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Conchita Wurst: gênero e diversidade no ensino de alemão no Brasil

[Conchita Wurst: gender and diversity in the teaching of German in Brazil]

Resumo:

O presente artigo tem por objetivo discutir gênero enquanto categoria social na área de Alemão como Língua Estrangeira (ALE). A partir do exemplo de um material didático sobre a drag queen austríaca Conchita Wurst, elaborado com orientação pela aprendiz agem cultural (ALTMAYER 2016; FORNOFF 2016; FORNOFF K OREIK 2020), abordamos as possibilidades de um ensino aprendizagem de ALE no Brasil que seja sensível à diversidade. Para tanto, a partir dos estudos de gênero (SCOTT 1995 Scott Joan. Gênero: uma categoria útil de análise histórica. Educação & Realidade, v. 20, n. 2, 1995, p. 71-99. ; LAURETIS 1994 Lauretis Teresa de. A tecnologia do gênero. In: Hollanda Heloísa Buarque (org.). Tendências e impasses: o feminismo como crítica da cultura. Rio de Janeiro: Rocco, 1994, 206-241. Disponível em: https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/4033218/mod_resource/content/1/LAURETIS%2C%20Teresa%20de%20-%20%20A%20Tecnologia%20do%20Genero.pdf. Acesso em 02/02/2023.
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; Butler [1990] 2003 Butler Judith. Problemas de Gênero: Feminismo e Subversão da Identidade. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003 [1990]. ), discutimos a categoria “gênero”, explorando suas relações com a linguagem, de modo a demonstrar sua pertinência no contexto de ensino aprendizagem de uma língua estrangeira. Além disso, dialogamos com publicações anteriores que abordam questões de gênero na área de ALE (PEUSCHEL 2018 Peuschel Kristina. Aspekte von Gender in der Sprach(aus)Bildung Deutsch (als zweite, dritte und Folgesprache). In: Dirim Ínci; Wegner Anke (org.). Normative Grundlagen und reflexive Verortungen im Feld DaF_DaZ*. Leverkusen: Verlag Barbara Budrich, 2018, p. 344-362. ; Freese & Völkel 2022 Freese Anika; Völkel Oliver Niels (org). Gender_Vielfalt_Sexualität(en) im Fach Deutsch als Fremd- und Zweitsprache. Munique: Iudicium, 2022. ; Elsen 2018 Elsen, Hilke. Gender in Lehrwerken. Feministische Studien, v. 36, n. 1, 2018, p. 178-187. ), acentuando aspectos envolvidos em discussões sobre gênero em sala de aula. Em seguida, apresentamos o material didático, relatando brevemente o contexto de produção, o processo de elaboração e descrevendo a unidade didática em si. Finalmente, defendemos que a unidade didática pode ser considerada uma contribuição para a promoção de um ensino aprendizagem de ALE sensível à diversidade.

Palavras chave:
alemão como língua estrangeira; gênero; diversidade

Abstract:

This article aims to discuss gender as a social category in the area of German as a Foreign Language (GFL). Based on the example of a teaching material about the Austrian drag queen Conchita Wurst, developed with a cultural learning orientation (ALTMAYER 2016; FORNOFF 2016; FORNOFF KOREIK 2020), it addresses possibilities for a teaching of GFL in Brazil which is sensitive to diversity. For this purpose, on the basis of gender studies (SCOTT 1995 Scott Joan. Gênero: uma categoria útil de análise histórica. Educação & Realidade, v. 20, n. 2, 1995, p. 71-99. ; LAURETIS 1994 Lauretis Teresa de. A tecnologia do gênero. In: Hollanda Heloísa Buarque (org.). Tendências e impasses: o feminismo como crítica da cultura. Rio de Janeiro: Rocco, 1994, 206-241. Disponível em: https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/4033218/mod_resource/content/1/LAURETIS%2C%20Teresa%20de%20-%20%20A%20Tecnologia%20do%20Genero.pdf. Acesso em 02/02/2023.
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; Butler [1990] 2003 Butler Judith. Problemas de Gênero: Feminismo e Subversão da Identidade. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003 [1990]. ), the article discusses the ca tegory “gender”, exploring its relations with language, in order to demonstrate its pertinence in the context of teaching of a foreign language. Furthermore, it dialogues with previous publications that address gender issues in the area of GFL (PEUSCHEL 2018 Peuschel Kristina. Aspekte von Gender in der Sprach(aus)Bildung Deutsch (als zweite, dritte und Folgesprache). In: Dirim Ínci; Wegner Anke (org.). Normative Grundlagen und reflexive Verortungen im Feld DaF_DaZ*. Leverkusen: Verlag Barbara Budrich, 2018, p. 344-362. ; Freese & Völkel 2022 Freese Anika; Völkel Oliver Niels (org). Gender_Vielfalt_Sexualität(en) im Fach Deutsch als Fremd- und Zweitsprache. Munique: Iudicium, 2022. ; Elsen 2018 Elsen, Hilke. Gender in Lehrwerken. Feministische Studien, v. 36, n. 1, 2018, p. 178-187. ), emphasizing aspects involved in discussions of gender in the classroom. Subsequently, it presents the teaching material designed by the authors, briefly characterizing the context of production, reporting on the elabo ration process, and describing the material itself. Finally, it argues that the teaching material can be considered a contribution to the promotion of a teaching of GFL sensitive to diversity.

Key-words:
German as foreign language; gender; diversity

1 Introdução

Avançamos. Esse pode ser um primeiro diagnóstico das pautas da população LGBTQIA+ no Brasil, levando em conta que, nos últimos anos, cresceu e tem crescido o debate, em diversas esferas sociais, sobre os direitos e necessidades dessa parcela da população. É verdade que ainda carecemos de dados censitários mais amplos e concretos, que possam contribuir para a criação de políticas públicas de conservação dos direitos já alcançados bem como da conquista de outros direitos ainda reivindicados. Em 2019, houve uma primeira pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) 3 3 Barros, Alerrandre. Em pesquisa inédita do IBGE, 2,9 milhões de adultos se declaram homossexuais ou bissexuais em 2019. Agência IBGE notícias. São Paulo, 25/05/2022. Disponível em: https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-noticias/2012-agencia-de-noticias/noticias/33785-em-pesquisa-inedita-do-ibge-2-9-milhoes-de-adultos-se-declararam-homossexuais-ou-bissexuais-em-2019. Acesso em 24/03/2023. , que apontava cerca de 3 milhões de pessoas homo e bissexuais no Brasil. O IBGE afirmou na ocasião que se tratava de resultados experimentais, porém ainda não houve uma nova coleta de dados. Embora essa pesquisa não abarque as outras identidades que compõem o movimento, esse número parece ser consideravelmente menor, se comparado ao de outra investigação realizada mais recentemente por pesquisadores da UNESP e da USP 4 4 Stariolo, Malena. Levantamento quantitativo pioneiro na América Latina mapeia comunidade ALGBT no Brasil. Jornal da Unesp. 24/10/2022. Disponível em: https://jornal.unesp.br/2022/10/24/levantamento-quantitativo-pioneiro-na-america-latina-mapeia-comunidade-algbt-no-brasil/ . Acesso em 24/03/2023. que indica que 12% da população brasileira (cerca de 19 milhões de pessoas) pertence à comunidade ALGBT (sigla utilizada na pesquisa). Há ainda o Lesbocenso 5 5 Coturno de vênus e Liga Brasileira de Lésbicas. Relatório descritivo 1ª etapa – quantitativo. Lesbocenso Nacional. 2021-2022. Disponível em: https://lesbocenso.com.br/relatorio-primeira-etapa. Acesso em 26/03/2023. , pesquisa especificamente voltada para a população lésbica, que ainda está em andamento, mas já publicou o primeiro relatório com a análise de cerca de 19500 respostas. Os dois últimos são estudos considerados pioneiros e buscam visibilizar a comunidade LGBTQIA+ no país.

Se foi possível perceber um avanço, também se evidenciou uma ofensiva contra essas pautas. Recentemente, o jornal Folha de S. Paulo apresentou um levantamento 6 6 Avelar, Dani. Brasil tem um novo projeto de lei antitrans por dia e efeito Nikolas preocupa. Folha de S. Paulo. São Paulo, 20/03/2023. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/poder/2023/03/brasil-tem-um-novo-projeto-de-lei-antitrans-por-dia-e-efeito-nikolas-preocupa.shtml?utm_source=substack&utm_medium=email . Acesso em 26/03/2023. de projetos de leis anti-LGBTQIA+ nas câmaras federal e estaduais do país, bem como, em menor quantidade, em câmaras municipais. Foram mapeados 69 projetos desde o início de 2023, que versavam, entre outros, sobre a proibição do uso de linguagem neutra, de pessoas trans participarem de eventos esportivos, de instalação de banheiros unissex em diferentes espaços, sobre impedir a chamada “ideologia de gênero” nas escolas e o acesso de crianças e adolescentes trans a hormônios e bloqueadores de puberdade – que convém mencionar, não são disponibilizados para menores de 16 anos. Sem nenhum embasamento científico e de caráter inconstitucional, esses projetos de lei buscam retrocessos das pautas LGBTQIA+ como um todo, no entanto, são também propostas contra uma comunidade específica: travestis e pessoas trans. Apesar de estarmos falando do contexto brasileiro, pode-se dizer que há um agenda anti-trans internacional 7 7 Boczkowska,Elzbieta. How gender became central to far-right politics. Green E uropean Journal. 15/12/2022. Disponível em: https://www.greeneuropeanjournal.eu/how-gender-became-central-to-far-right-politics/?utm_source=substack&utm_medium=email . Acesso em 26/03/2023. .

