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O ESPORTE NA EDUCAÇÃO FÍSICA ESCOLAR: UM CONTEÚDO COM POTENCIAL EMANCIPADOR

SPORT IN SCHOOL PHYSICAL EDUCATION: CONTENT WITH EMANCIPATORY POTENTIAL

EL DEPORTE EN LA EDUCACIÓN FÍSICA ESCOLAR: UN CONTENIDO CON POTENCIAL EMANCIPADOR

Resumo

Esta pesquisa objetivou analisar a possibilidade emancipadora sobre a prática dos esportes por meio da utilização de um modelo híbrido no ensino na Educação Física Escolar baseado nos modelos de Educação Esportiva e Desenvolvimentista. É um estudo de caso com relatos e depoimentos dos alunos e diário de campo do professor. Foram acompanhadas 45 aulas sistematizadas a partir da indicação dos alunos acerca dos saberes esportivos que lhes despertavam para o saber fazer, chegando ao futsal, basquetebol e handebol. Os resultados indicaram que a experiência pedagógica centrada no modelo híbrido favorece a ação participativa e cooperativa, possibilitando aos pares a emancipação demonstrada na autonomia motora e técnica, além do sentido de responsabilidade no desenvolvimento das atividades esportivas propostas, enaltecendo o fato de que o tratamento didático do conteúdo esportivo pode provocar a inclusão e participação efetiva dos alunos nas aulas de Educação Física.

Palavras-chave
Educação Física; Ensino fundamental; Esportes; Participação social

Abstract

This research looks into the possibility for emancipation of sports practice by using a hybrid model for teaching school Physical Education based on models of Sports and Developmental Education. It is a case study including student’s accounts and statements and the teacher’s field diary. Forty-four classes were monitored and systematized based on students’ indication of the sports knowledge that awakened them to know-how, including futsal, basketball, and handball. The results indicated that the pedagogical experience centered on the hybrid model favors participatory and cooperative action, enabling peers’ emancipation demonstrated in motor and technical autonomy, as well as the sense of responsibility in developing the proposed sports activities, praising the fact that didactic treatment of the sports content may lead to inclusion and effective participation of students in Physical Education classes.

Keywords
Physical Education; Primary; Sports; Social participation

Resumen

Esta investigación tuvo como objetivo analizar la posibilidad emancipadora de la práctica de deportes a través del uso de un modelo híbrido en la enseñanza de Educación Física en la escuela, basado en los modelos de Educación Deportiva y Desarrollista. Se trata de un estudio de caso con relatos y testimonios de estudiantes y diario de campo del profesor. Se siguieron 45 clases sistematizadas a partir de la indicación de los alumnos sobre los conocimientos deportivos que los despertaban para el saber hacer, llegando al futsal, baloncesto y balonmano. Los resultados indicaron que la experiencia pedagógica centrada en el modelo híbrido favorece la acción participativa y cooperativa, posibilitando a los pares la emancipación demostrada en la autonomía motora y técnica, así como el sentido de responsabilidad en el desarrollo de las actividades deportivas propuestas, destacando el hecho de que el tratamiento didáctico del contenido deportivo puede traer consigo la inclusión y participación efectiva de los alumnos en las clases de Educación Física.

Palabras clave
Educación Física; Educación primaria; Deportes; Participación social

1 INTRODUÇÃO

A ação pedagógica no campo da Educação Física Escolar tem sido marcada por constantes debates acerca da necessidade de ruptura com a racionalidade técnico-instrumental. As novas tendências pedagógicas buscam ensinar a prática esportiva enquanto um processo de transformação dos saberes e conhecimentos, com possibilidades de uma formação que reflita no cotidiano uma mudança de atitude e comportamento social. Afinal, a escola é um espaço que reflete as concepções e paradigmas da sociedade (GADOTTI, 2003GADOTTI, Moacir. História das idéias pedagógicas. 8. ed. São Paulo: Ática, 2003.), influenciando e sendo influenciada pela cultura, pela ação docente e pelos constructos sociais que permeiam a formação humana.

Nesse cenário, as aulas de Educação Física se constituem num espaço de discussão e apropriação de saberes esportivos constituídos a partir da coletividade, promovendo, por meio das ações pedagógicas participativas, inclusivas e cooperativas, a autonomia e responsabilidade dos envolvidos no processo de experimentação e vivência prática das aulas realizadas neste estudo. Considerando o movimento como o objeto central do campo, toda e qualquer apropriação dele por meio de uma ação pedagógica planejada e estruturada, a partir dos delineamentos de uma prática sustentada na ação reflexiva, poderá ocasionar e transpor o fazer pelo fazer, possibilitando a vinculação do ser e do saber.

Além desse fato, há que se considerar que, nas aulas de Educação Física, ações devem promover por meio do esporte os “princípios da participação, coeducação, cooperação, corresponsabilidade, inclusão”, possibilitando o acesso ao saber e aos conhecimentos das diversas potencialidades do sujeito (BRASIL, 1998BRASIL. Lei nº 9.615, de 24 de março de 1998. Institui normas gerais sobre desporto e dá outras providências. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 25 mar.1998. Seção 1, p. 1-7. Disponível em: <Disponível em: http://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei/1998/lei-9615-24-marco-1998-351240-publicacaooriginal-1-pl.html >. Acesso em: 2 out. 2017.
http://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei/...
).

Dessa forma, o movimento sendo o objeto das aulas de Educação Física passa a ser tratado e inserido nas aulas a partir de mudanças nas abordagens centradas no professor, passando ao ensino centrado no aluno (CHANDLER; MITCHELL, 1990CHANDLER, Timothy; MITCHELL, Stephen. Reflections on models of games education. Journal of Physical Education Recreation and Dance, v. 61, n. 6, p.19-21, 1990.). O ensino tendo o aluno como agente participativo do processo possibilita que as aulas sejam um espaço privilegiado no contexto de ensino e aprendizagem, no qual se possibilita assumir gradualmente a responsabilidade pela própria aprendizagem (DAÓLIO; VELOSO, 2008DAÓLIO, Jocimar; VELOSO, Emerson Luís. A técnica esportiva como construção cultural: implicações para a pedagogia do esporte. Pensar a Prática, v. 11, n. 1, p. 9-16, 2008.; MESQUITA; FARIAS; HASTIE, 2012MESQUITA, Isabel; FARIAS, Cláudio; HASTIE, Peter. The impact of a hybrid sport education: invasion games competence model soccer unit on students’ decision making, skill execution and overall game performance. European Physical Education Review , v. 18, n. 2, p. 205-219, 2012.; PEREIRA; SILVA, 2004PEREIRA, Flávio Medeiros; SILVA, Adriane Correa da. Sobre os conteúdos da educação física no ensino médio em diferentes redes educacionais do Rio Grande do Sul. Revista da Educação Física/UEM , v. 15, n. 2, p. 67-77, 2004.), além de uma prática emancipadora, buscando ensinar o esporte com a adoção de princípios que não privilegiam a comparação entre os alunos (SILVA, 2013SILVA, Luiz Etevaldo. O sentido e significado sociológico de emancipação. Revista e-Curriculum, v. 3, n. 11, p. 751-765, 2013.). Apesar de se preocupar com o ensino do gesto técnico, o professor não evidencia a especialização, pois se preocupa em apresentar os motivos pelos quais cada fundamento técnico é necessário e o momento de sua utilização, proporcionando a reflexão dos alunos.

