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PROGRAMA “ESPORTE E LAZER DA CIDADE”: ONDE O POLÍTICO/BUROCRÁTICO E O CIENTÍFICO/ACADÊMICO SE ENCONTRAM?

PROGRAM SPORT AND LEISURE IN THE CITY: WHERE IS THE INTERSECTION BETWEEN POLITICAL/BUREAUCRATIC AND SCIENTIFIC/ACADEMIC?

PROGRAMA "DEPORTE Y OCIO EN LA CIUDAD": ¿DÓNDE LO POLÍTICO/BUROCRÁTICO Y LO CIENTÍFICO/ACADÉMICO SE ENCUENTRAN?

Resumo

O objetivo do trabalho é identificar se o subcampo político/burocrático de esporte e lazer (representado aqui pelo PELC) tem se apropriado da produção do subcampo científico/acadêmico que discute as políticas públicas de esporte e lazer (pensado a partir da Rede Cedes), e quais as principais estratégias dos agentes para efetivar tal apropriação. Os dados foram coletados por meio de entrevistas junto aos agentes que de alguma forma transitaram na intersecção dos subcampos científico/acadêmico e político/burocrático, além de questionários, por meio de correio eletrônico, aos 68 coordenadores de núcleos que compunham a Rede Cedes. Conclui-se que a produção da Rede Cedes não tem subsidiado as ações do PELC Projeto Social e que os gestores têm buscado algumas estratégias para buscar a aproximação entre o subcampo político/burocrático e o subcampo científico/acadêmico.

Palavras-chave
Esportes; Atividades de lazer; Política Pública

Abstract

This work identifies whether the political/bureaucratic subfield of sports and leisure, (here represented by the PSLC Social Project) has appropriated the production of the scientific/academic subfield on public policies for sports and leisure, by looking into Rede Cedes and its agents’ main strategies for such appropriation. Data were collected through interviews with agents that somehow transited at the intersection of both subfields as well as questionnaires and emails sent to the 68 coordinators of Rede Cedes centers. The study found that the production of Rede Cedes has not contributed to actions under PSLC and that the project’s managers have used some strategies to approximate the political/bureaucratic and the scientific/academic subfields.

Keywords
Sports; Leisure activities; Public policy

Resumen

El objetivo del trabajo es identificar si el subcampo político/burocrático de deporte y ocio (representado aquí por el Programa Deporte y Ocio en la Ciudad, PELC) se ha apropiado de la producción del subcampo científico/académico que discute las políticas públicas de deporte y ocio (pensado a partir de la Red Cedes) y cuáles son las principales estrategias de los agentes para hacer efectiva dicha participación. Los datos fueron recolectados a través de entrevistas con los agentes que de alguna forma han transitado en la intersección de los subcampos científico/académico y político/burocrático, además de cuestionarios a través de correo electrónico a los 68 coordinadores de núcleos que componían la Red Cedes. Se concluye que la producción de la Red Cedes no ha subvencionado las acciones del PELCProyecto Social y que los gestores han buscado algunas estrategias de acercamiento entre el subcampo político/burocráticoy el subcampo científico/académico.

Palabras clave
Deportes; Actividades recreativas; Política pública

1 INTRODUÇÃO

Políticas públicas de esporte e lazer constituem um objeto de intervenção e pesquisa. Se, por um lado, as políticas públicas de esporte e lazer são ações do Estado no âmbito social que visam garantir o acesso aos direitos sociais esporte e lazer, por outro, constituem-se como objeto privilegiado de atenção e investigação da comunidade científico/acadêmica.

O presente trabalho busca identificar a aproximação entre o espaço social de produção do conhecimento sobre políticas públicas de esporte e lazer, aqui entendido como um subcampo científico/acadêmico1 1 Espaço social (campo ou subcampo) de produção científica. No caso brasileiro, pode-sedizer que esse espaço social se estrutura como um campo científico/acadêmico, lócus de relações, tendo como protagonistas agentes que têm por delegação produzir conhecimento científico. Apesar de Hey (2008) entender o campo como acadêmico, e não científico, uma vez que, no Brasil, tem-se mais presente a ideia de academia, com cada área do conhecimento sendo uma espécie de sociedade de caráter científico e com membros próprios, mas que tem um ethos comum global, admite-se aqui o campo como indissociavelmente acadêmico e científico, uma vez que a produção é científica e o meio em que é produzida é acadêmico. O campo científico/acadêmico é então entendido como o lócus onde ocorrem práticas institucionalizadas de produção do conhecimento, que envolve sobretudo a ideia de universidade. Cada área no interior do campo científico/acadêmico, por sua vez, pode ser entendida como um subcampo científico/acadêmico, em que as especificidades da área delimitam o espaço social de atuação dos agentes a ela vinculados, no caso as políticas públicas de esporte e lazer. , e o subcampo político/burocrático2 2 Um espaço que supõe a dissociação da posição e de seu ocupante, da função e do funcionário, do interesse público e dos interesses privados, mas que paradoxalmente funciona como um metacampo do poder, até porque a gênese da ordem pública vem acompanhada da aparição e acumulação de um “capital público” (BOURDIEU, 2005). Cada área no interior do campo político/burocrático, por sua vez, pode ser entendida como um subcampo político/burocrático, em que as especificidades da área de atuação do Estado delimitam o espaço social de atuação dos agentes a ela vinculados. Nesse caso nos referimos ao subcampo político/burocrático do esporte e lazer, constituído na década de 1940 no Brasil, e que recentemente tem experimentado uma série de mudanças estruturais, especialmente a partir da criação do Ministério do Esporte. , no qual se formulam e implementam tais políticas públicas. De fato, há algum tipo de apropriação por parte dos gestores públicos de esporte e lazer da produção de conhecimento sobre sua prática? A produção científica tem sido um dos subsídios à formulação e implementação das políticas públicas de esporte e lazer?

Para realizar essa discussão, propõe-se um olhar voltado à análise do programa Esporte e Lazer da Cidade (PELC), e a ação Rede Cedes. Essas iniciativas em princípio parecem emblemáticas para a discussão dos subcampos político/burocrático e científico/acadêmico, uma vez que suas propostas vislumbram esta aproximação. Sinteticamente, o PELC objetiva

[...] suprir a carência de políticas públicas e sociais que atendam às crescentes necessidades e demandas da população por esporte recreativo e lazer, sobretudo daquelas em situações de vulnerabilidade social e econômica, reforçadoras das condições de injustiça e exclusão social a que estão submetidas. […] Este é o compromisso do Programa Esporte e Lazer da Cidade, organizado em 14 ações inter-relacionadas e agrupadas em dois conjuntos. [...] O primeiro desses dois conjuntos está voltado para a implementação do projeto social denominado Esporte e Lazer da Cidade, voltado para a consolidação do esporte e lazer como direitos sociais. [...] O segundo conjunto está direcionado para o Desenvolvimento Científico e Tecnológico do Esporte e do Lazer3 3 Disponível em: <http://portal.esporte.gov.br/sndel/esporteLazer/default.jsp>. Acesso em: 17 nov. 2008. . (Grifos nossos).