Por que a população trans e travesti incomoda tanto? Por que suas identidades de gênero, dissidentes da norma, provocam tal reação? Não é difícil perceber que suas identidades e corporeidades evidenciam a falência de determinadas concepções de mundo. Gênero é uma das categorias centrais para pensar não só o mundo e os processos históricos que nos trouxeram até aqui, mas também para repensar e recriar novos modos de vida. E assim sendo, os estudos de gênero inauguraram um campo de conhecimento específico, porém a categoria transcende essas delimitações. Nesse sentido, considerando a área de Linguística Aplicada a partir das perspectivas teóricas críticas e responsivas às contribuições epistemológicas dos movimentos sociais ( Moita Lopes & Fabrício 2020 Moita Lopes Luiz Paulo da; Fabrício Branca Falabella. Por uma ideologia linguística responsiva às teorizações queer. Cadernos de Linguagem e Sociedade, v. 21, n. 2, 2020, p. 370-387. ; Pennycook 2022 Pennycook Alastair. C̈ritical educational linguistics̈. Educational Linguistics, v. 1, n. 2, 2022, p. 219-237. ), este artigo se dedica à reflexão da categoria gênero em suas relações com a linguagem e com o ensino de línguas, mais especificamente no contexto de Alemão como Língua Estrangeira (ALE) 8 8 Neste texto será utilizada a nomenclatura Alemão como Língua Estrangeira, em detrimento de Alemão como Língua Adicional, por a primeira ainda ser mais amplamente utilizada e caracterizar o campo de estudo (cf. Uphoff 2021). no Brasil.

Se a sala de aula de ALE é, de um lado, parte das estruturas sociais e as reflete, justamente por não ser um espaço fora da sociedade, de outro, constitui um ambiente frutífero para reflexões e questionamentos. Uma vez que gênero é uma categoria em disputa, que compreende diferentes visões de mundo, muitas vezes opostas, bem como um espaço de debate político, tratar desse tema num contexto de Língua Estrangeira (LE) pode ser produtivo, levando em conta que a LE oferece certo distanciamento, por não ser L1, o que pode ser vantajoso para tratar de assuntos sensíveis e complexos ( Peuschel 2018 Peuschel Kristina. Aspekte von Gender in der Sprach(aus)Bildung Deutsch (als zweite, dritte und Folgesprache). In: Dirim Ínci; Wegner Anke (org.). Normative Grundlagen und reflexive Verortungen im Feld DaF_DaZ*. Leverkusen: Verlag Barbara Budrich, 2018, p. 344-362. : 349). Ainda, levando em conta a perspectiva de aprendizagem cultural ( Altmayer 2016 Altmayer Claus (org.). Mitreden. Diskursive Landeskunde für Deutsch als Fremd- und Zweitsprache. Stuttgart: Klett, 2016. ) assumida neste trabalho (cf. seção 4.1 neste texto), para que aprendizes possam desenvolver a habilidade discursiva para participar de discursos na LE, é necessário uma familiarização com discursos atuais que circulam nos países de língua alemã; nesses contextos o debate sobre gênero se mostra tão vigente quanto aqui no Brasil (cf. seção 3 neste texto), o que torna esse tema relevante também para a sala de aula de ALE. Além disso, certamente há aprendizes de ALE que não se reconhecem nas identidades de gênero e sexualidades 9 9 Apesar de o foco deste trabalho ser sobre a categoria gênero, questões relacionadas às sexualidades também aparecerão, pois estão intimamente relacionadas. hegemônicas, logo, abordar tal tema pode ser importante para construir uma sala de aula não excludente e aberta à diversidade. Vale mencionar o fato de que gênero, tal como a L1, não é algo que se nasce com. Gênero, conforme veremos mais adiante, é um construto sócio discursivo e relacional, sendo indissociável da língua(gem) e também um marcador socialmente relevante, isto é, gênero tal como a língua nos posiciona no mundo e, portanto, é apropriado para ser abordado no ensino de uma LE ( Peuschel 2018 Peuschel Kristina. Aspekte von Gender in der Sprach(aus)Bildung Deutsch (als zweite, dritte und Folgesprache). In: Dirim Ínci; Wegner Anke (org.). Normative Grundlagen und reflexive Verortungen im Feld DaF_DaZ*. Leverkusen: Verlag Barbara Budrich, 2018, p. 344-362. : 357). Em vista disso, a proposta deste texto é não apenas discutir o conceito, mas também apresentar um material didático próprio que tematiza gênero a partir da figura de uma drag queen austríaca.

Uma drag queen ser a personalidade central de uma unidade didática talvez seja uma novidade, mas não no que diz respeito ao contato do público brasileiro com artistas drag. Se Pablo Vittar e Gloria Groove ocupam hoje um espaço importante na música pop nacional, é porque certamente outras drags contribuíram para a construção de um caminho de possibilidades para essa arte. Aqui, podemos mencionar Jorge Lafond, que recentemente foi homenageado com um doodle 10 10 Google. Jorge Lafond’s 71st birthday. Arquivo de Doodles. 29/03/2023. Disponível em: https://www.google.com/doodles/jorge-lafonds-71st-birthday . Acesso em 06/04/2023. e que performava a Vera Verão, famosa por ser parte de um programa em um canal da TV aberta brasileira na década de 90. Fora do ramo da música, atualmente destacam-se as drag queens Ruth Venceremos e Rita von Hunty, ambas professoras e com importante atuação política. Em comum, tais artistas e a arte drag no geral estão profundamente conectadas com uma perspectiva de diversidade e tem como elemento constitutivo da construção de suas personas a noção (e a contestação) de gênero. Esse aspecto foi explorado na unidade didática a ser apresentada sobre a drag queen Conchita Wurst, que busca promover uma reflexão sobre gênero no ensino de ALE sob a perspectiva de uma aprendizagem cultural.

A partir do exposto, discorreremos a seguir sobre o conceito de gênero, buscando apontar suas relações com a língua e linguagem, para então compreendê-lo e situá-lo dentro do campo de estudo de ALE, identificando diversos aspectos referentes a sua abordagem em sala de aula. Posteriormente, apresentaremos o contexto de produção bem como a concepção do material em questão e, por fim, a unidade didática em si. As considerações finais recapitulam o trabalho e apontam as lacunas e desafios de um ensino-aprendizagem de ALE sensível às questões de gênero e diversidade.

2 Gênero e língua(gem)

Os estudos de gênero surgem enquanto um campo de pesquisa em meados da década de 1960, em decorrência de produções teóricas de feministas e, durante muito tempo, entendeu-se que estudar gênero era tratar das especificidades do sujeito político “mulher”. Essa compreensão passa por constantes revisões e questionamentos ao longo do tempo, não apenas a partir das produções teóricas sobre o tema, mas também a partir das produções corporais de sujeitos que buscam tencionar os limites entre as categorias binárias de gênero, supostamente tão fixas, engendrando identidades de gênero outras e fronteiriças (cf. Nascimento 2021 Nascimento Letícia Carolina Pereira do. Transfeminismo. São Paulo: Jandaíra, 2021. ). De que maneira essa categoria se relaciona com a linguagem é o foco desta seção, que será elaborada, principalmente, a partir de produções teóricas de autoria de Joan Scott, Teresa de Lauretis e Judith Butler, sem a pretensão de esgotar a discussão.

A historiadora Joan Scott ( 1995 Scott Joan. Gênero: uma categoria útil de análise histórica. Educação & Realidade, v. 20, n. 2, 1995, p. 71-99. ), em uma das publicações basilares para as teorizações sobre gênero, inicia sua discussão a partir da noção gramatical de gênero para compreender os usos históricos dessa palavra e estabelecê-la como uma categoria de análise histórica. Se em termos gramaticais a palavra “gênero” é empregada para evidenciar distinções entre categorias, ao mesmo tempo que estabelece significações e atribuições masculinas e femininas, quando há o empréstimo dessa palavra para os estudos feministas, conserva-se não somente a referência a diferenças sexuais, mas também o aspecto relacional ( Scott 1995 Scott Joan. Gênero: uma categoria útil de análise histórica. Educação & Realidade, v. 20, n. 2, 1995, p. 71-99. : 72). Isso significa que o termo “gênero” é uma categoria linguística (sobretudo gramatical) que passou a ser usada para refletir e teorizar sobre as relações sociais, num primeiro momento entre homens e mulheres, mantendo determinados aspectos do seu emprego nos estudos gramaticais.

Ao analisar o percurso histórico da utilização do termo e de suas implicações, Scott argumenta que as categorias “homem” e “mulher” devem ser entendidas como categorias ao mesmo tempo vazias e transbordantes, isto é, “[v]azias, porque não têm nenhum significado último, transcendente. Transbordantes, porque mesmo quando parecem estar fixadas, ainda contêm dentro delas definições alternativas, negadas ou suprimidas” ( Scott 1995 Scott Joan. Gênero: uma categoria útil de análise histórica. Educação & Realidade, v. 20, n. 2, 1995, p. 71-99. : 93). A partir dessa reflexão, é possível considerar a própria categoria gênero como vazia e transbordante. Se, de um lado, não é enrijecida, pois há ambivalência no seu uso, de outro, é precisamente a partir dela que não só uma série de práticas sociais são operadas, como também relações sociais e de poder são moldadas, além de comportar sentidos insubmissos às noções hegemônicas que a criaram.