Rumando a esse movimento, emerge no campo da Educação Física o Modelo de Educação Esportiva (MED). Este buscou oferecer aspectos de renovação no ensino do esporte na escola, investindo em seu potencial educativo, na formação de alunos esportivamente competentes, cultos e entusiastas (MESQUITA; FARIAS; HASTIE, 2012MESQUITA, Isabel; FARIAS, Cláudio; HASTIE, Peter. The impact of a hybrid sport education: invasion games competence model soccer unit on students’ decision making, skill execution and overall game performance. European Physical Education Review , v. 18, n. 2, p. 205-219, 2012.; SIEDENTOP, 1994SIEDENTOP, Daryl. Sport education: quality PE through positive sports experiences. Champaign: Human Kinetics, 1994.; SIEDENTOP, 2002SIEDENTOP, Daryl. Sport education: a retrospective. Journal of Teaching in Physical Education , v. 21, n. 4, p. 409-418, 2002.). O sentido de “culto e entusiasta”, neste modelo de ensino, tem como objetivo que o aluno possa compreender o esporte e suas regras, entender como se joga e se aprecia uma modalidade esportiva. No MED, os alunos são o centro do processo de ensino e aprendizagem, realizando as tarefas em equipes com objetivo de desenvolver o sentimento de afiliação, desempenhando diferentes papéis (jogadores, árbitros, jornalistas e dirigentes). As tradicionais unidades didáticas são transformadas em unidades esportivas; ao final de cada época são realizados eventos culminantes (festivais), em que são entregues os prêmios, entre os quais se destacam o de fair play, o de cooperação e participação, o rendimento esportivo, entre outros definidos pelo professor (MESQUITA et al., 2014MESQUITA, Isabel et al. Modelo de Educação Desportiva: da aprendizagem à aplicação. Revista da Educação Física/UEM, v. 25, n. 1, p. 1-14, 2014.).

De acordo com pesquisas realizadas no campo da Educação Física, esse modelo de ensino do esporte contribui para o desenvolvimento das competências afetivas e sociais (COELHO et al., 2012COELHO, Irene et al. Ensinar e aprender o atletismo com o Modelo de Educação Desportiva: Relatos de uma professora e dos seus alunos. Revista Portuguesa de Ciências do Desporto, v. 12, n. 1, p. 13-30, 2012. ; MESQUITA et al., 2014MESQUITA, Isabel et al. Modelo de Educação Desportiva: da aprendizagem à aplicação. Revista da Educação Física/UEM, v. 25, n. 1, p. 1-14, 2014.) e para a valorização da cooperação e da inclusão (PEREIRA et al., 2013PEREIRA, José Augusto et al. Estudo comparativo entre o Modelo de Educação Desportiva e o Modelo de Instrução Direta no ensino de habilidades técnico-motoras do Atletismo nas aulas de Educação Física. Revista Portuguesa de Ciências do Desporto , v. 13, n. 2, p. 29-43, 2013. ). O Modelo de Educação Esportiva também busca promover o suporte ao apoio da autonomia dos alunos no processo de ensino e aprendizagem (PERLMAN; KARP, 2010PERLMAN, Dana, KARP, Grace. A self-determined perspective of the sport education model. Physical Education and Sport Pedagogy , v. 15, n. 4, p. 401-418, 2010.). Siedentop (2002SIEDENTOP, Daryl. Sport education: a retrospective. Journal of Teaching in Physical Education , v. 21, n. 4, p. 409-418, 2002.) destaca o fato de que por meio do MED é possível despertar a humanização dos alunos pela ação inclusiva, uma vez que permite que estes assumam gradualmente a responsabilidade pelo processo de ensino e aprendizagem, proporcionando a autonomia e a cooperação no contexto educacional. Outros estudos realizados por Alexander e Luckman (2001)ALEXANDER, Ken; LUCKMAN Jan. Australian teachers’ perceptions and uses of the sport education curriculum model. European Physical Education Review, v. 7, n. 3, p. 243-267, 2001., Wallheade e O’Sullivan (2005WALLHEAD, Tristan; O’SULLIVAN, Mary. Sport education: physical education for the new millennium? Physical Education and Sport Pedagogy , v. 10, n. 2, p. 181-210, 2005. ) trazem à cena a mesma discussão, afirmando que o MED possibilita prioritariamente a construção de envolvimento pedagógico favorável ao desenvolvimento de todos os alunos, privilegiando os aspectos da inclusão.

No Modelo Desenvolvimentista (MD) o ensino das habilidades no contexto do jogo é ponto fundamental durante o processo de ensino e aprendizagem, no qual a função do professor é trazer atividades que oportunizem o desenvolvimento dos aspectos motores, cognitivos e afetivos aos alunos por meio do esporte (RINK, 2010RINK, Judith. Teaching physical education. 6. ed. New York: McGraw-Hill, 2010.). Na constatação das dificuldades dos alunos, em especial nas motoras, as tarefas/exercícios são retomadas com foco no ensino do gesto técnico, sendo realizadas numa complexidade crescente, utilizando exercícios cujo objetivo primordial é que os alunos possam adquirir novas habilidades motoras (MESQUITA; GRAÇA, 2009MESQUITA, Isabel; GRAÇA, Amândio. Modelos instrucionais no ensino do desporto. In: ROSADO, A.; MESQUITA, I. (Eds.). Pedagogia do Desporto: Lisboa: Edições FMH, 2009. p. 39-68.).

O processo de instrução no MD é evidenciado por meio de princípios didáticos estabelecidos a priori (RINK, 2010RINK, Judith. Teaching physical education. 6. ed. New York: McGraw-Hill, 2010.), como os sistemas de accountability, que se apropria das anotações do professor e das metas definidas, tanto pelos professores, quanto pelos alunos (HASTIE, 2000HASTIE, Peter. An ecological analysis of a sport education season. Journal of Teaching in Physical Education, v. 19, n 3, p. 355-373, 2000.).

As análises dos estudos no esporte realizados no contexto brasileiro por González, Darido e Oliveira (2017GONZÁLEZ, Fernando; DARIDO, Suraya Cristina; OLIVEIRA, Amauri Aparecido Bássoli. Práticas corporais e a organização do conhecimento. Maringá: Eduem, 2017.), Hildebrandt e Taffarel (2017TAFFAREL, Celi Zulke; HILDEBRANDT-STRAMANN, Reiner. Formação de Professores e trabalho educativo na Educação Física: Unijuí, 2017.) e Paes (2005PAES, Roberto Rodrigues; BALBINO, Hermes Ferreira. Pedagogia do esporte: contextos e perspectivas. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2005.) e das propostas apresentadas nos modelos utilizados neste estudo nos levaram a desenvolver uma proposta de organização e estruturação das aulas de Educação Física em uma turma do 6º ano do ensino fundamental, para que pudéssemos verificar como se dá o processo pedagógico do ensino dos esportes a partir da implementação de uma ação docente sustentada nos Modelos de Educação Esportiva (MED) e no Modelo Desenvolvimentista (MD), denominados de modelo híbrido de ensino (COSTA et al., 2017COSTA, LCA et al. Educação Física e esportes: motivando para a prática cotidiana escolar. Movimento, v. 23, n. 3,935-948, jul./set. 2017.), por considerarmos que esses modelos atendem às orientações educacionais e aos princípios éticos na prática pedagógica nas aulas de Educação Física. Outros estudos já buscaram a implementação esportiva por meio de modelos híbridos na realização de ações pedagógicas utilizando a combinação do MED com o Modelo de Competência nos Jogos de Invasão (MESQUITA; FARIAS; HASTIE, 2012MESQUITA, Isabel; FARIAS, Cláudio; HASTIE, Peter. The impact of a hybrid sport education: invasion games competence model soccer unit on students’ decision making, skill execution and overall game performance. European Physical Education Review , v. 18, n. 2, p. 205-219, 2012.) e do MED com o Modelo de Abordagem Progressiva ao Jogo (MESQUITA et al., 2014MESQUITA, Isabel et al. Modelo de Educação Desportiva: da aprendizagem à aplicação. Revista da Educação Física/UEM, v. 25, n. 1, p. 1-14, 2014.).