É explícita a intenção do PELC em fomentar o desenvolvimento científico e tecnológico do esporte e lazer a partir do programa. No que diz respeito à Rede Cedes, a então Secretaria Nacional de Desenvolvimento do Esporte e Lazer (SNDEL)4 4 A SNEL foi extinta em 2011, sendo incorporada pela recém-criada Secretaria Nacional de Esporte, Educação, Lazer e Inclusão Social (SNEEL) (BRASIL, 2011). do Ministério do Esporte afirmava que,

[...] por intermédio do Departamento de Ciência e Tecnologia do Esporte (DCTEC), possui no Plano Plurianual (PPA 2004-2007) duas ações programáticas específicas para o Cedes, visando ao Desenvolvimento do Esporte recreativo e do Lazer, quais sejam, Funcionamento e Implantação de Núcleos Cedes (NC). Em conjunto, essas ações visam estimular e fomentar a produção e a difusão do conhecimento científico - tecnológico voltadas à gestão do esporte recreativo e do lazer, tendo como horizonte a (re) qualificação e a formação continuada dos gestores de políticas públicas5 5 Disponível em: <http://portal.esporte.gov.br/sndel/esporteLazer/cedes/apresentacao.jsp>. Acesso em: 1o. dez.2009. . (Grifos nossos).

Também na Rede Cedes visualiza-se a intenção de produzir conhecimento voltado aos gestores do esporte e lazer, buscando promover a aproximação do subcampo científico/acadêmico ao subcampo político/burocrático. Nesse sentido, o conjunto de ações do PELC e da ação Rede Cedes parece exemplar para se pensar os espaços de produção do conhecimento, da gestão pública de esporte e lazer, e suas aproximações.

Diante do quadro contextual apresentado, o objetivo do trabalho é identificar se o subcampo político/burocrático de esporte e lazer (representado aqui pelo PELC) tem se apropriado da produção do subcampo científico/acadêmico que discute as políticas públicas de esporte e lazer (pensado a partir da Rede Cedes), e quais as principais estratégias dos agentes para efetivar tal apropriação.

Do ponto de vista teórico-metodológico, a pesquisa teve como base os pressupostos da Sociologia Reflexiva de Pierre Bourdieu (2004BOURDIEU, Pierre. Fieldwork in Philosophy. In: BOURDIEU, Pierre. Coisas Ditas. Trad. Cássia R. da Silveira e Denise Moreno Pegorim. São Paulo: Brasiliense, 2004. p.46-58.; 2007aBOURDIEU, Pierre. Espaço Social e Espaço Simbólico. In: BOURDIEU, Pierre. Razões práticas: sobre a teoria da ação . Campinas, SP: Papirus , 2007a. p. 13-44.; 2007bBOURDIEU, Pierre. Por uma ciência das obras. In: BOURDIEU, Pierre. Razões práticas: sobre a teoria da ação. Campinas, SP: Papirus, 2007b. p. 53-90.), sobretudo no desvelamento da articulação entre as estruturas subjetivas dos agentes de investigação com as estruturas objetivas dos campospolítico/burocrático e científico/acadêmico que concorrem e, acima de tudo, disputam o monopólio da competência legítima nos diferentes espaços sociais.

Os dados foram coletados por meio de entrevistas junto aos agentes que de alguma forma transitam na intersecção dos subcampos científico/acadêmico e político/burocrático, sendo eles: Secretário Nacional de Desenvolvimento do Esporte e do Lazer do Ministério do Esporte (2003-06); Diretor de Ciência e Tecnologia do Esporte da Secretaria Nacional de Desenvolvimento do Esporte e do Lazer do Ministério do Esporte (2003-06); Diretor de Ciência e Tecnologia do Esporte da Secretaria Nacional de Desenvolvimento do Esporte e do Lazer do Ministério do Esporte (2007-09); Secretário Nacional de Desenvolvimento do Esporte e do Lazer do Ministério do Esporte (2006-09). Os entrevistados foram selecionados por serem professores com formação strictu sensu, que ocuparam cargos na gestão pública do esporte e lazer no Ministério do Esporte, estando diretamente relacionados à implantação e gestão da Rede Cedes e do PELC.

Além das entrevistas, foram aplicados questionários, por meio de correio eletrônico, aos 68 coordenadores de núcleos que compunham a Rede Cedes (dados de 2009). Cabe ressaltar que, dos 68 questionários enviados, cinco não chegaram aos coordenadores da Rede Cedes por problemas envolvendo o correio eletrônico e apenas nove foram respondidos. O arcabouço empírico oriundo das entrevistas e questionários será aqui apresentado e debatido sob a luz da Teoria dos Campos de Pierre Bourdieu (2005BOURDIEU, Pierre. A casa do rei à razão de Estado: um modelo da gênese do campo burocrático. In: WACQUANT, Loïc. O mistério do ministério: Pierre Bourdieu e a política democrática.Rio de Janeiro: Revan, 2005. p. 41-70., 2007aBOURDIEU, Pierre. Espaço Social e Espaço Simbólico. In: BOURDIEU, Pierre. Razões práticas: sobre a teoria da ação . Campinas, SP: Papirus , 2007a. p. 13-44., 2007bBOURDIEU, Pierre. Por uma ciência das obras. In: BOURDIEU, Pierre. Razões práticas: sobre a teoria da ação. Campinas, SP: Papirus, 2007b. p. 53-90.).

2 DESENVOLVIMENTO

Cabe destacar que a Secretaria Nacional de Desenvolvimento do Esporte e Lazer (SNDEL), responsável pelo PELC, já surgiu com preocupações relativas ao campo científico/acadêmico. Sua estrutura burocrática previu, desde o início, um departamento destinado às questões da ciência e tecnologia. A inserção de alguns agentes oriundos do campo científico/acadêmico, especialmente do subcampo científico/acadêmico das políticas públicas de esporte e lazer, desde a equipe de transição do governo Fernando Henrique Cardoso ao governo Lula, foi decisiva nesse sentido (STAREPRAVO; MARCHI JÚNIOR, 2013STAREPRAVO, Fernando Augusto; MARCHI JR., Wanderley. Aspectos técnicos, conceituais e políticos do surgimento e desenvolvimento do Programa Esporte e Lazer da Cidade. Pensar a Prática, v. 16, n.3, p. 923-941, 2013.).

