Acessibilidade / Reportar erro

A tradução intercultural como sensibilização para aspectos culturais no ensino de alemão

Intercultural translation as awareness of cultural aspects in German teaching

Resumo

Língua e cultura vistas como duas faces de uma mesma moeda já é um ponto pacífico na área da Didática (KRAMSCH 1996______. The Cultural Component of Language Teaching. Zeitschrift für Interkulturellen Fremdsprachenunterricht. [Online], v. 1, n. 2, 1-10, 1996. Disponível em: https://ojs.tujournals.ulb.tu-darmstadt.de/index.php/zif/article/view/741/718 (15.08.2021).
https://ojs.tujournals.ulb.tu-darmstadt....
; KOREIK 2013KOREIK, Uwe. Landeskunde. In: AHRENHOLZ, Bernt; OOMEN-WELKE, Ingelore. Handbuch Deutsch als Fremdsprache (= Deutschunterricht in Theorie und Praxis, Band 10). Baltmannsweiler: Schneider, 2013, 162-170.). Apesar disso, ainda hoje há muitos questionamentos sobre como abordar essa temática em sala de aula (KRAMSCH 2013______. Culture in foreign language teaching. Iranian Journal of Language Teaching Research, v. 1, n. 1, 57-78, 2013. Disponível em: https://files.eric.ed.gov/fulltext/EJ1127430.pdf (05.08.2021).
https://files.eric.ed.gov/fulltext/EJ112...
). Nesse contexto, o presente artigo tem como objetivo analisar o processo de construção da sensibilização intercultural por meio da tradução intercultural a partir da análise de cartas pessoais escritas por uma brasileira a seus familiares no Brasil durante sua estada na Alemanha, na qual relata suas vivências e experiências com os festejos de carnaval. A análise das cartas baseia-se nos conceitos de relato de viagem e escritor viajante (BASSNETT 2004______. Travelling and translating. World literature written in English, v. 40, n. 2, 66-76, 2004., 2007BASSNETT, Susan. Culture and Translation. In: KUHIWCZAK, Piotr; LITTAU, Karin (eds.). A Companion to Translation Studies. Topics in Translation: 34. Clevedon: Multilingual Matters, 2007, 13-23.), ambos oriundos da perspectiva descritivista da Tradução, bem como no conceito de tradutor intercultural (LIMA 2021LIMA, Adriana Borgerth Vial Corrêa. Festas na Alemanha nas cartas de uma brasileira: Fluxo de Sensibilização Intercultural e Ensino de Português como Segunda Língua para Estrangeiros (PL2E). Tese (Doutorado em Estudos da Linguagem). Rio de Janeiro: Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, 2021.); e a análise do processo da construção da sensibilização intercultural fundamenta-se no Fluxo de Sensibilização Intercultural (LIMA 2021LIMA, Adriana Borgerth Vial Corrêa. Festas na Alemanha nas cartas de uma brasileira: Fluxo de Sensibilização Intercultural e Ensino de Português como Segunda Língua para Estrangeiros (PL2E). Tese (Doutorado em Estudos da Linguagem). Rio de Janeiro: Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, 2021.). Assim, através desses relatos em cartas pessoais, torna- se possível observar a construção da sensibilização intercultural da escritora viajante no papel de tradutora intercultural e, a partir do entendimento desse processo, torna-se possível tomar consciência de alguns aspectos relevantes para o ensino de língua alemã.

Palavras-chave:
Cultura; tradução intercultural; sensibilização intercultural; alemão como língua estrangeira

Abstract

Language and culture as two sides of the same coin is already a matter of agreement in the field of didactics (KRAMSCH 1996______. The Cultural Component of Language Teaching. Zeitschrift für Interkulturellen Fremdsprachenunterricht. [Online], v. 1, n. 2, 1-10, 1996. Disponível em: https://ojs.tujournals.ulb.tu-darmstadt.de/index.php/zif/article/view/741/718 (15.08.2021).
https://ojs.tujournals.ulb.tu-darmstadt....
; KOREIK 2013KOREIK, Uwe. Landeskunde. In: AHRENHOLZ, Bernt; OOMEN-WELKE, Ingelore. Handbuch Deutsch als Fremdsprache (= Deutschunterricht in Theorie und Praxis, Band 10). Baltmannsweiler: Schneider, 2013, 162-170.). Nevertheless, even today there are still many questions about how to address this issue in the classroom (KRAMSCH 2013______. Culture in foreign language teaching. Iranian Journal of Language Teaching Research, v. 1, n. 1, 57-78, 2013. Disponível em: https://files.eric.ed.gov/fulltext/EJ1127430.pdf (05.08.2021).
https://files.eric.ed.gov/fulltext/EJ112...
). In this context, the present paper aims to analyze the process of building intercultural awareness through intercultural translation based on the analysis of personal letters written by a Brazilian woman to her relatives in Brazil during her stay in Germany, in which she relates her experiences with the carnival festivities. The analysis of the letters is based on the concepts of travel report and travel writer (BASSNETT 2004______. Travelling and translating. World literature written in English, v. 40, n. 2, 66-76, 2004., 2007BASSNETT, Susan. Culture and Translation. In: KUHIWCZAK, Piotr; LITTAU, Karin (eds.). A Companion to Translation Studies. Topics in Translation: 34. Clevedon: Multilingual Matters, 2007, 13-23.), both coming from the Translation Descriptive Studies, as well as on the concept of intercultural translator (LIMA 2021LIMA, Adriana Borgerth Vial Corrêa. Festas na Alemanha nas cartas de uma brasileira: Fluxo de Sensibilização Intercultural e Ensino de Português como Segunda Língua para Estrangeiros (PL2E). Tese (Doutorado em Estudos da Linguagem). Rio de Janeiro: Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, 2021.); and the analysis of the process of building intercultural awareness is based on the Intercultural Awareness Flow (LIMA 2021LIMA, Adriana Borgerth Vial Corrêa. Festas na Alemanha nas cartas de uma brasileira: Fluxo de Sensibilização Intercultural e Ensino de Português como Segunda Língua para Estrangeiros (PL2E). Tese (Doutorado em Estudos da Linguagem). Rio de Janeiro: Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, 2021.). Thus, through these accounts in personal letters, it becomes possible to observe the construction of intercultural awareness of the travel writer in the role of intercultural translator and, from the understanding of this process, it becomes possible to become aware of some relevant aspects for German language teaching.

Keywords:
Culture; Intercultural translation; intercultural awareness; German as a Foreign Language

1 Introdução

Na área de Ensino-Aprendizagem de Línguas já há um consenso de que língua e cultura não se desvinculam nesse processo (KRAMSCH 1993KRAMSCH, Claire. Context and Culture in Language Teaching. Oxford: Oxford University Press, 1993., 1996______. The Cultural Component of Language Teaching. Zeitschrift für Interkulturellen Fremdsprachenunterricht. [Online], v. 1, n. 2, 1-10, 1996. Disponível em: https://ojs.tujournals.ulb.tu-darmstadt.de/index.php/zif/article/view/741/718 (15.08.2021).
https://ojs.tujournals.ulb.tu-darmstadt....
, 1998______. Language and Culture. Oxford: Oxford University Press, 1998., 2009______. The Multilingual Subject. Oxford: Oxford University Press, 2009.), posto que nos anos 1980 começa a figurar a abordagem intercultural para o ensino de língua estrangeira, cujos objetivos de aprendizagem são expandidos, se comparados à abordagem comunicativa: “ao lado da competência comunicativa na língua estrangeira surge o entendimento da cultura e do estrangeiro [...]. Com o auxílio de temas levados [para sala de aula], os aprendizes devem ser capacitados a entender melhor a própria cultura e a estrangeira”1 1 Todas as traduções das citações neste artigo são de autoria das autoras. (PAULDRACH 1992PAULDRACH, Andreas. Eine unendliche Geschichte. Anmerkungen zur Situation der Landeskunde in den 90er Jahren. Berlin: Fremdsprache Deutsch, n. 6, 4-15, 1992.: 6). No entanto, ainda hoje pesquisadores e professores de línguas ocupam-se dessa temática, debatendo, conforme expressa Kramsch (2013______. Culture in foreign language teaching. Iranian Journal of Language Teaching Research, v. 1, n. 1, 57-78, 2013. Disponível em: https://files.eric.ed.gov/fulltext/EJ1127430.pdf (05.08.2021).
https://files.eric.ed.gov/fulltext/EJ112...
: 57) em seu texto, questões como as seguintes:

O que é cultura? Qual é a sua relação com a língua? Qual cultura e de quem deve ser ensinada? Que papel a cultura do aluno deve desempenhar na aquisição do conhecimento da cultura-alvo? Como podemos evitar a essencialização das culturas e o ensino de estereótipos? E como podemos desenvolver nos aprendizes uma competência intercultural que não cause perdas nem à sua própria cultura nem à cultura-alvo, mas que os torne mediadores culturais em um mundo globalizado?

O presente artigo tem como objetivo analisar o processo de construção da sensibilização intercultural pelo qual passou uma brasileira - uma das autoras do presente artigo - ao redigir cartas pessoais a seus familiares no Brasil durante sua estada por três anos na Alemanha, no início da década de 1990, acompanhando seu marido, que estava a trabalho. Àquela época com 2 anos, também o filho do casal os acompanhou nessa vivência internacional. Através dos relatos de viagem registrados em suas cartas, a escritora viajante (BASSNETT 2007BASSNETT, Susan. Culture and Translation. In: KUHIWCZAK, Piotr; LITTAU, Karin (eds.). A Companion to Translation Studies. Topics in Translation: 34. Clevedon: Multilingual Matters, 2007, 13-23.), como mediadora intercultural (CRONIN 2000CRONIN, Michael. Across the lines - Travel, Language, Translation. Cork: Cork University Press, 2000.), desempenha o papel de tradutora intercultural (LIMA 2021LIMA, Adriana Borgerth Vial Corrêa. Festas na Alemanha nas cartas de uma brasileira: Fluxo de Sensibilização Intercultural e Ensino de Português como Segunda Língua para Estrangeiros (PL2E). Tese (Doutorado em Estudos da Linguagem). Rio de Janeiro: Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, 2021.), ao interpretar os aspectos culturais vivenciados na Alemanha para seus familiares no Brasil, na cidade do Rio de Janeiro.

Dentro de um conjunto próximo a uma centena de cartas escritas naquela ocasião e diante da amplitude e da grandeza do tema cultura, que será abordado na seção seguinte deste artigo, selecionamos as festividades do carnaval por ser um acontecimento relevante tanto no espaço de língua alemã onde residiu a escritora viajante, quanto onde residiam os destinatários de suas cartas.

Na terceira seção, apresentamos o processo de sensibilização intercultural no encontro entre culturas, tratando essa aproximação entre culturas como interculturalidade; na quarta seção, buscamos situar a sensibilização intercultural no processo ensino- aprendizagem de línguas; na quinta seção, debruçamo-nos sobre os conceitos de relato de viagem, escritor viajante e tradutor intercultural; na sexta seção, procedemos à análise das cartas, com base no Fluxo de Sensibilização Intercultural (LIMA 2021LIMA, Adriana Borgerth Vial Corrêa. Festas na Alemanha nas cartas de uma brasileira: Fluxo de Sensibilização Intercultural e Ensino de Português como Segunda Língua para Estrangeiros (PL2E). Tese (Doutorado em Estudos da Linguagem). Rio de Janeiro: Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, 2021.), observando o processo de construção da sensibilização intercultural pelo qual passou a escritora- viajante, neste trabalho entendida como tradutora intercultural (LIMA 2021LIMA, Adriana Borgerth Vial Corrêa. Festas na Alemanha nas cartas de uma brasileira: Fluxo de Sensibilização Intercultural e Ensino de Português como Segunda Língua para Estrangeiros (PL2E). Tese (Doutorado em Estudos da Linguagem). Rio de Janeiro: Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, 2021.) e, por fim, tecemos nossas considerações finais na sétima seção.

2 Os desdobramentos do conceito de cultura

O ensino de línguas sob uma perspectiva intercultural desencadeou uma intensa discussão sobre o conceito de cultura subjacente ao processo ensino-aprendizagem. Podemos, no entanto, afirmar que os aspectos culturais sempre permearam o ensino de línguas, e com isso também os métodos e abordagens para o seu ensino (STANKE 2014STANKE, Roberta Cristina Sol Fernandes. Cultura e Interculturalidade na formação do professor de alemão no Rio de Janeiro. Tese (Doutorado em Linguística Aplicada). Rio de Janeiro: Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2014.). O que se diferencia é a escolha de temas e o modo como esses aspectos culturais são trabalhados em sala de aula (STANKE 2014STANKE, Roberta Cristina Sol Fernandes. Cultura e Interculturalidade na formação do professor de alemão no Rio de Janeiro. Tese (Doutorado em Linguística Aplicada). Rio de Janeiro: Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2014.), isto é, a compreensão do que constitui o seu conteúdo e os referidos objetivos de aprendizagem (BOHUNOVSKY 2009BOHUNOVSKY, Ruth. O ensino de línguas estrangeiras no Brasil e a “compreensão do estrangeiro”: o papel da tradução. Revista Horizontes De Linguística Aplicada, v. 8, n. 2, 170-184, 2009. Disponível em: Disponível em: https://doi.org/10.26512/rhla.v8i2.749 (09.08.2021).
https://doi.org/10.26512/rhla.v8i2.749...
).

Tomando por base o seu sentido etimológico, de acordo com Eagleton (2005EAGLETON, Terry. A idéia de cultura. São Paulo: Editora UNESP, 2005.: 9), o conceito de cultura advém do conceito de natureza, posto que um de seus significados originais é “lavoura” ou “cultivo”. Dessa forma, afirma o autor que, “se a cultura significa cultivo, um cuidar, que é ativo, daquilo que cresce naturalmente, o termo sugere uma dialética entre o artificial e o natural, entre o que fazemos ao mundo e o que o mundo nos faz” (EAGLETON 2005EAGLETON, Terry. A idéia de cultura. São Paulo: Editora UNESP, 2005.: 11).

O conceito de cultura que até o século XVII estaria ligado à natureza, desdobra- se ao longo do século XVIII (ALTMAYER 2010______. Konzepte von Kultur im Kontext von Deutsch als Fremd- und Zweitsprache. In: KRUMM, Hans-Jürgen; FANDRYCH, Christian; HUFEISEN, Britta; RIEMER, Claudia (Hrsg.). Deutsch als Fremd- und Zweitsprache. Ein internationales Handbuch (Handbücher zur Sprach- und Kommunikationswissenschaft, 35). 2. Aufl. Berlin: de Gruyter, 2010, 1402-1413.). A partir dos processos de modernização da sociedade europeia aliada a ideais de expansão colonizadora, o conceito de cultura, conforme Altmayer (1997ALTMAYER, Claus. Zum Kulturbegriff des Faches Deutsch als Fremdsprache. Zeitschrift für Interkulturellen Fremdsprachenunterricht [Online], v. 2, n. 2, 1-25, 1997. Disponível em: Disponível em: https://ojs.tujournals.ulb.tu-darmstadt.de/index.php/zif/article/view/717/694 (02.08.2021).
https://ojs.tujournals.ulb.tu-darmstadt....
, 2010______. Konzepte von Kultur im Kontext von Deutsch als Fremd- und Zweitsprache. In: KRUMM, Hans-Jürgen; FANDRYCH, Christian; HUFEISEN, Britta; RIEMER, Claudia (Hrsg.). Deutsch als Fremd- und Zweitsprache. Ein internationales Handbuch (Handbücher zur Sprach- und Kommunikationswissenschaft, 35). 2. Aufl. Berlin: de Gruyter, 2010, 1402-1413.), começa a se alinhar ao sentido de progresso e desenvolvimento de relações sociais e liga-se, assim, à sofisticação (Kultivierung).