O movimento feminista durante algum tempo fez uso do termo gênero denotando, principalmente, diferença sexual, isto é, a diferença entre homem e mulher, entre masculino e feminino 11 11 Embora no texto a expressão “movimento feminista” esteja no singular, entendemos que não há uma homogeneidade em relação às diversas perspectivas de coletivos feministas ao redor do mundo, compreendendo que há uma vertente do movimento que ainda se utiliza dessa acepção de gênero enquanto diferença sexual. Contudo, essa não é a concepção a partir da qual esse trabalho se baseia, conforme será visto mais adiante. . É nesse uso que há o estabelecimento de uma dicotomia entre os termos “sexo” e “gênero”, em que o primeiro seria de caráter biológico e, portanto, natural, enquanto o segundo, de caráter cultural e, portanto, construído. No texto, “A tecnologia do gênero”, Teresa de Lauretis ( Lauretis 1994 Lauretis Teresa de. A tecnologia do gênero. In: Hollanda Heloísa Buarque (org.). Tendências e impasses: o feminismo como crítica da cultura. Rio de Janeiro: Rocco, 1994, 206-241. Disponível em: https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/4033218/mod_resource/content/1/LAURETIS%2C%20Teresa%20de%20-%20%20A%20Tecnologia%20do%20Genero.pdf. Acesso em 02/02/2023.
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) retoma os usos dessa concepção e aponta os limites de tal conceituação. Ao fazer isso, a autora argumenta que gênero não é a diferença sexual e, portanto, não existe a priori. De acordo com Lauretis, ele é produto e processo resultantes de discursos, epistemologias e práticas institucionalizadas e cotidianas, de tecnologias sociais, de sua representação e auto-representação, bem como de sua desconstrução ( 1994 Lauretis Teresa de. A tecnologia do gênero. In: Hollanda Heloísa Buarque (org.). Tendências e impasses: o feminismo como crítica da cultura. Rio de Janeiro: Rocco, 1994, 206-241. Disponível em: https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/4033218/mod_resource/content/1/LAURETIS%2C%20Teresa%20de%20-%20%20A%20Tecnologia%20do%20Genero.pdf. Acesso em 02/02/2023.
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: 208-209). Por tecnologias a autora compreende processos e técnicas capazes de produzir uma representação – como o cinema, por exemplo. Assim, a representação do gênero é a representação de uma relação social ( 1994 Lauretis Teresa de. A tecnologia do gênero. In: Hollanda Heloísa Buarque (org.). Tendências e impasses: o feminismo como crítica da cultura. Rio de Janeiro: Rocco, 1994, 206-241. Disponível em: https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/4033218/mod_resource/content/1/LAURETIS%2C%20Teresa%20de%20-%20%20A%20Tecnologia%20do%20Genero.pdf. Acesso em 02/02/2023.
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: 210), que transforma sujeitos em homens e mulheres e estabelece a posição desses homens e dessas mulheres em tais relações. Além disso, as concepções e percepções culturais do que é masculino e feminino em determinada comunidade estabelece o sistema sexo-gênero (ou sistema de gênero) ( 1994 Lauretis Teresa de. A tecnologia do gênero. In: Hollanda Heloísa Buarque (org.). Tendências e impasses: o feminismo como crítica da cultura. Rio de Janeiro: Rocco, 1994, 206-241. Disponível em: https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/4033218/mod_resource/content/1/LAURETIS%2C%20Teresa%20de%20-%20%20A%20Tecnologia%20do%20Genero.pdf. Acesso em 02/02/2023.
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: 211). Este, por sua vez, está imbricado nas relações políticas e econômicas e é tanto uma construção de tal sociedade, quanto um aparato semiótico dela. Nessa direção, apoiada em uma perspectiva foucaultiana, ela propõe que gênero pode ser entendido como um efeito da linguagem e/ou do discurso.

Quem amplia o debate sobre gênero como efeito discursivo é Judith Butler. Butler ( 2003 Butler Judith. Problemas de Gênero: Feminismo e Subversão da Identidade. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003 [1990]. ) subverte a lógica cartesiana que estabelece que tudo aquilo que um sujeito faz é a expressão de um “eu autônomo”, ou seja, de uma essência que o molda. Esse pensamento está apoiado principalmente numa perspectiva biológica e, nessa visão, há a determinação de uma relação entre sexo, gênero, desejo, ações e subjetividades como um contínuo coerente, assim ilustrado por Borba ( 2014 Borba Rodrigo. A linguagem importa? Sobre performance, performatividade e peregrinações conceituais. Cadernos Pagu, [S. l.], n. 43, 2014, p. 441–473. Disponível em: https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/cadpagu/article/view/8645172. Acesso em 16/03/2023.
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: 445): “vagina-mulher-fragilidade-emoção-passividade-submissão-maternidade-heterossexualidade; pênis-homem-coragem-racionalidade-agressividade-dominação-paternidade-heterossexualidade”. O argumento de Butler é que as noções tanto de gênero quanto de sexo são moldadas pelas estruturas sociais, políticas, culturais e discursivas do contexto no qual são produzidas, sendo assim, historicamente localizadas. Dessa forma, o par dicotômico mencionado anteriormente, que diferencia o natural do cultural, não se sustenta mais:

Butler afirma que essas noções de coerência e continuidade são efeitos de normas socialmente instituídas e mantidas, enfatizando que gênero não decorre natural e incontestavelmente de nosso aparato genital, mas sim de regras histórica e discursivamente produzidas que instituem como o corpo-sexuado deve ser generificado com base em uma heterossexualidade compulsória

( Borba 2014 Borba Rodrigo. A linguagem importa? Sobre performance, performatividade e peregrinações conceituais. Cadernos Pagu, [S. l.], n. 43, 2014, p. 441–473. Disponível em: https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/cadpagu/article/view/8645172. Acesso em 16/03/2023.
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: 446).

Letícia Nascimento ( 2021 Nascimento Letícia Carolina Pereira do. Transfeminismo. São Paulo: Jandaíra, 2021. ), ao retomar as discussões propostas por Simone de Beauvoir, ilustra essa questão enfatizando que se o gênero decorre naturalmente do sexo, isto é, se o reconhecimento do aparato genital de um corpo como signo de um determinado sexo (feminino ou masculino) é suficiente para determinar esse sexo e, por conseguinte, o gênero, por que ainda há discursos reguladores do gênero, evidenciados em expressões como “comportar-se como uma menina”, “agir como homem”, “vestir-se como mulher”, etc.? Isso indica que somente ser um corpo-sexuado não parece ser suficiente para pertencer a determinado sexo/gênero, nem para agir de tal forma, ou sentir tal desejo. Tais expressões incessantemente repetidas fazem parecer que certos modos de ser, falar e agir são inerentes a um gênero específico.

É na compreensão de que essas ações discursivas são performativas ( Austin 1962 Austin John Langshaw. How to do things with words. Oxford: Claredon Press, 1962. ) que reside a noção de Butler sobre a performatividade de gênero. Tratar essas identidades como se fossem naturais é um efeito da repetição de performances de gênero que reatualizam discursos histórica e culturalmente específicos ( Borba 2014 Borba Rodrigo. A linguagem importa? Sobre performance, performatividade e peregrinações conceituais. Cadernos Pagu, [S. l.], n. 43, 2014, p. 441–473. Disponível em: https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/cadpagu/article/view/8645172. Acesso em 16/03/2023.
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: 448): “gênero é a estilização repetida do corpo, um conjunto de atos repetidos no interior de uma estrutura reguladora altamente rígida, a qual se cristaliza no tempo para produzir a aparência de uma substância, de uma classe natural de ser” ( Butler 2003 Butler Judith. Problemas de Gênero: Feminismo e Subversão da Identidade. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003 [1990]. : 59). Nesse sentido, Butler entende identidades de gênero como performativas na medida em que essas identidades são produzidas na/pela/durante as performances ( Borba 2014 Borba Rodrigo. A linguagem importa? Sobre performance, performatividade e peregrinações conceituais. Cadernos Pagu, [S. l.], n. 43, 2014, p. 441–473. Disponível em: https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/cadpagu/article/view/8645172. Acesso em 16/03/2023.
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: 450) e não existem a priori. O conceito de performatividade também implica a noção de regulação, isto é, as performances de gênero não podem ocorrer livremente, mas são reguladas por estruturas muito rígidas que impõem limites às suas inteligibilidades 12 12 É por isso que não basta “se sentir mulher para ser mulher”, como vimos recentemente um deputado federal alegar na tribuna do congresso nacional por ocasião do dia internacional das mulheres, em um ataque claro a mulheres trans. O simples ato de colocar uma peruca e afirmar-se mulher não implica a constituição de uma subjetividade enquanto mulher. . Levando isso em consideração, se há normas reguladoras que compreendem a existência de somente duas identidades de gêneros e buscam fixar seus significados por um lado, há, por outro, sujeitos que tencionam os códigos, produzindo instabilidade dos sentidos e contestando a suposta continuidade entre sexo, gênero e desejo. É o caso das identidades dissidentes da norma cisheterossexual, mas também de drag queens, que, como aponta Butler Butler ( 2003 Butler Judith. Problemas de Gênero: Feminismo e Subversão da Identidade. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003 [1990]. ), apresentam performances que revelam a artificialidade do gênero, indicando que não há uma relação direta, natural e linear desse contínuo e evidenciando, assim, brechas nas próprias regras que buscam controlar as identidades.

