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A TRAJETÓRIA PESSOAL DE TIFANNY ABREU NO ESPORTE DE ALTO RENDIMENTO

TIFANNY ABREU’S PERSONAL HISTORY IN HIGH PERFORMANCE SPORT

LA TRAYECTORIA PERSONAL DE TIFANNY ABREU EN EL DEPORTE DE ALTO RENDIMIENTO

Resumo

O objetivo deste trabalho é compreender a trajetória pessoal de Tifanny Abreu em seu processo de inserção e permanência no voleibol de alto rendimento. Desenvolvemos um estudo de caso descritivo e qualitativo. Para coletar nossos dados, realizamos uma entrevista semiestruturada, posteriormente transcrita e analisada através da técnica de análise de conteúdo. Como resultados, encontramos resistências ao longo da trajetória pessoal de Tifanny envolvendo sua transição de gênero e manutenção no Esporte, o tratamento por parte da mídia e das torcidas e o usufruto do vestiário.

Palavras chave:
Esportes; Identidade de gênero; Pessoas transgênero; Relatos de casos

Abstract

This study looks into the personal history of Tifanny Abreu in her process to enter and remain in high performance volleyball. We conducted a descriptive and qualitative case study. To collect our data, we used a semi-structured interview, later transcribed and submitted to content analysis. As results, we found resistance throughout Tifanny’s personal history involving her gender transition and permanence in volleyball, her treatment by the media and fans, and her use of the changing room.

Keywords:
Sports; Gender identity; Transgender persons; Case reports

Resumen

El objetivo de este trabajo es entender la trayectoria personal de Tifanny Abreu en su proceso de inserción y permanencia en el voleibol de alto rendimiento. Desarrollamos un estudio de caso descriptivo y cualitativo. Para recopilar nuestros datos, realizamos una entrevista semiestructurada, posteriormente transcrita y analizada a través de la técnica de análisis de contenido. Como resultados, encontramos resistencias a lo largo de la trayectoria personal de Tifanny involucrando su transición de género y su permanencia en el deporte, el trato por parte de los medios y de las hinchadas y la utilización de los vestuarios.

Palabras clave:
Deportes; Identidad de género; Personas transgénero; Relatos de casos

1 INTRODUÇÃO

O Esporte caracteriza-se como instrumento social binário que está engendrado na consciência coletiva social, abrangendo aspectos do torcer, da promoção da saúde, bem-estar e lazer. Socialmente, marca e reforça as divisões por gênero, reproduzindo desigualdades entre os sexos e entre as representações de masculinidade e feminilidade (GRESPAN; GOELLNER, 2014GRESPAN, Carla Lisboa; GOELLNER, Silvana Vilodre. Fallon Fox: um corpo queer no octógono. Movimento, v. 20, n. 4, p.1265-1282, out. /dez. 2014.).

Assim como outras práticas sociais, configura-se como “um local de disputa de saberes e poderes que definem e delimitam padrões de normalidade sobre a aparência dos corpos, o exercício da sexualidade e a experimentação das representações de gênero” (GRESPAN; GOELLNER, 2014GRESPAN, Carla Lisboa; GOELLNER, Silvana Vilodre. Fallon Fox: um corpo queer no octógono. Movimento, v. 20, n. 4, p.1265-1282, out. /dez. 2014., p. 1278).

Com a criação de competições alternativas às convencionais, como o Gay Games1 1 Competição esportiva que reúne, primordialmente, atletas gays, lésbicas, bissexuais e travestis, no entanto, até mesmo heterossexuais podem participar (CAMARGO; RIAL, 2011). (CAMARGO; RIAL, 2011CAMARGO, Wagner Xavier; RIAL, Carmen Silvia Moraes. Competições esportivas mundiais LGBT: guetos sexualizados em escala global? Estudos Feministas, v. 19, n. 3, p. 977-1003, set./dez. 2011.), despontaram indícios de que o Esporte estaria se reformulando para atender à imensidão de corpos que precisa absorver rotineiramente.

Ainda que de forma muito conturbada, vários(as) atletas romperam com as linearidades heteronormativas2 2 Inspirados por Scott (1995), Salih (2012) e Butler (2015), apontamos a heteronormatividade como um conjunto de valores morais e religiosos transfigurados em verdades científicas a partir de pressupostos biomédicos que normalizam, sobretudo normatizam, corpos em instâncias binárias consonantes à lógica biológica de forma relacional e complementar: macho/fêmea, homem/mulher, ativo/passivo, legitimando-se assim apenas um modelo de ser, estar, expressar, se relacionar, em suma, viver. do terreno esportivo e transitaram pelo modelo hegemonicamente tradicional, despertando discussões sobre suas “participações curiosas” em tais categorias, tais como o norte-americano David Testo, o sueco Anton Hysén, o belgo Jonathan de Falco, os jogadores de basquete Kevin Grayson, Jason Collins e Brittney Griner, o mergulhador/saltador britânico Tom Daley, entre outros.

Em 2016, o Comitê Olímpico Internacional (COI) alterou sua resolução para permitir a participação de pessoas trans em competições internacionais, desde que atendessem às exigências clínico-hormonais imputadas pela entidade (como terapia hormonal de controle do nível de testosterona no sangue, por exemplo). Sua resolução anterior, mais rígida e que datava de 2004, exigia a cirurgia de mudança de sexo completa, terapia hormonal direcionada e o reconhecimento legal da mudança emitido pelo país de origem do(a) atleta, o que dificultava a participação de atletas trans3 3 Em consonância com Bento (2014b), expressões envolvendo a terminologia “trans” serão utilizadas como guarda-chuva das múltiplas vivências e expressões de gênero. A pessoa trans pode ser aquela que não se identifica ao gênero que lhe foi atribuído em função de sua genitália e/ou corpo, contrapondo-se ao sujeito cisgênero, que se reconhece desta forma neste jogo simbólico. Essa (des)identificação se dá a partir de processos históricos, sociais e culturais construídos através de discursos reguladores, sejam eles coercitivos ou não. Cabe frisar que reconhecemos a multiplicidade de corpos e maneiras de se expressar, não estamos aqui almejando reforçar a categorização dos sujeitos, mas sim ordenando-os - e não limitando-os - desta forma apenas como fim de facilitar o entendimento do texto. e mantinha-os reclusos a competições específicas, como o Gay Games.

É nesse novo contexto que desponta o caso da jogadora brasileira trans de voleibol Tifanny Abreu, que até 2014 manteve a identidade de gênero masculina, passando a transgredir essa fronteira enquanto atuava no time holandês US Heren1 (BRITO; PONTES, 2015BRITO, Leandro Teofilo de; PONTES, Vanessa Silva. “Tifanny Abreu is still one of the guys” - uma discussão sobre transgeneridade no espaço do voleibol”. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS DO ESPORTE E VI CONGRESSO INTERNACIONAL DE CIÊNCIAS DO ESPORTE, 19. 2015, Vitória/ES. Anais... Vitória/ES, 2015. Disponível em: http://congressos.cbce.org.br/index.php/conbrace2015/6conice/paper/view/6922/3651 Acesso em: 16 fev. 2019.
http://congressos.cbce.org.br/index.php/...
).

A participação, sobretudo a atuação de Tifanny, no entanto, reacende discussões coercitivas que tentam suprimir uma corporalidade divergente ao modelo binário e heteronormativo no e do Esporte. Assim como outros casos4 4 Recomendamos a leitura de Camargo (2018). envolvendo trans, dentre eles o da ex-tenista Renée Richards (1977), primeira atleta trans da modalidade; a golfista dinamarquesa Mianne Bagger (2004), primeira trans a disputar um torneio profissional de golfe; a ex-lutadora norte-americana de MMA Fallon Fox (2012), primeira atleta trans na história de seu esporte; o atleta norte-americano de triátlon Chris Mosier (2015), primeiro trans a ser convocado para uma seleção de seu país em sua modalidade; Alessia Ameri (2016), também jogadora trans de voleibol, temos

Vários dos argumentos convocados para atestar a arbitrariedade do acontecimento tinham como fundamentação o discurso biológico e o saber médico que, ao enfatizarem a transexualidade da atleta, colocavam como questão a pertinência de que um homem biológico, anatomicamente transformado em uma mulher, pudesse lutar contra outras mulheres (GREPAN; GOELLNER, 2014, p. 1268).