Por outro lado, os grupos de pesquisa e pesquisadores do esporte e lazer, que tinham seu referencial pautado nas Ciências Humanas e Sociais, haviam sido preteridos num momento anterior, quando da criação da Rede Cenesp. Buscou-se então garantir, no interior do Ministério do Esporte, uma estrutura que pudesse dar suporte a esses grupos e pesquisadores. A concepção da Rede Cedes, em modelo semelhante à Rede Cenesp, veio garantir a efetividade dessa inspiração (STAREPRAVO et al., 2014STAREPRAVO, Fernando Augusto et al.E assim criou-se a Rede: aspectos técnicos, políticos e epistemológicos envolvidos na criação e desenvolvimento da Rede Cedes. Movimento, v. 20, n.1, p. 33-58, 2014.).

O PELC, programa “guarda-chuva” da SNDEL, por sua vez, nasce com articulações claras junto à Rede. A Rede Cedes passou a ter, como uma das suas principais intencionalidades, o objetivo de subsidiar as ações do PELC Projeto Social6 6 A ação, configurada formalmente como projeto, e que constitui o atendimento direto à população através de uma política social que pretende garantir o acesso dos indivíduos ao esporte e lazer como direitos sociais, é usualmente conhecida como o PELC. Porém, vale ressaltar que o PELC foi uma espécie de programa guarda -chuva da SNDEL, que abrangeu várias ações, dentre elas o Funcionamento de Núcleos do PELC, que será referenciado no texto como “PELC Projeto Social”. em sua gestão e execução, assim como gerar subsídios que qualificassem a gestão pública do esporte e lazer em seus diferentes níveis.

Essa intenção é explicitada por vários dos agentes do subcampo político/burocrático do esporte e lazer envolvidos com a gestão e desenvolvimento do PELC. O Ministro do Esporte, Orlando Silva, ao apresentar o livro Gestão da informação sobre esporte recreativo e lazer: balanço da Rede Cedes, deixa claro que a Rede buscava construir argumentos científicos e pedagógicos para subsidiar tomadas de decisão em políticas de esporte recreativo e de lazer. A produção da Rede, calcada no conhecimento da realidade e fundamentação teórico-prática das Ciências Sociais e Humanas, visava contribuir com o processo de formação de gestores, a implementação e a avaliação de políticas públicas, seus programas e projetos (SILVA JÚNIOR, 2010SILVA JÚNIOR, Orlando. Apresentação - Ministro do Esporte. In: SCHWARTZ, Gisele Maria et al. Gestão da informaçãosobre esporte recreativo e lazer: balanço da Rede Cedes . Várzea Paulista: Fontoura , 2010. p. 13-14.). Para o Ministro, a Rede Cedes consolidava ainda a ciência e tecnologia na Política Nacional do Esporte e no plano estratégico do Ministério.

Já a Secretária Nacional de Desenvolvimento do Esporte e Lazer, Rejane Penna Rodrigues, em sua apresentação do mesmo livro, aponta como meta da SNDEL a transferência de conhecimento produzido pelos pesquisadores da Rede Cedes aos pesquisadores e estudantes, gestores e agentes sociais na implementação do PELC Projeto Social (RODRIGUES, 2010RODRIGUES, Rejane Penna. Apresentação - Secretária Nacional de Desenvolvimento do Esporte e Lazer. In: SCHWARTZ, Gisele Maria et al. Gestão da informaçãosobre esporte recreativo e lazer: balanço da Rede Cedes . Várzea Paulista: Fontoura , 2010. p.15-16.).

Schwartz et al. (2010SCHWARTZ, Gisele Maria et al. Projeto de Pesquisa: Gestão da informação sobre esporte recreativo e lazer: balanço da Rede Cedes. In: SCHWARTZ, Gisele Maria et al. Gestão da informaçãosobre esporte recreativo e lazer: balanço da Rede Cedes . Várzea Paulista: Fontoura , 2010. p. 25-32.) apontam que a necessidade constante de políticas públicas efetivas e inovadoras que atendam ao preceito constitucional do esporte e lazer como direito de todos ampliou a demanda de gestores competentes e receptivos a novas investidas, capazes de qualificar suas ações. Nesse sentido teria nascido o interesse da SNDEL, por intermédio da Diretoria do Departamento de Ciência e Tecnologia do Esporte, em aprimorar a coparticipação de pesquisadores, de modo cada vez mais frequente, no processo de qualificação das políticas públicas vigentes.

A Rede colaboraria também, segundo Nazário (2010NAZÁRIO, Murilo Eduardo dos Santos. Contextualização histórica da Rede Cedes. In: SCHWARTZ, Gisele Maria et al. Gestão da informaçãosobre esporte recreativo e lazer: balanço da Rede Cedes. Várzea Paulista: Fontoura, 2010. p. 33-47.), na melhoria dos programas e na qualificação dos gestores e pesquisadores que integram esses grupos. De acordo com Bonalume (2008BONALUME, Claudia Regina. A Rede CEDES como uma rede de política pública. In: RODRIGUES, Rejane Penna et al. (Org.) Brincar, Jogar, Viver: lazer e intersetorialidade com o PELC. Brasília: Ministério do Esporte, 2008. p. 61-67.), Diretora do Departamento de Políticas Sociais da SNDEL, a Rede Cedes representa uma política pública que visa articular o conhecimento produzido para utilizá-lo na construção de uma política nacional de esporte e lazer.

Também os gestores entrevistados são unânimes ao apontar a intencionalidade da Rede Cedes em fomentar o subcampo político/burocrático na formulação e execução das políticas públicas.

A Rede Cedes é uma ação do Esporte e Lazer da Cidade. Era uma ação programática do Ministério, extremamente, intimamente vinculada ao programa como um todo, porque ela deveria servir como um suporte à discussão conceitual, teórica daquilo que era feito dentro dos núcleos. É o que daria o suporte para o tipo de trabalho que seria realizado dentro dos núcleos de esporte e lazer. Deveria ser pensado, trabalhado, pesquisado, desenvolvido dentro da Rede Cedes7 7 GESTOR D. Entrevista concedida a Fernando Augusto Starepravo, em 29 de novembro de 2010. .

Isso não apenas no nível federal de gestão do PELC, mas dialogando inclusive com as realidades regionais em que o PELC se inseria.

Então a Rede Cedes já surge com esse objetivo de alimentar a gestão. Não necessariamente a gestão do PELC no governo federal, mas o PELC nos municípios onde ele chegava, […]nos estados onde ele chegava, no sentido de subsidiar com metodologias, com referenciais teóricos à lógica de gestão8 8 GESTOR C. Entrevista concedida a Fernando Augusto Starepravo, em 27 de outubro de 2010. .

Numa relação, digamos, dialética, entre o PELC Projeto Social e a Rede Cedes, que deveriam se autoalimentar. “Então ela [Rede Cedes] nasceu para qualificar o trabalho dos núcleos, e os núcleos levantar demandas para os estudos, para a busca de novas tecnologias”9 9 GESTOR A. Entrevista concedida a Fernando Augusto Starepravo, em 25 de março de 2010. .