O fato de as constituições discursivas tanto das identidades quanto dos aparatos que as sustentam serem tão marcadas na produção teórica de Butler indica a relevância da linguagem em seu pensamento. Quando se fala de performances e identidades de gênero, fala-se necessariamente de processos de atribuição de sentidos e códigos de significação que criam/organizam/informam estruturas reguladoras dos corpos. Desse modo, “[n]ão se pode ter acesso ao corpo sem os processos culturais (heteronormativos) que o significam” ( Borba 2014 Borba Rodrigo. A linguagem importa? Sobre performance, performatividade e peregrinações conceituais. Cadernos Pagu, [S. l.], n. 43, 2014, p. 441–473. Disponível em: https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/cadpagu/article/view/8645172. Acesso em 16/03/2023.
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: 450). Ao reconhecermos que a linguagem não apenas descreve o mundo, mas também cria ele mesmo, do mesmo modo as identidades não preexistem à linguagem, mas são também produzidas nela e por ela. Nas palavras de Butler ( 2003 Butler Judith. Problemas de Gênero: Feminismo e Subversão da Identidade. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003 [1990]. : 207), “a linguagem não é um meio ou um instrumento externo em que despejo um eu e onde vislumbro um reflexo desse eu”, é a própria linguagem que constitui esse eu. A partir dessas considerações, compreendemos que a categoria gênero, por ser uma dimensão constitutiva de sujeitos e possibilitar a reflexão sobre processos culturais de significação, é pertinente para o contexto de ensino-aprendizagem de ALE, sobretudo a partir da perspectiva de aprendizagem cultural.

3 Gênero e o ensino-aprendizagem de ALE

Na área de ALE, uma das primeiras publicações que conectam a temática de gênero ao ensino-aprendizagem da língua alemã é um artigo de Barbara Schmenk (2002 apud Peuschel 2018 Peuschel Kristina. Aspekte von Gender in der Sprach(aus)Bildung Deutsch (als zweite, dritte und Folgesprache). In: Dirim Ínci; Wegner Anke (org.). Normative Grundlagen und reflexive Verortungen im Feld DaF_DaZ*. Leverkusen: Verlag Barbara Budrich, 2018, p. 344-362. ) sobre o estereótipo de que mulheres são melhores no aprendizado da língua que homens ou de que aprender língua “é coisa de mulher”. Nesse sentido, a diferença entre os gêneros masculino e feminino sobretudo no que tange a aspectos cognitivos (aprender melhor) é a primeira questão da qual vão se ocupar algumas autoras da área. Posteriormente, trabalhos sobre motivação de aprendizado entre homens mulheres e análises de livros didáticos sobre as representações dos gêneros também foram precursores no estudo de gênero e ensino de ALE (Schmenk 2007; Maijala 2009 apud Peuschel 2018 Peuschel Kristina. Aspekte von Gender in der Sprach(aus)Bildung Deutsch (als zweite, dritte und Folgesprache). In: Dirim Ínci; Wegner Anke (org.). Normative Grundlagen und reflexive Verortungen im Feld DaF_DaZ*. Leverkusen: Verlag Barbara Budrich, 2018, p. 344-362. ).

Kristina Peuschel Peuschel ( 2018 Peuschel Kristina. Aspekte von Gender in der Sprach(aus)Bildung Deutsch (als zweite, dritte und Folgesprache). In: Dirim Ínci; Wegner Anke (org.). Normative Grundlagen und reflexive Verortungen im Feld DaF_DaZ*. Leverkusen: Verlag Barbara Budrich, 2018, p. 344-362. ) ressalta que essa noção das diferenças de gênero ainda é persistente no campo. A autora debruça-se sobre os vários caminhos de se tematizar gênero no ensino de ALE. Ela ressalta a centralidade dessa categoria na estrutura social e daí a necessidade de tratar do tema no contexto de ensino de LE. Além disso, faz um breve apanhado histórico, a partir dos anos 2000, das publicações, autores e autoras e a partir de quais questionamentos o tema gênero foi pesquisado. Neste texto, Peuschel questiona o fato de não haver, até então, uma publicação da área destinada a tratar especificamente da temática de gênero ( 2018 Peuschel Kristina. Aspekte von Gender in der Sprach(aus)Bildung Deutsch (als zweite, dritte und Folgesprache). In: Dirim Ínci; Wegner Anke (org.). Normative Grundlagen und reflexive Verortungen im Feld DaF_DaZ*. Leverkusen: Verlag Barbara Budrich, 2018, p. 344-362. : 346). Quatro anos depois, é publicado o primeiro volume intitulado “Gender_Vielfalt_Sexualität(en) im Fach Deutsch als Fremd- und Zweitsprache” [Gênero_Diversidade_Sexualidade(s) na área de Alemão como Língua Estrangeira e Segunda] ( Freese & Völkel 2022 Freese Anika; Völkel Oliver Niels (org). Gender_Vielfalt_Sexualität(en) im Fach Deutsch als Fremd- und Zweitsprache. Munique: Iudicium, 2022. ).

No texto de introdução ao volume, a organizadora e o organizador retomam pesquisas que primeiro relacionaram o tema gênero ao processo de ensino-aprendizagem da língua alemã. Ela e ele também ressaltam a atualidade do tema a partir de exemplos concretos, principalmente de países da Europa, como a ausência dessa temática no documento oficial do Quadro Europeu Comum de Referência para as línguas (QCER) ou mesmo a iniciativa do governo húngaro que, desde 2021, proíbe a menção a outras identidades e sexualidades que não as hegemônicas (cisheterossexuais) nas escolas. Em contraposição, são mencionados debates sobre o tema nos países de língua alemã, como, por exemplo, a questão em torno de uma gendergerechte Sprache [linguagem não sexista] – estratégias linguísticas utilizadas como alternativa à generalização masculina/feminina e uma proposta de linguagem inclusiva – e também são destacados alguns documentos oficiais desses países em que gênero aparece como uma categoria, principalmente no que diz respeito aos currículos escolares, o que demonstra que esse tema vem, cada vez mais, sendo reconhecido e se estabelecendo como um eixo de criação/reformulação de políticas públicas, também no campo educacional.

Nesse aspecto, é relevante mencionar que no último evento acadêmico internacional da área – Internationale Tagung der Deutschlehrer*innen [congresso internacional de professores de alemão] – que aconteceu em Viena, em agosto de 2022, foi a primeira vez na história do evento em que houve uma seção dedicada às perspectivas interseccionais, ou seja, a pesquisas e contribuições que se utilizam da interseccionalidade como ferramenta analítica ( Collins & Bilge 2020 Collins Patricia Hill; Bilge Sirma. Interseccionalidade. São Paulo: Boitempo, 2020. ) para refletir sobre o entrelaçamento e a interação de diferentes marcadores sociais, como gênero, raça e classe, nos contextos de ensino-aprendizagem de ALE. Durante o evento, gênero foi uma das categorias que mais se sobressaiu nas apresentações da seção, além de ter havido uma oficina dedicada à temática gênero em materiais didáticos, o que corrobora a constatação de Peuschel Peuschel ( 2018 Peuschel Kristina. Aspekte von Gender in der Sprach(aus)Bildung Deutsch (als zweite, dritte und Folgesprache). In: Dirim Ínci; Wegner Anke (org.). Normative Grundlagen und reflexive Verortungen im Feld DaF_DaZ*. Leverkusen: Verlag Barbara Budrich, 2018, p. 344-362. ) e de Freese & Völkel Freese & Völkel ( 2022 Freese Anika; Völkel Oliver Niels (org). Gender_Vielfalt_Sexualität(en) im Fach Deutsch als Fremd- und Zweitsprache. Munique: Iudicium, 2022. ) sobre necessidade e a premência de mais pesquisas sobre esse assunto na área de ALE.

Dentre os artigos publicados no volume organizado por Freese & Völkel Freese & Völkel ( 2022 Freese Anika; Völkel Oliver Niels (org). Gender_Vielfalt_Sexualität(en) im Fach Deutsch als Fremd- und Zweitsprache. Munique: Iudicium, 2022. ), gostaríamos de destacar um em específico, de Oliver Niels Völkel Völkel ( 2022 Völkel, Oliver Niels. Queering DaF und DaZ – Queersensible Zugänge für den Sprachunterricht. Freese, Anika; Völkel, Oliver Niels (org). Gender_Vielfalt_Sexualität(en) im Fach Deutsch als Fremd- und Zweitsprache. Munique: Iudicium, 2022, p. 88-107. ), que dialoga com a proposta do material que será apresentado. O autor reflete e apresenta diferentes possiblidades para a construção de uma sala de aula de ensino de língua sensível à questão queer. Ele ressalta que as definições de queer são bastante amplas e marcadas por uma carga semântica relacionada ao próprio uso histórico da palavra, podendo significar tanto a perspectiva que questiona e recusa a binariedade de gênero e construções cisheterossexuais, quanto a abordagem em que há uma sensibilização para as necessidades e interesses da comunidade LGBTQIA+ ( Völkel 2022 Völkel, Oliver Niels. Queering DaF und DaZ – Queersensible Zugänge für den Sprachunterricht. Freese, Anika; Völkel, Oliver Niels (org). Gender_Vielfalt_Sexualität(en) im Fach Deutsch als Fremd- und Zweitsprache. Munique: Iudicium, 2022, p. 88-107. : 88-90). Questões linguísticas associadas às discussões queer são expostas, como, por exemplo, a criação e uso de um pronome não-binário, bem como abordagens possíveis sobre o tema em sala de aula. Além disso, o autor reflete como “conteúdos queer” podem ser trabalhados no ensino-aprendizagem de ALE. Por “conteúdos queer” entende-se, por exemplo, o trabalho a partir de personalidades queer, literatura queer ou ainda temas típicos do ensino da língua (família, emprego, etc) em que o texto principal (em sentido amplo) se dê a partir de pessoas/imagens que não estejam em conformidade com a norma cisheterossexual. Desse modo, Völkel procura apontar caminhos para um ensino-aprendizagem de ALE preocupado em superar as essencializações e dicotomias de sexo/gênero, bem como questionar a cisheteronormatividade. Segundo ele, esses processos devem passar necessariamente pela visibilização da comunidade queer e da valorização da diversidade. Apoiado em outras publicações, Völkel lista, assim, alguns pontos que uma sala de aula de ALE sensível à questão queer poderia englobar ( 2022 Völkel, Oliver Niels. Queering DaF und DaZ – Queersensible Zugänge für den Sprachunterricht. Freese, Anika; Völkel, Oliver Niels (org). Gender_Vielfalt_Sexualität(en) im Fach Deutsch als Fremd- und Zweitsprache. Munique: Iudicium, 2022, p. 88-107. : 90-91), que, entre outros, são os seguintes:

