. Tampouco à afirmação de que se os “próprios” escritores expusessem as circunstâncias da sua formação, ou seja, escrevessem autobiografias, a eficácia seria ainda “mais ampla” do que a de histórias ou biografias. Goethe opõe o “uso” - a eficácia das autobiografias de autores - à pretensão dos “críticos de meia tigela [que] querem iluminar com a sua luzinha o caminho”. A aproximação da autobiografia ao gênero da confissão relativiza as exigências heterônomas para enfatizar a autonomia individual do autor. Cabe somente a cada escritor arrolar as circunstâncias favoráveis e desfavoráveis à sua formação, pronunciar-se sobre a sua relação com o tempo. É como se, entrelaçando a busca individual e autônoma pela formação e a descrição de circunstâncias historicamente dadas, a autobiografia consolidasse a “escola invisível”, dando-lhe publicidade, i.e., visibilidade. A ênfase de Goethe na autobiografia como uma intervenção na esfera da recepção, do público (Publikum), finalmente nos traz de volta ao posfácio ao Cellini, à consideração de que a “contemplação das circunstâncias” em que florescem o artista e a sua obra que cabe ao leitor.

Conclusão

O ensaio sobre o sansculottismo literário não deixa de seguir, ainda que com menor rigor, as estratégias negativas de silêncio em relação ao tempo presente e em relação ao nome do autor, anunciadas por Schiller na apresentação da revista as Horas. Não há no ensaio o recuo à Florença do século XVI para se pensar a relação do artista com a política em tempos de “revolução”, mas há a recusa da “Revolução”, o evento dominante no presente, e principalmente da relação entre política e arte pressuposta no modelo francês. Importa para Goethe elaborar uma “perspectiva” (Standpunkt) adequada às condições históricas particulares em que os escritores se formam e atuam nos territórios de língua alemã. Não se trata de aderir ao status quo, nem de rejeitá-lo. Trata-se de pôr em prática a fórmula paradoxal de “condicionar-se” (Sichbedingen). É neste sentido que Goethe defende a publicação de autobiografias não apenas de escritores, mas de artistas e personalidades notáveis em geral. A tarefa de condicionar-se não é tomada como mero exercício de auto-historicização; pelo contrário, intervém no âmbito do público, nas ligações mútuas da “escola invisível”.

Concebido como uma alternativa à Revolução Francesa o classicismo de Weimar foi acusado de adotar um viés apolítico. A abstinência em relação aos acontecimentos revolucionários foi interpretada como negação da política: “o político, o estatal, a questão do regime e as suas formas são astutamente excluídas das reflexões” (Pornschlegel 2004Pornschlegel, Clemens. Unsichtbare Nationalliteratur. Zu Goethes Polemik „Literarischer Sansculottismus“. 2004. Disponível em http://www.goethezeitportal.de/db/wiss/goethe/pornschlegel_nationalliteratur.pdf (30/1/2019).
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: 9; Arendt 2013Arendt, Hannah. Der Raum des Öffentlichen und der Bereich des Privaten. Vita activa oder vom tätigen Leben. Zurique: Piper, [1958] 2013, p. 33-97.: 33-97). Para Koselleck, a renúncia a uma abordagem explícita dos fatos políticos, no caso de Goethe, revela “uma boa dose de astúcia política, além de lealdade ao seu príncipe”. Mas, adverte o historiador, a atitude reservada do escritor não significava omissão: “o seu distanciamento literário da política era tudo menos apolítico” (1997: 30). Não é possível no âmbito desse ensaio aclarar o conceito do político implicado no classicismo de Weimar, mas apenas sublinhar que o programa classicista se articula em contraposição, portanto, em relação à Revolução. A contraposição, que é anunciada por Schiller na apresentação das Horas e, em seguida, fundamentada nas Cartas sobre a educação estética do homem, conduz a uma reflexão sobre a relação entre arte e política. Essa reflexão não se resumia a um repertório de ideias; era baseada em um conjunto de práticas autorais e redacionais, voltadas para o anonimato dos colaboradores e o afastamento da “luta política de opiniões e interesses” (Schiller 1995: 6). Essas práticas não se confundiam com a negação da autoria ou do tempo presente; pelo contrário, possibilitavam, através do distanciamento de si e do tempo, uma tomada de posição extemporânea. Elas revelam que, no projeto extemporâneo do classicismo, a aliança com o passado é uma forma de associação com o presente.