Assim, o estudo objetivou analisar a possibilidade emancipadora sobre a prática dos esportes por meio da utilização de um modelo híbrido no ensino na Educação Física Escolar baseado nos modelos de Educação Esportiva e Desenvolvimentista.

2 O PERCURSO METODOLÓGICO

2.1 DOS PARTICIPANTES

A ação pedagógica com foco nos princípios do trabalho docente centrado nos pressupostos do esporte educacional se deu a partir da participação do professor de Educação Física e dos alunos. Buscamos compreender a concepção e percepção do professor pesquisador (teacher research), ao ministrar as unidades temáticas elegidas para a ação pedagógica, tendo como foco a apropriação de um modelo híbrido de ensino para suas aulas - MED e MED.

Com relação à função dos participantes da pesquisa, destaca-se o fato de que o professor pesquisador (COCHRAN-SMITH; LYTLE, 1993COCHRAN-SMITH, Marilyn; LYTLE Susan Landy. Inside/outside: teacher research and knowledge. New York: Teachers College, 1993.) foi o responsável pela organização do planejamento de cada unidade de ensino, dos planos de aula e da efetivação e implementação destes (teacher research). O professor pesquisador no momento do estudo possuía 20 anos de experiência com o ensino dos esportes, seja como professor no ambiente escolar, técnico esportivo e professor de esportes em instituições de ensino superior.

Entendendo que as atividades propostas deveriam ocorrer na reciprocidade entre professor e alunos, optamos por realizar a ação pedagógica com alunos que não haviam experimentado a combinação dos modelos de ensino MED e MD. Assim, chegamos a uma turma de alunos do 6º ano do ensino fundamental (n=23 alunos; 11,5 anos ± 0, 98), de uma escola pública do Município de Maringá/PR.

Os alunos participaram do estudo voluntariamente, sendo solicitada a autorização dos responsáveis, por meio do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, e aprovado pelo Comitê de Ética de uma instituição de ensino do Estado do Paraná (parecer n. 236.092).

2.2 DA INTERVENÇÃO PEDAGÓGICA

Em se tratando de um estudo de caso, a realização da intervenção pedagógica centrada na prática do esporte nas aulas de Educação Física a partir dos pressupostos do esporte educacional se deu a partir da sistematização de 45 aulas com duração de 50 minutos cada, cujos conteúdos foram organizados a partir da indicação dos alunos acerca dos saberes esportivos das modalidades do futsal, basquetebol e handebol. Foram utilizados os modelos MED e MD, sendo denominado de modelo híbrido de ensino (MESQUITA; FARIAS; HASTIE, 2012MESQUITA, Isabel; FARIAS, Cláudio; HASTIE, Peter. The impact of a hybrid sport education: invasion games competence model soccer unit on students’ decision making, skill execution and overall game performance. European Physical Education Review , v. 18, n. 2, p. 205-219, 2012.). A opção por esses modelos se deu pelo entendimento de suas semelhanças estruturais, como a invasão do espaço adversário, a organização das equipes e as metas a se alcançar (MUSCH et al., 2002MUSCH, Eliane et al. An innovative didactical invasion games model to teach basketball and handball. In: ANNUAL CONGRESS OF THE EUROPEAN COLLEGE OF SPORT SCIENCE, 7., 2002, Proceedings… Athens: Pashalidis Medical Publisher/European College of Sports Science, 2002. 1 cd-rom.).

Consideramos para a ação pedagógica tratar os conteúdos de ensino, seguindo uma lógica de complexidade crescente, efetivada ao longo das aulas e utilizando para cada modalidade a tipologia de tarefas preconizada por Rink (2010RINK, Judith. Teaching physical education. 6. ed. New York: McGraw-Hill, 2010.) para os jogos de invasão:

  1. a) tipo 1 - exercitação de habilidades simples sem oposição;

  2. b) tipo 2 - exercitação de combinação de habilidades sem oposição;

  3. c) tipo 3 - exercitação em situações de oposição simplificada;

  4. d) tipo 4 - práticas semelhantes ao jogo formal.

  5. Para cada aula a organização seguiu os pressupostos do MED e do MD. Em relação ao MED destacaram-se os conteúdos:

  6. a) organização das equipes de trabalho (grupos de alunos - meninos e meninas trabalhando em conjunto);

  7. b) introdução às regras do trabalho em equipe e importância do fair play;

  8. c) a responsabilidade em cada tarefa desenvolvida;

  9. d) aprendizagem e construção do Quadro de notícias com as atividades realizadas pelas equipes;

  10. e) organização dos papéis (funções de jogador, treinador, árbitro, jornalista, fotógrafo, coreógrafo das danças realizadas pela equipe);

  11. f) preparação para o evento culminante da modalidade (festival);

  12. g) evento de cada modalidade;

  13. h) entrega de certificados para todos os participantes.

No MD os conteúdos nas aulas iniciaram com a execução de exercícios menos complexos (situações de tipo 1) em cada esporte (futsal, basquetebol e handebol), passando gradualmente para situações de complexidade crescente (tipo 2, 3 e 4). Os exercícios foram realizados seguindo esta lógica de progressão; sua utilização não obedeceu a uma hierarquia rígida, sendo alterada sempre que as situações concretas de ensino e aprendizagem exigiam. Nesses casos foi utilizada a progressão dinâmica com articulação vertical e horizontal (MESQUITA; GRAÇA, 2009MESQUITA, Isabel; GRAÇA, Amândio. Modelos instrucionais no ensino do desporto. In: ROSADO, A.; MESQUITA, I. (Eds.). Pedagogia do Desporto: Lisboa: Edições FMH, 2009. p. 39-68.). Nos exercícios do tipo 1 foram realizadas atividades que trabalhavam habilidades de marcação, como dribles, chutes e lançamentos; os exercícios contavam com motivação para que cada aluno melhorasse sua execução a cada aula; por exemplo, executando o maior número de “embaixadinhas” no futsal. No exercício do tipo 2, foram realizadas atividades em que eram combinados dois ou mais tipos de fundamentos; por exemplo, drible e passe; drible, passe e chute ao gol; os exercícios foram realizados com os alunos dispostos em colunas e/ou fileiras. As metas podiam ser estabelecidas pelos professores, pelos alunos e/ou suas equipes. Os jogos de oposição simplificada (2X1, 2X2, etc.), que caracterizam os exercícios do tipo 3, e os jogos em situação semelhante ao jogo formal (tipo 4) foram realizados prioritariamente com os alunos se revezando em suas equipes. Ressalta-se que as equipes eram reestruturadas a cada nova modalidade. Apenas as equipes de futsal (primeira modalidade) foram formadas pelo professor pesquisador. As equipes de trabalho das unidades de ensino do basquetebol e handebol foram estruturadas pelos próprios alunos, resultando na organização dos conteúdos apresentada quadro 1.