A presença de atletas que desafiam as normas do Esporte, que se apresentam de forma excêntrica, dúbia, provocativa, questionadora e decentralizada, em suma, com um viés queer, parece subverter, ou ainda deslocar, os sentidos que são empregados na esfera esportiva e que sustentam suas premissas conforme o determinismo biológico e o binarismo masculino/feminino.

O termo queer, historicamente de origem norte-americana, surgiu como um xingamento, uma maneira pejorativa de nomear homossexuais assemelhando-os ao bizarro, ao ridículo. Com a epidemia da aids a partir dos anos 1980, a apropriação desse termo pelo movimento gay e lésbico trouxe uma ressignificação desconstrutora que atuou como base para o que hoje se denominam Estudos Queer (MISKOLCI, 2012MISKOLCI, Richard. Teoria Queer: um aprendizado pelas diferenças. Belo Horizonte: Autêntica, 2012.).

Inspirados por Salih (2012SALIH, Sara. Judith Butler e a teoria queer. Belo Horizonte: Autêntica, 2012.), entendemos o discurso queer como parte de uma teia de ressignificações que criticam modelos da heterocisnormatividade, questionando convenções de ordem social e sexual que validam e reconhecem apenas modelos heterossexuais e cisgênero como aceitáveis. Desta forma, as enunciações queer teriam por objetivo reconhecer e certificar a existência de outras formas de expressar os gêneros, os desejos e as sexualidades não normativas, amplificando assim a gama de possibilidades existentes no que concerne ao uso e à experienciação dos corpos em variados campos de vivência e expressão.

Neste estudo, objetivamos compreender a trajetória pessoal de Tifanny Abreu, impulsionados pela representatividade que ela exerce como primeira atleta trans brasileira a receber autorização da Federação Internacional de Voleibol (FIVB) para atuar entre mulheres. Cientes das adversidades que sujeitos trans enfrentam nos moldes sociais atualmente, nossa pesquisa se justifica por apresentar uma compreensão antropológica da temática, bem como identificadora dessas manifestações de exclusão, acrescentando-se positivamente aos estudos críticos de Gênero, Sexualidades e Queer no Esporte.

Para tanto, trataremos gênero enquanto categoria analítica, à luz de Scott (1995SCOTT, Joan. “Gênero: Uma categoria útil de análise histórica”. Educação e Realidade, v. 20, n. 2, p. 71-99, jul./dez. 1995.), que o compreende como uma categoria social imposta sobre um corpo sexuado, além de atuar como sinônimo do termo “mulher”. Gênero encontra-se circunscrito no corpo, estendendo-se para diversas instâncias da atual sociedade, tais como a família, política, religião, educação, comunidade e, também, o Esporte.

Também trabalharemos sobre o conceito de cis-heteronormatividade no Esporte, à luz de Jardim (2018JARDIM, Juliana Gomes. “It’s time”! MMA feminino, mercado da beleza e cis heteronormatividade: uma etnografia multissituada com lutadoras brasileiras. 2018. 225f. Tese (Doutorado em Ciências Sociais) - Faculdade de Filosofia e Ciências, Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, UNESP, Marília/SP.) e Silva e Pontes (2018PONTES, Júlia Clara de; SILVA, Cristiane Gonçalves da. Cisnormatividade e passabilidade: deslocamentos e diferenças nas narrativas de pessoas trans. Periódicus: Revista de estudos indisciplinares em gêneros e sexualidades, n. 8, v. 1, p. 396-417, nov. 2017/abr. 2018.). Jardim (2018) afirma que nesta perspectiva é conferida “[...] ao gênero (à cisgeneridade) a mesma centralidade conferida à (hetero)sexualidade na constituição de um regime social que regula [...] todas as vidas na sociedade brasileira e na maioria das sociedades contemporâneas” (p. 210). Assim, através dessa adoção epistemológica, trabalharemos pautados na vertente metodológica de desconstrução de discursos normativos e normalizadores, que são as bases das empreitadas queer.

2 METODOLOGIA

De caráter qualitativo e descritivo (TRIVIÑOS, 2015TRIVIÑOS, Augusto Nibaldo S. Introdução à pesquisa em ciências sociais: a pesquisa qualitativa em educação. O positivismo; a fenomenologia; o marxismo. São Paulo: Atlas, 2015.), desenvolvemos um estudo de caso5 5 Avaliado e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho (HUCFF/UFRJ), sendo o número do parecer 2.339.451 e o protocolo 245-17, grupo III. Ressaltamos que uma primeira versão deste trabalho já foi publicada no II Concurso de Artigos Científicos da Comissão de Esporte da Câmara dos Deputados do Brasil (2018). (TRIVIÑOS, 2015) sobre a atleta brasileira de voleibol Tifanny Abreu, atualmente a principal figura esportiva trans do esporte brasileiro em função de sua participação pioneira no naipe feminino da principal divisão do campeonato esportivo no qual a atleta atua. Contratada pela equipe do Vôlei Bauru na temporada 2017/2018, Tifanny renovou o contrato e defendeu a equipe também em 2018/2019, agora SESI/Bauru. Seu caso muito repercute por ser a primeira atleta trans brasileira a receber autorização do COI e da FIVB para atuar entre as mulheres, dividindo opiniões acerca de seu desempenho e performance nas quadras da Superliga Brasileira.

Foi realizada uma entrevista com roteiro semiestruturado (TRIVIÑOS, 2015TRIVIÑOS, Augusto Nibaldo S. Introdução à pesquisa em ciências sociais: a pesquisa qualitativa em educação. O positivismo; a fenomenologia; o marxismo. São Paulo: Atlas, 2015.) contendo doze perguntas sobre a trajetória pessoal de Tifanny, tais como aspectos relacionados à família, ao Esporte e suas tecnologias - mídia, torcida, vestiários. Devido ao calendário de treinos e jogos da atleta, fizemos a entrevista através do software Skype, sendo posteriormente gravada pelo Free Video Call Recorder for Skype.

Para analisar nosso material, utilizamos a técnica de análise de conteúdo conforme Bardin (2011BARDIN, Laurence. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições, 2011. v. 70.). Nesse processo, tecemos nossas arguições através de três etapas, sendo a primeira a pré-análise, seguida da interpretação referencial e posteriormente da amplificação das discussões.

Na pré-análise, construímos preliminarmente os indicadores para a análise, definindo unidades de registro; na interpretação referencial, referenciamos os índices e elaboramos os indicadores através de recortes e categorizações do texto, preparando o material para a exploração; na amplificação das discussões, imergimos na literatura para nortear nossas análises através de abordagens qualitativas e inferências significativas (BARDIN, 2011BARDIN, Laurence. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições, 2011. v. 70.).

Dessa forma, ordenamos nossos achados em quatro categorias, conforme a riqueza dos detalhes vislumbrados e/ou desvelados no discurso da atleta. A seguir, encontram-se as seguintes categorizações, bem como suas respectivas discussões: a- Identificações; b- O apoio sociofamiliar; c- A mídia, os clubes, a torcida; d- O uso dos vestiários.