Os diferentes agentes entrevistadosentendem que a Rede Cedes pode ser uma valiosa ferramenta na aproximação entre o subcampo científico/acadêmico e o subcampo político/burocrático no sentido de qualificar as ações no segundo, e que ela surge com essa intenção. Porém, tem sido essa uma relação efetiva? O subcampo político/burocrático tem se apropriado da produção da Rede Cedes como um dos subsídios para a disposição e ação dos agentes?

Pode-se dizer que um dos pontos convergentes nas entrevistas realizadas com os gestores da SNDEL foi que a produção da Rede Cedes tem sido pouco incorporada pelos agentes que fazem parte do PELC Projeto Social. Considerando que grande parte desses gestores e trabalhadores do PELC também são protagonistas das políticas municipais e estaduais de esporte e lazer no país, além da percepção dos próprios entrevistados em relação a outros gestores, pode-se dizer que a produção da Rede Cedes não tem subsidiado as políticas públicas municipais e estaduais de esporte e lazer no Brasil. “[...] eu acho que chegar, chega, agora muito aquém do que gostaríamos”10 10 GESTOR B. Entrevista concedida a Fernando Augusto Starepravo, em 26 de março de 2010. .

Já entre os coordenadores de núcleos da Rede que responderam ao questionário, houve uma divergência maior de respostas. Alguns apontam que a produção da Rede Cedes tem chegado aos gestores e técnicos envolvidos nas políticas públicas de esporte e lazer. Todavia, apontam que essa relação está muito abaixo do desejado. Outros coordenadores alegam não ter clareza ou informações para responder a tal questão. E há ainda aqueles que são categóricos ao afirmar que a produção da Rede não tem sido incorporada pelos agentes do subcampo político/burocrático do esporte e lazer:

Acredito que a maioria dos gestores ainda desconhece a produção da Rede Cedes, e aqueles que já tiveram acesso consideram pouco os resultados das investigações para a qualificação das ações de suas gestões. […] Assim como os gestores, o acesso dos executores a essa produção ainda está limitado, por isso sua incorporação é pequena (COORDENADOR D, 2010).

Um dos motivos de tal ineficiência seria a resistência que os agentes do campo político/burocrático apresentam em ter contato com a produção e a dinâmica próprias do campo científico/acadêmico.

Muitas vezes nós promovemos cursos, seminários, encontro para gestores. […] Os gestores não vão. Uma não participação dos gestores porque eles acham que é uma perda de tempo estar sentado assistindo, participando de um evento [...], eles não conseguem ver importância nisso. Eles estão perdendo oito horas da vida deles [assistindo a palestras]. Então não há uma participação dos gestores11 11 GESTOR B. Entrevista concedida a Fernando Augusto Starepravo, em 26 de março de 2010. .

A ação dos agentes no subcampo político/burocrático de maneira estritamente política, sem necessidade de acúmulo de capital cultural (BOURDIEU, 2007BOURDIEU, Pierre. Por uma ciência das obras. In: BOURDIEU, Pierre. Razões práticas: sobre a teoria da ação. Campinas, SP: Papirus, 2007b. p. 53-90.a) específico, teria dificultado inclusive a implementação do PELC em uma escala mais ampliada.

Mas também nós víamos que a maior parte das pessoas que estavam dentro da gestão, dentro dos municípios, eram cargos políticos, tanto quanto nós éramos lá dentro do Ministério. […] Mas para ser Ministro ou para ser gestor, os grandes centros, por exemplo, valorizavam atletas de renome. […] Quando esses caras não estavam administrando, estavam recebendo grande parte do recurso [...]. Então essas pessoas sempre estavam por trás. Então isso dificultava a nossa relação12 12 GESTOR D. Entrevista concedida a Fernando Augusto Starepravo, em 29 de novembro de 2010. .

Além disso, aqueles gestores que administravam o PELC Projeto Social em nível local, que tinham entre outras prerrogativas transmitir o conhecimento adquirido através de cursos e reuniões, normalmente não o fizeram.

Às vezes, quando nós fazemos um chamamento para […] alguns cursos do PELC mesmo, quando é para ir pra Brasília, para os coordenadores, que são os cargos mais gerenciais, políticos, eles vão. E não levam os coordenadores de núcleo. E quando chegam eles não repassam. Não são multiplicadores13 13 GESTOR B. Entrevista concedida a Fernando Augusto Starepravo, em 26 de março de 2010.

Como os cargos de gestão, especialmente nos estratos superiores da burocracia, normalmente são preenchidos por critérios políticos, sendo ocupados, portanto, por agentes dotados de capital político em detrimento do capital cultural técnico e específico da área, esses agentes normalmente estão imbuídos por um habitus14 14 “[…] um sistema de disposições adquiridas pela aprendizagem implícita ou explícita que funciona como um sistema de esquemas geradores, é gerador de estratégias que podem ser objetivamente afins dos interesses objetivos de seus autores sem terem sido expressamente concebidas para este fim” (BOURDIEU, 1983c, p. 94). essencialmente político, em que o que prevalece é o agir político, de articulação e ampliação do capital social (BOURDIEU, 2004BOURDIEU, Pierre. Fieldwork in Philosophy. In: BOURDIEU, Pierre. Coisas Ditas. Trad. Cássia R. da Silveira e Denise Moreno Pegorim. São Paulo: Brasiliense, 2004. p.46-58.). Nesse sentido, seria dispensável, sob o ponto de vista do acúmulo do capital político, buscar uma formação de cunho científico/acadêmico que pouco auxiliaria na busca desses objetivos. Essa seria a face evidentemente política do subcampo político/burocrático, em queo agir de um grupo de agentes visa quase que exclusivamente à acumulação de capitais político e social, com vistas normalmente à ascensão política. Essa “cultura política da pessoa que ao se tornar secretário já está mirando ser vereador, já está mirando ser deputado, e quer se profissionalizar na política”15 15 GESTOR C. Entrevista concedida a Fernando Augusto Starepravo, em 27 de outubro de 2010. . O habitus predominantemente político do subcampo político/burocrático tem sido, afinal, um dos grandes entraves à aproximação dos subcampos político/burocrático e científico/acadêmico das políticas públicas de esporte e lazer.

Outra justificativa alegada pelos agentes vinculadosàs gestões da SNDEL foi a falta de tempo para verificar o nível de incorporação da produção pelos agentes. Os gestores do primeiro grupo que liderou a Secretaria apontam que “[...] nem teve tempo suficiente para se sentir o peso dessa incorporação”16 16 GESTOR C. Entrevista concedida a Fernando Augusto Starepravo, em 27 de outubro de 2010. , em função de uma saída supostamente prematura da SNDEL.

Não tivemos tempo pra isso. Mal tivemos tempo de receber o resultado, a prestação de contas do convênio estabelecido com alguns grupos. Muitos grupos iniciaram conosco e prestaram contas já na outra gestão. Já não mais conosco. E aí o movimento de levar ao conhecimento dos gestores, isso já não foi um movimento que nós tivemos oportunidade de implementar, com escala nacional, porque nos afastamos da gestão antes disso acontecer17 17 GESTOR C. Entrevista concedida a Fernando Augusto Starepravo, em 27 de outubro de 2010. .