No início do século XIX, segundo Altmayer (2010______. Konzepte von Kultur im Kontext von Deutsch als Fremd- und Zweitsprache. In: KRUMM, Hans-Jürgen; FANDRYCH, Christian; HUFEISEN, Britta; RIEMER, Claudia (Hrsg.). Deutsch als Fremd- und Zweitsprache. Ein internationales Handbuch (Handbücher zur Sprach- und Kommunikationswissenschaft, 35). 2. Aufl. Berlin: de Gruyter, 2010, 1402-1413.: 1404), os conceitos “civilização” e “cultura” começam a se diferenciar: enquanto este ligava-se mais aos “aspectos internos, relativos à educação espiritual e ao desenvolvimento do indivíduo”, aquele relacionava-se aos “aspectos mais externos do escopo comum de significado anterior, relativos à vida social”. Essa diferenciação entre cultura e civilização deixa como herança um conceito de cultura, até hoje muito empregado, como atividade artística e intelectual e seus referidos produtos ou artefatos no campo da Literatura, Escultura, Pintura, Música, Filosofia etc. É esse o conceito de cultura que passa a ser designado como “alta cultura” (Hochkultur) ou “Cultura” - com “C” maiúsculo (EAGLETON 2005EAGLETON, Terry. A idéia de cultura. São Paulo: Editora UNESP, 2005.). De acordo com Eagleton (2005EAGLETON, Terry. A idéia de cultura. São Paulo: Editora UNESP, 2005.: 29), no entanto, “tão logo cultura venha a significar erudição e as artes, atividades restritas a uma pequena proporção de homens e mulheres, a idéia é ao mesmo tempo intensificada e empobrecida”. A partir dos anos 1970, fenômenos da vida cotidiana começam a fazer parte da cena cultural como as músicas entoadas por trabalhadores (Arbeiterlieder), as histórias em quadrinhos e o grafite (ALTMAYER 2010______. Konzepte von Kultur im Kontext von Deutsch als Fremd- und Zweitsprache. In: KRUMM, Hans-Jürgen; FANDRYCH, Christian; HUFEISEN, Britta; RIEMER, Claudia (Hrsg.). Deutsch als Fremd- und Zweitsprache. Ein internationales Handbuch (Handbücher zur Sprach- und Kommunikationswissenschaft, 35). 2. Aufl. Berlin: de Gruyter, 2010, 1402-1413.: 1405), contribuindo, assim, para uma expansão do conceito de cultura.

De acordo com Altmayer (2010______. Konzepte von Kultur im Kontext von Deutsch als Fremd- und Zweitsprache. In: KRUMM, Hans-Jürgen; FANDRYCH, Christian; HUFEISEN, Britta; RIEMER, Claudia (Hrsg.). Deutsch als Fremd- und Zweitsprache. Ein internationales Handbuch (Handbücher zur Sprach- und Kommunikationswissenschaft, 35). 2. Aufl. Berlin: de Gruyter, 2010, 1402-1413.), com a II Guerra Mundial e a Guerra Fria, o conceito de cultura “como um sistema mais ou menos fechado e homogêneo de modelos padronizados comuns aos indivíduos pertencentes a um grupo étnico e pelo qual eles diferem mais ou menos claramente dos membros de outros grupos étnicos” (p. 1407) começou a servir de base para estudos na área da Comunicação Intercultural. Trabalhos do antropólogo cultural americano Edward T. Hall, do antropólogo social holandês Geert Hofstede e do psicólogo alemão Alexander Thomas embasaram diversas pesquisas na área de Ensino-Aprendizagem de Línguas Estrangeiras com foco na aprendizagem intercultural, competência intercultural e Landeskunde2 2 Para uma discussão mais aprofundada e pormenorizada sobre Landeskunde fazemos referência a Stanke (2014) e Alvarez (2013). , conforme aponta Altmayer (2010______. Konzepte von Kultur im Kontext von Deutsch als Fremd- und Zweitsprache. In: KRUMM, Hans-Jürgen; FANDRYCH, Christian; HUFEISEN, Britta; RIEMER, Claudia (Hrsg.). Deutsch als Fremd- und Zweitsprache. Ein internationales Handbuch (Handbücher zur Sprach- und Kommunikationswissenschaft, 35). 2. Aufl. Berlin: de Gruyter, 2010, 1402-1413.).

É também da Antropologia, segundo Altmayer (2010______. Konzepte von Kultur im Kontext von Deutsch als Fremd- und Zweitsprache. In: KRUMM, Hans-Jürgen; FANDRYCH, Christian; HUFEISEN, Britta; RIEMER, Claudia (Hrsg.). Deutsch als Fremd- und Zweitsprache. Ein internationales Handbuch (Handbücher zur Sprach- und Kommunikationswissenschaft, 35). 2. Aufl. Berlin: de Gruyter, 2010, 1402-1413.), que advém um conceito de cultura que influenciou não só os Estudos Culturais, mas também a área de Ensino de Línguas. Dessa forma, o termo cultura, de acordo com Geertz (2008GEERTZ, Clifford. A interpretação das culturas. Tradução de: The interpretation of cultures. l. ed. 13ª reimpr. Rio de Janeiro: LTC, 2008.: 66), estaria ligado a “um padrão de significados transmitido historicamente, incorporado em símbolos, um sistema de concepções herdadas expressas em formas simbólicas por meio das quais os homens comunicam, perpetuam e desenvolvem seu conhecimento e suas atividades em relação à vida”. Geertz (2008GEERTZ, Clifford. A interpretação das culturas. Tradução de: The interpretation of cultures. l. ed. 13ª reimpr. Rio de Janeiro: LTC, 2008.: 4) descreve então da seguinte maneira o conceito de cultura:

acreditando, como Max Weber, que o homem é um animal amarrado a teias de significados que ele mesmo teceu, assumo a cultura como sendo essas teias e a sua análise; portanto, não como uma ciência experimental em busca de leis, mas como uma ciência interpretativa, à procura do significado (GEERTZ 2008GEERTZ, Clifford. A interpretação das culturas. Tradução de: The interpretation of cultures. l. ed. 13ª reimpr. Rio de Janeiro: LTC, 2008.: 4).

A concepção do antropólogo estadunidense, podemos afirmar, relaciona à cultura o conceito de significados que são construídos e, por sua vez, precisam ser interpretados para serem compreendidos. No entanto, para Altmayer (2010______. Konzepte von Kultur im Kontext von Deutsch als Fremd- und Zweitsprache. In: KRUMM, Hans-Jürgen; FANDRYCH, Christian; HUFEISEN, Britta; RIEMER, Claudia (Hrsg.). Deutsch als Fremd- und Zweitsprache. Ein internationales Handbuch (Handbücher zur Sprach- und Kommunikationswissenschaft, 35). 2. Aufl. Berlin: de Gruyter, 2010, 1402-1413.), a concepção de cultura formulada por Geertz (2008GEERTZ, Clifford. A interpretação das culturas. Tradução de: The interpretation of cultures. l. ed. 13ª reimpr. Rio de Janeiro: LTC, 2008.) ainda é vista como problemática na área de Alemão como Língua Estrangeira / Segunda Língua3 3 Alemão como Língua Estrangeira / Segunda Língua aqui, conforme a citação de Altmayer (2010), refere-se a áreas de pesquisa (Deutsch als Fremdsprache - DaF - e Deutsch als Zweitsprache - DaZ). Aproveitamos para mencionar que não faremos neste trabalho a distinção entre os termos “língua estrangeira”, “segunda língua” ou mesmo “língua adicional” e utilizaremos, quando necessário, o termo “língua estrangeira” como paralelismo ao nome da área em que se circunscreve este trabalho. Para uma discussão aprofundada sobre este tema sugerimos a leitura de Leffa & Irala (2014) e de Uphoff (2021). , pois, apesar de contemplar a visão subjetiva dos envolvidos, em primeiro lugar, ela seria muito geral e imprecisa para uma análise cultural concreta e, em segundo lugar, porque Geertz, por razões metodológicas, tenderia a harmonizar e homogeneizar culturas, não mais pelo comportamento observável, mas pela atribuição de significados a serem interpretados. Sendo assim, Altmayer (2010______. Konzepte von Kultur im Kontext von Deutsch als Fremd- und Zweitsprache. In: KRUMM, Hans-Jürgen; FANDRYCH, Christian; HUFEISEN, Britta; RIEMER, Claudia (Hrsg.). Deutsch als Fremd- und Zweitsprache. Ein internationales Handbuch (Handbücher zur Sprach- und Kommunikationswissenschaft, 35). 2. Aufl. Berlin: de Gruyter, 2010, 1402-1413.) propõe para a área de Alemão como Língua Estrangeira / Segunda Língua

um conceito de cultura segundo o qual não consiste em um conjunto de comportamentos ou mentalidades mais ou menos uniformes, mas nos fornece um fundo de conhecimento (coletivo) que nos permite dar sentido ao mundo ao nosso redor, mas também à nossa própria vida e orientação às nossas ações 4 4 No original: “Ein in den letzten Jahren innerhalb des Faches DaF/DaZ entwickeltes Konzept von Kultur, das sich an den erwähnten Theorieansätzen orientiert, diese aber nicht einfach für die Forschung und/oder Praxis anwendet oder übernimmt, sondern - ausgehend von des spezifischen Interessen des Faches - auf ihre Eignung hin prüft, legt einen Begriff von Kultur zugrunde, wonach diese nicht in einem Set mehr oder weniger gleichförmiger Verhaltensweisen oder Mentalitäten besteht, sondern uns mit einem Fundus an (kollektivem) Wissen versorgt, das uns in die Lage versetzt, der Welt um uns herum, aber auch unserem eigenen Leben Sinn und unserem Handeln Orientierung zu geben”. (ALTMAYER 2010______. Konzepte von Kultur im Kontext von Deutsch als Fremd- und Zweitsprache. In: KRUMM, Hans-Jürgen; FANDRYCH, Christian; HUFEISEN, Britta; RIEMER, Claudia (Hrsg.). Deutsch als Fremd- und Zweitsprache. Ein internationales Handbuch (Handbücher zur Sprach- und Kommunikationswissenschaft, 35). 2. Aufl. Berlin: de Gruyter, 2010, 1402-1413.: 1408-1409).

Dessa forma, “os elementos individuais desse conhecimento, que são condensados em padrões e armazenados na memória cultural” correspondem ao que Altmayer (2010______. Konzepte von Kultur im Kontext von Deutsch als Fremd- und Zweitsprache. In: KRUMM, Hans-Jürgen; FANDRYCH, Christian; HUFEISEN, Britta; RIEMER, Claudia (Hrsg.). Deutsch als Fremd- und Zweitsprache. Ein internationales Handbuch (Handbücher zur Sprach- und Kommunikationswissenschaft, 35). 2. Aufl. Berlin: de Gruyter, 2010, 1402-1413.: 1408) chama de “padrões culturais de interpretação”. Para o autor,

nós interpretamos e criamos o mundo comum e a realidade com base em padrões que aprendemos no decorrer da nossa socialização, que, via de regra, pressupomos em discursos como geralmente conhecidos e óbvios, que podem, porém, tornar-se, eles mesmos, objeto de processos discursivos e controversos de interpretação a qualquer momento. Na medida em que estes padrões são transmitidos, armazenados na memória cultural de um grupo e recuperáveis de uma certa estabilidade, eu falo de “padrões culturais de interpretação” (ALTMAYER 2006______. ‚Kulturelle Deutungsmuster‘ als Lerngegenstand. Zur kulturwissenschaftlichen Transformation der ‚Landeskunde‘. Fremdsprachen Lehren und Lernen, v. 35, 44-59, 2006.: 51).

De acordo com Altmayer (2010______. Konzepte von Kultur im Kontext von Deutsch als Fremd- und Zweitsprache. In: KRUMM, Hans-Jürgen; FANDRYCH, Christian; HUFEISEN, Britta; RIEMER, Claudia (Hrsg.). Deutsch als Fremd- und Zweitsprache. Ein internationales Handbuch (Handbücher zur Sprach- und Kommunikationswissenschaft, 35). 2. Aufl. Berlin: de Gruyter, 2010, 1402-1413.: 1409), em grande parte, é com base nesses padrões culturais de interpretação que empregamos um idioma na comunicação cotidiana e, geralmente, pressupondo-os como conhecidos e aceitos por aqueles envolvidos no discurso. Desse modo, no entendimento do autor, a tarefa da pesquisa nos Estudos Culturais na área de Alemão como Língua Estrangeira e Segunda Língua consiste, principalmente, em reconstruir esses padrões culturais de interpretação, que são empregados, e na maioria das vezes estão implícitos, ao se utilizar a língua alemã, ou seja, essa tarefa corresponde a tornar esses padrões culturais de interpretação explícitos e, consequentemente, passíveis de serem aprendidos.

Por fim, nesta seção, frisamos que, ao usarmos no presente artigo o termo “cultura”, a concebemos como Kramsch (1998______. Language and Culture. Oxford: Oxford University Press, 1998.). Nas palavras da autora, “cultura é heterogênea”, já que “todos os membros de uma mesma comunidade discursiva têm diferentes biografias e experiências de vida, eles podem diferir em faixa etária, gênero, ou etnia, eles podem ter diferentes opiniões políticas. Além disso, culturas mudam ao longo do tempo [...]” (KRAMSCH 1998______. Language and Culture. Oxford: Oxford University Press, 1998.: 9-10).

3 A construção da sensibilização intercultural

A partir da Teoria da Comunicação de Habermas, Altmayer (2004______. Kultur als Hypertext: Zu Theorie und Praxis der Kulturwissenschaft im Fach Deutsch als Fremdsprache. München: Iudicum, 2004.: 147) aponta que cultura é compreendida como o conhecimento essencial da vida real, conhecimento esse muitas vezes tido como evidente nas ações através da comunicação e que, dessa forma,

a tarefa da pesquisa em ciências culturais não pode consistir em registrar o comportamento humano com métodos empíricos e generalizá-lo como comportamento “padronizado” em relação a certos grupos sociais, mas sim em desenvolver e tornar visível o conhecimento essencial da vida ou cultural que é pressuposto como óbvio em ações comunicativas.