Quadro 1
Organização dos conteúdos e ações metodológicas nas unidades didáticas de futsal, basquetebol e handebol no modelo híbrido

2.3 PROCESSO DE INVESTIGAÇÃO

Nesta investigação utilizou-se a perspectiva denominada teacher research (COCHRAN-SMITH; LYTLE, 1993COCHRAN-SMITH, Marilyn; LYTLE Susan Landy. Inside/outside: teacher research and knowledge. New York: Teachers College, 1993.), na qual as atividades realizadas pelo professor pesquisador durante o ensino dos esportes foram analisadas sob sua própria ótica. Durante o processo de ensino e aprendizagem, o professor pesquisador utilizou estratégias pedagógicas para resolver os problemas provenientes da prática, verificando as principais dificuldades encontradas pelos alunos e pelo próprio professor.

Para facilitar o processo de registro das ações didáticas o professor pesquisador teve como suporte o registro das aulas por meio de filmagens em sistema de áudio e vídeo, para que tivesse a possibilidade de trazer as complementações necessárias ao diário de campo. Foram registrados os acontecimentos e situações considerados relevantes pelo professor após cada aula. Os nomes dos alunos apontados no diário de campo foram substituídos por nomes fictícios. Os dados foram analisados por meio da análise temática utilizando relatos detalhados das situações de ensino, conforme sugerido por Braun e Clarke (2006)BRAUN, Virginia; CLARKE, Victoria. Using thematic analysis in psychology. Qualitative Research in Psychology, v. 3, n. 2, p. 77-101, 2006.. Foram utilizados códigos de análise para demarcar os temas por meio da comparação dos dados, procurando-se semelhanças, relações e diferenças entre eles. De acordo com a metodologia proposta por Braun e Clarke (2006)BRAUN, Virginia; CLARKE, Victoria. Using thematic analysis in psychology. Qualitative Research in Psychology, v. 3, n. 2, p. 77-101, 2006. foram utilizados os seguintes passos:

  1. a) conhecimento dos dados, anotando as ideias iniciais;

  2. b) obtenção dos códigos iniciais, com nomenclaturas que poderiam contribuir na formação dos primeiros temas;

  3. c) busca de novos temas, reunindo os dados relevantes para cada um deles;

  4. d) revisão dos temas ou agrupamento em outras temáticas;

  5. e) definição e atribuição de nomes aos temas de acordo com a fundamentação teórica do estudo;

  6. f) produção do relatório final utilizando a literatura disponível para discussão dos dados.

Dos temas encontrados a partir da primeira análise dos relatos dos diários do professor pesquisador e dos depoimentos dos alunos, a categorização dos dados demonstrou a necessidade de se trazer para as aulas os temas que tratassem do desenvolvimento da capacidade de cooperação e fair play; do desenvolvimento da autonomia e responsabilidade, e o desenvolvimento da compreensão e performance do jogo.

3 A CAMINHO DE UMA PRÁTICA EMANCIPATÓRIA

Os achados desta investigação serão apresentados a partir da perspectiva do professor pesquisador, em seus relatos no diário de campo, trazendo a interlocução dos relatos dos alunos ao final de cada aula.

3.1 DESENVOLVIMENTO DA COOPERAÇÃO E FAIR PLAY

Dada a dificuldade demonstrada pelos alunos no trabalho em equipe no início das aulas (unidade de futsal), algumas estratégias foram estabelecidas. A dificuldade para se trabalhar em equipe não era somente de cunho disciplinar, mas de lógica organizacional (hábito de ouvir, preparação do exercício, separação das equipes). Ao perceber estas dificuldades logo no início das aulas, o professor optou por um estilo mais diretivo (em nível instrucional e na gestão e organização da aula):

Foi muito difícil solicitar que os alunos ajudassem outros alunos na realização das tarefas. A princípio os alunos não conseguiam ver além de si mesmos durante as aulas, tanto que o papel de ter algum líder na equipe não foi aceito pela maioria dos alunos. Então a cada aula escolhiam um líder em suas equipes [...] o professor realizava diversos tipos de intervenções, sejam individuais, em duplas ou em grupos para que os alunos compreendessem o papel do líder; estimulava o papel de cada um dos participantes, e a cada aula alguns alunos demonstravam a evolução de seu grupo (diário de campo - aula 10).

A gestão da aula e a comunicação foram importantes para que o trabalho em equipe ocorresse de maneira adequada: “Enquanto eu falar, ninguém fala, e quando as bolas estiverem com vocês, elas (as bolas) também não falam [...] bola parada é sinal que eu vou falar, só eu vou falar” (diário de campo - aula 5).

A organização das equipes foi fundamental para o programa de intervenção e, apesar do tempo considerável que ocupava nas primeiras aulas de cada unidade temática, foi importante para que os alunos iniciassem o sentimento de afiliação e a necessidade de trabalhar em equipe:

Reuni os alunos na sala de aula e, mesmo ainda sem saber seus nomes e as habilidades de cada um na modalidade de futsal, fomos elencando cada um deles para uma equipe. Achei que naquele momento não deveríamos deixar que eles escolhessem suas equipes, e isso causou desconforto em muitos alunos que não desejavam participar de certos grupos. Fiz então um acordo, em que eles poderiam trocar de equipes, desde que encontrassem outro aluno que desejasse efetuar a troca. Os alunos concordaram com a estratégia e todos já sabiam quais seriam os diferentes papéis que deveriam ser cumpridos (diário de campo - aula 4).

No sentido de incrementar os vínculos afetivos com os alunos, logo na primeira unidade temática (futsal) foram utilizados momentos informais para aumentar a cumplicidade e o compromisso entre todos:

[...] em momentos em que eu os encontrava no recreio, na biblioteca ou nos corredores da escola, conversava sobre as atitudes que tiveram. Os diálogos informais eram muito interessantes; aqueles alunos indisciplinados e por vezes agressivos nesta situação eram crianças educadas e afetivas. Pediam desculpas e diziam que aquilo não ocorreria mais. E foi isso que realmente foi acontecendo [...] (diário de campo - aula 13).

Com o objetivo de aumentar a capacidade de cooperar e aceitar as normas de funcionamento das atividades, ou seja, o fair play, foram construídas algumas regras de conduta em conjunto com os alunos, melhorando as questões disciplinares. Fruto destas estratégias, na segunda unidade temática (basquetebol), os alunos demonstraram ser mais responsáveis com a realização das tarefas, reavaliaram suas equipes sem conflitos e decidiram algumas alterações, justificando que os grupos ficariam mais homogêneos. Também, “[...] a minha participação nas aulas como jogadora de basquetebol ocorreu no sentido de ajudar os alunos a compreender a importância de cooperar no jogo”, de se ajudarem mutuamente e cumprir as decisões dos árbitros fortalecendo o trabalho em equipe e o fair play:

[...] os alunos puderam visualizar como deveriam realizar as orientações de seus colegas, falando uns com os outros e cooperando com suas equipes [...] jogar com os alunos foi muito prazeroso; a motivação dos alunos com a minha participação favoreceram a sua atenção e compreensão em relação às orientações (diário de campo - aula 23).

A elevada ênfase nos resultados competitivos por parte dos alunos foi percebida pelo professor, tentando este, desde o início das aulas, se preocupar com a cooperação dos alunos, no sentido de estimular a ajuda entre os colegas e no respeito pelos aspectos essenciais evidenciados no fair play. O depoimento de Claudia (10 anos) demonstrou a nova perspectiva da turma: “Se o importante não é ganhar, mas tentar jogar melhor, não vamos nos preocupar com quem é melhor ou pior” (diário de campo - aula 18).