  • Evitar formas de organização social sexistas, isto é, dividir a turma entre meninos e meninas e exigir uma posição masculina ou feminina sobre um determinado tema.

  • Criar uma atmosfera que acolha aprendizes LGBTQIA+;

  • Dar suporte a aprendizes que não estejam em conformidade com a norma binária hegemônica de organização de sexo/gênero;

  • Uso de autodefinições do próprio movimento (como gay, lésbica, travesti, etc)

  • Evitar atribuições essencialistas;

  • Uso de linguagem inclusiva;

  • Evitar exigências e correções em relação a aprendizes que não se identificam como cis e heterossexuais 13 13 O autor menciona relatos de alguns estudos em que aprendizes homens falaram na LE de seus companheiros também homens, utilizando a terminação masculina correspondente, e foram corrigidos, o que demonstra que docentes partiram do pressuposto que estes aprendizes eram heterossexuais (cf. Völkel 2022: 91). .

Interessante notar que os aspectos mencionados têm a ver com um caminho de desautomatização de certas práticas em sala de aula que perpetuam uma perspectiva binária e heteronormativa de gênero. Mais ainda, essas formulações apontam para o papel de docentes como principais responsáveis por uma prática pedagógica sensível à questão queer. Nessa direção, emergem questionamentos relacionados à formação docente no que diz respeito ao letramento de gênero. Contudo, para além de pensar em como esse processo de reconhecimento e valorização das identidades dissidentes de sexo/gênero e de reflexão e questionamento das normas sociais, que excluem e oprimem a comunidade LGBTQIA+, podem ser incorporados e/ou já acontecem na formação de profissionais de LE, a questão que se coloca, sem uma resposta imediata, tem a ver com o fato de que essas reflexões ultrapassam, segundo o senso comum, os limites da área profissional, estão relacionadas às relações sociais como um todo e se defrontam, em última análise, com uma questão ética. Se eu, docente de língua alemã, não considero que pessoas da comunidade LGBTQIA+ são dignas de direitos e de existir da maneira que desejam em outros ambientes fora da sala de aula, tampouco consigo construir uma sala de aula acolhedora e sensível à comunidade, ou mesmo possuir uma prática pedagógica inclusiva. É interessante mencionar que, enquanto QCER parece não considerar questões dessa natureza, o Companion Volume, publicado em 2018 no intuito de atualizar o documento publicado originalmente em 2001, exige de modo claro e explícito a inclusão no processo de ensino-aprendizagem de uma LE de competências que, à primeira vista, não estão ligadas a aspectos linguísticos. Trata-se, por exemplo, de competências interpessoais, de mediação ou liderança de grupos com membros cuja convivência possui um certo potencial de conflito, da habilidade de facilitar a comunicação entre pessoas em situações sensíveis e de desentendimento, assim como a competência de adequar o uso da própria linguagem ao perfil dos sujeitos envolvidos em cada circunstância ou grupo, sobretudo tendo em vista a inclusão de pessoas em situações de vulnerabilidade. Desse modo, a consideração de aspectos como os acima mencionados parece ganhar cada vez mais urgência e importância, também em documentos oficiais de instituições políticas de ensino.

Convém ressaltar que no contexto brasileiro atual, ser profissional da educação (como um todo) e possuir um comportamento ético de inclusão e respeito em relação à comunidade LGBTQIA+ em sala de aula pode significar receber a acusação de “estar doutrinando aprendizes com a ideologia de gênero” 14 14 Pessoa, Fernanda. Orientadora é afastada de escola por defender democracia e direitos humanos. Portal Catarinas. Florianópolis, 06/04/2023. Disponível em: https://catarinas.info/orientadora-e-afastada-de-escola-por-defender-democracia-e-dh/ . Acesso em 07/04/2023. . É justamente esse o teor de parte dos projetos de lei mencionados na introdução deste trabalho, com a justificativa de que prezam pela defesa das crianças e adolescentes e dos valores tradicionais de família. Ainda que esses projetos não sejam aprovados, pois são inconstitucionais, eles são parte da disputa pelos sentidos e códigos de significação e, de algum modo, representam o pensamento de parte da população brasileira. O que significa que as poucas iniciativas individuais que buscam promover uma educação linguística sensível à comunidade LGBTQIA+, ou seja, que se propõem também fazer essa disputa por outra perspectiva, ou são cerceadas com base nesse discurso, ou somente se mantém por se encontrarem em um ambiente em que tratar de tais temas não é sinônimo de insegurança profissional, como é, em geral, o caso do ensino de LE em universidades públicas. É inclusive nesse contexto que surge a proposta do material didático em questão. Reconhecer que a discussão sobre um ensino de LE sensível às pautas LGBTQIA+ envolve diversos e complexos aspectos é um exercício necessário e, por isso, tal complexidade carece de mais abordagens.

Ao pesquisarmos a relação entre gênero e ensino de LE em contexto brasileiro, encontramos publicações que se debruçam sobre a temática principalmente na área de língua inglesa ( Pessoa & Hoelzle 2017 Pessoa Rosane Rocha; Hoelzle Maria José. Ensino de línguas como palco de política linguística: mobilização de repertórios sobre gênero. Trabalhos em Linguística Aplicada, Campinas, SP, v. 56, n. 3, 2017, p. 781–800. Disponível em: https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/tla/article/view/8649840. Acesso em 27/02/2023.
https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/in...
; Urzêda-Freitas 2018 Urzêda-Freitas Marco Túlio. Letramentos queer na formação de professorxs de línguas: complicando e subvertendo identidades no fazer docente. Tese de Doutorado - Universidade Federal de Goiás, Faculdade de Letras (FL), Programa de Pós-Graduação em Letras e Linguística, Goiânia, 2018. Tavares & Tiraboschi 2021 Tavares Fernando Guimarães; Tiraboschi Fernando Franco. A cultura pop na perspectiva dos letramentos queer no ensino de língua inglesa. Revista Educação e Cultura em debate, v. 7, n. 1, 2021, p. 132-147. ;). No que diz respeito ao ensino-aprendizagem de língua alemã, não localizamos publicações em português que conectassem o aprendizado de ALE a reflexões sobre gênero enquanto marcador social. Em alemão, no entanto, há o trabalho de Menezes Menezes ( 2019 Menezes Raquel Garcia D’Ávila. Diskursanalyse deutschsprachiger Raptexte zur Erstellung eines gendersensiblen DaF-Unterrichts im brasilianischen Kontext. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós Graduação da UFPR/Herder Institut, Curitiba/Leipzig, 2019. ) sobre o ensino de ALE no Brasil sensível à questão de gênero a partir do trabalho com músicas de rap. Isso significa que ainda há lacunas e, portanto, oportunidades de tecer reflexões sobre gênero e ensino de ALE nas configurações apresentadas pelo contexto brasileiro.

Um outro questionamento que se apresenta para a tematização de gênero em sala de aula de ALE tem a ver com materiais didáticos. Ainda hoje é possível dizer que o ensino-aprendizagem de ALE no Brasil faz uso de livros didáticos que são majoritariamente importados e produzidos principalmente na Alemanha. O fato de as editoras buscarem atender exigências do mercado bem como um público-alvo mais amplo resulta na tendência de que esses materiais – orientados pelo QECR – abordem temas do dia-a-dia e evitem temas polêmicos, os chamados PARSNIP. Política, Álcool, Religião, Sexo, Narcóticos, Ismos e Porco 15 15 Flood, Alison. Pigs won’t fly in textbooks: OUP tell authors not to mention porks. The Guardian. 14/01/2015. Disponível em: https://www.theguardian.com/books/2015/jan/14/pigs-textbooks-oup-authors-pork-guidelines . Acesso em 25/05/2023. são as palavras que compõem esse acrônimo e apontam para temas sensíveis geralmente evitados em livros didáticos (cf. Siqueira 2012 Siqueira Sávio. Se o Inglês está no mundo, onde está o mundo nos materiais didáticos de inglês? In: Scheyerl Denise; Siqueira Sávio (org). Materiais didáticos para o Ensino de Línguas na Contemporaneidade: Contestações e Proposições. Salvador: EDUFBA, 2012, p. 311-353. ). Ao mesmo tempo, fazendo referência novamente ao Companion Volume, já mencionado acima, são exatamente esses temas que parecem ganhar certa importância em sala de aula, mesmo tratando-se do ensino de uma LE, pois são eles que, com bastante probabilidade, podem causar situações conflituosas. Se a habilidade de lidar de modo pacífico e respeitoso com discursos diferentes e pessoas de origens e ambientes ideológicos muito diversos passa a ser considerada parte dos objetivos a serem apreendidos num curso de língua, esses temas não podem ficar fora da sala de aula. É preciso pensar de que maneira deixá-los entrar.