A Interculturalidade, neste trabalho entendida como “um processo que se refere essencialmente à dinâmica da coexistência de membros de diferentes mundos de vida em suas relações e suas interações uns com os outros”5 5 No original, o autor utiliza a palavra Lebenswelten, a qual traduzimos como “mundos de vida”. (BOLTEN, 2007BOLTEN, Jürgen. Interkulturelle Kompetenz. Landeszentrale für Politische Bildung Thüringen. LZT: Erfurt, 2007.: 22), nos leva então à reflexão sobre a influência que esse processo pode ter sobre os indivíduos, ainda que em graus diferenciados e nem sempre interrelacionados, levando cada um a lidar de forma particular com seu processo de sensibilização às diferenças interculturais (LIMA 2021LIMA, Adriana Borgerth Vial Corrêa. Festas na Alemanha nas cartas de uma brasileira: Fluxo de Sensibilização Intercultural e Ensino de Português como Segunda Língua para Estrangeiros (PL2E). Tese (Doutorado em Estudos da Linguagem). Rio de Janeiro: Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, 2021.). Sendo assim, compreendemos, como Barmeyer (2012BARMEYER, Christoph. Taschenlexikon Interkulturalität. Göttingen: Vandenhoeck & Ruprecht (UTB), 2012.: 79), que o termo intercultura se refere a uma “terceira cultura dinâmica, que surge do contato cultural e de ações comunicativas de parceiros de interação de diferentes culturas”, sendo essa terceira cultura um campo de relações de cooperação, no qual são construídos “novos significados, regras e comportamentos que são aceitos, compreendidos e vivenciados pelos participantes”. Destacamos ainda, conforme Bolten (2007BOLTEN, Jürgen. Interkulturelle Kompetenz. Landeszentrale für Politische Bildung Thüringen. LZT: Erfurt, 2007.: 79), que estamos nos referindo a uma terceira cultura dinâmica, já que interculturas são permanentemente reproduzidas, no sentido de uma “terceira” cultura, de um mundo intermediário, o qual tangencia ambos os mundos de vida (Lebenswelten).

Para Altmayer (2004______. Kultur als Hypertext: Zu Theorie und Praxis der Kulturwissenschaft im Fach Deutsch als Fremdsprache. München: Iudicum, 2004.), o entendimento do estrangeiro (das Fremdverstehen) deve ser visto como orientação para a aprendizagem de aspectos culturais (landeskundliches Lernen) no âmbito das línguas estrangeiras. Das Fremdverstehen, na opinião do autor (2004: 37), seria mais adequado nesse âmbito, já que o termo intercultural passou a ter uso inflacionário e, com isso, teria perdido o poder discriminatório dos termos científicos, apesar de toda tentativa de sua especificação e concretização. Além disso, segundo Altmayer (2004______. Kultur als Hypertext: Zu Theorie und Praxis der Kulturwissenschaft im Fach Deutsch als Fremdsprache. München: Iudicum, 2004.: 38), falar em “compreensão do estrangeiro” (Fremdverstehen) seria mais preciso do que se falar em “capacidade de comunicação intercultural”, porque aquele termo seria mais administrável na aula de alemão como língua estrangeira, por lançar seu foco a aspectos da compreensão do ponto de vista da recepção e da compreensão. Por fim, Altmayer (2004______. Kultur als Hypertext: Zu Theorie und Praxis der Kulturwissenschaft im Fach Deutsch als Fremdsprache. München: Iudicum, 2004.: 66) aponta ainda que das Fremdverstehen seria, “por um lado, um conceito normativo de entendimento, mas, por outro lado, aberto em termos de conteúdo”. Entretanto, os Estudos Interculturais mais recentes, aos quais nos alinhamos, entendem, por sua vez, conforme aponta Bohunovsky (2009BOHUNOVSKY, Ruth. O ensino de línguas estrangeiras no Brasil e a “compreensão do estrangeiro”: o papel da tradução. Revista Horizontes De Linguística Aplicada, v. 8, n. 2, 170-184, 2009. Disponível em: Disponível em: https://doi.org/10.26512/rhla.v8i2.749 (09.08.2021).
https://doi.org/10.26512/rhla.v8i2.749...
: 177), que a competência intercultural vai muito “além de fins meramente pragmáticos - como, por exemplo, o ensino de meios comunicativos para se comportar com adequação cultural em situações cotidianas como cumprimentos, apresentações, despedidas, agradecimento etc.”. Dessa forma, concordamos, conforme discutido por Altmayer, que

por mais importante que seja, sem dúvida, a capacidade dos aprendizes de línguas estrangeiras para lidar com situações cotidianas comunicativas, a aula de línguas estrangeiras não deve se limitar a isso; pelo contrário, deve ter sempre em vista a capacitação para a ação orientada para a compreensão (ALTMAYER 2004______. Kultur als Hypertext: Zu Theorie und Praxis der Kulturwissenschaft im Fach Deutsch als Fremdsprache. München: Iudicum, 2004.: 38).

De acordo com Welsch (1995WELSCH, Wolfgang. Transkulturalität. Zeitschrift für Kulturaustausch [Online]. Schwerpunktthema Migration und Kultureller Wandel, v. 45, n. 1, 1-4, 1995. Disponível em: Disponível em: https://www.kultur-vermittlung.ch/zeit-fuer- vermittlung/download/materialpool/MFV0104.pdf (13/08/2021).
https://www.kultur-vermittlung.ch/zeit-f...
: 1), as “culturas de hoje não correspondem mais às antigas ideias de culturas nacionais fechadas e uniformes. Elas são caracterizadas por uma multiplicidade de possíveis identidades e têm contornos transfronteiriços”. Nesse sentido, muitos pesquisadores se circunscrevem à área da Transculturalidade, justamente por conceberem que a cultura não está encerrada em fronteiras ou territórios nacionais, mas os transcende e, por essa razão, é compreendida como um tecido híbrido, como um “terceiro espaço” (BHABHA 1998BHABHA, Homi K. O local da cultura. Tradução: Ávila, Míriam; Reis, Eliana Lourenço de Lima; Gonçalves, Gláucia Renate. Belo Horizonte: Editora UFMG, 1998.).

Entretanto, quando o estrangeiro se depara com aspectos culturais deste outro mundo de vida, é de se esperar, conforme Schütz (2010SCHÜTZ, Alfred. O Estrangeiro - Um ensaio em Psicologia Social. Tradução Márcio Duarte; Michael Hanke. Revista Espaço Acadêmico, v.10, n. 113, 117-129, 2010 [1944].[1944]), que ele tenda a interpretar esse novo contexto social a partir de seu pensar habitual, de sua visão de mundo. Essa interpretação, se não questionada, segundo Wagner (2006[1996]), pode levar um indivíduo a experimentar certa estranheza, a qual pode se transformar em abismos de significado cultural. Nesse sentido, para entender a interpretação do novo, Bennett (1998______. Intercultural Communication: A Current Perspective. In: BENNETT, Milton James (ed.). Basic concepts of intercultural communication: Selected readings. Yarmouth, ME: Intercultural Press, 1-34, 1998., 2004BENNETT, Milton James. Becoming interculturally competent. In: WURZEL, Jaime S. (ed.). Toward multiculturalism: A reader in multicultural education. Newton: Intercultural Resource Corporation, 2004.) concebeu o Modelo de Desenvolvimento de Sensibilidade Intercultural (doravante, DMIS6 6 Tendo em vista que a sigla em inglês é uma referência para os estudos da adaptação intercultural, optamos por mantê-la nesse idioma ao longo do presente trabalho. , do original Developmental Model of Intercultural Sensitivity) para analisar processos de adaptação intercultural. Esse modelo foi delineado como um contínuo dividido em seis fases, indo do estágio etnocêntrico ao etnorrelativo. Em sua área etnocêntrica, com as fases de Negação, Reação e Minimização, o indivíduo se apoia em sua visão de mundo para julgar os outros, mesmo que de forma inconsciente, baseado em suas crenças, seus comportamentos e seus valores, e acredita que esse é o único modo de lidar com a realidade. Já na região oposta do Modelo, a etnorrelativa, com as fases de Aceitação, Adaptação e Integração, esse indivíduo sente segurança para ocupar-se com diferentes padrões e costumes, e está apto a adaptar seu comportamento e julgamento conforme o contexto, ao perceber que sua visão de mundo é uma entre outras várias possibilidades de organizar a realidade. Mostramos abaixo a representação gráfica do DMIS7 7 Disponível em https://www.idrinstitute.org/dmis/ (21/02/2020). :

Figura 1:
Developmental Model of Intercultural Sensitivity

A evolução possível ao longo do DMIS nas atitudes e no comportamento relativos a diferenças culturais está associada a mudanças nas estruturas cognitivas de um indivíduo (BENNETT 1998______. Intercultural Communication: A Current Perspective. In: BENNETT, Milton James (ed.). Basic concepts of intercultural communication: Selected readings. Yarmouth, ME: Intercultural Press, 1-34, 1998., 2004BENNETT, Milton James. Becoming interculturally competent. In: WURZEL, Jaime S. (ed.). Toward multiculturalism: A reader in multicultural education. Newton: Intercultural Resource Corporation, 2004.), e nem sempre é linear, pois pode ir de um estágio a outro, em ambas as direções do contínuo. Ademais, os movimentos ao longo do DMIS não são forçosamente contínuos, pois nem sempre as seis etapas estarão presentes no curso de todos os processos de adaptação intercultural (LIMA 2021LIMA, Adriana Borgerth Vial Corrêa. Festas na Alemanha nas cartas de uma brasileira: Fluxo de Sensibilização Intercultural e Ensino de Português como Segunda Língua para Estrangeiros (PL2E). Tese (Doutorado em Estudos da Linguagem). Rio de Janeiro: Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, 2021.).

O Modelo proposto por Bennett (1998______. Intercultural Communication: A Current Perspective. In: BENNETT, Milton James (ed.). Basic concepts of intercultural communication: Selected readings. Yarmouth, ME: Intercultural Press, 1-34, 1998., 2004BENNETT, Milton James. Becoming interculturally competent. In: WURZEL, Jaime S. (ed.). Toward multiculturalism: A reader in multicultural education. Newton: Intercultural Resource Corporation, 2004.) é retomado por Lima (2021LIMA, Adriana Borgerth Vial Corrêa. Festas na Alemanha nas cartas de uma brasileira: Fluxo de Sensibilização Intercultural e Ensino de Português como Segunda Língua para Estrangeiros (PL2E). Tese (Doutorado em Estudos da Linguagem). Rio de Janeiro: Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, 2021.), acrescentando-se a ele também possíveis pausas entre as etapas do processo de sensibilização intercultural em determinadas fases desse processo e alterando sua representação gráfica, para melhor representar esse processo fluido, de idas e vindas, propondo a modelagem denominada Fluxo de Sensibilização Intercultural (doravante, FSI). A autora (2021) partiu do princípio de que “fluxo” é um movimento contínuo de algo que segue um curso e flui naturalmente, além de também ser uma sucessão de acontecimentos, segundo a definição de Houaiss (2009). Ademais, a autora não adotou nessa proposta “a palavra ‘desenvolvimento’ - que se refere ao ‘D’ de DMIS -, porque, ainda de acordo com Houaiss (2009), essa palavra pressupõe crescimento, progresso, adiantamento, e, [no FSI …], nem sempre o movimento é de progresso” (LIMA 2021LIMA, Adriana Borgerth Vial Corrêa. Festas na Alemanha nas cartas de uma brasileira: Fluxo de Sensibilização Intercultural e Ensino de Português como Segunda Língua para Estrangeiros (PL2E). Tese (Doutorado em Estudos da Linguagem). Rio de Janeiro: Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, 2021.: 169), posto que não é imperioso um movimento ocorrer necessária e unicamente do sentido etnocêntrico em direção ao etnorrelativo. A seguir apresentamos o FSI:

Figura 2
: Fluxo de Sensibilização Intercultural

Esse modelo fluido possui seis etapas, que Lima (2021LIMA, Adriana Borgerth Vial Corrêa. Festas na Alemanha nas cartas de uma brasileira: Fluxo de Sensibilização Intercultural e Ensino de Português como Segunda Língua para Estrangeiros (PL2E). Tese (Doutorado em Estudos da Linguagem). Rio de Janeiro: Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, 2021.) chamou de estágios do Fluxo, e que mantêm similaridade com a proposta de Bennett (1998______. Intercultural Communication: A Current Perspective. In: BENNETT, Milton James (ed.). Basic concepts of intercultural communication: Selected readings. Yarmouth, ME: Intercultural Press, 1-34, 1998., 2004BENNETT, Milton James. Becoming interculturally competent. In: WURZEL, Jaime S. (ed.). Toward multiculturalism: A reader in multicultural education. Newton: Intercultural Resource Corporation, 2004.): três estágios etnocêntricos, e três etnorrelativos. Os deslocamentos entre esses estágios são os movimentos de um Fluxo, e, complementando esses deslocamentos, estão as pausas - interrupção de movimentos, com duração incerta - consolidando determinado posicionamento em um estágio do contínuo, por algum intervalo de tempo. Os deslocamentos e as pausas são os eventos do FSI, que, combinados, registram a fluidez de seu curso e o processo de construção da sensibilização intercultural de cada indivíduo. Esse processo é representado pelo conjunto de eventos necessários para construir a trajetória de sua sensibilização às diferenças interculturais.

Entretanto, a nomenclatura dos estágios do FSI foi substituída pela autora, por considerar os novos termos mais adequados à sua conceituação. Assim,

o primeiro estágio etnocêntrico, Embaçamento, traz a ideia de perda de clareza, de turbidez com que o indivíduo vê a cultura estrangeira, nem sempre percebendo a existência de diferenças interculturais; a seguir, Reação, indica uma resposta a uma ação anterior, um movimento que age em sentido oposto ao que o precedeu, ou ainda uma força contrária, de oposição e resistência à realidade da outra cultura; o terceiro e último estágio etnocêntrico, Amenização, aponta para um posicionamento menos combativo contra a cultura estrangeira, mesmo que a convivência com essa cultura seja ainda, em alguma medida, penosa ou árdua. Iniciamos a fase etnorrelativa do modelo com o estágio Receptividade, no qual o indivíduo já demonstra boa disposição e compreensão em relação à outra cultura e às diferenças interculturais; o próximo estágio, Conexão, indica o vínculo, a ligação que se estabelece entre o indivíduo e a cultura estrangeira nessa etapa do contínuo; por fim, o último estágio etnorrelativo, Construção, evidencia a formação, passo a passo, do espaço híbrido entre as duas culturas (LIMA 2021LIMA, Adriana Borgerth Vial Corrêa. Festas na Alemanha nas cartas de uma brasileira: Fluxo de Sensibilização Intercultural e Ensino de Português como Segunda Língua para Estrangeiros (PL2E). Tese (Doutorado em Estudos da Linguagem). Rio de Janeiro: Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, 2021.: 181).

Também os elementos gráficos representam aspectos da conceituação do FSI: i) os estágios, apresentados nos retângulos; ii) a proximidade entre esses estágios, sinalizada pela espessura das linhas que os conectam; iii) os movimentos, indicados por setas, em ambas as direções - etnocêntricas ou etnorrelativas; iv) a fluidez dos movimentos entre um estágio e outro, simbolizada pela coloração dos retângulos, das linhas e das setas, que se transformam em nuances dos tons azul e vermelho, apontando para a combinação da cor do estágio anterior mesclada àquela do atual.

O FSI pode, portanto, apresentar-se como uma ferramenta “sem normas anteriormente estabelecidas, fluido e flexível, que segue as circunstâncias e as características de cada indivíduo, [...] para o estudo do processo único e individualizado de construção [da sensibilização] intercultural” (LIMA 2021LIMA, Adriana Borgerth Vial Corrêa. Festas na Alemanha nas cartas de uma brasileira: Fluxo de Sensibilização Intercultural e Ensino de Português como Segunda Língua para Estrangeiros (PL2E). Tese (Doutorado em Estudos da Linguagem). Rio de Janeiro: Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, 2021.: 184). Essa ferramenta pode ser empregada no ensino e na aprendizagem de línguas, tanto pelo professor, quanto pelo aluno, como suporte para compreender o seu processo de construção da sensibilização intercultural.