Ao desenvolver o papel de aluno-treinador, os alunos sentiram a satisfação de exercer o papel de líderes, como se pode perceber no depoimento: “[...] eu gostei de ser técnica, acho que quero ser professora de Educação Física” (diário de campo - aula 35). O respeito dos outros alunos pelos alunos-treinadores foi sendo adquirido paulatinamente, principalmente devido à dificuldade que sentiram na execução de suas tarefas.

Ao longo da unidade de basquetebol foi perceptível o resultado das estratégias de cooperação utilizadas na primeira unidade temática (futsal). Principalmente na realização de habilidades simples sem oposição (tipo 1) e de combinação de habilidades (tipo 2), os alunos participaram com muita motivação e ajudavam-se mutuamente nas tarefas solicitadas, questionando sobre o modo mais fácil de se realizar o movimento. Foram introduzidos especificamente alguns critérios de êxito na realização das tarefas, indutores da cooperação, como a definição do número de passes e o número de dribles antes de tentar a cesta:

[...] cada equipe foi organizada em miniquadras para realização de jogos de 2X1 (tipo 4); o objetivo da tarefa foi realizar passes rápidos para colocar a bola no alvo que foi determinado pelos alunos [...] ao tomar as decisões os alunos se sentiam parte integrante do processo de ensino e isso era determinante na relação afetiva entre eles. Na maioria das vezes, eram os próprios alunos que decidiam os espaços e os locais de realização das tarefas [...] (diário de campo - aula 23).

O incremento da cooperação em cada equipe despertou o sentimento da afiliação, o qual teve seu ponto máximo no evento da terceira unidade temática (handebol). Os alunos questionavam sobre os conteúdos e se esforçavam, sentindo maior facilidade de trabalhar em grupo, como pode ser observado no depoimento de José (11 anos): “[...] agora a gente tá aprendendo a jogar de verdade, as regras, os modos de preparo, essas coisas [...] a atividade no espaço do quadrado que a gente fez, tudo isso faz a gente ajudar mais os outros” (diário de campo - aula 37).

3.2 DESENVOLVIMENTO DA AUTONOMIA E RESPONSABILIDADE

Na primeira unidade temática (futsal), os alunos eram muito dependentes da opinião e das respostas do professor. Questões como: “O que eu faço?”, “Para qual coluna eu vou agora?”, “Posso pegar os coletes?”, “A que horas vamos jogar?”, foram reincidentes nas primeiras aulas.

No sentido de apoiar os alunos para uma prática que deveria ser gradualmente realizada de forma mais autônoma, foi utilizada a estratégia de explicação do exercício seguida de questionamento aos alunos, para perceber se haviam compreendido a informação recebida:

Eu explicava os objetivos das atividades e a importância do que estávamos realizando no início de cada aula para todos os alunos [...] De seguida questionava os alunos do que devia ser realizado por eles e por quê [...] Os alunos foram aos poucos percebendo que estavam realizando jogos reduzidos e foram compreendendo cada tarefa executada (diário de campo - aula 7).

Paralelamente, os alunos não demonstravam interesse pelas atividades realizadas no início da primeira unidade temática (futsal). Nos exercícios de habilidades simples sem oposição (tipo 1), Marcos (11 anos) realizava o exercício com os braços cruzados. O professor questionou-o: “Marcos, por que está de braços cruzados? [...] e ele disse: “Eu já falei naquela ficha (ficha de identificação entregue na primeira aula) que não gosto de futebol” (diário de campo - aula 7).

Face à falta de interesse na participação nas aulas e sendo este aspecto basilar para gerar nos alunos comportamentos autônomos e responsáveis, foram introduzidos critérios de êxito centrados nos aspectos competitivos, pois na primeira unidade temática (futsal) os alunos não conseguiam desenvolver as funções relacionadas ao MED:

Ao realizar o passe em dupla, os alunos tinham como critério de êxito realizar três toques para chegar ao gol (do fundo da quadra até a meta); como as metas estavam definidas previamente, os alunos realizavam os exercícios com o foco no objetivo, demonstrando interesse [...] assim, com a aplicação do critério de êxito, todos começaram a perceber que todos participaram da aula (diário de campo - aula 11).

Em concomitância, foi promovido o diálogo entre os alunos acerca da tarefa e seu significado, incluindo os objetivos, de forma a comprometê-los e, consequentemente, aumentar a sua autonomia. Assim, ao realizar as tarefas os alunos deveriam “[...] refletir sobre as vantagens e desvantagens de cada tipo de chute [...]” (diário de campo - aula 11). A dependência do professor no início das aulas foi assim diminuindo, contribuindo para tal a maior compreensão das ações pedagógicas e da execução das tarefas motoras com menor complexidade.

A possibilidade dos alunos se envolverem em funções de treinador, arbitragem e jogadores foi melhorando a partir da segunda unidade temática (basquetebol), fruto do maior envolvimento na aula. Maria (11 anos) realça a autonomia dada pela professora na realização das tarefas: “A professora deixa a gente revezar na arbitragem, assim [...] deixa a gente treinando [...] passa as tarefas pra gente e se a gente não consegue, ela vem e ajuda” (diário de campo - aula 16). Para o efeito, contribuiu também a premiação por parte do professor para o melhor desempenho de todos os papéis desenvolvidos. A participação dos alunos na execução das tarefas, o respeito às regras e a maior capacidade na organização das atividades foram conseguidas a partir da segunda unidade temática. A este respeito, Marcos (10 anos) referiu: “Professora, hoje posso ajudar na arbitragem? Posso apitar [...] já aprendi as regras do basquetebol” (diário de campo - aula 22).

Na segunda unidade temática (basquetebol), no sentido de permitir ao aluno-treinador e seus colegas maior autonomia perante situações de difícil realização, foram introduzidas variantes de realização da tarefa, com recurso a materiais que permitiram aos alunos não só compreenderem melhor a atividade, como obterem êxito:

Ao realizar a ação de defensores, ficando entre o atacante e a meta (gol), utilizei uma corda de aproximadamente dez metros que foi amarrada no centro do gol (uma adaptação, já que não era possível utilizar a tabela de basquetebol); o jogador atacante deveria segurar a corda que ficava totalmente estendida; o defensor também segurava a corda a um metro do atacante (de costas para o gol), e quando este se movimentava o defensor o acompanhava ficando sempre entre o atacante (que segurava a corda) e o gol [...] os materiais utilizados permitiram realizar a atividade com maior autonomia, se sentido mais satisfeitos com a tarefa realizada (diário de campo - aula 23).

A consciência dos seus direitos e deveres por parte dos alunos foi aumentando da primeira para a terceira unidade temática, sendo fruto da maior responsabilização de cada um deles pelas tarefas a desempenhar e da autonomia crescente no desempenho delas. Os alunos que não realizaram os papéis (árbitro, fotógrafo, jogador, jornalista, treinador) durante o evento de basquetebol, foram interrogados pelo professor: “Vocês acham que devem receber o certificado de participação, já que não participaram da maioria das funções?”. Os alunos que não participaram expressaram perante todos os colegas de turma que acreditavam que não poderiam recebê-los, pois não haviam se esforçado o suficiente: “[...] percebi naquele momento que alguns alunos não ficaram satisfeitos, mas acataram a decisão da maioria, demonstrando comportamento ético e responsabilidade perante os colegas [...]” (diário de campo - aula 30).