3 RESULTADOS E DISCUSSÃO

3.1 IDENTIFICAÇÕES

Tifanny revela que desde pequena se sentia uma menina: “Ai, eu sempre fui menina. Ai, eu lembro que eu ia pra escola aí eu ficava apaixonada nos cabelos das meninas porque eu queria ter igual”. No entanto, relata que só após o uso de hormônios é que seu corpo reagiu fisiologicamente como tal, processo esse ocorrido na Europa. Atualmente, reconhece-se por pronomes femininos, identifica-se e quer ser tratada como uma mulher transexual, indo ao encontro do que Bento (2014bBENTO, Berenice. O que pode uma teoria? Estudos transviados e a despatologização das identidades trans. Revista Florestan, v. 1, n. 2, p. 46-66, nov. 2014b., p. 51) expõe: “[...] a reivindicação última das pessoas trans é pelo reconhecimento social de sua condição humana”.

Tifanny revela em seu discurso um desejo que sempre a acompanhou desde tenra idade: ter sua própria residência e renda para poder custear seus procedimentos cirúrgicos e de redesignação sexual, sem necessitar prestar satisfações a quem quer que fosse:

Ai, pra falar a verdade eu antes já sonhava em ganhar na Mega-Sena, mudar de casa, fazer uma operação de sexo, colocar peito, meter cara, fazer xoxota, virar a mulher completa, chegar lá em casa já transformada já, ia ter muito dinheiro, ninguém ia falar nada!

Uma de suas principais preocupações seria, portanto, combater quaisquer comentários acerca de suas ações envolvendo o sexo de nascimento, o que seria possível através do acúmulo de dinheiro. Esse pensamento pode estar enviesado pelo caráter de vulnerabilidade social no qual muitas pessoas trans se encontram atualmente e que configura um estado de cidadania precária.

A cidadania precária representa uma dupla negação: nega a condição humana e de cidadão/cidadã de sujeitos que carregam no corpo determinadas marcas. Essa dupla negação está historicamente assentada nos corpos das mulheres, dos/as negros/as, das lésbicas, dos gays e das pessoas trans (travestis, transexuais e transgêneros). Para adentrar a categoria de humano e de cidadão/cidadã, cada um desses corpos teve que se construir como ‘corpo político’. No entanto, o reconhecimento político, econômico e social foi (e continua sendo) lento e descontínuo (BENTO, 2014aBENTO, Berenice. Nome social para pessoas trans: cidadania precária e gambiarra legal. Revista Contemporânea, v. 4, n. 1, p. 165-182, jan./jun. 2014a., p. 167).

O Esporte nesse processo foi de fundamental importância, pois, segundo a atleta, em sua identidade masculina, sempre foi rotulada com adjetivos pejorativos, mas quando se tornou uma boa jogadora, adquiriu mais respeito e os rótulos cessaram; já não era mais a esquisita, mas sim a boa jogadora:

É, as pessoas ficavam ‘gayzinho, viadinho, é isso aquilo o outro’. Então quando você é [gesto de aspas] importante na sociedade, as pessoas já não te rotulam tanto como isso [...]. Então quando você é mais conhecido não tem tanto rótulo, então eu decidi, vou ser um bom jogador porque já não vão me chamar de [gesto de aspas] gayzinho, vão me chamar ‘O JOGADOR’ [...] primeiro eu tive que vencer a barreira do preconceito do homossexual, pra depois vencer a barreira do transexualismo, que era maior.

O que a fez optar pela transição de gênero, no entanto, não foi o esporte, mas sim o estilo de vida social. Ela revela que sempre foi emocionalmente atraída por homens heterossexuais, o que lhe causava grandes sofrimentos pelo fato de não ser correspondida, uma vez que eles não a reconheciam como mulher. Este fato que mudou após seu processo de transição:

Porque assim ó, eu sempre me apaixonei por hétero [risos]. Eu não aguentava mais essa vida minha [risos]. Já não aguentava mais, todo time que eu ia me apaixonava por um, sempre me apaixonava por hétero [...] falei ‘Chega, vou viver minha vida’, hoje em dia é tranquilo, eu saio na rua, não me preocupo se é homem, se é mulher, se é gay, se é hétero, se é bonito, se é feio, porque eles chegam em mim, conversam comigo, me tratam que nem mulher porque eu sou uma mulher hoje em dia e tô feliz assim [...].

Sua mudança física começou a ocorrer na Europa, em 2014, continente que para Tifanny comporta de maneira mais respeitosa pessoas trans do que o Brasil, haja vista que “[...] são assustadoras a quantidade de micronormatizações no Brasil e a ausência de uma lei que resolva definitivamente a precariedade existencial das pessoas trans” (BENTO, 2014aBENTO, Berenice. Nome social para pessoas trans: cidadania precária e gambiarra legal. Revista Contemporânea, v. 4, n. 1, p. 165-182, jan./jun. 2014a., p. 177). Mesmo no velho continente, ela expôs certo receio em defrontar-se com condutas possivelmente violentas nas ruas, mas uma estratégia utilizada para minimizar as chances dessas ocorrências foi sempre estar acompanhada de seus companheiros de equipe e contar com seu apoio, o que lhe conferiu entusiasmo e coragem para deixar os cabelos crescerem e colocar sua primeira extensão capilar:

No início eu tinha esse, porque quando você tá começando fica ai, o que o povo vai falar na rua, vão me jogar pedra, não vão, vão me cuspir, não vão, todas essas coisas, aí no vôlei o quê que vai falar [...]. Então eu falei assim, foi indo, foi aos poucos, foi quando eu deixei meu cabelo crescer mais, coloquei minha primeira extensão.

Seu desempenho, durante o processo, mudou: em função da hormonoterapia, Tifanny teve uma redução da força explosiva e de sua impulsão, o que, segundo ela, também ocorreu devido à sua idade:

Ah, gente, meu técnico fica o tempo todo ‘Tifanny, vai pra academia, vai malhar pra você voltar a pular como você pulava antes, atacar como atacava antes’, primeiro que eu tô velha [risos] primeiro que eu tô velha, segundo que eu tô cheia de hormônio pra tudo que é lado do corpo, eu vou pular como? [risos].

Após uma cirurgia de mamoplastia, sentiu muitas dores e teve de readequar-se ao novo corpo para seguir firme em sua trajetória pessoal e esportiva. Durante todo esse processo, é possível perceber que Tifanny, em momento algum, denota-se como sujeito queer, mas sim como uma mulher trans. Para problematizar o dispositivo da transexualidade (BENTO, 2014bBENTO, Berenice. O que pode uma teoria? Estudos transviados e a despatologização das identidades trans. Revista Florestan, v. 1, n. 2, p. 46-66, nov. 2014b.), partimos do pressuposto de que, ainda que desconheça ou não se identifique como queer, a sua expressividade corporal por si só transparece discursos contrários à heteronorma, uma vez que a transexualidade também é - ao mesmo tempo que não é - contemplada por uma condição queer.

A designação ‘queer’, por sua vez, é para quem não se identifica ou se desidentifica - com o sexo, com a orientação, com o gênero que lhe foi atribuído socialmente. Ou ainda prefere, simplesmente, não ter uma identificação ou identidade fixa [...] Queer tem a ver com ocupação, com dissonância, com subversão. Queer se relaciona à sexualidade não heteronormativa, mas também pode não ter a ver com ela. Queer é uma postura política, de não doutrinação, de insubmissão, de inconformidade! Queer evoca a estética da abjeção, do grotesco, do incomum, do não normativo. Queer engloba a todxs e ao mesmo tempo não engloba ninguém! (CAMARGO, 2017CAMARGO, Wagner Xavier. O torcedor queer. Ludopédio. Sessão Arquibancada, 26 nov. 2017. Disponível em: http://www.ludopedio.com.br/arquibancada/o-torcedor-queer/ Acesso em: 12 maio 2018.
http://www.ludopedio.com.br/arquibancada...
, p. 1).