4 Sensibilização intercultural no ensino de línguas

O pressuposto de que o ensino de uma língua não se desvincula da cultura, conforme já apontado, tem lugar central em pesquisas desde final dos anos 80 do século passado (KRAMSCH 1996______. The Cultural Component of Language Teaching. Zeitschrift für Interkulturellen Fremdsprachenunterricht. [Online], v. 1, n. 2, 1-10, 1996. Disponível em: https://ojs.tujournals.ulb.tu-darmstadt.de/index.php/zif/article/view/741/718 (15.08.2021).
https://ojs.tujournals.ulb.tu-darmstadt....
, 1998______. Language and Culture. Oxford: Oxford University Press, 1998., 2009______. The Multilingual Subject. Oxford: Oxford University Press, 2009., 2010______. Theorizing translingual/transcultural competence. In Levine, G.; Phipps, A. (eds.). Critical and intercultural theory and language pedagogy. Boston: Heinle, 2010, 15-31., 2013______. Culture in foreign language teaching. Iranian Journal of Language Teaching Research, v. 1, n. 1, 57-78, 2013. Disponível em: https://files.eric.ed.gov/fulltext/EJ1127430.pdf (05.08.2021).
https://files.eric.ed.gov/fulltext/EJ112...
) e pode-se afirmar que isso já é, há pelo menos 30 anos, um consenso na área da Didática e de Alemão como Língua Estrangeira e como Segunda Língua (KOREIK 2013KOREIK, Uwe. Landeskunde. In: AHRENHOLZ, Bernt; OOMEN-WELKE, Ingelore. Handbuch Deutsch als Fremdsprache (= Deutschunterricht in Theorie und Praxis, Band 10). Baltmannsweiler: Schneider, 2013, 162-170.). Desde então, “no ensino de línguas estrangeiras, o ensino da cultura continua sendo um tema muito debatido” (KRAMSCH 2013______. Culture in foreign language teaching. Iranian Journal of Language Teaching Research, v. 1, n. 1, 57-78, 2013. Disponível em: https://files.eric.ed.gov/fulltext/EJ1127430.pdf (05.08.2021).
https://files.eric.ed.gov/fulltext/EJ112...
: 57), não só no que se refere a que conteúdos ensinar na aula de línguas, mas, principalmente, como devem ser abordados (RÖSLER 2012RÖSLER, Dietmar. Deutsch als Fremdsprache. Eine Einführung. Stuttgart, Weimar: J.B. Metzler, 2012.; STANKE 2014STANKE, Roberta Cristina Sol Fernandes. Cultura e Interculturalidade na formação do professor de alemão no Rio de Janeiro. Tese (Doutorado em Linguística Aplicada). Rio de Janeiro: Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2014.).

De acordo com Koreik (2013KOREIK, Uwe. Landeskunde. In: AHRENHOLZ, Bernt; OOMEN-WELKE, Ingelore. Handbuch Deutsch als Fremdsprache (= Deutschunterricht in Theorie und Praxis, Band 10). Baltmannsweiler: Schneider, 2013, 162-170.), desde os anos 1960, tem sido empregado - e até o momento permanecido firmemente - o termo Landeskunde para o ensino de conteúdos culturais sobre as pessoas e o país da língua-alvo. Para Koreik (2013KOREIK, Uwe. Landeskunde. In: AHRENHOLZ, Bernt; OOMEN-WELKE, Ingelore. Handbuch Deutsch als Fremdsprache (= Deutschunterricht in Theorie und Praxis, Band 10). Baltmannsweiler: Schneider, 2013, 162-170.: 166), um requisito essencial para a aula ainda advém das ABCD-Thesen8 8 As ABCD-Thesen foram formuladas por representantes de associações de professores da Áustria, da antiga Alemanha Ocidental (Bundesrepublik Deutschland), da Suíça (Confoederatio Helvetica) e da antiga Alemanha Oriental (Deutsche Demokratische Republik) - daí o acrônimo ABCD que lhe nomeia -, para examinarem a relevância de se apresentar e de se discutir Landeskunde em aula de alemão. (1990, p 16), segundo as quais

a tarefa principal da Landeskunde não é a informação, mas a sensibilização, bem como o desenvolvimento de capacidades, estratégias e habilidades no lidar com culturas estrangeiras. Assim, fenômenos culturais estrangeiros devem ser melhor avaliados, relativizados e colocados em relação à própria realidade. Dessa forma, preconceitos e clichês podem tornar-se visíveis e ser desconstruídos, assim como uma tolerância crítica pode ser desenvolvida.

Nesse mesmo sentido, e também com base nas ABCD-Thesen, Weimann e Hosch (1993WEIMANN, Gunther; HOSCH, Wolfram: Kulturverstehen im Deutschunterricht. Ein Projekt zur Lehrerfortbildung. Informationen Deutsch als Fremdsprache, v. 20, n. 5, 514-523, 1993.) afirmam que “uma aula de língua interculturalmente orientada” almeja “o desenvolvimento de capacidade de percepção e de empatia, assim como o desenvolvimento de capacidades, estratégias e habilidades no trato com sociedades e culturas estrangeiras”, e acrescentam que “visões etnocêntricas devem ser relativizadas e preconceitos desconstruídos, ao mesmo tempo que o próprio ambiente figure como pano de fundo do ambiente estrangeiro - e vice-versa” (p. 516).

De acordo com o que afirmam Koreik (2013KOREIK, Uwe. Landeskunde. In: AHRENHOLZ, Bernt; OOMEN-WELKE, Ingelore. Handbuch Deutsch als Fremdsprache (= Deutschunterricht in Theorie und Praxis, Band 10). Baltmannsweiler: Schneider, 2013, 162-170.) e Weimann e Hosch (1993WEIMANN, Gunther; HOSCH, Wolfram: Kulturverstehen im Deutschunterricht. Ein Projekt zur Lehrerfortbildung. Informationen Deutsch als Fremdsprache, v. 20, n. 5, 514-523, 1993.), ainda baseados nas ABCD-Thesen, apesar de o objetivo principal da Landeskunde na aula de línguas - ou da aula de línguas interculturalmente orientada - não ser a transmissão de informações, essa seria uma etapa importante a ser cumprida no ensino de línguas (RÖSLER 2012RÖSLER, Dietmar. Deutsch als Fremdsprache. Eine Einführung. Stuttgart, Weimar: J.B. Metzler, 2012.), para que então os aprendizes estivessem em condições de refletir sobre os aspectos culturais com os quais serão confrontados em sala de aula. A esse respeito, Koreik (2013KOREIK, Uwe. Landeskunde. In: AHRENHOLZ, Bernt; OOMEN-WELKE, Ingelore. Handbuch Deutsch als Fremdsprache (= Deutschunterricht in Theorie und Praxis, Band 10). Baltmannsweiler: Schneider, 2013, 162-170.) afirma que já em 1927 Schüking argumentava o seguinte: “Não conhecimento, mas reconhecimento! Não o saber, mas a capacidade de fazer perguntas! Mas o reconhecimento pressupõe antes de mais nada um certo conhecimento, a capacidade de colocar questões pressupõe também conhecimento” (SCHÜKING 1927: 10 apud KOREIK 2013KOREIK, Uwe. Landeskunde. In: AHRENHOLZ, Bernt; OOMEN-WELKE, Ingelore. Handbuch Deutsch als Fremdsprache (= Deutschunterricht in Theorie und Praxis, Band 10). Baltmannsweiler: Schneider, 2013, 162-170.: 166).

Sobre esse vasto campo de conhecimentos - saberes, capacidades e habilidades - que seria conteúdo da Landeskunde na aula de línguas, Rösler (2012RÖSLER, Dietmar. Deutsch als Fremdsprache. Eine Einführung. Stuttgart, Weimar: J.B. Metzler, 2012.) adverte, no entanto, que

seria também necessária uma equipe inteira de peritos de várias disciplinas das ciências culturais e sociais para descrever adequadamente estes objetos [de ensino, ... reconhecendo que] esta observação dá origem a toda uma série de problemas para a didática das línguas estrangeiras” (RÖSLER, 2012RÖSLER, Dietmar. Deutsch als Fremdsprache. Eine Einführung. Stuttgart, Weimar: J.B. Metzler, 2012.: 195).

Esses problemas podem ser dirimidos, pondera o autor, por uma seleção de temas a serem trabalhados em sala de aula, seleção essa que deve ser norteada por critérios, baseados nos objetivos de aprendizagem a serem alcançados na aula.

Não obstante, ainda de acordo com Rösler (2012RÖSLER, Dietmar. Deutsch als Fremdsprache. Eine Einführung. Stuttgart, Weimar: J.B. Metzler, 2012.: 222), “no ensino de línguas estrangeiras, devem ter lugar tanto uma descrição de modos de atuação culturalmente diferentes, como uma discussão da própria percepção e avaliação destes modos de atuação”, visto que “as pessoas precisam da língua para se expressarem em interação com outras pessoas, as pessoas criam cultura interpretando e experimentando o mundo através da língua” (p. 209).

Diante disso, a aula de línguas, “pode ser considerada como um espaço cultural de encontro e negociação, no qual os aprendizes desenvolvem e adquirem novos significados culturais, negociam ou reinterpretam esses significados uns com os outros e, dessa forma, se tornam atores interculturais” (FREITAG 2010FREITAG, Britta. Transkulturelles Lernen. In: Hallet, Wolfgang; Königs, Frank G. (Hrsg.). Handbuch Fremdsprachendidaktik. Seelze-Velber: Klett / Kallmeyer, 2010, 125-129.: 126).

5 O escritor viajante, tradutor intercultural

A Teoria dos Estudos Descritivos da Tradução propõe que a atividade tradutória deva ser inserida e constituída nos dois sistemas culturais envolvidos na tradução, estando em um contato intercultural que pode ter o efeito de uma estratégia comunicativa para superação de barreiras culturais, na qual as ideias transitam entre as línguas e as culturas, de acordo com Zipser e Aio (2011ZIPSER, Meta Elisabeth; AIO, Michelle de Abreu. Tradutor jornalista ou jornalista tradutor? A atividade tradutória enquanto representação cultural. Gragoatá, v. 16, n. 31, 107-118, 2011.).

Até meados do século XX, entendia-se que a tradução deveria se manter fiel às particularidades do texto original. Nos anos 1970, porém, o movimento dos Estudos Descritivos da Tradução propôs um novo paradigma teórico, no qual a tradução se relaciona não somente a um repertório de aspectos organizadores da interação social de um dado grupo, como também ao modo como esse grupo atua socialmente em um dado contexto cultural. Ampliando esse conceito, Toury (1995TOURY, Gideon. Descriptive Translation Studies and Beyond. Amsterdam, Philadelphia: JB Publishing Company, 1995.) pontua que traduzir é uma atividade que forçosamente envolve, ao menos, dois sistemas linguísticos e duas tradições culturais. Consequentemente, prossegue o autor, o ato de traduzir abrange dois conjuntos de normas, e essa confluência as movimenta dinamicamente, além de ampliar a gama de escolhas possíveis para as situações tradutórias apresentadas aos tradutores.

Sob essa perspectiva descritivista, surge o questionamento a respeito da existência de fronteiras pré-definidas para a atividade tradutória, que passa a ser considerada uma atividade cuja natureza é dependente de relações em um determinado sistema cultural, e não mais a mera transferência de palavras de um texto original para suas prováveis correspondentes, em outro texto, a tradução. Abrem-se, então, novos caminhos de entender a tradução, expandindo-se em várias direções sob o olhar de alguns autores afiliados ao paradigma descritivista. Uma dessas autoras, Bassnett (1998______. When is a Translation not a Translation? In: BASSNETT, Susan; LEFEVERE, André (eds.). Constructing Cultures: Essays on Literary Translation. Topics in Translation: 11. Clevedon: Multilingual Matters, 1998, 25-40.), propôs mudanças em relação às teorias linguísticas aplicadas às atividades de traduzir, e passa a tratar a tradução como um ato cultural e político - uma vez que o texto está inserido em dois sistemas culturais -, e não mais como uma transposição de palavras de uma língua para outra. Nesse cenário, conforme Bassnett (1998______. When is a Translation not a Translation? In: BASSNETT, Susan; LEFEVERE, André (eds.). Constructing Cultures: Essays on Literary Translation. Topics in Translation: 11. Clevedon: Multilingual Matters, 1998, 25-40.), a cópia considerada subserviente e de qualidade inferior, se comparada ao original sempre mais valorizado, deve dar lugar a uma obra baseada na negociação de significados gerados por diferenças culturais nesse espaço híbrido entre as culturas.

Ainda de acordo com Bassnett (1998______. When is a Translation not a Translation? In: BASSNETT, Susan; LEFEVERE, André (eds.). Constructing Cultures: Essays on Literary Translation. Topics in Translation: 11. Clevedon: Multilingual Matters, 1998, 25-40.), ao direcionarmos o foco para a interação entre tradução e cultura, podemos pensar essa atividade tradutória como um conjunto de práticas textuais, com as quais autor e leitor compactuam. Com esse novo posicionamento, podemos abarcar algumas traduções chamadas por Bassnett (1998______. When is a Translation not a Translation? In: BASSNETT, Susan; LEFEVERE, André (eds.). Constructing Cultures: Essays on Literary Translation. Topics in Translation: 11. Clevedon: Multilingual Matters, 1998, 25-40.) de desprivilegiadas, anteriormente marginalizadas pelos Estudos da Tradução. Assim, dentre essas traduções desprivilegiadas elencadas pela autora - como a pseudotradução, a tradução fictícia ou o relato de viagem -, assume destaque no presente artigo este último, um texto escrito por um viajante, relatando uma viagem em um local estrangeiro, recontando situações e diálogos, aceitos por seu leitor como autênticos. Sob essa perspectiva, o relato de viagem é um conjunto de práticas textuais que parte dos acontecimentos vivenciados pelo escritor desse relato, cuja construção é prospectiva, conforme Zipser e Aio (2011ZIPSER, Meta Elisabeth; AIO, Michelle de Abreu. Tradutor jornalista ou jornalista tradutor? A atividade tradutória enquanto representação cultural. Gragoatá, v. 16, n. 31, 107-118, 2011.), orientada para seu leitor.

Segundo Smith & Watson (2010SMITH, Sidonie; Watson, Julia. Reading Autobiography. A Guide for Interpreting Life Narratives. 2. ed. Minneapolis: University of Minnesota Press, 2010 [2001].[2001]), o relato de viagem remonta à Idade Moderna, e caracteriza-se como um escrito de viajantes, que àquela época participavam das expedições de expansão marítima. Esses viajantes introduziram nesses escritos o registro pormenorizado de suas descobertas sobre as características geográficas daquele novo mundo e sobre seu contato com aquela nova realidade, para que aquela conjuntura particular pudesse ser melhor compreendida pelo leitor de um relato, visto que esse leitor nunca conhecera nada similar (LIMA 2021LIMA, Adriana Borgerth Vial Corrêa. Festas na Alemanha nas cartas de uma brasileira: Fluxo de Sensibilização Intercultural e Ensino de Português como Segunda Língua para Estrangeiros (PL2E). Tese (Doutorado em Estudos da Linguagem). Rio de Janeiro: Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, 2021.). Desse modo, essas narrativas passaram a incluir o “eu” na migração, através do testemunho ocular do narrador, que passa a inserir- se com sua subjetividade nessas narrativas.