Na terceira unidade temática (handebol), verificou-se que os alunos já compreendiam bem as suas funções, principalmente nas formas simplificadas de jogo, com a inclusão de jogos temáticos. Foi evidente o seu gosto e entusiasmo pelo esporte. Os alunos conseguiam realizar os exercícios, participavam de todas as aulas e se sentiam capazes de resolver problemas sem a intervenção do professor.

A disposição física, o envolvimento, a participação ativa dos alunos era muito diferente do início do ano, para o final do processo, já com as atividades de handebol (nem pareciam os mesmos alunos). Já não havia preguiça, indisposição. Os alunos já sabiam que teriam aula de Educação Física e que estavam lá para aprender algo de diferente. Durante as tarefas, bastava o professor dizer, por exemplo: ‘Dividam dois grupos, metade dos alunos de cada lado da quadra, três a três trocando passes e arremesso ao gol’, a atividade acontecia, pois a maioria já conseguia compreender a atividade e os outros alunos já iam se organizando também! (diário de campo - aula 34).

Ao final da intervenção pedagógica, a autonomia e a responsabilidade foram evidenciadas no comportamento, nas atitudes e no empenho durante as aulas, mas principalmente durante os eventos culminantes. A falta de envolvimento, por grande parte dos alunos, no primeiro evento culminante demonstrava a falta de empenho com a atividade (diferentes papéis), não acatando a responsabilidade e o comprometimento com o seu próprio desempenho, comportamento superado no decorrer do processo de intervenção pedagógica.

3.3 DESENVOLVIMENTO DA COMPREENSÃO E PERFORMANCE DO JOGO

No sentido de incrementar a compreensão e a performance do jogo foram utilizadas nas tarefas de aprendizagem critérios de êxito, os quais tinham como propósito adaptar as exigências das tarefas às capacidades demonstradas pelos alunos. É necessário evidenciar que o contexto das aulas e a valorização dos critérios de êxito não buscaram a especialização dos movimentos, e a performance aqui nomeada se relaciona ao desenvolvimento do aluno enquanto ser integral, na qual concordamos com Paes (2005PAES, Roberto Rodrigues; BALBINO, Hermes Ferreira. Pedagogia do esporte: contextos e perspectivas. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2005.) quando afirma que a prática esportivizada está presente, mas deve ser evitada no contexto escolar.

Foram utilizados critérios de êxito relacionados com a modelação regulamentar do jogo no início da primeira unidade temática (futsal), buscando levar os alunos a compreenderem os elementos estruturais essenciais do jogo (ligação ataque/defesa) e a participar do processo de tomada de decisão:

Estabeleci situações nas tarefas com várias exigências, como a realização de um número de passes específicos antes de realização do drible. Foi necessário estabelecer metas diferenciadas de acordo com o nível de habilidade motora de cada aluno. Durante a realização de tarefas de troca de passes (habilidades simples sem oposição - tipo 1) estabeleceu-se o número de passes por tempo e execução de passes consecutivos definidos a priori (diário de campo - aula 7).

Os critérios de êxito foram utilizados de formas adaptadas ao nível da habilidade dos alunos, facilitando o sucesso nas tarefas:

[...] foi necessário que os alunos compreendessem como fazer o movimento, mas também entender o porquê de realizar o exercício daquela forma [...] enquanto alguns alunos realizam vinte passes consecutivos outros realizavam um número menor [...] fui percebendo aqueles que podiam executar mais e os que podiam menos (diário de campo - aula 8).

A inclusão dos critérios de êxito ao nível dos fundamentos táticos contribuiu para que os alunos começassem a “ler o jogo” e a perceber a sua lógica:

Os alunos foram separados em dois grandes grupos; cada grupo em um dos lados da quadra, organizados em três colunas no centro e duas no fundo; os alunos que estavam na coluna central realizaram o ataque trocando passes rápidos (dois defensores marcavam três atacantes). Era necessário que os alunos conseguissem ler o jogo buscando espaços ofensivos para chutar para o gol (diário de campo - aula 13).

A modelação do regulamento de jogo foi crucial para a ocupação racional do espaço e compreensão das funções associadas ao espaço ocupado no exercício:

[...] nos jogos de igualdade numérica os alunos deveriam jogar em espaços determinados. Dividi cada metade da quadra com fita adesiva em quatro espaços iguais. Durante o exercício 3X3 (tipo 4) não era permitido que mais do que dois alunos atacantes ocupassem o mesmo espaço (quadrado). Por isso, chamamos esse jogo de “jogo de quadrado (diário de campo - aula 13).

Nos exercícios que envolviam práticas semelhantes ao jogo formal (futsal) ocorreram dificuldades para que os alunos compreendessem a importância da troca de passes rápidos em superioridade numérica. A modelação regulamentar e a informação dos critérios de êxito facilitaram a compreensão das ações desenvolvidas:

Nos exercícios de 2X1 (tipo 4) a quadra foi demarcada com giz em vários espaços, os gols foram adaptados com cones colocados a 2 metros de distância um do outro e o aluno defensor utilizava camisas para se diferenciar dos atacantes. Após as primeiras tentativas foram estabelecidos critérios de êxito, como o número de passes antes da tentativa do gol e o número de toques na bola antes de tentar o gol, evitando que somente o aluno mais habilidoso realizasse o exercício [...] a seguir foram realizados exercícios na meia quadra em que os alunos jogavam por um tempo determinado ou até que fizessem pontos (diário de campo - aula 13).

Na segunda unidade temática (basquetebol), com o incremento da complexidade tática, os alunos apresentaram dificuldades na realização das tarefas. A demonstração foi utilizada como estratégia para visualização do exercício como um todo, atendendo à sua lógica e organização:

[...] grupos de alunos realizavam fintas para receber a bola (2 laterais e 1 pivô no ataque) e um dos laterais deveria receber a bola e esperar cruzamento para executar um novo passe; a presença dos defensores, e a dificuldade motora dos alunos era uma limitação para a realização da tarefa, necessitando de demonstração de alguns alunos (diário de campo - aula 23).

Na última unidade temática (handebol), os alunos revelaram menos dificuldades em relação à utilização do espaço, e já compreendiam quando perdiam a posse de bola: “Eu ou algum aluno apitava e os alunos paravam [...] e já reconhecendo o que haviam feito de errado em relação à utilização do espaço [...] entregavam a bola ao adversário” (diário de campo - aula 36).

O jogo formal começou a ter fluência na terceira unidade temática, ou seja, não parava a todo o momento, pois as habilidades motoras (drible, passe e recepção) eram realizadas com maior facilidade, tendo a preocupação que os exercícios fossem executados com a participação de todos. Após a demonstração, os alunos se sentiam competentes e motivados com a tarefa:

[...] para facilitar a compreensão dos alunos, os exercícios foram realizados com uma organização prévia, na qual ‘treinavam’ (repetiam) sem bola os movimentos que seriam realizados, com os defensores realizando a defesa mais afastada (sombra) [...] (diário de campo - aula 36).

Após a realização dessa estratégia de simulação do exercício, a maioria dos alunos realizou as tarefas com maior facilidade, principalmente por dois motivos: 1) reconheciam a organização e forma de execução do exercício, sendo suficiente o professor dizer: “2X1 em meia quadra, quem faz o gol continua atacando”, e a maioria dos alunos já conseguia se organizar mais rapidamente; 2) a presença de outros membros da equipe ajudando na correção das tarefas também facilitava a execução, pois os alunos já compreendiam as ações que deviam ser realizadas.