Voltemos ao sansculottismo literário e às considerações de Goethe sobre a cultura em língua alemã. A alternativa esboçada à importação de um modelo francês, a conceitualização da literatura como uma “escola invisível”, está longe de implicar a exclusão da política e da história. Em primeiro lugar, porque a literatura alemã é pensada a partir da sua historicidade vívida: opõe-se à centralização do modelo político francês e atravessa a fragmentação de territórios alemães. Em segundo lugar, desprovida de um Estado nacional, é abrigada pela instituição do público. Não estando a serviço do Antigo Regime, nem de um centro do poder político, ou mesmo de uma ordem política fragmentada, a literatura define-se através da relação com o público. Ao contrário do amigo Schiller, Goethe não elabora a natureza dessa relação à luz de uma educação estética, fundamentada numa filosofia da história. Goethe aproxima a noção de autoria do extemporâneo, através de práticas que redefinem a relação entre a obra e o autor. Na estratégia do anonimato adotado nas Horas evidencia-se a separação não apenas da identidade do autor e sua obra, mas também do indivíduo empírico e o autor. O interesse de Goethe em problematizar a noção de autoria, para além da sua identificação com o indivíduo empírico, fica patente quando situa as suas reflexões sobre autobiografia na esfera da recepção e, portanto, do público.

O mérito das histórias de formação para Goethe reside na capacidade do indivíduo notável de refletir sobre a sua própria situação histórica sem ser absorvido por ela. Ele está na sua capacidade de tornar-se, no sentido mais enfático da palavra, um autor (Mücke 2015Mücke, Dorothea von. From the Confessions of a Beautiful Soul to Poetry and Truth. In: Mücke, Dorothea von. The Practices of the Enlightenment. Aesthetics, Authorship and the Public. Nova York: Columbia University Press, 2015, p. 141-176.: 141-176). A tarefa paradoxal de “condicionar-se”, inextricável do exercício da autonomia individual, integra o conjunto de práticas que serviram de lastro a conceitos fundamentais do Esclarecimento (cf. Mücke 2015). Essa autonomia pressupõe um sujeito, capaz de afastar-se de si e do presente, de adotar no tempo uma posição de extemporaneidade. Como sugerem as reflexões de Goethe sobre o Cellini e o sansculottismo, isso não impedirá que ele seja atravessado pelos acontecimentos do seu tempo. Em 3 de março de 1790 Goethe revela para Jacobi: “Daß die Franzö[si]sche Revolution auch für mich eine Revolution war kannst du denken” (apudRoe 1987Roe, Ian F. Ästhetik und Politik: Goethe und die Französische Revolution. In: Goethe Jahrbuch, n. 104. Göttingen: Wallstein, 1987, p. 31-46.: 35). Contra a invasão avassaladora da história, Goethe afastou-se de si e do seu tempo. A sua aliança com o passado, contudo, não implicava renúncia ao presente. Pelo contrário: se a adesão à antiguidade clássica assegurou a Goethe, ao autor, a liberdade extemporânea de escrever contra e além do seu tempo, é porque finalmente ele renunciou ao passado para poder abraçar o presente.