Segundo Bassnett (2007BASSNETT, Susan. Culture and Translation. In: KUHIWCZAK, Piotr; LITTAU, Karin (eds.). A Companion to Translation Studies. Topics in Translation: 34. Clevedon: Multilingual Matters, 2007, 13-23.), o escritor viajante, assim como o tradutor, está envolvido com o diálogo entre línguas e culturas, em um entre-lugar, e a semelhança entre ambos se encontra na transformação da alteridade proposta tanto por um, quanto por outro, para consumo plausível de seus leitores, conforme afirma Cronin em seu trabalho (2000CRONIN, Michael. Across the lines - Travel, Language, Translation. Cork: Cork University Press, 2000.). Vindo ao encontro do autor, o entendimento de Polezzi (2016POLEZZI, Loredana. Translating Travel - Contemporary Italian Travel Writing in English Translation (Studies in European Cultural Transition). Oxon: Routledge, 2016 [2001].) complementa a ideia de similaridade entre as questões centrais dos estudos da tradução e dos estudos sobre relatos de viagem, ao considerar a raiz latina comum das palavras “tradução” e “viagem” - traductio e translatio -, uma vez que ambas se referem a movimento, transporte e deslocamento.

Desse modo, o escritor viajante se utiliza de um artefato de interpretação intercultural ao dar sentido ao contexto cultural no qual percorre seus caminhos, construindo traduções desse contexto para sua língua. O construto desse contexto cultural é, portanto, sua interpretação daquilo que lhe é desconhecido e não familiar, de forma que o leitor de sua comunidade de origem possa compreender os fatos narrados. Dessa maneira, o escritor viajante é, para Cronin (2000CRONIN, Michael. Across the lines - Travel, Language, Translation. Cork: Cork University Press, 2000.), um mediador intercultural, conceito esse ampliado por Bassnett (2004______. Travelling and translating. World literature written in English, v. 40, n. 2, 66-76, 2004.), ao inserir o mediador intercultural no contexto da prática tradutória, relacionando e aproximando o mediador intercultural do tradutor, uma vez que o primeiro está igualmente engajado em interagir com a outra língua e o outro contexto cultural, situando-se localmente nesse outro contexto, e fazendo a mediação entre as tradições desse grupo específico e aquelas suas e as de seus leitores. A tentativa de encontrar em sua língua sugestões tradutórias para explicar suas experiências vividas fora de seu contexto cultural de origem encontra paralelo no trabalho do tradutor, levando o escritor viajante a desempenhar o papel de mediador na compreensão de seus relatos por parte desses leitores, exercendo, assim, a função de tradutor (BASSNETT 2004______. Travelling and translating. World literature written in English, v. 40, n. 2, 66-76, 2004.). Em sua pesquisa, Lima (2021LIMA, Adriana Borgerth Vial Corrêa. Festas na Alemanha nas cartas de uma brasileira: Fluxo de Sensibilização Intercultural e Ensino de Português como Segunda Língua para Estrangeiros (PL2E). Tese (Doutorado em Estudos da Linguagem). Rio de Janeiro: Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, 2021.) estende esse conceito de mediador intercultural como tradutor, e o concebe como tradutor intercultural, posto que o mediador intercultural - o escritor viajante -, conforme Bassnett (2007BASSNETT, Susan. Culture and Translation. In: KUHIWCZAK, Piotr; LITTAU, Karin (eds.). A Companion to Translation Studies. Topics in Translation: 34. Clevedon: Multilingual Matters, 2007, 13-23.), opera em uma região híbrida que constitui um espaço entre culturas, assim como o tradutor opera em uma região entre línguas, um espaço transgressivo. Para Polezzi (2016POLEZZI, Loredana. Translating Travel - Contemporary Italian Travel Writing in English Translation (Studies in European Cultural Transition). Oxon: Routledge, 2016 [2001].), nesse mesmo entre-lugar e através da interpretação intercultural, o papel do tradutor como viajante e do viajante como tradutor são atuações que querem ser reconhecidas por sua prática de equivalência não só das palavras que interpretam, como também da realidade que representam.

Sob essa ótica, tradutores e viajantes estão fomentando a alteridade através da tradução intercultural, para que seus leitores possam estabelecer pontos de entendimento junto a essa outra realidade desconhecida. Essa tradução intercultural, que se dá no entre- lugar de dois contextos culturais, desempenha um papel relevante na interpretação desses relatos de viagem, porque, através deles, esses leitores são convidados a compartilhar uma experiência que realmente ocorreu, a vivenciar situações e diálogos ocorridos no local e no período da viagem, mesmo que não tenham competência linguística para acessar os aspectos culturais descritos. Assim, podem experimentar hábitos e costumes de outro contexto cultural, ainda que apenas por meio da leitura dos registros detalhados na narrativa de um escritor viajante, conforme Cronin (2000CRONIN, Michael. Across the lines - Travel, Language, Translation. Cork: Cork University Press, 2000.).

O pacto estabelecido entre o “viajante-tornado-escritor” (POLEZZI 2016POLEZZI, Loredana. Translating Travel - Contemporary Italian Travel Writing in English Translation (Studies in European Cultural Transition). Oxon: Routledge, 2016 [2001].) e seus leitores conduz estes a não esperarem ler um romance de ficção, mas sim relatos, aceitos como autênticos, que foram de fato vivenciados pelo autor. E para traduzir as diferenças interculturais que se instauram nessa realidade híbrida de sua viagem, o escritor viajante lança mão de recursos retóricos para sublinhá-las. Desse modo, o confronto entre estranho e familiar está posto, e o escritor de viagem é o responsável pelo julgamento dessa comparação, que registra em seus relatos. Ainda conforme Agorni (2002AGORNI, Mirella. Translating Italy for the Eighteenth-Century Women, Translation and Travel Writing 1739-1797. London: Routledge, 2002.), além de comparar e julgar as situações vivenciadas, o autor utiliza outros subterfúgios, como a ironia, que permite que esse autor se distancie de sua narrativa, e a incomparabilidade, que o leva à defesa da inexistência de uma linguagem adequada para traduzir a força de algumas características daquilo que não lhe é familiar, e que, ainda assim, os leitores acatam como estranho, mesmo que tenha sido relatado em contornos presumivelmente conhecidos.

De acordo com Polezzi (2016POLEZZI, Loredana. Translating Travel - Contemporary Italian Travel Writing in English Translation (Studies in European Cultural Transition). Oxon: Routledge, 2016 [2001].), viajar requer necessariamente algum tipo de tradução, e a metáfora de viagem pode definir a tradução como transferência e mobilidade - e vice-versa. Diante disso, escolhemos estudar cartas de uma escritora viajante brasileira para seus familiares no Brasil, na cidade do Rio de Janeiro, no período em que residiu na Alemanha. Esses relatos de viagem - consubstanciados na escritura das cartas - são sua tradução intercultural dos fatos e da conjuntura em que se deram, no período de sua estada no exterior.

6 Sensibilização por meio da tradução intercultural

Os relatos de viagem podem ser registrados de diferentes formas. No presente trabalho, seu registro se dá em cartas pessoais, que em geral versam sobre o dia a dia, sobre eventos familiares ou públicos, complementados por outros temas pertinentes a essa conversa epistolar, determinados histórica e socialmente (STANLEY 2004STANLEY, Liz. The Epistolarium: On Theorizing Letters and Correspondences. Auto/Biography, v. 12, n. 3, p. 201-235, 2004. Disponível em: Disponível em: https://www.researchgate.net/publication/250263857_The_Epistolarium_On_Theorizin g_Letters_and_Correspondences (03.03.2019).
https://www.researchgate.net/publication...
).

Diante da relevância da celebração do carnaval no Brasil e, mais precisamente, no âmbito carioca, esta festa despertou sentimentos antagônicos na escritora das cartas, ora de julgamento negativo, ora de abertura aos eventos vivenciados na Alemanha, mais especificamente na cidade de Wersen, em Nordrhein-Westfalen. Por esse motivo, esse foi o tema das cartas que escolhemos para a análise do processo de construção da sensibilização intercultural pelo qual a escritora passou ao longo do período em que residiu na cidade alemã.

Assim como no Brasil, as comemorações do carnaval não ocorrem da mesma maneira em todos os núcleos urbanos alemães. Na Alemanha, a cidade de Colônia é uma das referências para as celebrações carnavalescas grandiosas, como o Rio de Janeiro o é, no Brasil. A festa em Colônia tem longa duração, da quinta-feira anterior ao sábado de carnaval até a Quarta-Feira de Cinzas, e há desfiles nas ruas, pessoas fantasiadas, bebida alcoólica com fartura, bailes e muitos turistas. No entanto, especialmente em locais menores, como é o caso da cidade onde a autora morou, os festejos acontecem em geral de forma menos pomposa, quando ocorrem. Há desfile na rua, fantasias, cerveja e até bailes, mas poucos turistas, e as comemorações não costumam durar um dia inteiro. Entretanto, é de se ressaltar que não pretendemos esboçar um quadro comparativo entre as características das celebrações do carnaval em regiões da Alemanha e do Brasil; nossa intenção é analisar o processo de construção da sensibilização intercultural da autora, que se deu no encontro entre contextos culturais distintos, no qual foi relevante a diversidade de manifestações experienciada nos festejos de carnaval durante sua estada em Wersen em relação à sua vivência anterior, ainda no Rio de Janeiro. A análise aqui desenvolvida refere-se, portanto, ao processo de construção da sensibilização intercultural de um indivíduo imerso em um novo contexto cultural, processo esse que é, portanto, único, e também fluido e flexível e permeado por sua perspectiva, por suas experiências anteriores, por sua memória cultural.

Ao escrever suas cartas da Alemanha, da cidade de Wersen, para seus familiares no Brasil, na cidade do Rio de Janeiro, a escritora viajante atua como tradutora intercultural, fazendo o registro de informações sobre sua vivência naquela localidade, com a intenção de expor em pormenores para seus leitores, segundo sua interpretação, aspectos culturais da região em que morou. Na medida em que registra detalhadamente em seus relatos situações e diálogos de seu dia a dia, traduzindo-os para seus leitores, a escritora viajante tem como propósito compartilhar com sua família suas experiências com outros hábitos e costumes, esmiuçando-os e explicando-os, proporcionando a seus familiares condições de experimentar aspectos desse outro contexto cultural, para eles estranhos, mesmo que apenas através da leitura.

Do conjunto de cartas enviadas da Alemanha para o Brasil entre 1991 e 1993, selecionamos três excertos9 9 Os excertos aqui apresentados são transcrições fiéis das cartas originais, nas quais apenas os trechos entre colchetes correspondem a uma supressão de partes do texto, se forem reticências, ou a explicações acrescentadas posteriormente, para auxiliar o leitor na compreensão do contexto. Além disso, os nomes dos locais e dos participantes deste estudo foram substituídos por nomes fictícios, com o propósito de evitar qualquer chance de seu reconhecimento e garantir o sigilo aos mesmos. , que se referem respectivamente a cada ano de sua permanência naquela localidade, e que trazem exposições escritas de vivências da escritora em comemorações do carnaval na região em que residiu.

Apresentamos a seguir esses excertos, analisando a forma como a escritora viajante registrou - e interpretou - em suas cartas, no papel de tradutora intercultural, suas experiências, e como se deu seu processo de construção da sensibilização intercultural.

6.1 A análise das cartas

Para a análise das cartas utilizamos como ferramenta o FSI (LIMA 2021LIMA, Adriana Borgerth Vial Corrêa. Festas na Alemanha nas cartas de uma brasileira: Fluxo de Sensibilização Intercultural e Ensino de Português como Segunda Língua para Estrangeiros (PL2E). Tese (Doutorado em Estudos da Linguagem). Rio de Janeiro: Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, 2021.), conforme seção 3 deste artigo, de modo a compreender o processo de construção da sensibilização intercultural da escritora.

A celebração do carnaval é um traço cultural bastante relevante no Rio de Janeiro, e, para a escritora, parecia ser difícil acreditar que essa festa havia sido oficialmente cancelada, o que, para ela, seria impensável no Brasil. Portanto, tem-se a impressão de que a expectativa da escritora em relação à celebração do carnaval seria comemorá-lo, independente das circunstâncias. Mas a razão para tal atitude oficial foi a Guerra do Golfo, ocorrida entre 1990 e 1991: se o mundo estava declaradamente em guerra, não havia motivos para festejar - assim podemos inferir. Ainda assim, houve informações sobre o Brasil na televisão alemã, com a veiculação de uma breve cena de um baile carnavalesco carioca, conforme se observa no trecho acima apresentado.

O Excerto 1 faz parte da sexta carta da escritora para seus familiares brasileiros, no início de 1991. Portanto, havia chegado à Alemanha recentemente e se deparava com uma nova forma de ver o mundo. Por esse motivo, poderíamos inferir que a escritora esboçava estranhamento diante da originalidade das situações e as experiências relatadas nesse excerto, de certo modo, frustrantes em relação ao não-festejo do carnaval.

Excerto 1
Carnaval 1991:

A tradução intercultural (BASSNETT 2007BASSNETT, Susan. Culture and Translation. In: KUHIWCZAK, Piotr; LITTAU, Karin (eds.). A Companion to Translation Studies. Topics in Translation: 34. Clevedon: Multilingual Matters, 2007, 13-23.) neste excerto mostra aos leitores a visão da escritora sobre o que acreditava ser esse aspecto da cultura alemã, inconformada com aquilo que à época interpretou como uma situação absurda de “não-comemoração do carnaval”, estabelecendo a oposição dessa perspectiva entre esses dois contextos culturais, segundo Agorni (2002AGORNI, Mirella. Translating Italy for the Eighteenth-Century Women, Translation and Travel Writing 1739-1797. London: Routledge, 2002.). Ao traçar a ideia da incomparabilidade entre ambos, a escritora parece acreditar que aspectos do contexto cultural brasileiro poderiam ser superiores nesse ponto, uma vez que dificilmente o carnaval seria suspenso no Brasil, especialmente no Rio de Janeiro, de acordo com sua visão. Analisando a descrição dessa situação, poder-se-ia inferir que a escritora se encontrava na fase etnocêntrica de Reação no contínuo FSI, quando percebia de forma acrítica as diferenças culturais, considerando que os brasileiros seriam superiores aos alemães. Essa polarização tinha como origem, segundo suas crenças, a impossibilidade de “os brasileiros” cancelarem a comemoração do carnaval, enquanto na Alemanha isso foi feito sem receio. O incômodo se faz notar no julgamento que a autora das cartas faz do cancelamento do carnaval alemão, claro na desalentada tradução intercultural da escritora.