Com o aumento do número de informações, ao longo das aulas foi necessário o professor fornecer novamente instrução direta no início de cada exercício, como no exemplo a seguir: “Marcia, para outra fila, Marcos agora você vai marcar, Carlos pegue a bola e vá para tal coluna [...]”. A complexidade dos exercícios, o número de colunas e a troca de posição dificultavam a tarefa, mas faziam os alunos exercitar o raciocínio e a tomada de decisão. Aos poucos, na mesma aula, realizavam as tarefas sem tanta influência e dependência do professor:

[...] os alunos ficaram organizados em duas colunas no centro da quadra de frente para o gol; uma coluna foi formada no fundo da quadra (jogadores de defesa); os dois primeiros de cada fila deveriam trocar passes rápidos para tentar o gol; o exercício foi realizado em ambos os lados da quadra; os alunos deveriam trocar de fila no sentido anti-horário [...] o grande número de informações dificultava sua realização, mas as informações (instrução direta) foram facilitando sua execução [...] os alunos demoravam a se adaptar a exercícios mais complexos (diário de campo - aula 37).

Nas aulas finais da proposta de intervenção pedagógica, o professor muitas vezes não fornecia nenhuma correção dos elementos técnicos no início das aulas. O intuito dessa estratégia era proporcionar a “desorganização” do exercício, causando um momento de reflexão acerca do que cada aluno havia executado. Observamos que questionamentos referentes às ações incorretas provocavam a melhor compreensão do jogo e a melhoria do desempenho dos alunos, e ao se sentirem competentes, os alunos também se sentiam mais motivados com as aulas. Assim, as estratégias para a compreensão do jogo facilitaram o processo de ensino e aprendizagem, no sentido de contribuir para que, ao final das aulas, os alunos pudessem responder a diversos questionamentos: “O que posso fazer quando estou com a posse de bola?”, “Qual o melhor momento para se tentar fazer um gol ou a cesta?”, “Por que devo defender entre o atacante e a meta?”, “O que faço depois que minha equipe faz uma tentativa de gol ou cesta?”. Estas questões fizeram parte de uma avaliação realizada com os alunos no final do programa, em que todos os alunos responderam corretamente a mais de 70% das questões, revelando a compreensão das ações desenvolvidas, como se pode observar em suas respostas:

[...] posso arremessar, passar, bater a bola. O melhor momento é quando estou livre, sem ninguém me marcando. Se eu não me colocar entre o atacante e o gol ele vai ficar livre. Quando meu time faz o gol eu tenho que voltar para fazer a defesa! [...] estas foram as principais respostas dos alunos na avaliação realizada (diário de campo - aula 45).

4 REFLEXÕES A PARTIR DAS AÇÕES DESENVOLVIDAS

Ao trabalhar com as modalidades esportivas no ambiente escolar a partir do modelo híbrido (MED-MD), observamos ao estimular o processo de cooperação dos alunos, principalmente durante a realização das atividades realizadas pelas equipes de trabalho em que os grupos foram formados, inicialmente pelo professor pesquisador, e nas últimas unidades, pelos próprios alunos, estes adquiriram o hábito do trabalho participativo (Quadro 1- aula 3/4).

Para que ocorresse o fair play durante o desenvolvimento das aulas, o professor buscou estimular o respeito às regras e a participação dos alunos no processo de desenvolvimento das atividades, organização das equipes e nas ações realizadas para os eventos culminantes (Quadro 1- aula 5/6; 11/12).

A utilização de estratégias de ensino para o apoio à autonomia realizada durante as aulas ofereceu uma maior liberdade na tomada de decisão ao longo do processo de ensino e aprendizagem, assim como na realização de atividades que necessitavam da colaboração dos alunos, e na execução de exercícios que facilitavam a realização de tarefas motoras. Ao realizar os exercícios, o questionamento sobre o significado e a justificação de cada movimento possibilitou a reflexão sobre as tarefas, valorizando as dimensões conceituais, atitudinais e conceituais (GONZÁLEZ; DARIDO; OLIVEIRA, 2017GONZÁLEZ, Fernando; DARIDO, Suraya Cristina; OLIVEIRA, Amauri Aparecido Bássoli. Práticas corporais e a organização do conhecimento. Maringá: Eduem, 2017.) (Quadro 1- aula 34/35).

Durante a realização das tarefas de aprendizagem, os critérios de êxito foram fundamentais para adaptar as exigências das tarefas melhorando a compreensão e a performance do jogo dos alunos, possibilitando a participação no processo de tomada de decisão no decorrer do processo de ensino e aprendizagem (Quadro 1- aula 40/41). Os alunos compreenderam os elementos estruturais essenciais do jogo (ligação ataque/defesa); na segunda unidade temática (basquetebol), a demonstração das tarefas foi utilizada como estratégia para visualização do exercício como um todo (gestão da aula), atendendo à sua lógica e organização, facilitando o jogo formal; as habilidades motoras foram realizadas com maior facilidade, e as atividades realizadas ao final das aulas possibilitaram a reflexão sobre a tomada de decisão necessária durante a realização da prática do esporte (Quadro 1- aula 25/26).

As dificuldades sentidas no início das aulas obtiveram grandes melhorias pela implementação de ações didáticas relacionadas com a gestão da aula, com a definição de regras de conduta e com o estabelecimento de rotinas durante o processo de ensino e aprendizagem. Segundo Pereira et al. (2013PEREIRA, José Augusto et al. Estudo comparativo entre o Modelo de Educação Desportiva e o Modelo de Instrução Direta no ensino de habilidades técnico-motoras do Atletismo nas aulas de Educação Física. Revista Portuguesa de Ciências do Desporto , v. 13, n. 2, p. 29-43, 2013. ), o compromisso do professor durante as aulas e a responsabilização dos alunos nas tarefas realizadas podem contribuir para alcançar o maior êxito nas tarefas.

A dependência pelo professor evidenciada pelos alunos fez com que o professor pesquisador utilizasse em muitas aulas a instrução direta (informações claras e precisas, regras e rotinas de gestão e ação dos alunos - (Quadro 1- aula 11/12; 23/24; 38/39). Estudos apontam a necessidade de explicação dos exercícios realizados durante as aulas, seus objetivos e importância de cada aula, conferindo significados às tarefas realizadas (MESQUITA; GRAÇA, 2009MESQUITA, Isabel; GRAÇA, Amândio. Modelos instrucionais no ensino do desporto. In: ROSADO, A.; MESQUITA, I. (Eds.). Pedagogia do Desporto: Lisboa: Edições FMH, 2009. p. 39-68.; MESQUITA et al., 2014MESQUITA, Isabel et al. Modelo de Educação Desportiva: da aprendizagem à aplicação. Revista da Educação Física/UEM, v. 25, n. 1, p. 1-14, 2014.).

A realização deste estudo resultou numa maior compreensão das tarefas, o que repercutiu na maior capacidade de autonomia e no desenrolar de atividades desenvolvidas durante o trabalho em equipe. A cobrança de critérios de êxito aumentou a responsabilização dos alunos e a competência ofensiva (tanto ao nível dos elementos táticos como na performance do jogo) (Quadro 1- aula 34/35); a melhoria da competência dos alunos possibilitou aulas mais atrativas e motivantes, pois quando a percepção de competência aumenta os alunos conseguem realizar as tarefas com mais facilidade (Quadro 1- aula 27/28; 36/37).