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  • Zumbusch, Cornelia. Die Immunität der Klassik. Frankfurt a.M: Suhrkamp, 2014.
  • 1
    „Es gehört zu den Grundkenntnissen der neueren Germanistik, dass die Französische Revolution eine wichtige Rolle in der Entwicklung der Weimarer (Hoch)Klassik spielte […] Vor allem das Bündnis zwischen Goethe und Schiller im Jahrzehnt zwischen 1794 e 1805 war nicht nur persönlich, und ästhetisch und literaturpolitisch begründet, sondern auch politisch, indem es gegen die Revolution und vor allem gegen ihre Auswirkungen in Deutschland ausgerichtet war“ (Wilson 2004Wilson, W. Daniel. Goethes Weimar und die Französische Revolution. Dokumente der Krisenjahre. Colônia/Viena: Böhlau, 2004.: 4).
  • 2
    O artigo, intitulado “Sobre a prosa e a eloquência dos alemães”, de autoria do pastor Daniel Jenisch, foi publicado no Berlinisches Archiv der Zeit und ihres Geschmacks em 1795Jenisch, Daniel. Über Prose und Beredsamkeit der Deutschen. In: Berlinisches Archiv der Zeit und ihres Geschmacks, Bd 1, 1795, p. 249-256. Disponível em https://blog.litteratur.ch/WordPress/?p=4087 (23/1/2019).
    https://blog.litteratur.ch/WordPress/?p=...
    .
  • 3
    Para uma discussão sobre as obras propriamente literárias em que Goethe elabora respostas à Revolução, como nas Unterhaltungen deutscher Ausgewanderten, na Die natürliche Tochter ou em Hermann und Dorothea, ver os estudos de Gailus (2006Gailus, Andreas. The Poetics of Containment: Goethe’s Conversations of German Refugees and the Crisis of Communication. In: Gailus, Andreas. Passions of the Sign: Revolution and Language in Kant, Goethe, and Kleist. Baltimore: Johns Hopkins Press, 2006, p. 74-106. ) e Cape (1991Cape, Ruth I. Das Französische Ungewitter. Goethes Bildersprache zur Französischen Revolution, Heidelberg: Winter, 1991.). Este ensaio, diferentemente, mostra o elo entre as reflexões de Goethe sobre autoria e autobiografia e a Revolução.
  • 4
    Como de resto todo conceito-chave, “historicismo” é um termo controverso. Desde a crítica inaugurada por Nietzsche, houve tentativas de reabilitação, p.ex. pela corrente batizada de New Historicism, ou por esforços voltados para reconstruções mais equilibradas (Jaeger; Rüsen 1992Jaeger, Friedrich; Rüsen, Jörn. Geschichte des Historismus: eine Einführung. Munique: H.C.Beck, 1992.). Aqui, entretanto, o termo guarda um sentido crítico, associado a um modo relativização histórica que evade ou dissimula discriminações teóricas.
  • 5
    Sobre a recepção da Revolução Francesa na Alemanha ver Nikolas Dörr, “Friedrich Schiller und die Französische Revolution bei Schiller und anderen deutschen Intellektuellen”, in: MenschenRechtsMagazin, 1, 2006: 36-46. Sobre a relação entre a revolução experimentada por Goethe durante a sua viagem na Itália e a reflexão de Goethe sobre a Revolução Francesa na sua obra, ver Roe (1987Roe, Ian F. Ästhetik und Politik: Goethe und die Französische Revolution. In: Goethe Jahrbuch, n. 104. Göttingen: Wallstein, 1987, p. 31-46.: 31-46).
  • 6
    Sobre a metaforologia criada por Goethe para assimilar a Revolução, ver o estudo de Cape (1991Cape, Ruth I. Das Französische Ungewitter. Goethes Bildersprache zur Französischen Revolution, Heidelberg: Winter, 1991.).
  • 7
    Segundo Peter-André Alt (2005Alt, Peter-André. Ästhetische Revolution, fremder Staat, ferne Nation. Schiller und die Politik. In: literaturkritik.de.rezensionsforum, n. 1, 2005, s/p. Disponível em http://literaturkritik.de/id/7745 (23/1/2019).
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    ) o discurso de defesa de Luís XVI teria se perdido. Schiller escreve em uma carta a Körner de 21 de dezembro de 1792 sobre “a tentação quase irresistível de se meter no litígio em torno do rei, e escrever um memorando a respeito (“Kaum kann ich der Versuchung widerstehen, mich in die Streitfrage wegen des Königs einzumischen, um ein Memoire darüber zu schreiben”), confiante na sua capacidade de influenciar as “cabeças desorientadas” (“richtungslose Köpfe“). A carta foi reproduzida por W. Daniel Wilson (2004Wilson, W. Daniel. Goethes Weimar und die Französische Revolution. Dokumente der Krisenjahre. Colônia/Viena: Böhlau, 2004.: 483-484).
  • 8
    Todas as traduções do original alemão são nossas.
  • 9