Inspirados por Camargo (2017CAMARGO, Wagner Xavier. O torcedor queer. Ludopédio. Sessão Arquibancada, 26 nov. 2017. Disponível em: http://www.ludopedio.com.br/arquibancada/o-torcedor-queer/ Acesso em: 12 maio 2018.
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), não queremos, dessa forma, imputar a Tifanny uma categorização queer, mas, sim, colher do usufruto que sua (des)identidade confere ao Esporte. É neste sentido que postulamos nossas discussões e inferências, utilizando um aporte pós-estruturalista para compreendermos as incontáveis maneiras de se expressar os gêneros, as sexualidades e os corpos em performance, sem necessariamente limitá-los (BUTLER, 2015BUTLER, Judith. Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade. 8. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2015.).

Tifanny performatiza um corpo feminino no voleibol de alto rendimento. Para entender essa afirmação, façamos uma leitura de Butler (2015BUTLER, Judith. Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade. 8. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2015.) acerca de seu conceito de performatividade de gênero, que, segundo a autora, se estende a todos os corpos e suas maneiras de se portarem socialmente para configurarem modelos inteligíveis entre sexo/gênero/desejo.

Assim, o gênero seria um fazer performativo através da repetição holística de atos, gestos e ações carregados de significados, que visam normatizar e policiar a sexualidade humana à luz da heteronormatividade. No entanto, sempre fadada ao fracasso, uma vez que as falhas de repetição são inerentes ao ato performativo, o que possibilita ressignificações das performatividades de gênero (BUTLER, 2015BUTLER, Judith. Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade. 8. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2015.).

3.2 O APOIO SOCIOFAMILIAR

Tifanny mostrava-se receosa em revelar seu interior quando mais nova, no entanto, decidiu fazê-lo em prol de sua felicidade:

[...] a minha família não vai me aceitar, meus amigos não vão me aceitar, o vôlei muito menos vai me aceitar, falei assim: ‘Mas o que importa é que eu vou ser feliz’. Só que na minha cabeça era isso, eu larguei, o vôlei me aceitou, meus amigos me aceitaram, minha família me aceitou...

Nascida em Goiânia, cresceu na pequena cidade de Conceição do Araguaia, município pequeno na divisa de Pará com Tocantins, até os 13 anos, retornando em seguida para Goiânia. Sempre contou com o apoio da família desde criança:

[...] meus irmãos uns homens maravilhosos, eu pra eles eu sou uma mulher, me chamam de mulher 24 horas, me respeitam como mulher. Quando eu era gay eu tinha até medo de falar que eu tinha namorado, quando eu tinha né, porque nunca tive muito. Mas depois de trans é tudo normal eu apresentar namorado a eles, apresentar à família o namorado, a família aceitar meu namorado e tratar a pão de ló também.

O membro que mais esteve presente foi sua irmã desde a juventude, e Tifanny não esconde a emoção ao relatar tamanho apreço:

[...] eu tenho uma, um relacionamento com ela muito lindo [olhos lacrimejando], é a minha irmã, minha família, comigo ela é maravilhosamente, minha família toda me aceita, me ama de paixão, minha irmã me protege, me ama e ela fica doida se alguém me chamar de ele, se alguém me chamar do nome antigo [risos] porque pra ela eu sou uma menina como ela é uma menina também.

Bento (2011BENTO, Berenice. Na escola se aprende que a diferença faz a diferença. Revista Estudos Feministas, v. 19, n. 2, p. 549-559, maio/ago. 2011.) aponta o apoio familiar como imprescindível para pessoas trans, porém relatos de suporte e ajuda no seio familiar ainda são raros e escassos. Em variados casos, as pessoas trans, ao romperem com a cisnormatividade do gênero, enfrentam a rejeição e abandono por parte dos membros da família, o que contribui para a precarização e vulnerabilidade socioemocional/física do sujeito trans, muitas vezes expulsos, invisibilizados e repudiados por/nos diversos setores sociais (BENTO, 2011BENTO, Berenice. Na escola se aprende que a diferença faz a diferença. Revista Estudos Feministas, v. 19, n. 2, p. 549-559, maio/ago. 2011.; 2014a,b).

Tifanny, sob este aspecto, pôde contar com o apoio da família desde cedo. Em um primeiro momento, após declarar-se homossexual, recebeu todo suporte da família, tais como aceitação, carinho, amor e liberdade. Tempos depois, foi a vez de declarar sua nova identidade de gênero. Mesmo sustentando certo receio por parte da atleta, também foi bem recebida pela família. Hoje, mantém contato com todos os membros familiares, é reconhecida e tratada como mulher e encontra-se em um relacionamento amoroso estável. Tifanny, pelo menos nesta parte, conseguiu blindar-se das adversidades que pessoas trans enfrentam socialmente, conforme as ponderações supracitadas.

Já pensando em âmbito social e nacional, são alarmantes os dados sobre a violência orquestrada a sujeitos LGBTTQ no Brasil. O Grupo Gay da Bahia (GGB, 2018), notoriamente reconhecido como referência no Brasil por ser a primeira associação de defesa dos homossexuais e pessoas trans do país, divulgou em seu último relatório6 6 Disponível em: <https://grupogaydabahia.files.wordpress.com/2019/01/relat%C3%B3rio-de-crimes-contra-lgbt-brasil-2018-grupo-gay-da-bahia.pdf >. que o Brasil é, infelizmente, o recordista mundial em crimes contra as minorias sexuais, sendo que mais da metade dos casos mundiais de homicídio de pessoas trans ocorrem por aqui: em 2018, foram 164, sendo que essa estatística ainda apresenta lacunas devido à ausência de mecanismos legais sobre crimes de ódio no Brasil motivados por gênero e/ou sexualidades, o que avulta incontáveis outros casos.

Somando-se negativamente ao quadro, temos a crescente participação da massa conservadora tanto na política quanto nas demais instâncias sociais brasileiras, e muitos entraves parecem retardar os avanços e direitos conquistados pela comunidade LGBTTQ ao longo dos anos. Todavia, singelas resistências ainda podem ser vislumbradas neste cenário, como a elaboração de estratégias e organização de projetos de inclusão e promoção de direitos para sujeitos LGBTTQ, bem como o reconhecimento do nome social na administração pública federal e que ainda aguarda aprovação na Câmara dos Deputados para se estender a todos(as) os(as) cidadãos(ãs) brasileiros(as).

Ainda que representem parcela diminuta neste tocante, debater sobre essas inquietações é refletir sobre um tipo de vida que pode ou que está sendo vivida através do uso material e simbólico do corpo, conferindo respostas diferentes de inserção e permanência nas sociedades atuais em suas diversas instâncias (SCOTT, 1995SCOTT, Joan. “Gênero: Uma categoria útil de análise histórica”. Educação e Realidade, v. 20, n. 2, p. 71-99, jul./dez. 1995.; BUTLER, 2015BUTLER, Judith. Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade. 8. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2015.).

3.3 A MÍDIA, OS CLUBES, A TORCIDA

Tifanny afirma que a imprensa conduz a opinião do povo. Reclama da forma como as novelas abordam pessoas trans em seu programa, segundo ela:

É sempre uma bicha que é montada, que faz o papel de um transexual muito escandaloso, né, ou transexual que é transexual que quer virar homem ou uma coisa assim, sempre umas histórias que confundem a cabeça da pessoa.

O fato a entristece. Para ela, as pessoas que não conhecem uma pessoa trans sustentam a ideia de que esse sujeito é “[...] um gay afeminado e louco”. Ainda, muitos os(as) veem como homens ou gays, não respeitando as identificações de gênero dissonantes e/ou não binárias.