Todavia, os agentes que assumiram a SNDEL também alegaram falta de tempo para verificar as repercussões da Rede Cedes junto aos gestores e trabalhadores do subcampo político/burocrático do esporte e lazer.

Eu diria que ela ainda não está plenamente usada porque pesquisa não é vapt-vupt. As primeiras pesquisas pagas por edital público foi em 2007. Então, significa que só em 2009 elas estão sendo concluídas. Só em 2009, 2010 elas vão chegar em forma de livro. Então agora que elas estão em ponto de bala pra voltar pra lá. Então como a pesquisa demanda de tempo de produção, essa é uma pergunta boa pra 2011, 2012, porque aí a gente já tem o princípio da produção de certa forma já consolidada, e da difusão também18. 18 GESTOR A. Entrevista concedida a Fernando Augusto Starepravo, em 25 de março de 2010.

Como a Rede Cedes teve início em 2004, pode-se dizer que a justificativa é frágil, uma vez que o processo teve uma continuidade, e ao menos as pesquisas concluídas anteriormente deveriam ser consideradas nesse processo de incorporação dos agentes do subcampo político/burocrático. Talvez outra passagem da entrevista seja mais conclusiva sobre tal processo: “[...] nós estamos com essa sua pergunta, ela vai ser muito bem respondida daqui uns dez anos. Porque ela implica mudança cultural”19 19 GESTOR A. Entrevista concedida a Fernando Augusto Starepravo, em 25 de março de 2010. . Essa mudança cultural apontada, entendida aqui como a mudança no habitus inerente ao subcampo político/burocrático do esporte e lazer, que incorporaria maneiras de agir não meramente políticas, mas também técnico-burocráticas, já teria sido inclusive implementada em outros subcampos político/burocráticos, especialmente aqueles da mão direita do Estado20 20 Pensando relacionalmente, pode-se dizer que o esporte, enquanto subcampo político/burocrático está em uma posição desprivilegiada em relação ao campo do poder, assim como outras políticas sociais. Estaria, segundo Bourdieu (1998), na mão esquerda do Estado. Segundo o autor, a mão esquerda do Estado representa os agentes e estruturas das áreas de atuação do Estado relacionadas às políticas sociais; enquanto a mão direita é representada pelos ministérios relacionados à economia, como os bancos e agentes dos gabinetes ministeriais da área econômica. Essas são as instituições e agentes que caracterizam as lutas principais dentro do campo político/burocrático, no qual, sob a análise do capital econômico, a mão direita é dominante e a mão esquerda dominada, constantemente lutando entre si pela dominância sob análise do capital simbólico (BOURDIEU, 1998). O esporte, na mão esquerda do Estado, é tido especialmente como meio de compensação das distorções do sistema capitalista, responsável por “exercer as funções ditas ‘sociais’ - isto é, compensar, sem dispor de todos os meios necessários, os efeitos e carências mais intoleráveis da lógica do mercado” (BOURDIEU, 2003, p. 218). .

[…] existem setores estratégicos em que isso não pode ser desconsiderado. Não tem como não haver essa aproximação. Eu não imagino, por exemplo, um Banco Central com a tarefa que tem, que tu não esteja sendo assessorado, [o presidente do Banco Central do Brasil] sendo assessorado por doutores em economia que tenham um vasto conhecimento de macroeconomia pra gerir essa coisa toda21 21 GESTOR D. Entrevista concedida a Fernando Augusto Starepravo, em 29 de novembro de 2010. .

A mudança, portanto, residiria em aproximar a mão direita e a esquerda do Estado, de modo quea segunda ganharia ao incorporar o habitus da primeira, mais profissional e mais comprometida com as questões técnicas, científicas e acadêmicas. Como esse processo não vem acontecendo, ou vem ocorrendo de uma forma muito lenta e gradual, a incorporação da produção científico/acadêmica pelos agentes do subcampo político/burocrático, nesse sentido, ocorreu de maneira apenas circunstancial.

As estratégias22 22 As estratégias dos agentes e das instituições que estão envolvidos nas lutas e em suas tomadas de posição dependem da posição que eles ocupam na estrutura do campo, isto é, na distribuição do capital simbólico específico, institucionalizado ou não (reconhecimento interno ou notoriedade externa), e que, através da mediação das disposições constitutivas de seus habitus (relativamente autônomo em relação à posição), inclina-os seja a conservar seja a transformar a estrutura desta distribuição, logo, a perpetuar as regras do jogo ou a subvertê-las (BOURDIEU, 2007b). para vencer tais entraves estariam relacionadas a questões que extrapolam a atuação do Ministério do Esporte, envolvendo o avanço da ciência e a democratização do conhecimento:

Mas tem muita coisa pra mudar. Porque a avaliação que a gente faz não é de um insucesso num debate, um caso isolado de um gestor. O nosso sonho é que todos que entrem nos núcleos do PELC tenham consciência da importância do conhecimento. Que todos os pesquisadores que entrem na Rede tenham a consciência da sua responsabilidade política, da produção do conhecimento que ele participa. Mas então. Esse ideal está longe, porque sei que não é uma questão só nossa. É uma questão do avanço da ciência. Mas se você ver um número crescente de demandas que entram pra Rede Cedes. A gente sente que novas instituições querem entrar na Rede. Eu acho que isso já é um resultado bastante significativo23 23 GESTOR A. Entrevista concedida a Fernando Augusto Starepravo, em 25 de março de 2010. .

Esse, porém não é um processo que pode ser observado como tendência no subcampo, que requer, portanto, novas iniciativas. Tanto os gestores quanto os coordenadores de núcleos da Rede Cedes apontam alternativas para superar essa ineficácia na incorporação do subcampo político/burocrático do esporte e lazer dos subsídios teóricos. Uma delas seria o próprio sistema de formação no interior do PELC.

A ideia é que não fosse fragmentada, apartada uma da outra [Rede Cedes e o PELC Projeto Social], mas, sim, com vínculo. Inclusive a formação das pessoas lá no programa. Quando as pessoas enviavam o convênio, elas deveriam também enviar propostas de formação daquelas pessoas, dos agentes que iriam trabalhar dentro dos núcleos. Essa formação deveria haver um link com a Rede Cedes. Naqueles estados em que houvesse universidades com Rede Cedes, essas pessoas que estavam produzindo, pesquisando, estudando problemas relacionados à gestão, ou às próprias políticas, ou temas vinculados a isso deveriam dar um suporte para a formação dessas pessoas que atuavam na ponta, lá no núcleo24 24 GESTOR D. Entrevista concedida a Fernando Augusto Starepravo, em 29 de novembro de 2010. .