No que tange à questão de gênero, ele não é exatamente um tema que aparece na sigla PARSNIP (não há um “G”, por exemplo), todavia ressaltamos dois aspectos. De um lado, é possível encaixar gênero no “I” de “Ismos”, como feminismo, já que é a partir dessa perspectiva, inclusive, que os estudos de gênero surgem e os livros didáticos tradicionais fazem pouca referência a esse movimento social. Por outro lado, não é que gênero não esteja presente nesses materiais, ele aparece sim, não como um tema a ser discutido, mas de modo secundário e, geralmente, desde uma perspectiva binária, hegemônica, de estereótipos e reprodução de papéis de gênero. É o que nos mostra por exemplo Hilke Elsen ( 2018 Elsen, Hilke. Gender in Lehrwerken. Feministische Studien, v. 36, n. 1, 2018, p. 178-187. ) sobre as representações de gênero em livros didáticos. Apoiada em estudos anteriores, a autora menciona que por muito tempo livros didáticos retrataram mulheres restritas ao ambiente doméstico; quando a temática era profissão, por exemplo, elas quase sempre eram representadas em ocupações e posições de menor prestígio em relação aos homens. Embora alguns avanços já tenham sido verificados, a autora afirma que estereótipos de gênero ainda são reproduzidos ( Elsen 2018 Elsen, Hilke. Gender in Lehrwerken. Feministische Studien, v. 36, n. 1, 2018, p. 178-187. : 85). Sob esse aspecto, é possível dizer que sim, gênero está presente em livros didáticos, porém predominantemente desde uma perspectiva cisheternormativa.

Quando se fala em materiais didáticos adicionais visivelmente se tem uma mudança de perspectiva, principalmente em relação à representação da mulher e de famílias diversas. Nas plataformas de materiais online Mein Sprachportal 16 16 https://sprachportal.integrationsfonds.at/.Acesso em 13/03/2023. e Kultur und Sprache 17 17 https://www.kulturundsprache.at/portal/kulturundsprache/oer/index2.html. Acesso em 13/03/2023. é possível encontrar unidades didáticas desde uma concepção de questionamento do lugar social das mulheres, não mais resumido ao ambiente doméstico nem a tarefas de cuidado, mas de sujeitos que possuem história, e ainda representações nas quais não só famílias constituídas por casais heterossexuais aparecem, mas também mães solo, casais homoafetivos, entre outras configurações. Mesmo quando produzidos por editoras consolidadas, os materiais extras já apresentam uma temática mais diversa. Citamos como exemplo o material sobre o dia internacional da mulher, disponível no site da editora Hueber 18 18 Schober, Edith. Menschen A2, Text 19. Hueber Verlag, 2014. Disponível em: https://www.hueber.de/media/36/msn-aktuell-T19-Weltfrauentag.pdf. Acesso em 13/03/2023. . Na esteira das produções de materiais didáticos adicionais que não estão atrelados a uma ótica de mercado, que são produzidos no âmbito de uma universidade pública e, portanto, podem ser dedicados a tratar de temas sensíveis e apresentar outros pontos de vista sobre determinados assuntos, apresentamos, a seguir, um material didático elaborado por nós que procura tematizar gênero a partir da perspectiva da diversidade, de reconhecimento de identidades de gênero que extrapolam a norma binária e que tem como figura central uma drag queen.

4 Conchita Wurst vem à aula de alemão

4.1 Centro Austríaco e a produção de materiais didáticos

O material aqui em destaque foi elaborado no âmbito do grupo de produção de materiais didáticos do Centro Austríaco, alocado na Universidade Federal do Paraná. A proposta do grupo consiste em confeccionar materiais adicionais a fim de contribuir para a promoção de uma aprendizagem cultural de estudantes de ALE jovens e em idade adulta, em contexto brasileiro, que estejam nos primeiros níveis linguísticos (A1, A2 e B1) de acordo com o QECR (cf. Meirelles & Bohunovsky 2022 Meirelles, Camila ; Bohunovsky, Ruth. Material didático online para o ensino de ALE no Brasil em níveis iniciais: um projeto e seus primeiros resultados práticos. Projekt, n. 61, 2022, p. 13-21. ). Ressalta-se que unidades produzidas não têm a pretensão de compor um livro didático, e, portanto, não buscam seguir uma progressão de temas como um livro didático o faz. A ideia é, antes, poder oferecer material adicional de qualidade, elaborado por docentes de ALE e que também estejam alinhados com as mais recentes e atualizadas perspectivas teóricas da área, e disponibilizá-los gratuitamente no site do Centro Austríaco.

Dessa forma, orientamo-nos pelos debates atuais sobre aprendizagem cultural ( Altmayer 2004 Altmayer Claus. Kultur als Hypertext. Zu Theorie und Praxis der Kulturwissenschaft im Fach Deutsch als Fremdsprache. München: Iudicium, 2004. ; 2016 Altmayer Claus (org.). Mitreden. Diskursive Landeskunde für Deutsch als Fremd- und Zweitsprache. Stuttgart: Klett, 2016. ; Fornoff 2016 Fornoff, Roger. Landeskunde und kulturwissenschaftliche Gedächtnisforschung. Erinnerungsorte des Nationalsozialismus im Unterricht Deutsch als Fremdsprache. Baltmannsweiler: Schneider, 2016. ; Fornoff & Koreik 2020 Koreik Uwe.; Fornoff Roger. Ist der kulturwissenschaftliche und kulturdidaktische Bezug auf die Nation überholt? DACH-Landeskunde, Globalisierung und Erinnerungsorte. In: Hägi-Maed Sara.; Middeke Annegret.; Schweiger Hannes.; Shafer Naomi. (Org.). Weitergedacht! Das D-A-CH-Prinzip in der Praxis. Göttingen: Universitätsverlag, 2020, p. 37-67. ) e um ensino crítico ( Gerlach 2020 Gerlach David. Einführung in eine Kritische Fremdsprachendidaktik. In: Gerlach David (org.). Kritische Fremdsprachendidaktik. Grundlagen, Ziele, Beispiele. Tübingen: Narr Francke Attempto, 2020, p. 7-32. ) de ALE. Neste cenário, a partir de uma compreensão discursiva de cultura ( Altmayer 2004 Altmayer Claus. Kultur als Hypertext. Zu Theorie und Praxis der Kulturwissenschaft im Fach Deutsch als Fremdsprache. München: Iudicium, 2004. ; 2016 Altmayer Claus (org.). Mitreden. Diskursive Landeskunde für Deutsch als Fremd- und Zweitsprache. Stuttgart: Klett, 2016. ), entende-se por aprendizagem cultural o contato que estudantes de ALE estabelecem com discursos da língua alemã, a fim de que possam compreender, opinar e participar destes discursos. Aqui se faz necessário mencionar ainda dois conceitos importantes para essa perspectiva. O primeiro é o de kulturelle Deutungsmuster [modelos interpretativos culturais] ( Altmayer 2016 Altmayer Claus (org.). Mitreden. Diskursive Landeskunde für Deutsch als Fremd- und Zweitsprache. Stuttgart: Klett, 2016. ) e referem-se às noções mais ou menos estáveis e compartilhadas que possuíamos sobre assuntos diversos, como, por exemplo, mulher, homem, norte, sul, etc., que aprendemos ao longo da vida e que dispomos ao nos comunicarmos. É através de discursos e de modelos interpretativos que acessamos a cultura. O segundo, Erinnerungsort [lugar de memória], é um conceito proveniente da historiografia, mas tem sido bastante utilizado na área de ALE (cf. Fornoff 2016 Fornoff, Roger. Landeskunde und kulturwissenschaftliche Gedächtnisforschung. Erinnerungsorte des Nationalsozialismus im Unterricht Deutsch als Fremdsprache. Baltmannsweiler: Schneider, 2016. ) e diz respeito a espaços materiais e imateriais de alto valor simbólico e relevantes para a memória coletiva de uma determinada comunidade. Lidar com lugares de memória permite abordar aspectos simbólicos e discursivos que se mostram muito apropriados para os debates sobre aprendizagem cultural ( Fornoff & Koreik 2020 Koreik Uwe.; Fornoff Roger. Ist der kulturwissenschaftliche und kulturdidaktische Bezug auf die Nation überholt? DACH-Landeskunde, Globalisierung und Erinnerungsorte. In: Hägi-Maed Sara.; Middeke Annegret.; Schweiger Hannes.; Shafer Naomi. (Org.). Weitergedacht! Das D-A-CH-Prinzip in der Praxis. Göttingen: Universitätsverlag, 2020, p. 37-67. : 46). Além disso, ao nos basearmos na didática crítica de LE ( Gerlach 2020 Gerlach David. Einführung in eine Kritische Fremdsprachendidaktik. In: Gerlach David (org.). Kritische Fremdsprachendidaktik. Grundlagen, Ziele, Beispiele. Tübingen: Narr Francke Attempto, 2020, p. 7-32. ), reconhecemos que o ensino-aprendizagem de uma LE deve se propor a tematizar as relações de poder construídas na e através da linguagem, as desigualdades sociais e possuir um horizonte emancipatório. Tendo isso em vista, com a produção e divulgação de materiais adicionais que abordem assuntos interessantes e relevantes, pretendemos contribuir com uma aprendizagem cultural que possibilite a aprendizes em contexto brasileiro, a partir do seu repertório linguístico-cultural, acessar discursos em língua alemã, questionar e ampliar seus modelos interpretativos para que, assim, consigam desenvolver uma habilidade comunicativa e competências críticas para participar desses discursos além da sala de aula ( Bohunovsky & Freitas Bohunovsky, Ruth; Freitas, Alessandra de. De Dona Leopoldina a Conchita Wurst: materiais didáticos para aprendizagem cultural em níveis iniciais. In: Uphoff Dörthe; Arantes Poliana Coeli Costa (org.). Análise e elaboração de materiais didáticos: perspectivas teóricas para a problematização e produção crítico-reflexiva. No prelo. , no prelo).