A atleta afirma que esse pensamento se estende inclusive para a mídia esportiva, afirmando que essa instância se revela ignorante acerca do assunto: “A mídia, enquanto eles não conversam com você pra saber realmente o que é, eles não entendem. Porque na cabeça deles é só um gay com cabelo grande e peito”. Curioso o fato de que o caso Tifanny, durante seu processo de transição e atuação na Europa, por exemplo, não despertou o interesse da mídia brasileira. Conforme apontam Brito e Pontes (2015BRITO, Leandro Teofilo de; PONTES, Vanessa Silva. “Tifanny Abreu is still one of the guys” - uma discussão sobre transgeneridade no espaço do voleibol”. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS DO ESPORTE E VI CONGRESSO INTERNACIONAL DE CIÊNCIAS DO ESPORTE, 19. 2015, Vitória/ES. Anais... Vitória/ES, 2015. Disponível em: http://congressos.cbce.org.br/index.php/conbrace2015/6conice/paper/view/6922/3651 Acesso em: 16 fev. 2019.
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, p. 2), não houve “[...] nenhuma menção ou reportagem sobre a atleta na imprensa nacional, o que nos remete ao entendimento de invisibilização do fato aqui no Brasil”.

Os estudos que versam sobre “Gênero, Mídia e Esporte” apontam para um tratamento diferenciado entre a representação de homens e mulheres: quanto aos primeiros, vendem um espaço de força, virilidade e que não deixa dúvidas quanto à masculinidade dos atletas, já quanto às mulheres, existe um apelo estético e sexual ao corpo das jogadoras, enaltecendo sua beleza física em detrimento das habilidades técnicas (PEREIRA; PONTES; RIBEIRO, 2015PEREIRA, Erik Giuseppe Barbosa; PONTES, Vanessa Silva; RIBEIRO, Carlos Henrique de Vasconcellos. Revelações dos fotógrafos esportivos brasileiros sobre relações de gênero. Motricidade, v. 11, n. 1, p. 126-134, mar. 2015.). Ainda esbarrando na reclusão dos gêneros binários e papéis sociais desiguais entre homens e mulheres, a ideia de retratar os casos trans não poderia, portanto, dar-se de forma coesa e consistente. Retratar corpos ou competições queer parece não atrair a atenção e o olhar de artefatos midiáticos (CAMARGO; RIAL, 2009CAMARGO, Wagner Xavier; RIAL, Carmen Silvia Moraes. Esporte LGBT e Condição Pós-Moderna: notas antropológicas. Cadernos de Pesquisa Interdisciplinar em Ciências Humanas, v. 10, n. 97, p. 269-286, jul./nov. 2009.), contribuindo para a invisibilização, silenciamento e reclusão destas expressões no ambiente esportivo, culminando, por fim, na legitimação e cristalização dos preceitos heteronormativos que permeiam as organizações esportivas.

O fator do reconhecimento se torna determinante não só no quesito mídia, mas também entre os clubes em que Tifanny circulou. Segundo a atleta, pelo fato de conhecerem-na e conviverem juntos, eles sempre lhe forneceram o suporte necessário através de amor, adoração e respeito: “[...] eles me amam, me adoram e me respeitam e me tratam assim a pão de ló. Porque eles conhecem a pessoa”.

Essa evidência chega ainda a se sustentar quando estendida para a torcida. Tifanny afirma que, na Europa, nunca ouviu nenhuma ofensa a seu respeito durante os jogos. Ela afirma que o máximo que chega a ocorrer é um estranhamento das crianças, que ficam confusas ao ver uma mulher em meio aos homens, bem como expressões de surpresa por parte da torcida: “[...] as crianças, quando me veem jogando com os homens, elas ficam assim [expressão de dúvida]”. Esse estranhamento ocorre em função da criação de uma identidade social que não é facilmente identificada como masculina ou feminina, promovendo a desnaturalização dos gêneros e a multiplicidade de conceitos que versam sobre corpo e gênero no espaço esportivo.

Embora as condutas de estranhamento sejam desencadeadas pela corporalidade de Tifanny, ela afirma nunca ter recebido ofensas atuando no continente europeu: “Eu nunca ouvi em nenhum jogo ‘Transexual! Viado!’”. Mesmo que essas injúrias fossem por ela assimiladas, Tifanny afirma que não apreenderia essas perturbações, pois segundo ela um dos papéis da torcida é provocar o(a) jogador(a) com o intuito de fragilizá-lo(a) nas ações esportivas e assim desestabilizá-lo(a) na partida: “[...] a torcida, o que vem deles não se escreve, né, o que vem deles só vem o lixo. A torcida só vai mandar lixo pro seu lado. E você quando é um jogador tem que aprender a lidar com isso”.

Esta ponderação é preocupante se analisarmos que a enunciação proferida pela atleta respalda discursos de cunho restritivo, homofóbico e preconceituoso. Pelo exposto, Tifanny não reconhece a problemática da materialização dessas ofensas na esfera esportiva, o que prejudica suas próprias pautas de valoração: como seria possível cunhar ideais de aceitação e reconhecimento social se os discursos supracitados não forem questionados e repelidos de forma crítica na atual conjuntura da Sociologia do Esporte?

Ao que tudo indica a atleta não se atenta para a potência que o campo esportivo teria de ressignificar esses preceitos já tão arraigados no espaço em questão. Tifanny naturaliza e contribui para reforçar os discursos das torcidas como algo inerente e “normal” naquela esfera, desperdiçando assim uma forte possibilidade de conflitar e subverter os assujeitamentos proferidos.

Embora seja de conhecimento amplo que o papel da torcida é provocativo no ato de torcer, Camargo (2017CAMARGO, Wagner Xavier. O torcedor queer. Ludopédio. Sessão Arquibancada, 26 nov. 2017. Disponível em: http://www.ludopedio.com.br/arquibancada/o-torcedor-queer/ Acesso em: 12 maio 2018.
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, p. 1) nos chama atenção para o fato de que “[...] as camadas de opressão que se sobrepõem sobre os sujeitos (e sobre nós mesmos) nos momentos dessa manifestação do torcer [...] se sobrepõem e ‘pioram’ o preconceito do senso comum”. Sendo assim, o ato de torcer não poderia ser interpretado como momento do vale-tudo para desestimular o emocional do(a) atleta, uma vez que colabora para manter discursos cis-heteronormativos sobre as performances atléticas em prova.

Mesmo Tifanny não se atentando para este ponto, ela afirma que não aceitaria o mesmo tipo de conduta fora das quadras:

É assim, eu não posso dar intimidade pra torcida, eu acho que dentro do jogo a torcida fala o que quer, fora do jogo já me respeite. Dentro de quadra eles podem me chamar de trans, de gay, de sapatão, de lésbica, de gorda, de magra, de preta, de azul, de amarela, do que eles quiserem, porque eles estão tentando tirar minha atenção no jogo. Mas fora de quadra eles devem me respeitar como Tifanny, como mulher transexual, como mulher!

Desse modo, ao interpretarmos o Esporte enquanto campo de prática social, podemos percebê-lo como um espaço de constante imposição de saberes e poderes que instituem padrões aos corpos quanto à aparência, sexualidades e representações de gênero. Inspirados por Salih (2012SALIH, Sara. Judith Butler e a teoria queer. Belo Horizonte: Autêntica, 2012.), entendemos os processos queerfóbicos7 7 Optamos pelo emprego deste termo uma vez que abrange múltiplas fobias relacionadas às vivências e expressões de gênero. como oriundos de um mecanismo denominado “heterossexualidade compulsória”, um dispositivo de proteção desencadeado pela sociedade na tentativa de manter/sustentar a heterossexualidade como padrão sob as diversas corporalidades e sexualidades.

Esse discurso denunciativo corrobora a assertiva de que o mundo esportivo, bem como seus gestores e atores, ainda é muito refém de padrões sexistas e excludentes referentes ao binarismo masculino e feminino, vindo a desprezar as demais corporalidades presentes, que acabam por não ter espaço: “[...] qualquer dissonância no binarismo de gênero não é visibilizada ou tende a desaparecer dos registros oficiais” (CAMARGO, 2018CAMARGO, Wagner Xavier. O tênis na trajetória de Renée Richards. Ludopédio. Sessão Arquibancada, 29 abr. 2018. Disponível em: https://www.ludopedio.com.br/arquibancada/o-tenis-na-trajetoria-de-renee-richards/ . Acesso em: 16 fev. 2019.
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, p. 1).