Essa lógica da Rede Cedes de se aproximar dos núcleos do PELC Projeto Social através do processo de formação esteve presente no primeiro momento da Rede Cedes, antes da mudança de comando na SNDEL. Mais tarde foi substituída por um cadastro de formadores, público, constituído por profissionais e pesquisadores, participantes ou não da Rede.

Outra estratégia seria reunir gestores, formadores, pesquisadores e trabalhadores em reuniões, a fim de conscientizar e sensibilizar as partes envolvidas de que o PELC é um programa que trabalha indissociavelmente a discussão científica/acadêmica e a atuação prática. Esse entendimento facilitaria inclusive os agentes oriundos do campo científico/acadêmico em interpelar problemas reais, oriundos da prática, para serem refletidas dentro dos limites científicos/acadêmicos.

[…] a primeira forma que isso tem se efetivado, a partir do momento que a gente busca conscientizar todo mundo que entra no PELC e na Rede Cedes que eles não estão trabalhando ‘solo’. Que eles não estão trabalhando só no núcleo da sua universidade. Eles não têm que ficar preocupados só com o que acontece na sua instituição. Eles têm que estar atentos às outras instituições de ensino superior. Eles têm que ficar atentos com o que acontece com os núcleos das cidades. […] Aí vem aquele trabalho de sensibilização. Que ele possa estar ali para que ele possa ouvir o público prioritário dele, o público alvo dos estudos dele. […] uma estratégia que é colocar junto, pensando junto e amadurecendo junto25 25 GESTOR A. Entrevista concedida a Fernando Augusto Starepravo, em 25 de março de 2010. .

A fala do gestor, proferida em 2010, anos após o início das ações do PELC e da Rede Cedes, demonstra a dificuldade em aproximar dois grupos distintos - pesquisadores e gestores - que historicamente não têm tido essa aproximação, bem como a aproximação entre os próprios pesquisadores, que tendem a pautar suas ações em iniciativas individuais. Isso ocorre também em função da postura dos pesquisadores:

[...] as reuniões do PELC têm que reunir gestores, formadores e pesquisadores. E não poucas vezes pesquisadores questionam ‘Vem cá, o que eu estou fazendo aqui, se a programação está falando de avaliação de núcleo? Não é melhor eu ir pra casa trabalhar? O que eu estou fazendo aqui?’ Não…[…]Aonde que os problemas de pesquisa nascem? Como eles estão sendo construídos? Como eles estão emanando de demandas de gestores, de demandas de gente do programa26 26 GESTOR A. Entrevista concedida a Fernando Augusto Starepravo, em 25 de março de 2010. .

A mudança partiria, portanto, também da mudança do habitus inerente ao campo científico/acadêmico, que por vezes não tem como compromisso a interface com o mundo da prática, onde os problemas sociais estão emanando pesquisas. Pesquisadores, gestores e formadores seriam faces de uma mesma moeda, ou, no caso, programa. Cada um com sua especificidade, mas numa atuação complementar e integrada. Em relação às estratégias de aproximação, um dos gestores do Ministério cita ainda que

Toda reunião que a gente faz, a gente registra, escreve, publica, divulga. Porque como a gente acredita no conhecimento como a mola de transformação e mudança, tudo é conhecimento. O debate, a convivência aqui, tudo é momento de produção do conhecimento. Se a gente consegue fazer bons registros, consegue colocar em livro, e consegue divulgar, nós acreditamos que se a gente consegue colocar em pdf no site, de livre acesso, a gente está gerando para o país informações, e para quem está na Rede, para quem está no PELC, pra quem está em outros programas que são nossos parceiros, gerando informações que podem ser preciosas para tanto o desenvolvimento de pesquisas significativas para o campo acadêmico brasileiro, como para práticas que possam também representar e serem qualificadas pelo conhecimento gerado através do meio científico e tecnológico27 27 GESTOR A. Entrevista concedida a Fernando Augusto Starepravo, em 25 de março de 2010. .

A estratégia de aproximar os agentes e de documentar esses encontros para posterior divulgação geraria, segundo o gestor, possibilidades valiosas de pesquisas, bem como de qualificação das práticas dos gestores e trabalhadores do Sistema. As iniciativas, nesse sentido, constituem um processo de sensibilização dos vários agentes envolvidos no processo, que necessitam desde informações básicas sobre atuação de gestão até o reconhecimento do esporte e lazer como direitos sociais.

[…] nós estamos num processo [em 2010] ainda que as nossas ações estão voltadas ainda para difundir, divulgar o direito ao esporte e lazer, e sensibilizar os gestores que isso faz parte da Constituição, e que isso deve ser um dever do Estado. […] Então existem algumas ações nossas que no futuro talvez não devessem mais ser feitas pelo Ministério. Mas se não existe isso aí ainda como um conhecimento real, nos cinco mil e poucos municípios do Brasil, tem que colocar lá28 28 GESTOR B. Entrevista concedida a Fernando Augusto Starepravo, em 26 de março de 2010. .

O processo de formação seria então complementado pela efetiva divulgação e intercâmbio da produção da Rede Cedes,uma iniciativa de difusão e democratização do conhecimento. Dentre suas estratégias de ação, destaca-se a criação de um sistema de rede online de informações, denominado Repositório Institucional da Rede CEDES, que congrega as instituições, os grupos de pesquisa e sociedades científicas que partilham as ações da Rede, permitindo ampla troca de informações e dos conhecimentos produzidos por meio digital. Nesse sistema são inseridos os projetos, os relatórios e toda a produção científica proveniente dos projetos financiados pela Rede Cedes, mostrando-se uma importante ferramenta de disseminação do conhecimento (NAZÁRIO, 2010NAZÁRIO, Murilo Eduardo dos Santos. Contextualização histórica da Rede Cedes. In: SCHWARTZ, Gisele Maria et al. Gestão da informaçãosobre esporte recreativo e lazer: balanço da Rede Cedes. Várzea Paulista: Fontoura, 2010. p. 33-47.).

Todavia, vale destacar que a simples disponibilização de conteúdo online não resolverá o problema da difusão e incorporação do conhecimento. Deve estar articulado a um conjunto de ações que envolva formação básica e continuada dos agentes, distribuição de material impresso, além de outros meios mais acessíveis àqueles que vem conduzindo e operacionalizando as políticas públicas de esporte e lazer no país.

3 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Partindo do objetivo de identificar se o subcampo político/burocrático de esporte e lazer (representado aqui pelo PELC) tem se apropriado da produção do subcampo científico/acadêmico que discute as políticas públicas de esporte e lazer (pensado a partir da Rede Cedes), e quais as principais estratégias dos agentes para efetivar tal apropriação, concluímos que a produção da Rede Cedes não tem subsidiado as ações do PELC Projeto Social e que os gestores têm buscado algumas estratégias para buscar a aproximação entre o subcampo político/burocrático e o subcampo científico/acadêmico.