4.2 Conchita Wurst: concepção do material

Conchita Wurst é uma drag queen, construída e performada pelo artista Thomas Neuwirth. Ela ganhou notoriedade ao vencer um concurso de música, o Eurovision Song Contest, em 2014, em Copenhague, representando a Áustria na ocasião e, desde então, virou um dos ícones do país. Seu nome não podia ser mais provocador: ele faz alusão a órgãos genitais (“Conchita”, em espanhol, pequena vulva, e “Wurst”, em alemão, linguiça, mas também uma metáfora para pênis). Além disso, a palavra “Wurst” em alemão faz parte de uma expressão comumente utilizada para expressar indiferença: es ist mir wurst (ou wurscht), podendo ser traduzida por “pra mim tanto faz”. Esse é também um dos motivos do nome “Wurst”. Em uma entrevista, Conchita declara: "es ist nämlich wurst, wie man aussieht und woher man kommt” 19 19 W23TV.Conchita Wurst über Toleranz und ihr Alter Ego “Tom Neuwirth”. 25/02/2014. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=B1lqB7Fej3k. Acesso em 07/04/2023. [é que não importa como a gente é e de onde a gente vem]. Se, como mencionado anteriormente e de acordo com Butler Butler ( 2003 Butler Judith. Problemas de Gênero: Feminismo e Subversão da Identidade. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003 [1990]. ), drag queens escancaram o que é fazer gênero, o que é construir corporeidades generificadas e principalmente apontar como gênero está muito longe de ser algo pertencente a uma determinada natureza ou essência biológica, podemos mencionar a Conchita como um ótimo exemplo. Ela, no nome e em sua própria construção, busca jogar com os significados e desestabilizar os signos considerados pura e naturalmente femininos e masculinos. Por isso, a barba – um dos símbolos de masculinidade – é uma das suas marcas, mesmo quando está maquiada, de vestido e cabelo longos e unhas pintadas – símbolos de feminilidade.

A proposta do material aqui mostrado, direcionado ao nível A1, é apresentar para aprendizes de ALE a Conchita Wurst, levando em conta as perspectivas teóricas mencionadas acima. Antes de gênero ser escolhido como um tema a ser discutido no material, houve uma primeira pesquisa sobre a artista a fim de saber quais informações sobre ela eram acessíveis em português. Como resultado, algumas matérias jornalísticas 20 20 Matéria 1: G1 - Primeiro álbum de Conchita Wurst será lançado em 13 de maio - notícias em Música (globo.com). Matéria 2: Conchita Wurst, cantora que venceu Eurovision, revela ser soropositiva – Agência AIDS (agenciaaids.com.br). Matéria 3: Cantora transgênero Conchita Wurst radicaliza visual - Quem | QUEM News (globo.com). Matéria 4: Conchita Wurst, cantora drag queen de barba, surpreende com mudança radical de visual | Pop & Arte | G1 (globo.com) Acesso em 21/03/2023. foram encontradas. Ao lermos esses textos, dois aspectos chamaram nossa atenção: primeiramente, o fato de que não havia uma descrição comum para a figura da Conchita, ou seja, em cada um dos textos ela é referida de maneira diferente (“travesti de barba”, “cantora austríaca de visual andrógino”, “cantora transgênero” e “cantora drag queen de barba”). O segundo aspecto relaciona-se com a ideia de, nesses textos, haver a necessidade de mencionar o visual da artista e marcá-lo com alguma referência a gênero (acrescentando o fato de que algumas notícias são, justamente, sobre sua aparência). Isso corrobora o reconhecimento de que gênero é uma categoria social estruturante. Além disso, a falta de um denominador comum de descrição da Conchita também alude a fixidez dos signos de gênero, por um lado, e a desestabilização proposta por alguém que se dispõe a borrar esses limites, por outro.

Considerando esses aspectos, estabelecemos gênero como um objetivo cultural-discursivo do material. Ainda a partir dessa primeira pesquisa, e compreendendo que a aparência é um elemento (dentre outros existentes) que faz parte da inteligibilidade de gênero – isto é, nossa aparência também informa o gênero com o qual nos identificamos e a partir do qual as pessoas nos percebem – decidimos abordar o tema por essa via. Aqui vale ressaltar que parte do movimento LGBTQIA+, encabeçado principalmente por pessoas trans e não-binárias, tem proposto a desnaturalização de uma pressuposição de gênero, ou seja, de que ao se perceber uma pessoa, ela já seja generificada em categorias pré-existentes. Isso diz respeito, principalmente, ao uso de pronomes, e por isso a reivindicação de que as pessoas, tanto ao se apresentarem quanto em suas assinaturas (em e-mails, por exemplo), informem também os pronomes com os quais se identificam, ao invés de eles serem pressupostos. Mesmo considerando legítima a reivindicação, e longe de questioná-la, a escolha de tratar de aparência nesse material se mantém por dois motivos: primeiro, levando em conta as perspectivas teóricas de gênero mencionadas neste texto, que consideram o gênero não como algo essencial, mas como performativo, entendendo que as performances de gênero também se constroem com elementos da aparência física (como unhas pintadas, cabelos, barba, etc). Segundo, a proposta desse material é justamente essa: partir dos modelos interpretativos hegemônicos e compartilhados por aprendizes a fim de ampliá-los, reconhecendo outras identidades que não apenas as masculinas e femininas, também considerando que a sala de aula de ALE pode ser um espaço em que esse debate se inicie ou se desenvolva a partir do conhecimento trazido por aprendizes. A descrição de aparência, que é um tema previsto no QECR para o nível A1, destaca-se como objetivo linguístico do material.

Em relação às concepções teóricas sobre aprendizagem cultural mencionadas anteriormente, além da proposta de se ocupar com os modelos interpretativos do que é masculino, feminino e não-binário, a Conchita Wurst é aqui compreendida como um lugar de memória, na medida em que sua figura possui valor simbólico bem como evoca conotações compartilhadas por muitas pessoas, sendo a partir da sua representação que atribuições de sentidos, elementos simbólicos e posicionamentos subjetivos serão trabalhados ao longo do material. Do mesmo modo, a perspectiva crítica expressa na formulação da unidade didática diz respeito, justamente, à inclusão e reflexão sobre identidades de gênero não hegemônicas e não-binárias, que são geralmente evitadas em livros didáticos tradicionais.

4.3 A unidade didática

O material didático, disponibilizado gratuitamente no site do Centro Austríaco 21 21 O material pode ser acessado diretamente por esse link: https://centroaustriaco.files.wordpress.com/2022/11/material_conchitawurst_a1.pdf e o documento de apoio para docentes pode ser visualizado aqui: https://centroaustriaco.files.wordpress.com/2022/11/informacoes-uteis-e-sugestoes-didaticas_conchita-wurst_a1.pdf. Acesso em 13/07/2023. , é composto por oito atividades. Na primeira, tanto uma imagem da Conchita quanto o vocabulário de descrição física são apresentados. A proposta é, então, que discentes descrevam a personalidade que veem. Nesse primeiro momento, aparecem os pronomes “er” (equivalente a “ele”) e “sie” (equivalente a “ela”), uma provocação, considerando que a construção de gênero da Conchita busca desafiar os símbolos ditos masculinos e femininos e, portanto, também o uso desses pronomes. No exercício 2, a Conchita deverá ser identificada com um gênero. Retirado de formulários, os espaços para assinalar gênero no material são 3: männlich [masculino], weiblich [feminino], divers/inter/offen [diverso/ inter/ aberto]. A inclusão dessa terceira categoria – a qual no material agrupa diversas identidades de gênero –, foi uma conquista do movimento LGBTQIA+ nos países de língua alemã e, desde 2018 na Alemanha, e de 2019 na Áustria, está institucionalizada. Isso significa que tanto em formulários oficiais quanto em registros de nascimento, bem como em anúncios de vagas de empregos, é necessário que, ao menos, três categorias apareçam – masculino, feminino e diverso 22 22 Em muitos documentos oficiais, inclusive nos registros de nascimento, há ainda a opção “keine Angabe” (não declarar), ou seja, a possibilidade de não informar gênero. . Essa última foi criada, principalmente, para incluir pessoas intersexuais, mas ela também pode ser utilizada por pessoas que se reconheçam em outras identidades, como pessoas não-binárias, por exemplo. A fim de ampliar as possibilidades, no material foram inseridas as nomenclaturas “inter” e “offen” – também utilizadas em alguns documentos –, a primeira especificamente para pessoas intersexuais e a segunda para quaisquer outras identidades de gênero que não se reconheçam nas nomenclaturas anteriores.