Excerto 2
Carnaval 1992:

Devido à socialização na cidade do Rio de Janeiro, onde a escritora residia antes de sua ida para a Alemanha, e onde encontravam-se seus familiares leitores, podemos pressupor que sua expectativa em relação aos rituais de comemoração do carnaval devia estar preenchida com aqueles do carnaval carioca, sobretudo o desfile das escolas de samba. Provavelmente, essa era sua perspectiva sobre a realização da celebração carnavalesca, não só no colégio, mas também na rua. Na carta, a escritora afirma que quer ver a comemoração de rua, levando-nos a inferir que sua curiosidade sobre essa festa poderia sinalizar que estava sendo abastecida de mais padrões de interpretação (ALTMAYER 2004______. Kultur als Hypertext: Zu Theorie und Praxis der Kulturwissenschaft im Fach Deutsch als Fremdsprache. München: Iudicum, 2004., 2010______. Konzepte von Kultur im Kontext von Deutsch als Fremd- und Zweitsprache. In: KRUMM, Hans-Jürgen; FANDRYCH, Christian; HUFEISEN, Britta; RIEMER, Claudia (Hrsg.). Deutsch als Fremd- und Zweitsprache. Ein internationales Handbuch (Handbücher zur Sprach- und Kommunikationswissenschaft, 35). 2. Aufl. Berlin: de Gruyter, 2010, 1402-1413.), podendo dar mais sentido ao mundo à sua volta (ALTMAYER 2004______. Kultur als Hypertext: Zu Theorie und Praxis der Kulturwissenschaft im Fach Deutsch als Fremdsprache. München: Iudicum, 2004.), apontando para seu deslocamento em direção à fase de Amenização no FSI, tornando-a mais sensível à diversidade cultural. No entanto, ironiza as duas aulas de dança (AGORNI 2002AGORNI, Mirella. Translating Italy for the Eighteenth-Century Women, Translation and Travel Writing 1739-1797. London: Routledge, 2002.), dando a entender que seria pouco provável aprender em apenas duas aulas a dança do carnaval, uma vez que, impregnada por padrões correntes (BOSI 1992BOSI, Ecléa. Entre a opinião e o estereótipo. Novos Estudos CEBRAP, n. 32, 111-118, 1992. Disponível em: Disponível em: http://novosestudos.uol.com.br/produto/edicao-32/ (14.02.2020).
http://novosestudos.uol.com.br/produto/e...
) em sua mente, provavelmente a dança do carnaval, segundo suas crenças, seria o samba do Rio de Janeiro, indicando sua volta à etapa de Reação no FSI, em uma avaliação equivocada da superioridade do carnaval brasileiro no que se refere ao alemão.

Seu breve relato das vésperas do carnaval (CRONIN 2000CRONIN, Michael. Across the lines - Travel, Language, Translation. Cork: Cork University Press, 2000.; BASSNETT 2004______. Travelling and translating. World literature written in English, v. 40, n. 2, 66-76, 2004., 2007BASSNETT, Susan. Culture and Translation. In: KUHIWCZAK, Piotr; LITTAU, Karin (eds.). A Companion to Translation Studies. Topics in Translation: 34. Clevedon: Multilingual Matters, 2007, 13-23.) permite inferir, nesse excerto, algumas expectativas da escritora sobre essa festividade, como o caso de ser feriado apenas na segunda-feira de carnaval. Esse comentário, o único feriado de carnaval, sugere que a comemoração do carnaval no Brasil - e, nesse contexto, no Rio de Janeiro, uma vez que em outras cidades do Brasil a comemoração também não acontece dessa forma -, seria melhor do que na Alemanha (AGORNI 2002AGORNI, Mirella. Translating Italy for the Eighteenth-Century Women, Translation and Travel Writing 1739-1797. London: Routledge, 2002.), corroborando o julgamento da escritora sobre esse confronto entre as culturas: era estranho para ela, e certamente para seus leitores também, que iriam concordar com ela, e, portanto, permanece na etapa de Reação no FSI.

Excerto 3
Carnaval 1993:

Em seu último ano na Alemanha, a escritora optou por não participar do carnaval das mulheres (Weiberfastnacht), na quinta-feira antes do sábado de carnaval, fazendo, no relato a seus leitores, sua tradução intercultural (CRONIN 2000CRONIN, Michael. Across the lines - Travel, Language, Translation. Cork: Cork University Press, 2000.; BASSNETT 2004______. Travelling and translating. World literature written in English, v. 40, n. 2, 66-76, 2004., 2007BASSNETT, Susan. Culture and Translation. In: KUHIWCZAK, Piotr; LITTAU, Karin (eds.). A Companion to Translation Studies. Topics in Translation: 34. Clevedon: Multilingual Matters, 2007, 13-23.) do que é essa manifestação do carnaval no contexto cultural no qual estava inserida: nesse dia, as mulheres “têm o direito de fazer o que querem”. O tom irônico ajusta-se ao estágio de Reação no FSI, salientando a crítica às diferenças culturais, percebidas negativamente.

Mantendo seu tom irônico, a escritora discorre em seguida sobre os bailes de carnaval, que classificou como “gozadérrimos”, tendo em mente seus padrões correntes (BOSI 1992BOSI, Ecléa. Entre a opinião e o estereótipo. Novos Estudos CEBRAP, n. 32, 111-118, 1992. Disponível em: Disponível em: http://novosestudos.uol.com.br/produto/edicao-32/ (14.02.2020).
http://novosestudos.uol.com.br/produto/e...
) ao pensar, provavelmente, em bailes de carnaval cariocas, detalhando a seus leitores (CRONIN 2000CRONIN, Michael. Across the lines - Travel, Language, Translation. Cork: Cork University Press, 2000.; BASSNETT 2004______. Travelling and translating. World literature written in English, v. 40, n. 2, 66-76, 2004., 2007BASSNETT, Susan. Culture and Translation. In: KUHIWCZAK, Piotr; LITTAU, Karin (eds.). A Companion to Translation Studies. Topics in Translation: 34. Clevedon: Multilingual Matters, 2007, 13-23.) como eles acontecem na cidade alemã onde residiu. Mas sua avaliação da versão “alemã” da festa - na verdade, na localidade onde viveu - é depreciativa, avaliação essa reforçada pelo relato sobre as pessoas presentes, que permanecem sentadas, atitude improvável em um baile de carnaval carioca, segundo suas crenças. Assim, recortes desse baile de carnaval carioca provavelmente interceptam a descrição do baile na Alemanha, em Wersen, no curso dessa descrição em direção à sua consciência (BOSI 1992BOSI, Ecléa. Entre a opinião e o estereótipo. Novos Estudos CEBRAP, n. 32, 111-118, 1992. Disponível em: Disponível em: http://novosestudos.uol.com.br/produto/edicao-32/ (14.02.2020).
http://novosestudos.uol.com.br/produto/e...
), quando mais uma vez a dicotomia “alemães” versus “brasileiros” da fase de Reação no FSI se estabelece, considerando que “brasileiros” são provavelmente melhores do que “alemães” (AGORNI 2002AGORNI, Mirella. Translating Italy for the Eighteenth-Century Women, Translation and Travel Writing 1739-1797. London: Routledge, 2002.).

Em sua tradução intercultural (CRONIN 2000CRONIN, Michael. Across the lines - Travel, Language, Translation. Cork: Cork University Press, 2000.; BASSNETT 2004______. Travelling and translating. World literature written in English, v. 40, n. 2, 66-76, 2004., 2007BASSNETT, Susan. Culture and Translation. In: KUHIWCZAK, Piotr; LITTAU, Karin (eds.). A Companion to Translation Studies. Topics in Translation: 34. Clevedon: Multilingual Matters, 2007, 13-23.), a escritora buscou palavras que pudessem fazer seus leitores compreenderem a ideia de um desfile de carnaval na sua cidade alemã, com o conhecimento desses leitores sobre o carnaval carioca. Apresenta o desfile a esses e menciona semelhanças entre o desfile que considera “alemão” e o carioca, pelo fato de haver grupos distintos de fantasias, e de alguns carros também enfeitados levarem pessoas fantasiadas, similares às escolas de samba do Rio de Janeiro, com alas e carros alegóricos. Entretanto, os aspectos que mais lhe causaram surpresa no cortejo de carnaval foram não só os doces jogados pelos participantes para aqueles que assistiam ao desfile, mas também a ausência de música - já que esperava algo provavelmente como o samba-enredo de uma escola de samba -, substituída pela palavra helau10 10 Helau é uma interjeição correspondente a “hurra” ou “viva”, utilizada como grito de carnaval em algumas regiões da Alemanha (DUDEN 2001: 738). , repetida continuamente durante o cortejo, sugerindo uma convocação à participação do público na festa. Mais uma vez as expectativas da escritora em relação a um desfile de carnaval são preenchidas com os significados atribuídos por padrões culturais de interpretação adotados por ela (ALTMAYER 2004______. Kultur als Hypertext: Zu Theorie und Praxis der Kulturwissenschaft im Fach Deutsch als Fremdsprache. München: Iudicum, 2004., 2010______. Konzepte von Kultur im Kontext von Deutsch als Fremd- und Zweitsprache. In: KRUMM, Hans-Jürgen; FANDRYCH, Christian; HUFEISEN, Britta; RIEMER, Claudia (Hrsg.). Deutsch als Fremd- und Zweitsprache. Ein internationales Handbuch (Handbücher zur Sprach- und Kommunikationswissenschaft, 35). 2. Aufl. Berlin: de Gruyter, 2010, 1402-1413.) marcados por sua socialização no contexto carioca mais especificamente, e, portanto, enfatiza sua percepção de que as diferenças culturais são polos opostos, fato que define a persistência de seu posicionamento na etapa de Reação no FSI.

Depois do desfile na cidade, voltaram para casa da escritora ela, seu filho e as crianças alemãs amigas dele, sem suas mães. Lá a festa de carnaval continuou, mas com horário marcado para terminar. Essa combinação de aspectos culturais que a escritora poderia entender como “alemães” (a definição do horário do término da festa) e “brasileiros” (um grupo de crianças comemorando o carnaval em casa) pode situá-la na etapa de Conexão no FSI, na qual o indivíduo enfatiza a perspectiva do outro contexto cultural para entender e ser entendido entre a liminaridade cultural.

A tradução intercultural da escritora deixa também inferir que o boné cheio de balinhas recolhidas no desfile de carnaval da cidade poderia ser uma nova experiência não só para seu filho, mas também para ela, permitindo-lhe ampliar seu repertório de comportamentos e de padrões de interpretação (ALTMAYER 2004______. Kultur als Hypertext: Zu Theorie und Praxis der Kulturwissenschaft im Fach Deutsch als Fremdsprache. München: Iudicum, 2004., 2010______. Konzepte von Kultur im Kontext von Deutsch als Fremd- und Zweitsprache. In: KRUMM, Hans-Jürgen; FANDRYCH, Christian; HUFEISEN, Britta; RIEMER, Claudia (Hrsg.). Deutsch als Fremd- und Zweitsprache. Ein internationales Handbuch (Handbücher zur Sprach- und Kommunikationswissenschaft, 35). 2. Aufl. Berlin: de Gruyter, 2010, 1402-1413.), de modo que pudesse se sentir participante ativa daquele novo contexto cultural, atuando em um entre- lugar (BHABHA 1998BHABHA, Homi K. O local da cultura. Tradução: Ávila, Míriam; Reis, Eliana Lourenço de Lima; Gonçalves, Gláucia Renate. Belo Horizonte: Editora UFMG, 1998.) em que fronteiras culturais se tornam imprecisas, e na qual as diferenças fomentam a adequação do indivíduo à sua atuação no contexto cultural alternativo, características da etapa de Conexão no FSI.

Analisando a tradução intercultural da escritora, o que deixa perceber suas crenças, a cena mais improvável para uma carioca, nesse excerto, seria presenciar um desfile de carnaval com neve, uma vez que este é comemorado no verão tropical, no Rio de Janeiro. Essa frase demonstra o sentimento entre estranhamento e deslumbramento da escritora, apontando para sua abertura à diversidade, a redefinições mais abrangentes de seu conjunto de comportamentos, e ampliando sua empatia intercultural, a sua concepção de alteridade, outra característica da fase de Conexão no FSI.

Continuando seu relato detalhado (BASSNETT 1998______. When is a Translation not a Translation? In: BASSNETT, Susan; LEFEVERE, André (eds.). Constructing Cultures: Essays on Literary Translation. Topics in Translation: 11. Clevedon: Multilingual Matters, 1998, 25-40.), a escritora registra em seguida a viagem às montanhas no domingo de carnaval. Já podemos perceber, nesse trecho, sua sensação de entendimento e, consequentemente, até de pertencimento àquele novo contexto cultural, tanto pela frequente consulta à previsão do tempo, quanto por sua autodefinição como verdadeira “alemoa”, na medida em que reproduz o hábito de muitas famílias do local onde viveu, ao levar comidas e bebidas de casa para serem consumidas durante um dia de passeio. Essa autodefinição pode ser entendida como um misto de ironia pejorativa e ao mesmo tempo de aceitação, pois já era capaz de lidar com seu próprio entre-lugar na fronteira entre diferentes culturas, uma brasileira atuando como uma verdadeira “alemoa”, mas não uma verdadeira alemã - e já podia articular essas diferenças (BHABHA 1998BHABHA, Homi K. O local da cultura. Tradução: Ávila, Míriam; Reis, Eliana Lourenço de Lima; Gonçalves, Gláucia Renate. Belo Horizonte: Editora UFMG, 1998.). Também o boneco de neve com sua caracterização, além da neve em si, muito distantes da realidade carioca em que vivia, se apresentaram como experiências prazerosas. Percebe-se ainda a tentativa de conciliação possível das diferenças culturais por ela subsumidas, uma vez que pode assumir uma identidade intercultural, somando essa tentativa à sua própria identidade, colocando-a no estágio de Construção no FSI.

Concluindo este excerto - e o relato sobre as atividades no carnaval -, a escritora informa sobre a excelência de seu feriado. E no dia seguinte às celebrações volta à rotina, demonstrando sua capacidade de atribuir sentido aos eventos e acontecimentos ao seu redor (ALTMAYER 2010______. Konzepte von Kultur im Kontext von Deutsch als Fremd- und Zweitsprache. In: KRUMM, Hans-Jürgen; FANDRYCH, Christian; HUFEISEN, Britta; RIEMER, Claudia (Hrsg.). Deutsch als Fremd- und Zweitsprache. Ein internationales Handbuch (Handbücher zur Sprach- und Kommunikationswissenschaft, 35). 2. Aufl. Berlin: de Gruyter, 2010, 1402-1413.), conforme a fase de Construção no FSI.

O processo de construção da sensibilização intercultural da escritora viajante, que reflete a análise da tradução intercultural dos eventos relatados nos três excertos, inicia- se em 1991 no estágio de Reação no FSI, segunda etapa etnocêntrica. Entretanto, no ano seguinte, esse processo desemboca no terceiro estágio etnocêntrico de Amenização, retornando em seguida à fase etnocêntrica de Reação, onde permanece até o final de 1992. Em 1993, sua construção da sensibilização intercultural recomeça na etapa etnocêntrica de Reação - como em 1991 -, na qual se mantém, para em seguida mover-se no sentido etnorrelativo do contínuo em direção ao estágio de Conexão, onde permanece. Por fim, desloca-se para a última etapa etnorrelativa, a Construção, na qual se mantém em pausa até o último evento de seu relato de viagem.

Desse modo, considerando determinados excertos de relatos das comemorações de carnaval contidos nas cartas, podemos observar alguns estágios do processo de construção da sensibilização intercultural pelo qual a escritora viajante passou, levando- nos a observar as diferentes posições que adotou, ao negociar sentidos nesse entre-lugar das culturas (BHABHA 1998BHABHA, Homi K. O local da cultura. Tradução: Ávila, Míriam; Reis, Eliana Lourenço de Lima; Gonçalves, Gláucia Renate. Belo Horizonte: Editora UFMG, 1998.), sem fronteiras claramente definidas, de modo fluido e individual, sem fases e direções predeterminadas.