No entanto, com a participação e expressão de corporalidades queer, possibilitam-se reflexões sobre a forma como as territorialidades esportivas são categorizadas - geralmente devido às diferenças fisiológicas convencionadas por gênero -, o que permite repensarmos novas maneiras de atuação e implementação dos discursos que recaem sobre as práticas físicas (TEIXEIRA, 2011TEIXEIRA, Renato Oliveira. Efeitos Jurídicos da Transgenitalização sobre as Relações Jurídicas e Proteção dos Direitos Individuais. 2011. 30f. Monografia (graduação em Direito) - Escola de Magistratura do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2011.) e até mesmo ao ato de torcer, sob uma ótica queer8 8 Para maior entendimento, sugerimos a leitura de Camargo (2017). , reconhecendo e dialogando “[...] não apenas como maneira de ‘garantir’ os próprios espaços de expressão, mas desenvolver um esforço por uma convivência mútua de aprendizados com as diferenças” (CAMARGO, 2017CAMARGO, Wagner Xavier. O torcedor queer. Ludopédio. Sessão Arquibancada, 26 nov. 2017. Disponível em: http://www.ludopedio.com.br/arquibancada/o-torcedor-queer/ Acesso em: 12 maio 2018.
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, p. 1.).

Por último, mesmo neste universo queer das corporalidades esportivas, é possível identificar novas postulações de poder, privilégios, disparidades, reconhecimentos, valorações e simbolismos que, ao que tudo indica, continuam legitimando sintomas da cis-heteronormatividade compulsória através de classificações, certificações, territorializações, fronteiras e diferenças hierárquicas e de poder entre os próprios sujeitos queer.

Dubiamente, a maneira de se expressar de Tifanny, embora se aproxime de características tidas como femininas, diverge de um corpo feminino cis-heteronormativo, o que é acionado para justificar o estranhamento, repulsa e incômodo frente à atleta. Adensando-se ao processo de cis-heteronormatividade, à luz de Jardim (2018JARDIM, Juliana Gomes. “It’s time”! MMA feminino, mercado da beleza e cis heteronormatividade: uma etnografia multissituada com lutadoras brasileiras. 2018. 225f. Tese (Doutorado em Ciências Sociais) - Faculdade de Filosofia e Ciências, Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, UNESP, Marília/SP., p. 135):

[...] a cisgeneridade, tanto quanto a heterossexualidade, constitui um regime político-social que regula nossas vidas. Assim, parece-me que, na contemporaneidade, considerando as discussões transfeministas emergidas nos últimos anos, o conceito queer de heteronormatividade precisa ser ampliado, de modo a passar a englobar também a cisnormatividade.

Forçosamente, para comprovar sua identificação feminina, nota-se o esforço de Tifanny em adequar-se aos adornos qualificadores da feminilidade compulsória, o que faz parte de uma rede de imposições estabelecida pela cis-heteronormatividade. Esse modelo impõe o regime cisgênero a todas as pessoas, incluindo as trans, que sofrem certo pressionamento para serem socialmente consideradas bem-sucedidas, o que inclui o uso de hormônios e submissão a cirurgias plásticas, inclusive de redesignação social, de modo a aproximar-se o mais possível com os modelos cisgêneros hegemônicos (JARDIM, 2018JARDIM, Juliana Gomes. “It’s time”! MMA feminino, mercado da beleza e cis heteronormatividade: uma etnografia multissituada com lutadoras brasileiras. 2018. 225f. Tese (Doutorado em Ciências Sociais) - Faculdade de Filosofia e Ciências, Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, UNESP, Marília/SP.), qualificando um processo reconhecido por “passabilidade de gênero9 9 “A passabilidade, implicada em uma performatividade de gênero, dispõe um conjunto de atos regulados e repetidos que asseguram uma imagem substancial de gênero no registro de uma matriz heterossexual e cisgênero” (PONTES; SILVA, 2018, p. 407). ”.

Neste, a leitura dos corpos passa a ser inteligível à medida que correlaciona marcas corporais com características inerentes aos sexos biológicos, tais como os seios, a face, pelos, entre outras. Deslizar sobre esses arranjos leva à ocupação de zonas inóspitas, “[...] o que situa a experiência de passabilidade de forma dupla: como imposição e exigência normativa no registro cisgênero e como estratégia de segurança frente a situações de violação, derivando outros questionamentos” (PONTES; SILVA, 2018PONTES, Júlia Clara de; SILVA, Cristiane Gonçalves da. Cisnormatividade e passabilidade: deslocamentos e diferenças nas narrativas de pessoas trans. Periódicus: Revista de estudos indisciplinares em gêneros e sexualidades, n. 8, v. 1, p. 396-417, nov. 2017/abr. 2018., p. 410).

Isso posto, é pertinente dizer que, embora a atleta consiga cercar-se de elementos femininos, promover alterações físicas em sua fisionomia e estrutura corporal, mudar sua maneira de jogar, comportar, vestir e se expressar, parece carregar consigo uma marca entranhada que faz com que, socialmente, não seja reconhecida como uma “mulher de verdade”, digna de participação ou tratamento no e do gênero/naipe feminino, ou ainda às tecnologias do Esporte destacadas neste subitem.

3.4 O USO DOS VESTIÁRIOS

Para a atleta, adentrar no vestiário era uma ação de duas possibilidades: Tifanny, em seu momento de transição de gênero10 10 Vale relembrar que, no momento de nossa entrevista, Tifanny ainda atuava entre homens na Bélgica. Hoje, integrante da equipe feminina do Vôlei SESI/Bauru, essas ordenações já se apresentam diferentes. No entanto, questionamo-nos se as angústias relatadas pela atleta ainda não possam se manifestar através de outras sutilidades, o que requer a continuidade dos estudos para averiguação. , não se limitava a apenas o masculino ou feminino, mas preferia o primeiro espaço por estar em contato com demais membros do seu time, reforçando assim os laços de união da equipe. Era condição obrigatória, todavia, não se despir na frente dos colegas ou revelar seus contornos corporais a eles. Dessa forma, não podia desfrutar do espaço da maneira como todos os outros o faziam: “[...] eu posso ir tanto no masculino tanto no feminino. Eu prefiro ainda ir no masculino como eles desde que eu não mostre meu corpo”.

Não mostrar seu corpo, em seu discurso, fazia parte de uma rede de aspectos simbólicos e morais atrelados ao universo corporal, conforme podemos evidenciar em sua enunciação seguinte:

[...] a gente mulher já dá esse respeito pra gente mesmo, a gente não quer... ‘Ah, mas ela estava no banheiro, dentro do vestiário com aquele monte de homem pelado?’, vão falar ‘Ah, a bicha é puta! Aquela mulher ali, sem vergonha! Ela tá lá no meio do banheiro lá fazendo orgia com os homens.’ Porque o pessoal vai falar, você sabe que vai.

Embora essa interpretação fosse possível, Tifanny se dizia confiante quando atuava na Europa, pois a maturidade de seus colegas europeus acabava por facilitar esse intercurso do vestiário, o que seria diferente no Brasil, por exemplo: “Ah, no Brasil eles me estuprariam dentro do banheiro, você sabe”.

Camargo (2014CAMARGO, Wagner Xavier. Notas etnográficas sobre vestiários e a erotização de espaços esportivos. Revista Ártemis, v. 17, n. 1, p. 61-75, jan. /jun. 2014.) se debruça a problematizar a maneira como o espaço dos vestiários é arquitetado, ressaltando a sua divisão através da ordem binária dos sexos, o que estabeleceria conceitos de isolamento entre homens e mulheres cis apenas. Assim, tanto os banheiros quanto vestiários firmariam territórios de masculinidades e feminilidades diretamente relacionais, divergentes e complementares, sendo o espaço masculino mais liberto ao pudor e às manifestações de desejos ávidos e sanadores dos apetites masculinos, e o feminino mais reservado aos cuidados íntimos, de exposição menor e cultuador de aspectos feminizantes.