Cabe colocar aindaque, apesar do subcampo político/burocrático não vir se apropriando da produção do subcampo científico/acadêmico das políticas públicas de esporte e lazer, esse parece ser um desejo dos diversos gestores entrevistados. Porém, esse tipo de mudança tem se operado de maneira bastante tímida. A consolidação do PELC como política de Estado e a continuidade da Rede Cedes, em articulação com outras iniciativas do Ministério, podem contribuir para esse processo. Entretanto, há a impressão de que esse desejo dos gestores ainda se apresenta mais como uma utopia do que uma realidade no contexto pesquisado.

Se no caso do PELC, em que a intenção de aproximação entre os subcampos político/burocrático e científico/acadêmico é mais explícito, a incorporação da produção científica/acadêmica não vem ocorrendo, isso nos leva a crer que isso reflete um processo mais global de distanciamento dos universos sociais, que se constituem como espaços de relações muito distintos, com lógicas, relações e objetos de disputa diferentes, que se mostram até certo ponto incompatíveis em alguns momentos. Por outro lado, cabe refletir sobre tal polarização, uma vez que os subcampos político/burocrático e científico/acadêmico não são os únicos relacionados/interessados nas políticas públicas, e que mesmo constituindo universos sociais distintos, tais subcampos não são exclusivos ou excludentes; pelo contrário, fazem parte, no Brasil, de um mesmo Estado e são essencialmente serviços públicos que devem colaborar e se aproximar em prol do desenvolvimento de nossa sociedade. Seria muito desejável que lógicas do campo científico/acadêmico adentrassem o meio político/burocrático no que diz respeito à rigorosidade nas avaliações e análises, por exemplo, ao passo que o campo científico/acadêmico deveria estar mais comprometido com as demandas e lógicas do campo político/burocrático, tão relevante especialmente no Brasil.