    Matthew Bell explica que o anonimato foi discutido por Schiller Goethe e o dono da editora, Cotta. Goethe exigiu o anonimato, para decepção de Cotta, que esperava a publicidade do nome do célebre autor para atrair o público. Chegam ao acordo de que todos os autores teriam direito a anonimato, as contribuições sairiam anônimas, mas uma lista com o nome de todos os colaboradores seria publicada (Bell 2005: 97).
  • 10
    Os amigos não eram desprevenidos, pelo contrário, exploravam a sobreposição e a duplicação de vozes antigas e modernas e percebiam que um estilo antigo podia consistir no maneirismo do autor.
  • 11
    Ver Hermann August Korff, Der Geist der Goethezeit: Versuch einer ideellen Entwicklung der klassisch-romantischen Literaturgeschichte (Leipzig, 1923) e Georg Lukács, Goethe und seine Zeit, coletânea de artigos escritos nos anos 1930 (Berna, 1947). A aproximação entre Goethe e a sua época era corrente já antes do livro de Korff, como indica a obra homônima a de Lukács, Goethe und seine Zeit, do germanista Karl Alt (Leipzig, 1911). Para Lukács trata-se de recuperar “o sentido histórico profundo, no sentido de uma conexão interna com os problemas fundamentais da revolução burguesa” das obras do jovem Goethe como o “ápice revolucionário do movimento europeu do Esclarecimento, da preparação ideológica da grande Revolução Francesa”. (Lukács 1947: 36).
  • 12
    A carta do amigo citada por Goethe é provavelmente uma ficção do próprio autor. Ver a respeito Jeßing 1997Jeßing, Benedikt: Dichtung und Wahrheit. In: Witte, Bernd; Schmidt, Peter (eds.). Goethe Handbuch. Bd. 3: Prosaschriften. Stuttgart: Metzler, 1997, p. 278-330. : 278.
  • 13
    Ver Herding 2003Herding, Klaus. Cellini als Wunschbild des Künstlers seit Goethe. In: Nova, Alessandro; Schreurs, Anna (eds.). Benvenuto Cellini. Kunst und Kunsttheorie im 16. Jahrhundert. Colônia: Böhlau Verlag, 2003, p. 379-413. : 379-413, aqui 380.
  • 14
    Ver Jacobs 1997Jacobs, Angelica. Das Renaissance-Sujet: Goethes Suche nach einem modernen Ichprinzip. In: Jacobs, Angelica. Goethe und die Renaissance. Studien zum Konnex von historischem Bewußtsein und ästhetischer Identitätskonstruktion. Munique: Wilhelm Fink, 1997, p. 66-83., p. 66- 83.
  • 15
    Ver Burckhardt 1985Burckhardt, Jacob. Die Entwicklung des Individuums. In: Die Cultur der Renaissance in Italien. Ein Versuch. 4. ed. Leipzig: Seemann, [1860] 1985, p. 143-166. [1860], p. 143-166.
  • 16
    Ver Mücke (2015Mücke, Dorothea von. From the Confessions of a Beautiful Soul to Poetry and Truth. In: Mücke, Dorothea von. The Practices of the Enlightenment. Aesthetics, Authorship and the Public. Nova York: Columbia University Press, 2015, p. 141-176.: 141-176).
  • 17
    Para Goethe importam, neste sentido, a emancipação das artes plásticas das artes instrumentais e a incipiente consciência artística.
  • 18
    Sobre a dicção “imunológica” das Cartas de Schiller, e as relações entre medicina, moral e estética, ver Zumbusch, 2014Zumbusch, Cornelia. Die Immunität der Klassik. Frankfurt a.M: Suhrkamp, 2014. .
  • 19
    „Beide Werke, welche die Bewunderung und den Nacheifer aller künstlerischen Zeitgenossen erregten und höher als andere Arbeiten dieser großen Meister geschätzt wurden, sind leider verloren gegangen. Wahrscheinlich hatte die Republik weder Kräfte noch Ruhe genug, einen so groß gefaßten Gedanken ausführen zu lassen, und schwerlich fühlten sich die Medicis geneigt, als sie bald zur Herrschaft wieder zurückkehrten, das, was jene begonnen hatten, zu vollenden“ (Goethe 1803______. Leben des Benvenuto Cellini. Florentinischen Goldschmieds und Bildhauers von ihm selbst geschrieben. Tübingen: Cotta, 1803.: 267).
  • 20
    Sobre a interpretação da ausência de Estado como condição do caráter meta-político e universal, a um só tempo nacional e supranacional da cultura, ver Pornschlegel, 2004Pornschlegel, Clemens. Unsichtbare Nationalliteratur. Zu Goethes Polemik „Literarischer Sansculottismus“. 2004. Disponível em http://www.goethezeitportal.de/db/wiss/goethe/pornschlegel_nationalliteratur.pdf (30/1/2019).
    http://www.goethezeitportal.de/db/wiss/g...
    , p. 5.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Maio 2019

Histórico

  • Recebido
    30 Nov 2018
  • Aceito
    04 Fev 2019
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