Ainda segundo o autor, vestiários e banheiros são estruturas arquitetadas por vias heteronormativas que destacam os corpos em evidência ao olhar alheio por meio de representações limítrofes entre si, isto é, o local se configura como espaço de reserva privada e pessoal, porém pública e compartilhada, o que configuraria um momento de exposição daquilo que se deve manter em sigilo, portanto, um “lugar de fetiche - algo ligado ao desejo -, fantasias, imaginação, potencialidade de encontro” (CAMARGO, 2014CAMARGO, Wagner Xavier. Notas etnográficas sobre vestiários e a erotização de espaços esportivos. Revista Ártemis, v. 17, n. 1, p. 61-75, jan. /jun. 2014., p. 65). No entanto, Anderson (2005ANDERSON, Eric. In the game: gay athletes and the cult of masculinity. New York: State University of New York, 2005.) destaca que, por vezes, esse imaginário social se sustenta apenas no campo das ideias, dificilmente materializando-se pelos campos da ação e intercruzando-se das fantasias de olhar/desejar pelo fazer/agir.

De todo modo, o que podemos constatar nessa unidade de registro é que Tifanny, embora possa utilizar qualquer vestiário, apresenta receio e inseguranças por não poder utilizar esse espaço da maneira como ela gostaria. Sua presença soa inoportuna em qualquer recinto dessa ordem, uma vez que rompe com a lógica cis-heteronormativa da arquitetura dos vestiários, utilizando-se de forma dúbia, questionadora, subversiva e incômoda. Ainda, a atleta destaca em seu discurso as dúvidas quanto à sua presença no que concerne a assédios que possam ocorrer através do jogo interacional exemplificado pelos campos da fantasia/fetiche no espaço ambíguo de isolamento público e privado do vestiário em si.

Como proposta de intervenção para essa problemática, Griffin (2011GRIFFIN, Pat. Addressing concerns about LGBT athletes and coaches in the locker room. In: BIRCH-JONES, J. Seeing the Invisible, speaking about the unspoken. Vancouver: Canadian Association for the Advancement of Women and Sport and Physical Activity, 2011. p. 14-31.) destaca que vestiários e banheiros deveriam ser planejados de forma alternativa às convencionadas atualmente, com o intuito de atender às demandas de usufruto de qualquer atleta. Assim, as acomodações propiciariam aclimatações privadas para troca de vestimentas, banho, embelezamento, entretenimento, entre outras necessidades de seus(uas) usuários(as), sem os receios da exposição corporal como aspecto de objetificação erótica e/ou sexual obrigatórias. É importante frisar que, segundo a autora, não é através da criação de um terceiro gênero ou sexo de vestiário que essa definição se daria, mas sim pela adaptação arquitetônica deste ambiente já consolidado como heteronormativo e sexista. A tarefa agora é desmistificá-lo desses paradigmas para favorecer tanto simbolicamente quanto materialmente essa nova ressignificação do espaço em questão, para que possa ser utilizado por pessoas, sejam elas trans, cis, não binárias, queer, heterossexuais, entre outras quaisquer identificações.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Foi de nosso anseio, neste estudo, problematizar as dissidências sexuais e de gênero na esfera esportiva através da participação da atleta trans Tifanny Abreu no voleibol de alto rendimento. Buscamos, dessa forma, oferecer instrumentos teóricos para questionar o regime cis-heteronormativo neste espaço, suspeitando de suas referências normalizadoras acerca da heterossexualidade e da cisgeneridade enquanto parâmetros únicos de verdade extensivos às camadas sociais e suas práticas cotidianas (JARDIM, 2018JARDIM, Juliana Gomes. “It’s time”! MMA feminino, mercado da beleza e cis heteronormatividade: uma etnografia multissituada com lutadoras brasileiras. 2018. 225f. Tese (Doutorado em Ciências Sociais) - Faculdade de Filosofia e Ciências, Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, UNESP, Marília/SP.).

Pudemos inferir que as normas vigentes na esfera esportiva constituem e possibilitam inclusões e exclusões conforme os sexos, gêneros e performances, sempre através de uma conformidade e lógica cis-heteronormativas. Engessadas, limitadas e para poucos, as convenções sociais e sexuais ainda direcionaram o Esporte em suas tecnologias, convencionando diretivas, coerções, atuações, reconhecimentos e valorações desiguais entre atletas.

As novas ponderações à margem do modelo tradicional apontam-nos que essas novas possibilidades se constituem de formas reclusas, intransitáveis e impermeáveis, mantendo-se categorizações separadas, constituindo guetos e consolidando ainda mais os atributos normalizadores do Esporte tradicional.

Recomendamos a continuação dos estudos para trazer à tona novos desfechos sobre a temática, que ainda se apresenta muito incipiente na literatura. Acreditamos que possíveis contribuições teóricas possam auxiliar nas emergentes e necessárias reformulações esportivas no que tange à participação de atletas, corpos e performances na contemporaneidade.