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REFERÊNCIAS

  • BONALUME, Claudia Regina. A Rede CEDES como uma rede de política pública. In: RODRIGUES, Rejane Penna et al (Org.) Brincar, Jogar, Viver: lazer e intersetorialidade com o PELC. Brasília: Ministério do Esporte, 2008. p. 61-67.
  • BOURDIEU, Pierre (Coord.). Miséria do Mundo. Trad. Mateus S. Soares Azevedo et al. 5.ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2003.
  • BOURDIEU, Pierre. A casa do rei à razão de Estado: um modelo da gênese do campo burocrático. In: WACQUANT, Loïc. O mistério do ministério: Pierre Bourdieu e a política democrática.Rio de Janeiro: Revan, 2005. p. 41-70.
  • BOURDIEU, Pierre. Contrafogos: táticas para enfrentar a invasão neoliberal. Trad. Lucy Magalhães. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998.
  • BOURDIEU, Pierre. Fieldwork in Philosophy. In: BOURDIEU, Pierre. Coisas Ditas. Trad. Cássia R. da Silveira e Denise Moreno Pegorim. São Paulo: Brasiliense, 2004. p.46-58.
  • BOURDIEU, Pierre. Por uma ciência das obras. In: BOURDIEU, Pierre. Razões práticas: sobre a teoria da ação. Campinas, SP: Papirus, 2007b. p. 53-90.
  • BOURDIEU, Pierre. Espaço Social e Espaço Simbólico. In: BOURDIEU, Pierre. Razões práticas: sobre a teoria da ação . Campinas, SP: Papirus , 2007a. p. 13-44.
  • BRASIL. Decreto n. 7.529 de 21 de julho de 2011. Aprova a estrutura regimental e o quadro demonstrativo dos cargos em comissão e das funções gratificadas do Ministério do Esporte. Diário Oficial da União, Brasília Disponível em:<Disponível em:https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2011/decreto/d7529.htm >. Acesso em: 20 jul. 2017.
    » https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2011/decreto/d7529.htm
  • NAZÁRIO, Murilo Eduardo dos Santos. Contextualização histórica da Rede Cedes. In: SCHWARTZ, Gisele Maria et al Gestão da informaçãosobre esporte recreativo e lazer: balanço da Rede Cedes. Várzea Paulista: Fontoura, 2010. p. 33-47.
  • RODRIGUES, Rejane Penna. Apresentação - Secretária Nacional de Desenvolvimento do Esporte e Lazer. In: SCHWARTZ, Gisele Maria et al Gestão da informaçãosobre esporte recreativo e lazer: balanço da Rede Cedes . Várzea Paulista: Fontoura , 2010. p.15-16.
  • SCHWARTZ, Gisele Maria et al Projeto de Pesquisa: Gestão da informação sobre esporte recreativo e lazer: balanço da Rede Cedes. In: SCHWARTZ, Gisele Maria et al. Gestão da informaçãosobre esporte recreativo e lazer: balanço da Rede Cedes . Várzea Paulista: Fontoura , 2010. p. 25-32.
  • SILVA JÚNIOR, Orlando. Apresentação - Ministro do Esporte. In: SCHWARTZ, Gisele Maria et al Gestão da informaçãosobre esporte recreativo e lazer: balanço da Rede Cedes . Várzea Paulista: Fontoura , 2010. p. 13-14.
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  • 1
    Espaço social (campo ou subcampo) de produção científica. No caso brasileiro, pode-sedizer que esse espaço social se estrutura como um campo científico/acadêmico, lócus de relações, tendo como protagonistas agentes que têm por delegação produzir conhecimento científico. Apesar de Hey (2008) entender o campo como acadêmico, e não científico, uma vez que, no Brasil, tem-se mais presente a ideia de academia, com cada área do conhecimento sendo uma espécie de sociedade de caráter científico e com membros próprios, mas que tem um ethos comum global, admite-se aqui o campo como indissociavelmente acadêmico e científico, uma vez que a produção é científica e o meio em que é produzida é acadêmico. O campo científico/acadêmico é então entendido como o lócus onde ocorrem práticas institucionalizadas de produção do conhecimento, que envolve sobretudo a ideia de universidade. Cada área no interior do campo científico/acadêmico, por sua vez, pode ser entendida como um subcampo científico/acadêmico, em que as especificidades da área delimitam o espaço social de atuação dos agentes a ela vinculados, no caso as políticas públicas de esporte e lazer.
  • 2
    Um espaço que supõe a dissociação da posição e de seu ocupante, da função e do funcionário, do interesse público e dos interesses privados, mas que paradoxalmente funciona como um metacampo do poder, até porque a gênese da ordem pública vem acompanhada da aparição e acumulação de um “capital público” (BOURDIEU, 2005BOURDIEU, Pierre. A casa do rei à razão de Estado: um modelo da gênese do campo burocrático. In: WACQUANT, Loïc. O mistério do ministério: Pierre Bourdieu e a política democrática.Rio de Janeiro: Revan, 2005. p. 41-70.). Cada área no interior do campo político/burocrático, por sua vez, pode ser entendida como um subcampo político/burocrático, em que as especificidades da área de atuação do Estado delimitam o espaço social de atuação dos agentes a ela vinculados. Nesse caso nos referimos ao subcampo político/burocrático do esporte e lazer, constituído na década de 1940 no Brasil, e que recentemente tem experimentado uma série de mudanças estruturais, especialmente a partir da criação do Ministério do Esporte.
  • 3
    Disponível em: <http://portal.esporte.gov.br/sndel/esporteLazer/default.jsp>. Acesso em: 17 nov. 2008.
  • 4
    A SNEL foi extinta em 2011, sendo incorporada pela recém-criada Secretaria Nacional de Esporte, Educação, Lazer e Inclusão Social (SNEEL) (BRASIL, 2011BRASIL. Decreto n. 7.529 de 21 de julho de 2011. Aprova a estrutura regimental e o quadro demonstrativo dos cargos em comissão e das funções gratificadas do Ministério do Esporte. Diário Oficial da União, Brasília Disponível em:<Disponível em:https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2011/decreto/d7529.htm >. Acesso em: 20 jul. 2017.
    https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_a...
    ).
  • 5
    Disponível em: <http://portal.esporte.gov.br/sndel/esporteLazer/cedes/apresentacao.jsp>. Acesso em: 1o. dez.2009.
  • 6
    A ação, configurada formalmente como projeto, e que constitui o atendimento direto à população através de uma política social que pretende garantir o acesso dos indivíduos ao esporte e lazer como direitos sociais, é usualmente conhecida como o PELC. Porém, vale ressaltar que o PELC foi uma espécie de programa guarda -chuva da SNDEL, que abrangeu várias ações, dentre elas o Funcionamento de Núcleos do PELC, que será referenciado no texto como “PELC Projeto Social”.
  • 7
    GESTOR D. Entrevista concedida a Fernando Augusto Starepravo, em 29 de novembro de 2010.
  • 8
    GESTOR C. Entrevista concedida a Fernando Augusto Starepravo, em 27 de outubro de 2010.
  • 9
    GESTOR A. Entrevista concedida a Fernando Augusto Starepravo, em 25 de março de 2010.
  • 10
    GESTOR B. Entrevista concedida a Fernando Augusto Starepravo, em 26 de março de 2010.
  • 11
    GESTOR B. Entrevista concedida a Fernando Augusto Starepravo, em 26 de março de 2010.
  • 12
    GESTOR D. Entrevista concedida a Fernando Augusto Starepravo, em 29 de novembro de 2010.
  • 13
    GESTOR B. Entrevista concedida a Fernando Augusto Starepravo, em 26 de março de 2010.
  • 14
    “[…] um sistema de disposições adquiridas pela aprendizagem implícita ou explícita que funciona como um sistema de esquemas geradores, é gerador de estratégias que podem ser objetivamente afins dos interesses objetivos de seus autores sem terem sido expressamente concebidas para este fim” (BOURDIEU, 1983c, p. 94).
  • 15
    GESTOR C. Entrevista concedida a Fernando Augusto Starepravo, em 27 de outubro de 2010.
  • 16
    GESTOR C. Entrevista concedida a Fernando Augusto Starepravo, em 27 de outubro de 2010.
  • 17
    GESTOR C. Entrevista concedida a Fernando Augusto Starepravo, em 27 de outubro de 2010.
  • 18
    GESTOR A. Entrevista concedida a Fernando Augusto Starepravo, em 25 de março de 2010.
  • 19
    GESTOR A. Entrevista concedida a Fernando Augusto Starepravo, em 25 de março de 2010.
  • 20
    Pensando relacionalmente, pode-se dizer que o esporte, enquanto subcampo político/burocrático está em uma posição desprivilegiada em relação ao campo do poder, assim como outras políticas sociais. Estaria, segundo Bourdieu (1998BOURDIEU, Pierre. Contrafogos: táticas para enfrentar a invasão neoliberal. Trad. Lucy Magalhães. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998.), na mão esquerda do Estado. Segundo o autor, a mão esquerda do Estado representa os agentes e estruturas das áreas de atuação do Estado relacionadas às políticas sociais; enquanto a mão direita é representada pelos ministérios relacionados à economia, como os bancos e agentes dos gabinetes ministeriais da área econômica. Essas são as instituições e agentes que caracterizam as lutas principais dentro do campo político/burocrático, no qual, sob a análise do capital econômico, a mão direita é dominante e a mão esquerda dominada, constantemente lutando entre si pela dominância sob análise do capital simbólico (BOURDIEU, 1998BOURDIEU, Pierre. Contrafogos: táticas para enfrentar a invasão neoliberal. Trad. Lucy Magalhães. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998.). O esporte, na mão esquerda do Estado, é tido especialmente como meio de compensação das distorções do sistema capitalista, responsável por “exercer as funções ditas ‘sociais’ - isto é, compensar, sem dispor de todos os meios necessários, os efeitos e carências mais intoleráveis da lógica do mercado” (BOURDIEU, 2003BOURDIEU, Pierre (Coord.). Miséria do Mundo. Trad. Mateus S. Soares Azevedo et al. 5.ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2003., p. 218).
  • 21
    GESTOR D. Entrevista concedida a Fernando Augusto Starepravo, em 29 de novembro de 2010.
  • 22
    As estratégias dos agentes e das instituições que estão envolvidos nas lutas e em suas tomadas de posição dependem da posição que eles ocupam na estrutura do campo, isto é, na distribuição do capital simbólico específico, institucionalizado ou não (reconhecimento interno ou notoriedade externa), e que, através da mediação das disposições constitutivas de seus habitus (relativamente autônomo em relação à posição), inclina-os seja a conservar seja a transformar a estrutura desta distribuição, logo, a perpetuar as regras do jogo ou a subvertê-las (BOURDIEU, 2007bBOURDIEU, Pierre. Por uma ciência das obras. In: BOURDIEU, Pierre. Razões práticas: sobre a teoria da ação. Campinas, SP: Papirus, 2007b. p. 53-90.).
  • 23
    GESTOR A. Entrevista concedida a Fernando Augusto Starepravo, em 25 de março de 2010.
  • 24
    GESTOR D. Entrevista concedida a Fernando Augusto Starepravo, em 29 de novembro de 2010.
  • 25
    GESTOR A. Entrevista concedida a Fernando Augusto Starepravo, em 25 de março de 2010.
  • 26
    GESTOR A. Entrevista concedida a Fernando Augusto Starepravo, em 25 de março de 2010.
  • 27
    GESTOR A. Entrevista concedida a Fernando Augusto Starepravo, em 25 de março de 2010.
  • 28
    GESTOR B. Entrevista concedida a Fernando Augusto Starepravo, em 26 de março de 2010.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    02 Maio 2022
  • Data do Fascículo
    Jan-Mar 2018

Histórico

  • Recebido
    17 Mar 2016
  • Aceito
    10 Maio 2017
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