Os critérios de êxito elaborados pelo professor pesquisador e pelos alunos durante as aulas tiveram como objetivo melhorar a competência e aumentar a motivação e entusiasmo durante os jogos (MESQUITA; GRAÇA, 2009MESQUITA, Isabel; GRAÇA, Amândio. Modelos instrucionais no ensino do desporto. In: ROSADO, A.; MESQUITA, I. (Eds.). Pedagogia do Desporto: Lisboa: Edições FMH, 2009. p. 39-68.). Os critérios de êxito preconizam sistemas de accountability formais utilizados enquanto estratégia de responsabilização dos alunos (PEREIRA et al., 2013PEREIRA, José Augusto et al. Estudo comparativo entre o Modelo de Educação Desportiva e o Modelo de Instrução Direta no ensino de habilidades técnico-motoras do Atletismo nas aulas de Educação Física. Revista Portuguesa de Ciências do Desporto , v. 13, n. 2, p. 29-43, 2013. ; TOUSIGNANT; SIEDENTOP, 1983TOUSIGNANT, Marielle; SIEDENTOP, Daryl. A qualitative analysis of task structures in required secondary physical education classes. Journal of Teaching in Physical Education , v. 3, n. 1, p. 47-57, 1983. ). Hastie (2000HASTIE, Peter. An ecological analysis of a sport education season. Journal of Teaching in Physical Education, v. 19, n 3, p. 355-373, 2000.) aponta que esses resultados podem ser explicados pela incorporação de sistemas de accountability, utilizando pontuação e metas que facilitam a execução das tarefas dos alunos e suas equipes. Nosso estudo corrobora as vantagens do sistema de accountability, nomeadamente no controle da realização das tarefas, por meio de estratégias de regulação das atividades, como anotações do professor e metas definidas a priori, o que repercutiu no incremento da proficiência dos alunos e no seu comprometimento (HASTIE, 2000HASTIE, Peter. An ecological analysis of a sport education season. Journal of Teaching in Physical Education, v. 19, n 3, p. 355-373, 2000.).

O incentivo para a cooperação foi conferido pela afiliação e espaço de decisão para aqueles com maior dificuldade motora e também para os alunos que no início do programa de intervenção não gostavam da prática esportiva. Essa participação mais equitativa teve eco no fair play (Quadro 1- aula 27/28). Ao possibilitar a participação de todos os alunos nas aulas, apoiando a sua execução nas tarefas e o incremento da ajuda entre os pares, o professor percebeu o entusiasmo dos alunos, como apresentados em estudos de Siedentop (1994SIEDENTOP, Daryl. Sport education: quality PE through positive sports experiences. Champaign: Human Kinetics, 1994.).

A aplicação do MD se fez sentir em particular nas ações de complexidade crescente, nos problemas criados pela prática dos jogos. Da primeira para a terceira unidade temática verificou-se uma maior compreensão dos elementos táticos elementares (passar a bola para os colegas em melhor situação de ataque, trocar passes rapidamente, marcar entre o atacante e a meta, voltar para defender quando perdesse a posse de bola) e do aperfeiçoamento técnico, principalmente do passe, recepção e drible.

A progressão de tarefas simples para mais complexas (do tipo 1 para o tipo 4) permitiu que os alunos com maior dificuldade motora, a partir da segunda unidade temática (basquetebol), começassem a demonstrar maior capacidade técnica e tática (facilidade na troca de passes, escolha do melhor momento para execução do passe, movimentação para receber o passe) (Quadro 1- aula 21/22). Hastie e Curtner-Smith (2006HASTIE, Peter; CURTNER-SMITH, Matthew. Influence of a hybrid Sport Education: Teaching Games for Understanding unit on one teacher and his students. Physical Education and Sport Pedagogy, v. 11, n. 1, p. 1-27, 2006.), utilizando um modelo híbrido, verificaram que os alunos foram capazes de compreender e valorizar os principais conceitos táticos importantes para a aprendizagem do esporte, o que demonstra a vantagem da utilização de modelos híbridos que priorizam o tratamento didático do conteúdo, como é o caso da união entre MED e MD, que convoca o aumento de aprendizagem, que se revela na equidade e inclusão dos alunos (MESQUITA et al., 2014MESQUITA, Isabel et al. Modelo de Educação Desportiva: da aprendizagem à aplicação. Revista da Educação Física/UEM, v. 25, n. 1, p. 1-14, 2014.).

Um dos recursos pedagógicos utilizados a partir da segunda unidade temática (basquetebol) foi a realização de questionamento aos alunos, os auxiliando na compreensão das suas dificuldades (Quadro 1- aula 23/24; 34/35), sendo o erro considerado matéria para se vivenciar. Segundo Mesquita e Graça (2009MESQUITA, Isabel; GRAÇA, Amândio. Modelos instrucionais no ensino do desporto. In: ROSADO, A.; MESQUITA, I. (Eds.). Pedagogia do Desporto: Lisboa: Edições FMH, 2009. p. 39-68.), o erro neste âmbito não é considerado uma ameaça pessoal às pessoas, mas, sim, uma oportunidade para a melhoria da aprendizagem e encorajamento dos alunos à participação, evitando as ações punitivas.

Os eventos culminantes (festivais) propostos pelo MED foram momentos importantes para que os alunos se avaliassem, verificando seu desempenho esportivo (número de vitórias, número de derrotas, número de pontos e fair play), facilitando a inclusão dos alunos com maior dificuldade (MESQUITA et al., 2014MESQUITA, Isabel et al. Modelo de Educação Desportiva: da aprendizagem à aplicação. Revista da Educação Física/UEM, v. 25, n. 1, p. 1-14, 2014.). Na primeira unidade temática (futsal) os alunos realizavam estas ações com receio, pois não era comum que fossem avaliados por todas as atividades desenvolvidas. Mas a partir da segunda unidade temática (basquetebol) passaram a considerar estas e outras ações, como a autoavaliação, elementos comuns do processo de ensino e aprendizagem do esporte.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A nossa percepção neste estudo é a de que o tratamento didático dado ao conteúdo no modelo híbrido (MED-MD) facilitou o sentimento de pertencimento dos alunos no processo de ensino e aprendizagem, sendo um dos aspectos positivos de nossa ação pedagógica, pois o entusiasmo pelo esporte garantiu a inclusão dos alunos nas aulas.

Os relatos indicaram o fato de que a experiência pedagógica centrada na ação participativa e cooperativa possibilitou aos atores centrais das aulas identificarem maior autonomia e sentido de responsabilidade no desenvolvimento das atividades das propostas, evidenciando uma prática emancipadora. As elevadas exigências na organização e gestão foram reconhecidas pelos alunos como ação essencial, promovendo a emancipação elencada na literatura esportiva das últimas décadas.

Outra constatação evidenciada na investigação centrada nos modelos de ensino se deu no campo da formação de professores, mesmo não sendo este o foco do estudo. O diário de campo trouxe reflexões relevantes acerca da avaliação do impacto na formação de professores, especificamente para o ensino centrado no aluno, uma vez que este modelo híbrido exige elevada capacidade de gestão e conhecimento pedagógico do conteúdo por parte do professor de forma a transmitir aos futuros professores os aspectos de gestão, organização e ações pedagógicas necessárias para que se efetive o desenvolvimento do trabalho em equipe, necessário durante o processo de ensino e aprendizagem dos esportes.

As questões relacionadas com a ação pedagógica e o domínio do conteúdo emergem como problemas frequentes na realização de modelos de ensino, e deveriam ser investigadas em estudos futuros realizados em outros contextos educacionais, possibilitando a adequação dos currículos dos cursos de licenciatura em Educação Física.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    17 Jun 2022
  • Data do Fascículo
    Oct-Dec 2018

Histórico

  • Recebido
    08 Out 2017
  • Aceito
    30 Maio 2018
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