REFERÊNCIAS

  • ANDERSON, Eric. In the game: gay athletes and the cult of masculinity. New York: State University of New York, 2005.
  • BARDIN, Laurence. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições, 2011. v. 70.
  • BENTO, Berenice. Na escola se aprende que a diferença faz a diferença. Revista Estudos Feministas, v. 19, n. 2, p. 549-559, maio/ago. 2011.
  • BENTO, Berenice. Nome social para pessoas trans: cidadania precária e gambiarra legal. Revista Contemporânea, v. 4, n. 1, p. 165-182, jan./jun. 2014a.
  • BENTO, Berenice. O que pode uma teoria? Estudos transviados e a despatologização das identidades trans. Revista Florestan, v. 1, n. 2, p. 46-66, nov. 2014b.
  • BRITO, Leandro Teofilo de; PONTES, Vanessa Silva. “Tifanny Abreu is still one of the guys” - uma discussão sobre transgeneridade no espaço do voleibol”. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS DO ESPORTE E VI CONGRESSO INTERNACIONAL DE CIÊNCIAS DO ESPORTE, 19. 2015, Vitória/ES. Anais... Vitória/ES, 2015. Disponível em: http://congressos.cbce.org.br/index.php/conbrace2015/6conice/paper/view/6922/3651 Acesso em: 16 fev. 2019.
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  • BUTLER, Judith. Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade. 8. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2015.
  • CAMARGO, Wagner Xavier. Notas etnográficas sobre vestiários e a erotização de espaços esportivos. Revista Ártemis, v. 17, n. 1, p. 61-75, jan. /jun. 2014.
  • CAMARGO, Wagner Xavier; RIAL, Carmen Silvia Moraes. Esporte LGBT e Condição Pós-Moderna: notas antropológicas. Cadernos de Pesquisa Interdisciplinar em Ciências Humanas, v. 10, n. 97, p. 269-286, jul./nov. 2009.
  • CAMARGO, Wagner Xavier; RIAL, Carmen Silvia Moraes. Competições esportivas mundiais LGBT: guetos sexualizados em escala global? Estudos Feministas, v. 19, n. 3, p. 977-1003, set./dez. 2011.
  • CAMARGO, Wagner Xavier. O torcedor queer. Ludopédio. Sessão Arquibancada, 26 nov. 2017. Disponível em: http://www.ludopedio.com.br/arquibancada/o-torcedor-queer/ Acesso em: 12 maio 2018.
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  • CAMARGO, Wagner Xavier. O tênis na trajetória de Renée Richards. Ludopédio. Sessão Arquibancada, 29 abr. 2018. Disponível em: https://www.ludopedio.com.br/arquibancada/o-tenis-na-trajetoria-de-renee-richards/ Acesso em: 16 fev. 2019.
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  • GRESPAN, Carla Lisboa; GOELLNER, Silvana Vilodre. Fallon Fox: um corpo queer no octógono. Movimento, v. 20, n. 4, p.1265-1282, out. /dez. 2014.
  • GRIFFIN, Pat. Addressing concerns about LGBT athletes and coaches in the locker room. In: BIRCH-JONES, J. Seeing the Invisible, speaking about the unspoken. Vancouver: Canadian Association for the Advancement of Women and Sport and Physical Activity, 2011. p. 14-31.
  • GRUPO GAY DA BAHIA - GGB. Mortes violentas de LGBT+ no Brasil. Relatório 2018. Disponível em: https://grupogaydabahia.files.wordpress.com/2019/01/relat%C3%B3rio-de-crimes-contra-lgbt-brasil-2018-grupo-gay-da-bahia.pdf Acesso em: 1º maio 2018.
    » https://grupogaydabahia.files.wordpress.com/2019/01/relat%C3%B3rio-de-crimes-contra-lgbt-brasil-2018-grupo-gay-da-bahia.pdf
  • JARDIM, Juliana Gomes. “It’s time”! MMA feminino, mercado da beleza e cis heteronormatividade: uma etnografia multissituada com lutadoras brasileiras. 2018. 225f. Tese (Doutorado em Ciências Sociais) - Faculdade de Filosofia e Ciências, Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, UNESP, Marília/SP.
  • MISKOLCI, Richard. Teoria Queer: um aprendizado pelas diferenças. Belo Horizonte: Autêntica, 2012.
  • PEREIRA, Erik Giuseppe Barbosa; PONTES, Vanessa Silva; RIBEIRO, Carlos Henrique de Vasconcellos. Revelações dos fotógrafos esportivos brasileiros sobre relações de gênero. Motricidade, v. 11, n. 1, p. 126-134, mar. 2015.
  • PONTES, Júlia Clara de; SILVA, Cristiane Gonçalves da. Cisnormatividade e passabilidade: deslocamentos e diferenças nas narrativas de pessoas trans. Periódicus: Revista de estudos indisciplinares em gêneros e sexualidades, n. 8, v. 1, p. 396-417, nov. 2017/abr. 2018.
  • SALIH, Sara. Judith Butler e a teoria queer. Belo Horizonte: Autêntica, 2012.
  • SCOTT, Joan. “Gênero: Uma categoria útil de análise histórica”. Educação e Realidade, v. 20, n. 2, p. 71-99, jul./dez. 1995.
  • TEIXEIRA, Renato Oliveira. Efeitos Jurídicos da Transgenitalização sobre as Relações Jurídicas e Proteção dos Direitos Individuais. 2011. 30f. Monografia (graduação em Direito) - Escola de Magistratura do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2011.
  • TRIVIÑOS, Augusto Nibaldo S. Introdução à pesquisa em ciências sociais: a pesquisa qualitativa em educação. O positivismo; a fenomenologia; o marxismo. São Paulo: Atlas, 2015.
  • Apoio:

    Financiamento da Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ), modalidade Iniciação Científica.
  • 1
    Competição esportiva que reúne, primordialmente, atletas gays, lésbicas, bissexuais e travestis, no entanto, até mesmo heterossexuais podem participar (CAMARGO; RIAL, 2011CAMARGO, Wagner Xavier; RIAL, Carmen Silvia Moraes. Competições esportivas mundiais LGBT: guetos sexualizados em escala global? Estudos Feministas, v. 19, n. 3, p. 977-1003, set./dez. 2011.).
  • 2
    Inspirados por Scott (1995SCOTT, Joan. “Gênero: Uma categoria útil de análise histórica”. Educação e Realidade, v. 20, n. 2, p. 71-99, jul./dez. 1995.), Salih (2012SALIH, Sara. Judith Butler e a teoria queer. Belo Horizonte: Autêntica, 2012.) e Butler (2015BUTLER, Judith. Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade. 8. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2015.), apontamos a heteronormatividade como um conjunto de valores morais e religiosos transfigurados em verdades científicas a partir de pressupostos biomédicos que normalizam, sobretudo normatizam, corpos em instâncias binárias consonantes à lógica biológica de forma relacional e complementar: macho/fêmea, homem/mulher, ativo/passivo, legitimando-se assim apenas um modelo de ser, estar, expressar, se relacionar, em suma, viver.
  • 3
    Em consonância com Bento (2014bBENTO, Berenice. O que pode uma teoria? Estudos transviados e a despatologização das identidades trans. Revista Florestan, v. 1, n. 2, p. 46-66, nov. 2014b.), expressões envolvendo a terminologia “trans” serão utilizadas como guarda-chuva das múltiplas vivências e expressões de gênero. A pessoa trans pode ser aquela que não se identifica ao gênero que lhe foi atribuído em função de sua genitália e/ou corpo, contrapondo-se ao sujeito cisgênero, que se reconhece desta forma neste jogo simbólico. Essa (des)identificação se dá a partir de processos históricos, sociais e culturais construídos através de discursos reguladores, sejam eles coercitivos ou não. Cabe frisar que reconhecemos a multiplicidade de corpos e maneiras de se expressar, não estamos aqui almejando reforçar a categorização dos sujeitos, mas sim ordenando-os - e não limitando-os - desta forma apenas como fim de facilitar o entendimento do texto.
  • 4
    Recomendamos a leitura de Camargo (2018CAMARGO, Wagner Xavier. O tênis na trajetória de Renée Richards. Ludopédio. Sessão Arquibancada, 29 abr. 2018. Disponível em: https://www.ludopedio.com.br/arquibancada/o-tenis-na-trajetoria-de-renee-richards/ . Acesso em: 16 fev. 2019.
    https://www.ludopedio.com.br/arquibancad...
    ).
  • 5
    Avaliado e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho (HUCFF/UFRJ), sendo o número do parecer 2.339.451 e o protocolo 245-17, grupo III. Ressaltamos que uma primeira versão deste trabalho já foi publicada no II Concurso de Artigos Científicos da Comissão de Esporte da Câmara dos Deputados do Brasil (2018).
  • 6
  • 7
    Optamos pelo emprego deste termo uma vez que abrange múltiplas fobias relacionadas às vivências e expressões de gênero.
  • 8
    Para maior entendimento, sugerimos a leitura de Camargo (2017CAMARGO, Wagner Xavier. O torcedor queer. Ludopédio. Sessão Arquibancada, 26 nov. 2017. Disponível em: http://www.ludopedio.com.br/arquibancada/o-torcedor-queer/ Acesso em: 12 maio 2018.
    http://www.ludopedio.com.br/arquibancada...
    ).
  • 9
    “A passabilidade, implicada em uma performatividade de gênero, dispõe um conjunto de atos regulados e repetidos que asseguram uma imagem substancial de gênero no registro de uma matriz heterossexual e cisgênero” (PONTES; SILVA, 2018PONTES, Júlia Clara de; SILVA, Cristiane Gonçalves da. Cisnormatividade e passabilidade: deslocamentos e diferenças nas narrativas de pessoas trans. Periódicus: Revista de estudos indisciplinares em gêneros e sexualidades, n. 8, v. 1, p. 396-417, nov. 2017/abr. 2018., p. 407).
  • 10
    Vale relembrar que, no momento de nossa entrevista, Tifanny ainda atuava entre homens na Bélgica. Hoje, integrante da equipe feminina do Vôlei SESI/Bauru, essas ordenações já se apresentam diferentes. No entanto, questionamo-nos se as angústias relatadas pela atleta ainda não possam se manifestar através de outras sutilidades, o que requer a continuidade dos estudos para averiguação.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    25 Jul 2022
  • Data do Fascículo
    2019

Histórico

  • Recebido
    17 Maio 2018
  • Aceito
    29 Abr 2019
  • Publicado
    23 Maio 2019
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