6.2 A tomada de consciência de aspectos relevantes para o ensino de línguas

A análise das cartas da escritora viajante apresentada na subseção anterior nos leva a tomar consciência de um primeiro aspecto relevante para a aula de línguas: a importância da escolha dos temas culturais a serem trabalhados em sala de aula, conforme apontado por Rösler (2012RÖSLER, Dietmar. Deutsch als Fremdsprache. Eine Einführung. Stuttgart, Weimar: J.B. Metzler, 2012.). A princípio, poder-se-ia imaginar que o tema “festejos de carnaval” seria um ponto pacífico para o aluno de alemão no Brasil, mesmo para aqueles que não gostam ou que não festejam o carnaval carioca, pois este é apresentado mundialmente através da mídia. No entanto, esse tema suscitou na escritora viajante diversos questionamentos diante dos acontecimentos que vivenciou, visto que pouco se noticiou a respeito do carnaval carioca na mídia alemã à época, motivando inicialmente seu posicionamento etnocêntrico frente às novas experiências interculturais.

De acordo com Rösler (2012RÖSLER, Dietmar. Deutsch als Fremdsprache. Eine Einführung. Stuttgart, Weimar: J.B. Metzler, 2012.), conforme apontado na seção 4, a escolha de temas para a aula de línguas deve ser baseada em critérios, especialmente quando se trata do ensino de aspectos culturais. À primeira vista pode-se considerar que o tema festas / festividades ou mesmo comemorações está no âmbito da faktische Landeskunde, ou seja, da transmissão de informações culturais factuais ou objetivas. No entanto, conforme adverte Rösler (2012RÖSLER, Dietmar. Deutsch als Fremdsprache. Eine Einführung. Stuttgart, Weimar: J.B. Metzler, 2012.: 200), é preciso distinguir fatos (Fakten) de imagens (Bilder) no ensino de Landeskunde.

A análise das cartas neste artigo demonstra que a escritora viajante teve “acesso a um novo mundo, a outros valores e conceitos, a outras atitudes e comportamentos”, o que acontece também, de acordo com Koreik (2013KOREIK, Uwe. Landeskunde. In: AHRENHOLZ, Bernt; OOMEN-WELKE, Ingelore. Handbuch Deutsch als Fremdsprache (= Deutschunterricht in Theorie und Praxis, Band 10). Baltmannsweiler: Schneider, 2013, 162-170.: 162), ao se aprender uma língua. Isso suscita a tomada de consciência de um segundo aspecto relevante para a aula de línguas: Assim como a escritora viajante adentrou esse novo contexto cultural, ao vivenciar diversas situações culturais novas em sua estada no país da língua-alvo, os aprendizes de língua alemã também entram em contato com novas manifestações e novos aspectos culturais, porém, na e através da sala de aula. É também no processo ensino- aprendizagem que travará seu encontro com a diversidade cultural manifestada pela e através da língua-alvo. Dessa forma, é de extrema relevância que se trabalhe em sala de aula com textos (em seu sentido amplo) que possibilitem ao aprendiz experimentar e vivenciar diversas situações e manifestações culturais. São esses textos que abastecerão os alunos com informações, de modo que se forme “um fundo de conhecimento (coletivo) que [lhes] permite dar sentido ao mundo ao [seu] redor, [...] orientação às [suas] ações”, segundo Altmayer (2010______. Konzepte von Kultur im Kontext von Deutsch als Fremd- und Zweitsprache. In: KRUMM, Hans-Jürgen; FANDRYCH, Christian; HUFEISEN, Britta; RIEMER, Claudia (Hrsg.). Deutsch als Fremd- und Zweitsprache. Ein internationales Handbuch (Handbücher zur Sprach- und Kommunikationswissenschaft, 35). 2. Aufl. Berlin: de Gruyter, 2010, 1402-1413.: 1408-1409). Além disso, conforme a escritora viajante foi vivenciando novas experiências culturais, seu repertório de informações era enriquecido, o que lhe permitia compreender cada vez melhor e atribuir novos significados aos acontecimentos à sua volta. Podemos, com isso, tomar consciência de que, no ensino, o aprendiz terá novas experiência e vivências culturais, tão logo se levem textos mais diversificados e com temas variados para a sala de aula, o que lhe permitirá, também, ampliar seu repertório de informações de modo a abrir seus horizontes para novos significados, novas interpretações.

A partir da análise das cartas neste artigo, emerge também a conscientização sobre um terceiro aspecto: assim como a escritora viajante era a tradutora intercultural de suas vivências e experiências para seus leitores, o professor também pode exercer o papel de tradutor intercultural na sala de aula. Conforme apresentado na seção 5, o tradutor intercultural está em um entre-lugar em meio a línguas e culturas e escreve tendo em vista seu leitor, buscando, por essa razão, empregar estratégias que possam possibilitar a esse leitor atribuir significados, interpretar os acontecimentos narrados em seus escritos (ZIPSER; AIO 2011ZIPSER, Meta Elisabeth; AIO, Michelle de Abreu. Tradutor jornalista ou jornalista tradutor? A atividade tradutória enquanto representação cultural. Gragoatá, v. 16, n. 31, 107-118, 2011.). Desse modo, o professor, assim como o tradutor intercultural (LIMA 2021LIMA, Adriana Borgerth Vial Corrêa. Festas na Alemanha nas cartas de uma brasileira: Fluxo de Sensibilização Intercultural e Ensino de Português como Segunda Língua para Estrangeiros (PL2E). Tese (Doutorado em Estudos da Linguagem). Rio de Janeiro: Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, 2021.), também desempenha o papel de mediador (BASSNETT 2004______. Travelling and translating. World literature written in English, v. 40, n. 2, 66-76, 2004., 2007BASSNETT, Susan. Culture and Translation. In: KUHIWCZAK, Piotr; LITTAU, Karin (eds.). A Companion to Translation Studies. Topics in Translation: 34. Clevedon: Multilingual Matters, 2007, 13-23.; CRONIN 2000CRONIN, Michael. Across the lines - Travel, Language, Translation. Cork: Cork University Press, 2000.) na compreensão do que é relatado ou abordado nos textos trabalhados em sala de aula por parte de seus alunos-leitores. Cabe ressaltar também neste momento, no entanto, que a tradução intercultural, conforme exposto na seção 5, é concebida aqui em seu sentido amplo, isto é, como produção de sentidos e significados que transcendem dois contextos linguísticos e culturais. Sendo assim, será possível contribuir para a formação de um indivíduo consciente de que a “articulação social da diferença [...] é uma negociação complexa, em andamento, que procura conferir autoridade aos hibridismos culturais que emergem em momentos de transformação [...]” (BHABHA 1998BHABHA, Homi K. O local da cultura. Tradução: Ávila, Míriam; Reis, Eliana Lourenço de Lima; Gonçalves, Gláucia Renate. Belo Horizonte: Editora UFMG, 1998.: 20-21).

Por fim, a proposta do Fluxo de Sensibilização Intercultural (FSI) (LIMA 2021LIMA, Adriana Borgerth Vial Corrêa. Festas na Alemanha nas cartas de uma brasileira: Fluxo de Sensibilização Intercultural e Ensino de Português como Segunda Língua para Estrangeiros (PL2E). Tese (Doutorado em Estudos da Linguagem). Rio de Janeiro: Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, 2021.), que serviu de base para a análise do processo de construção da sensibilização intercultural, através da prática tradutória (tomada em sentido amplo, ou seja, como prática de interpretação, atribuição de significados) da escritora viajante, trouxe-nos também a conscientização de que a construção intercultural é um contínuo, com idas e vindas, e que, portanto, não pode ser visto como algo fechado, estático. Considerando o processo ensino-aprendizagem, o FSI se mostra como uma possibilidade para que o professor compreenda não só a construção da sensibilização intercultural dos alunos, mas também a sua própria, visto que se trata de um processo bastante complexo. O FSI, como base para compreender a construção da sensibilização intercultural dos aprendizes na aula de língua, pode apoiar o professor no trabalho com objetivos de aprendizagem que prevejam fomentar o desenvolvimento do entendimento do estrangeiro (das Fremdverstehen, conforme ALTMAYER 2004______. Kultur als Hypertext: Zu Theorie und Praxis der Kulturwissenschaft im Fach Deutsch als Fremdsprache. München: Iudicum, 2004.), bem como o desenvolvimento de alteridade, de tolerância crítica (ABCD-THESEN 1990ABCD-THESEN. Fremdsprache Deutsch, V. 3, 60-61, 1990.: 16) e “de capacidade de percepção e de empatia” (WEIMANN & HOSCH 1993WEIMANN, Gunther; HOSCH, Wolfram: Kulturverstehen im Deutschunterricht. Ein Projekt zur Lehrerfortbildung. Informationen Deutsch als Fremdsprache, v. 20, n. 5, 514-523, 1993.: 516).

7 Considerações finais

O consenso de que não devemos dissociar o ensino de línguas de seu contexto cultural de uso é ponto pacífico no processo ensino-aprendizagem. Há, no entanto, ainda o debate do que se compreende como o componente cultural que deve fazer parte da aula de línguas e, principalmente, de que forma esse conteúdo deve ser trabalhado em sala de aula e qual(is) objetivo(s) de aprendizagem estão ali subjacentes.

No âmbito dos Estudos Culturais mais recentes, entendemos cultura como um tecido híbrido, como um “terceiro espaço” (BHABHA 1998BHABHA, Homi K. O local da cultura. Tradução: Ávila, Míriam; Reis, Eliana Lourenço de Lima; Gonçalves, Gláucia Renate. Belo Horizonte: Editora UFMG, 1998.), no qual acontecem encontros e negociação intercultural, do qual emergem interpretação e (re)significação de sentidos (FREITAG 2010FREITAG, Britta. Transkulturelles Lernen. In: Hallet, Wolfgang; Königs, Frank G. (Hrsg.). Handbuch Fremdsprachendidaktik. Seelze-Velber: Klett / Kallmeyer, 2010, 125-129.). Culturas são constituídas por uma multiplicidade de identidades, são dotadas de contornos transfronteiriços, não são um todo homogêneo e nem estão encerradas em territórios nacionais (WELSCH 1995WELSCH, Wolfgang. Transkulturalität. Zeitschrift für Kulturaustausch [Online]. Schwerpunktthema Migration und Kultureller Wandel, v. 45, n. 1, 1-4, 1995. Disponível em: Disponível em: https://www.kultur-vermittlung.ch/zeit-fuer- vermittlung/download/materialpool/MFV0104.pdf (13/08/2021).
https://www.kultur-vermittlung.ch/zeit-f...
; BOLTEN 2007BOLTEN, Jürgen. Interkulturelle Kompetenz. Landeszentrale für Politische Bildung Thüringen. LZT: Erfurt, 2007.; ALTMAYER 2010______. Konzepte von Kultur im Kontext von Deutsch als Fremd- und Zweitsprache. In: KRUMM, Hans-Jürgen; FANDRYCH, Christian; HUFEISEN, Britta; RIEMER, Claudia (Hrsg.). Deutsch als Fremd- und Zweitsprache. Ein internationales Handbuch (Handbücher zur Sprach- und Kommunikationswissenschaft, 35). 2. Aufl. Berlin: de Gruyter, 2010, 1402-1413.; KRAMSCH 2010______. Theorizing translingual/transcultural competence. In Levine, G.; Phipps, A. (eds.). Critical and intercultural theory and language pedagogy. Boston: Heinle, 2010, 15-31., 2013______. Culture in foreign language teaching. Iranian Journal of Language Teaching Research, v. 1, n. 1, 57-78, 2013. Disponível em: https://files.eric.ed.gov/fulltext/EJ1127430.pdf (05.08.2021).
https://files.eric.ed.gov/fulltext/EJ112...
).

Os acontecimentos registrados nas cartas analisadas neste artigo são os relatos de viagem, nos quais a autora narra à sua família no Brasil, na cidade do Rio de Janeiro, o confronto entre estranho e familiar nas situações vivenciadas por ela, durante sua estada na Alemanha, na cidade de Wersen. Assim, atua como escritora viajante, expondo detalhadamente nas cartas a interpretação de suas experiências, realizando a tradução intercultural para possibilitar a seus leitores a compreensão de outra realidade, deles desconhecida, utilizando-se de estratégias tradutórias, transitando entre línguas e contextos culturais.

Trazendo o conceito de tradução intercultural para a aula de línguas, percebemos que o professor também atua em um espaço híbrido entre culturas, em um entre-lugar linguístico e cultural, auxiliando seus aprendizes em seu processo de construção da sensibilização intercultural, sendo ele igualmente tradutor intercultural. Desse modo,

aprendizes podem se aproximar dos padrões culturais de interpretação, que podem se tornar explícitos através da compreensão do estrangeiro (Fremdverstehen) (ALTMAYER 2004______. Kultur als Hypertext: Zu Theorie und Praxis der Kulturwissenschaft im Fach Deutsch als Fremdsprache. München: Iudicum, 2004.), e, dessa forma, estão em posição de negociar sentidos nesse entre-lugar das culturas, sem fronteiras claramente definidas (BHABHA 1998BHABHA, Homi K. O local da cultura. Tradução: Ávila, Míriam; Reis, Eliana Lourenço de Lima; Gonçalves, Gláucia Renate. Belo Horizonte: Editora UFMG, 1998.).

A construção da sensibilização intercultural da escritora viajante foi percebida por meio da sua prática tradutória, ou seja, pelo registro, em cartas pessoais, de suas interpretações a respeito das manifestações culturais que vivenciou durante sua estada em um espaço de língua alemã. Essa construção da sensibilização pode ser melhor compreendida através do Fluxo de Sensibilização Intercultural (FSI) (LIMA 2021LIMA, Adriana Borgerth Vial Corrêa. Festas na Alemanha nas cartas de uma brasileira: Fluxo de Sensibilização Intercultural e Ensino de Português como Segunda Língua para Estrangeiros (PL2E). Tese (Doutorado em Estudos da Linguagem). Rio de Janeiro: Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, 2021.), um modelo que pressupõe um deslocamento contínuo, porém fluido, que considera movimentos de avanço e retrocesso, não sendo assim obrigatório que esses movimentos aconteçam apenas do sentido etnocêntrico ao etnorrelativo. É importante, no entanto, ressaltar aqui que não desejamos com o FSI propor modelos interpretativos, mas sim parâmetros que possam dar suporte à compreensão da complexibilidade envolvida na construção da sensibilização intercultural.

Para Koreik (2013KOREIK, Uwe. Landeskunde. In: AHRENHOLZ, Bernt; OOMEN-WELKE, Ingelore. Handbuch Deutsch als Fremdsprache (= Deutschunterricht in Theorie und Praxis, Band 10). Baltmannsweiler: Schneider, 2013, 162-170.: 166), os “requisitos para uma boa aula de Landeskunde estão sujeitos a modismos e tendências, mas os efeitos reais do ensino, incluindo o comportamento do professor, dificilmente têm sido investigados empiricamente de forma sistemática”. Isso posto, com nosso artigo pretendemos contribuir para que a área de Alemão como Língua Estrangeira no Brasil, no que tange à Didática e à Formação de Professores, volte olhares para modos de abordar questões culturais no ensino de línguas, pois, apesar de estudos a esse respeito serem realizados desde os fins dos anos de 1980, ainda há perguntas em aberto não só sobre os conteúdos culturais que devem ser objetivos de aprendizagem, mas, principalmente, de que modo devem ser abordados.