Os exercícios seguintes (3 e 4) visam a repetição de estruturas e do vocabulário, além de alteração da forma social. No exercício 3, a proposta é que a atividade seja feita em dupla e aprendizes devem descrever-se mutuamente, enquanto no exercício 4, cada pessoa da dupla deve ser descrita para o grupo, utilizando-se a terceira pessoa. É verdade que assinalar o gênero de outra pessoa, como no exercício descrito no parágrafo anterior, bem como descrevê-la para si mesma não é uma prática discursiva que circula em outros espaços. No entanto, quando falamos de modelos interpretativos culturais, tratamos justamente dessas categorizações que fazemos para compreendermos o que nos é apresentado discursivamente. O que quer dizer que ao nos depararmos com a Conchita lançamos mão de concepções (variadas, mas também) de gênero que temos e que compartilhamos, a fim de que ela nos seja inteligível. No exercício de descrição de uma terceira pessoa, não há a inclusão de um pronome não-binário em alemão, mas, ainda assim, há a possibilidade de falar de alguém que não se reconheça com os pronomes “er” e “sie” na terceira pessoa, respeitando sua identidade. Por fim, nos exercícios 5 e 6, aprendizes terão a oportunidade de expressarem como se veem e como se identificam.

As atividades seguintes abordam informações da personalidade da imagem do exercício inicial. Aqui, trata-se de compreensão de um texto, em que há uma pequena biografia, em separado, de Thomas Neuwirth e Conchita Wurst. A proposta é pensar que, apesar do material tratar de gênero, ele o faz a partir da figura de uma drag queen, que, importante frisar, não é uma identidade de gênero. Drag queen, como já apontado, é uma expressão artística, uma persona criada, que tem como seu principal elemento constitutivo o fazer gênero. Também é importante salientar que, diferentemente de personagens teatrais, em que é possível que diferentes artistas possam interpretar as mesmas personagens, na arte drag a construção de uma persona é diretamente dependente de quem a interpreta. Isso quer dizer que somente Thomas Neuwirth é capaz de performar Conchita Wurst. Uma vez que Neuwirth cria, num primeiro momento, uma origem fictícia para a Conchita, ambos têm então biografias próprias e, por isso, a atividade busca traçar essa diferenciação, atentando principalmente para o fato de que Conchita Wurst não é uma mulher trans, mas um alter ego de um artista. Por fim, o material termina com um exercício oral, no intuito de que aprendizes possam expressar suas opiniões sobre a figura que acabaram e conhecer. Ainda vale assinalar que a unidade é acompanhada de um documento específico para docentes, contendo informações relevantes sobre o material, bem como uma descrição das atividades e sugestões didáticas.

Desse modo, esse material, de caráter adicional, busca apresentar a personalidade Conchita Wurst e propor uma reflexão sobre gênero a partir da sua figura, elegendo como principal elemento a ser trabalhado a aparência e, linguisticamente, a descrição física. A proposta é pensar que apesar de sermos lides em termos de gênero de uma maneira, a autodeterminação de gênero é o que deve valer e ser respeitada (cf. Nascimento 2021 Nascimento Letícia Carolina Pereira do. Transfeminismo. São Paulo: Jandaíra, 2021. ). Por isso também, embora no primeiro exercício haja apenas dois pronomes para descrever a figura da Conchita, a depender de como cada discente a enxerga, a partir da atividade de sua biografia, ela é descrita sempre com o pronome feminino, já que ela assim se apresenta. Ainda que se refiram a ela com o pronome masculino, essas pessoas não estariam exatamente ferindo a dignidade da Conchita, já que aqui não se trata de uma identidade, mas de uma expressão artística. Eleger gênero como tema para tratar dessa personalidade pode justificar-se no fato de que fazer drag é fazer gênero, o que é diferente de resumir uma pessoa ao seu gênero e estabelecê-lo como um elemento limitador, como foi (e em determinados contextos ainda é) feito muitas vezes com mulheres ou como se pessoas intersexuais, não-binárias e trans fossem somente pessoas intersexuais, não-binárias e trans – não é disso que se trata o material. Esperamos, portanto, que essa unidade possa ser um recurso a mais disponível para docentes de ALE em contexto brasileiro possibilitarem a abordagem de gênero em suas aulas e que nelas a diversidade possa ser reconhecida e bem-vinda.

5 Considerações finais

Neste trabalho, buscamos correlacionar o debate sobre gênero enquanto um marcador social e sua tematização no ensino de ALE no Brasil. Apontamos a atualidade do tema sobretudo no contexto brasileiro, mas também reconhecendo e ressaltando sua relevância em discursos nos países de língua alemã. Discutimos como gênero e linguagem estão intrinsicamente ligados, o que favorece a sua abordagem estar presente nos contextos de ensino-aprendizagem de ALE. Também situamos a temática dentro do nosso campo, mencionando autoras e autores que já se ocuparam do tema, bem como a partir de quais aspectos gênero já foi abordado e, ainda, indicando diferentes componentes que devem/podem ser levados em conta e que contribuem para a (não) abordagem da temática em sala de aula de ALE. A partir dessa discussão, apresentamos o material didático sobre a drag queen Conchita Wurst, elaborado no âmbito do grupo de materiais didáticos do Centro Austríaco, explicando as escolhas realizadas no processo de confecção da unidade.

A produção e a publicação dessa unidade temática busca realçar a importância das reflexões sobre gênero no processo de uma aprendizagem cultural de ALE conectada com debates atuais e com uma proposta crítica. Além disso, sugerimos uma alternativa à abordagem do tema, ao reconhecermos que a perspectiva aqui adotada é distinta daquela usualmente praticada em livros didáticos tradicionais. Ressaltamos ainda o fato de o material ter sido desenvolvido para o nível A1, demonstrando ser possível discutir gênero logo no início do processo de aprendizagem de ALE, conforme argumenta Peuschel ( 2018 Peuschel Kristina. Aspekte von Gender in der Sprach(aus)Bildung Deutsch (als zweite, dritte und Folgesprache). In: Dirim Ínci; Wegner Anke (org.). Normative Grundlagen und reflexive Verortungen im Feld DaF_DaZ*. Leverkusen: Verlag Barbara Budrich, 2018, p. 344-362. : 350). Desse modo, levando em conta as formulações propostas por Völkel Völkel ( 2022 Völkel, Oliver Niels. Queering DaF und DaZ – Queersensible Zugänge für den Sprachunterricht. Freese, Anika; Völkel, Oliver Niels (org). Gender_Vielfalt_Sexualität(en) im Fach Deutsch als Fremd- und Zweitsprache. Munique: Iudicium, 2022, p. 88-107. ), o material didático em questão pode ser considerado uma contribuição para o fomento de um ensino-aprendizagem de ALE sensível às pautas da comunidade LGBTQIA+, ao ter como foco uma drag queen bem como ao visibilizar identidades de gênero dissidentes de uma visão cisheteronormativa, embora concordemos que a agência de docentes constitui um aspecto fundamental na promoção de uma educação linguística sensível à diversidade.

Compreendemos que há possibilidades e desafios a serem explorados no que tange à tematização de gênero no contexto brasileiro de ensino-aprendizagem de ALE. Dentre estes podemos mencionar, por exemplo, a reflexão e uso de uma gendergerechte Sprache, sendo possível fazer comparações com as diferentes estratégias linguísticas empregadas na linguagem não sexista e inclusiva em português brasileiro. Não se poderia deixar de citar a formação docente como um espaço em que reflexões relativas a gênero estejam presentes, visando o desenvolvimento de um letramento de gênero, com o objetivo de que as práticas pedagógicas estejam em consonância com as perspectivas de diversidade e de inclusão. Faz-se necessário mencionar ainda a importância de tais abordagens serem realizadas sob o viés da interseccionalidade ( Collins & Bilge 2020 Collins Patricia Hill; Bilge Sirma. Interseccionalidade. São Paulo: Boitempo, 2020. ; Peuschel 2018 Peuschel Kristina. Aspekte von Gender in der Sprach(aus)Bildung Deutsch (als zweite, dritte und Folgesprache). In: Dirim Ínci; Wegner Anke (org.). Normative Grundlagen und reflexive Verortungen im Feld DaF_DaZ*. Leverkusen: Verlag Barbara Budrich, 2018, p. 344-362. : 357), conjugando a categoria gênero com outras, como as de raça e de classe, assumindo que tais marcadores não estão isolados uns dos outros e carecem de uma análise mais acurada. Apesar dessas lacunas, reconhecemos, por fim, que é e foi possível perceber um avanço no que diz respeito à inclusão, reflexão e problematização de questões relacionadas a gênero e às pautas da comunidade LGBTQIA+ na área de ALE. Nosso principal desafio é, então, não retroceder.

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Editado por

Editor:

Gabriel Sanches Teixeira

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    15 Dez 2023
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2024

Histórico

  • Recebido
    26 Maio 2023
  • Aceito
    16 Ago 2023
Universidade de São Paulo/Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas/; Programa de Pós-Graduação em Língua e Literatura Alemã Av. Prof. Luciano Gualberto, 403, 05508-900 São Paulo/SP/ Brasil, Tel.: (55 11)3091-5028 - São Paulo - SP - Brazil
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