Referências bibliográficas

  • ABCD-THESEN. Fremdsprache Deutsch, V. 3, 60-61, 1990.
  • AGORNI, Mirella. Translating Italy for the Eighteenth-Century Women, Translation and Travel Writing 1739-1797. London: Routledge, 2002.
  • ALTMAYER, Claus. Zum Kulturbegriff des Faches Deutsch als Fremdsprache. Zeitschrift für Interkulturellen Fremdsprachenunterricht [Online], v. 2, n. 2, 1-25, 1997. Disponível em: Disponível em: https://ojs.tujournals.ulb.tu-darmstadt.de/index.php/zif/article/view/717/694 (02.08.2021).
    » https://ojs.tujournals.ulb.tu-darmstadt.de/index.php/zif/article/view/717/694
  • ______. Kultur als Hypertext: Zu Theorie und Praxis der Kulturwissenschaft im Fach Deutsch als Fremdsprache. München: Iudicum, 2004.
  • ______. ‚Kulturelle Deutungsmuster‘ als Lerngegenstand. Zur kulturwissenschaftlichen Transformation der ‚Landeskunde‘. Fremdsprachen Lehren und Lernen, v. 35, 44-59, 2006.
  • ______. Konzepte von Kultur im Kontext von Deutsch als Fremd- und Zweitsprache. In: KRUMM, Hans-Jürgen; FANDRYCH, Christian; HUFEISEN, Britta; RIEMER, Claudia (Hrsg.). Deutsch als Fremd- und Zweitsprache. Ein internationales Handbuch (Handbücher zur Sprach- und Kommunikationswissenschaft, 35). 2. Aufl. Berlin: de Gruyter, 2010, 1402-1413.
  • ALVAREZ, Lucía E. B. O seu alemão serve para comunicar? Uma análise de livros didáticos de alemão como língua estrangeira para adolescentes sob a perspectiva da teoria do agir comunicativo. Dissertação (Mestrado em Estudos da Linguagem), Departamento de Educação, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2013.
  • BARMEYER, Christoph. Taschenlexikon Interkulturalität. Göttingen: Vandenhoeck & Ruprecht (UTB), 2012.
  • BASSNETT, Susan. Culture and Translation. In: KUHIWCZAK, Piotr; LITTAU, Karin (eds.). A Companion to Translation Studies. Topics in Translation: 34. Clevedon: Multilingual Matters, 2007, 13-23.
  • ______. Travelling and translating. World literature written in English, v. 40, n. 2, 66-76, 2004.
  • ______. When is a Translation not a Translation? In: BASSNETT, Susan; LEFEVERE, André (eds.). Constructing Cultures: Essays on Literary Translation. Topics in Translation: 11. Clevedon: Multilingual Matters, 1998, 25-40.
  • BENNETT, Milton James. Becoming interculturally competent. In: WURZEL, Jaime S. (ed.). Toward multiculturalism: A reader in multicultural education. Newton: Intercultural Resource Corporation, 2004.
  • ______. Intercultural Communication: A Current Perspective. In: BENNETT, Milton James (ed.). Basic concepts of intercultural communication: Selected readings. Yarmouth, ME: Intercultural Press, 1-34, 1998.
  • BHABHA, Homi K. O local da cultura. Tradução: Ávila, Míriam; Reis, Eliana Lourenço de Lima; Gonçalves, Gláucia Renate. Belo Horizonte: Editora UFMG, 1998.
  • BOHUNOVSKY, Ruth. O ensino de línguas estrangeiras no Brasil e a “compreensão do estrangeiro”: o papel da tradução. Revista Horizontes De Linguística Aplicada, v. 8, n. 2, 170-184, 2009. Disponível em: Disponível em: https://doi.org/10.26512/rhla.v8i2.749 (09.08.2021).
    » https://doi.org/10.26512/rhla.v8i2.749
  • BOLTEN, Jürgen. Interkulturelle Kompetenz. Landeszentrale für Politische Bildung Thüringen. LZT: Erfurt, 2007.
  • BOSI, Ecléa. Entre a opinião e o estereótipo. Novos Estudos CEBRAP, n. 32, 111-118, 1992. Disponível em: Disponível em: http://novosestudos.uol.com.br/produto/edicao-32/ (14.02.2020).
    » http://novosestudos.uol.com.br/produto/edicao-32/
  • CRONIN, Michael. Across the lines - Travel, Language, Translation. Cork: Cork University Press, 2000.
  • DUDENREDAKTION (Hrsg.). Duden: Deutsches Universalwörterbuch. 4. neu bearbeitete und erweiterte Auflage. Mannheim: Dudenverlag, 2001.
  • EAGLETON, Terry. A idéia de cultura. São Paulo: Editora UNESP, 2005.
  • FREITAG, Britta. Transkulturelles Lernen. In: Hallet, Wolfgang; Königs, Frank G. (Hrsg.). Handbuch Fremdsprachendidaktik. Seelze-Velber: Klett / Kallmeyer, 2010, 125-129.
  • GEERTZ, Clifford. A interpretação das culturas. Tradução de: The interpretation of cultures. l. ed. 13ª reimpr. Rio de Janeiro: LTC, 2008.
  • KOREIK, Uwe. Landeskunde. In: AHRENHOLZ, Bernt; OOMEN-WELKE, Ingelore. Handbuch Deutsch als Fremdsprache (= Deutschunterricht in Theorie und Praxis, Band 10). Baltmannsweiler: Schneider, 2013, 162-170.
  • KRAMSCH, Claire. Context and Culture in Language Teaching. Oxford: Oxford University Press, 1993.
  • ______. The Cultural Component of Language Teaching. Zeitschrift für Interkulturellen Fremdsprachenunterricht. [Online], v. 1, n. 2, 1-10, 1996. Disponível em: https://ojs.tujournals.ulb.tu-darmstadt.de/index.php/zif/article/view/741/718 (15.08.2021).
    » https://ojs.tujournals.ulb.tu-darmstadt.de/index.php/zif/article/view/741/718
  • ______. Language and Culture. Oxford: Oxford University Press, 1998.
  • ______. The Multilingual Subject. Oxford: Oxford University Press, 2009.
  • ______. Theorizing translingual/transcultural competence. In Levine, G.; Phipps, A. (eds.). Critical and intercultural theory and language pedagogy. Boston: Heinle, 2010, 15-31.
  • ______. Culture in foreign language teaching. Iranian Journal of Language Teaching Research, v. 1, n. 1, 57-78, 2013. Disponível em: https://files.eric.ed.gov/fulltext/EJ1127430.pdf (05.08.2021).
    » https://files.eric.ed.gov/fulltext/EJ1127430.pdf
  • LEFFA, V.; IRALA, V. B. O ensino e outra(s) língua(s) na contemporaneidade: questões conceituais e metodológicas. In: LEFFA, Vilson; IRALA, Valesca Brasil (orgs.). Uma espiadinha na sala de aula: ensinando línguas adicionais no Brasil. Pelotas: Educat, 2014, 21-48.
  • LIMA, Adriana Borgerth Vial Corrêa. Festas na Alemanha nas cartas de uma brasileira: Fluxo de Sensibilização Intercultural e Ensino de Português como Segunda Língua para Estrangeiros (PL2E). Tese (Doutorado em Estudos da Linguagem). Rio de Janeiro: Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, 2021.
  • PAULDRACH, Andreas. Eine unendliche Geschichte. Anmerkungen zur Situation der Landeskunde in den 90er Jahren. Berlin: Fremdsprache Deutsch, n. 6, 4-15, 1992.
  • POLEZZI, Loredana. Translating Travel - Contemporary Italian Travel Writing in English Translation (Studies in European Cultural Transition). Oxon: Routledge, 2016 [2001].
  • RÖSLER, Dietmar. Deutsch als Fremdsprache. Eine Einführung. Stuttgart, Weimar: J.B. Metzler, 2012.
  • SMITH, Sidonie; Watson, Julia. Reading Autobiography. A Guide for Interpreting Life Narratives. 2. ed. Minneapolis: University of Minnesota Press, 2010 [2001].
  • SCHÜTZ, Alfred. O Estrangeiro - Um ensaio em Psicologia Social. Tradução Márcio Duarte; Michael Hanke. Revista Espaço Acadêmico, v.10, n. 113, 117-129, 2010 [1944].
  • STANKE, Roberta Cristina Sol Fernandes. Cultura e Interculturalidade na formação do professor de alemão no Rio de Janeiro. Tese (Doutorado em Linguística Aplicada). Rio de Janeiro: Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2014.
  • STANLEY, Liz. The Epistolarium: On Theorizing Letters and Correspondences. Auto/Biography, v. 12, n. 3, p. 201-235, 2004. Disponível em: Disponível em: https://www.researchgate.net/publication/250263857_The_Epistolarium_On_Theorizin g_Letters_and_Correspondences (03.03.2019).
    » https://www.researchgate.net/publication/250263857_The_Epistolarium_On_Theorizin g_Letters_and_Correspondences
  • TOURY, Gideon. Descriptive Translation Studies and Beyond. Amsterdam, Philadelphia: JB Publishing Company, 1995.
  • UPHOFF, Dörthe. DaF, DaZ, DaT, Língua Adicional: Wissensordnungen und Subjektpositionen in der Didaktik des Deutschen als Nicht-L1. Pandaemonium Germanicum, v. 24, n. 43, 38-65, 2021.
  • WEIMANN, Gunther; HOSCH, Wolfram: Kulturverstehen im Deutschunterricht. Ein Projekt zur Lehrerfortbildung. Informationen Deutsch als Fremdsprache, v. 20, n. 5, 514-523, 1993.
  • WELSCH, Wolfgang. Transkulturalität. Zeitschrift für Kulturaustausch [Online]. Schwerpunktthema Migration und Kultureller Wandel, v. 45, n. 1, 1-4, 1995. Disponível em: Disponível em: https://www.kultur-vermittlung.ch/zeit-fuer- vermittlung/download/materialpool/MFV0104.pdf (13/08/2021).
    » https://www.kultur-vermittlung.ch/zeit-fuer- vermittlung/download/materialpool/MFV0104.pdf
  • ZIPSER, Meta Elisabeth; AIO, Michelle de Abreu. Tradutor jornalista ou jornalista tradutor? A atividade tradutória enquanto representação cultural. Gragoatá, v. 16, n. 31, 107-118, 2011.
  • 1
    Todas as traduções das citações neste artigo são de autoria das autoras.
  • 2
    Para uma discussão mais aprofundada e pormenorizada sobre Landeskunde fazemos referência a Stanke (2014STANKE, Roberta Cristina Sol Fernandes. Cultura e Interculturalidade na formação do professor de alemão no Rio de Janeiro. Tese (Doutorado em Linguística Aplicada). Rio de Janeiro: Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2014.) e Alvarez (2013ALVAREZ, Lucía E. B. O seu alemão serve para comunicar? Uma análise de livros didáticos de alemão como língua estrangeira para adolescentes sob a perspectiva da teoria do agir comunicativo. Dissertação (Mestrado em Estudos da Linguagem), Departamento de Educação, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2013.).
  • 3
    Alemão como Língua Estrangeira / Segunda Língua aqui, conforme a citação de Altmayer (2010______. Konzepte von Kultur im Kontext von Deutsch als Fremd- und Zweitsprache. In: KRUMM, Hans-Jürgen; FANDRYCH, Christian; HUFEISEN, Britta; RIEMER, Claudia (Hrsg.). Deutsch als Fremd- und Zweitsprache. Ein internationales Handbuch (Handbücher zur Sprach- und Kommunikationswissenschaft, 35). 2. Aufl. Berlin: de Gruyter, 2010, 1402-1413.), refere-se a áreas de pesquisa (Deutsch als Fremdsprache - DaF - e Deutsch als Zweitsprache - DaZ). Aproveitamos para mencionar que não faremos neste trabalho a distinção entre os termos “língua estrangeira”, “segunda língua” ou mesmo “língua adicional” e utilizaremos, quando necessário, o termo “língua estrangeira” como paralelismo ao nome da área em que se circunscreve este trabalho. Para uma discussão aprofundada sobre este tema sugerimos a leitura de Leffa & Irala (2014LEFFA, V.; IRALA, V. B. O ensino e outra(s) língua(s) na contemporaneidade: questões conceituais e metodológicas. In: LEFFA, Vilson; IRALA, Valesca Brasil (orgs.). Uma espiadinha na sala de aula: ensinando línguas adicionais no Brasil. Pelotas: Educat, 2014, 21-48.) e de Uphoff (2021UPHOFF, Dörthe. DaF, DaZ, DaT, Língua Adicional: Wissensordnungen und Subjektpositionen in der Didaktik des Deutschen als Nicht-L1. Pandaemonium Germanicum, v. 24, n. 43, 38-65, 2021.).
  • 4
    No original: “Ein in den letzten Jahren innerhalb des Faches DaF/DaZ entwickeltes Konzept von Kultur, das sich an den erwähnten Theorieansätzen orientiert, diese aber nicht einfach für die Forschung und/oder Praxis anwendet oder übernimmt, sondern - ausgehend von des spezifischen Interessen des Faches - auf ihre Eignung hin prüft, legt einen Begriff von Kultur zugrunde, wonach diese nicht in einem Set mehr oder weniger gleichförmiger Verhaltensweisen oder Mentalitäten besteht, sondern uns mit einem Fundus an (kollektivem) Wissen versorgt, das uns in die Lage versetzt, der Welt um uns herum, aber auch unserem eigenen Leben Sinn und unserem Handeln Orientierung zu geben”.
  • 5
    No original, o autor utiliza a palavra Lebenswelten, a qual traduzimos como “mundos de vida”.
  • 6
    Tendo em vista que a sigla em inglês é uma referência para os estudos da adaptação intercultural, optamos por mantê-la nesse idioma ao longo do presente trabalho.
  • 7
    Disponível em https://www.idrinstitute.org/dmis/ (21/02/2020).
  • 8
    As ABCD-Thesen foram formuladas por representantes de associações de professores da Áustria, da antiga Alemanha Ocidental (Bundesrepublik Deutschland), da Suíça (Confoederatio Helvetica) e da antiga Alemanha Oriental (Deutsche Demokratische Republik) - daí o acrônimo ABCD que lhe nomeia -, para examinarem a relevância de se apresentar e de se discutir Landeskunde em aula de alemão.
  • 9
    Os excertos aqui apresentados são transcrições fiéis das cartas originais, nas quais apenas os trechos entre colchetes correspondem a uma supressão de partes do texto, se forem reticências, ou a explicações acrescentadas posteriormente, para auxiliar o leitor na compreensão do contexto. Além disso, os nomes dos locais e dos participantes deste estudo foram substituídos por nomes fictícios, com o propósito de evitar qualquer chance de seu reconhecimento e garantir o sigilo aos mesmos.
  • 10
    Helau é uma interjeição correspondente a “hurra” ou “viva”, utilizada como grito de carnaval em algumas regiões da Alemanha (DUDEN 2001DUDENREDAKTION (Hrsg.). Duden: Deutsches Universalwörterbuch. 4. neu bearbeitete und erweiterte Auflage. Mannheim: Dudenverlag, 2001.: 738).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    20 Abr 2022
  • Data do Fascículo
    May-Aug 2022

Histórico

  • Recebido
    15 Ago 2021
  • Aceito
    19 Jan 2022
Universidade de São Paulo/Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas/; Programa de Pós-Graduação em Língua e Literatura Alemã Av. Prof. Luciano Gualberto, 403, 05508-900 São Paulo/SP/ Brasil, Tel.: (55 11)3091-5028 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: pandaemonium@usp.br