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FÁBRICA DE MONSTROS: O “CUIDADO DE SI” EM QUESTÃO

FACTORY OF MONSTERS: THE MATTER OF ‘SELF-CARE’

FÁBRICA DE MONSTRUOS: EL “CUIDADO DE SÍ” PUESTO EN CUESTIÓN

Resumo

O objetivo deste estudo é desvelar elementos que contribuam para a formação do pensamento crítico associado ao processo de sujeição aos modelos idealizados de corpo. Os discursos produzidos em dez vídeos no canal do YouTube denominado Fábrica de Monstros foram transcritos. Para tratamento dos dados coletados, utilizamos a “análise de conteúdo”. Num movimento complexo que implica hoje considerar, dentre outras variáveis, a participação da grande mídia, das mídias sociais e de canais como o que é objeto desta pesquisa, mas também a da Educação Física que, sob influência da medicina, alimenta o imaginário social associado a medidas físico-objetivas erigidas como ideais, é possível verificar que o indivíduo é influenciado a investir energia na aparência física, quiçá mesmo em detrimento de um autocuidado mais abrangente, vinculado aos diferentes elementos que o constituem como sujeito. Os dados analisados desvelam a heteronomia de corpos dóceis.

Palavras chave:
Mídias sociais; Aparência física; Educação Física

Abstract

This paper investigates elements that contribute to education of critical thinking associated to the process of subjection to idealized body models. Discourses in ten videos from the YouTube channel called Fábrica de Monstros (Factory of Monsters) were transcribed. The data collected underwent content analysis. A complex move is made that entails considering involvement of mainstream media, social media and channels such as the one that is the object of this research, among other variables, as well as of Physical Education that, under the influence of medicine, feeds social imaginary related to physical-objective measures constructed as ideal. Then individuals are induced to invest energy in their physical appearance even at the expense of broader self-care, linked to the distinct elements that constitute them as individuals. Data analyzed unveil the heteronomy of docile bodies.

Keywords:
Social Media; Physical appearance, body; Physical Education

Resumen

El objetivo de este estudio es desvelar elementos que contribuyan a la formación del pensamiento crítico asociado al proceso de sujeción a los modelos idealizados de cuerpo. Los discursos producidos en diez vídeos en el canal de YouTube llamado Fábrica de Monstruos fueron transcritos. Para el tratamiento de los datos utilizamos el “análisis de contenido”. En un movimiento complejo que hoy implica considerar, entre otras variables, la participación de los grandes medios, de los medios sociales y de canales como el que es objeto de esta investigación, pero también la participación de la Educación Física que, bajo la influencia de la medicina, alimenta el imaginario social asociado a medidas físico-objetivas establecidas como ideales, es posible constatar que el individuo es influenciado a invertir energía en la apariencia física, incluso en detrimento de un autocuidado más amplio, vinculado a los diferentes elementos que lo constituyen como sujeto. Los datos analizados desvelan la heteronomía de cuerpos dóciles.

Palabras clave:
Medios de comunicación social; Apariencia física; Educación Física

1 INTRODUÇÃO

As atividades físico-esportivas realizadas na sociedade contemporânea remetem para a Educação Física como área de conhecimento e para o problema dos cuidados com o corpo em busca de certa saúde baseada em padrões (MENDES; GLEYCE, 2015MENDES, Maria Isabel Brandão de Souza; GLEYSE, Jacques. O cuidado de si em Michel Foucault: reflexões para a Educação Física. Revista Movimento, v. 21, n. 2, p. 507-520, abr./jun. 2015. Disponível em: https://seer.ufrgs.br/Movimento/article/view/47942/34228. Acesso em: 19 mar. 2018.
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). Nesse diapasão, Costa e Venâncio (2004COSTA, Elaine Melo de Brito; VENÂNCIO, Silvana. Atividade física e saúde: discursos que controlam o corpo. Pensar a prática, v. 7, n. 1, p. 59-74, mar. 2004. Disponível em: http://www.ufjf.br/labesc/files/2012/03/Pensar-a-Prática_2004_Atividade-física-e-Saúde-Discursos-que-controlam-o-corpo.pdf. Acesso em: 18 mar. 2018.
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) observam desencadear-se uma relação de dominação na busca pelo produto desejado (corpo saudável). E acrescentam: “Desconsideram-se os limites do próprio corpo para torná-lo mais musculoso, viril, sensual, esbelto e jovem. Características de saúde para a mídia” (COSTA; VENÂNCIO, 2004COSTA, Elaine Melo de Brito; VENÂNCIO, Silvana. Atividade física e saúde: discursos que controlam o corpo. Pensar a prática, v. 7, n. 1, p. 59-74, mar. 2004. Disponível em: http://www.ufjf.br/labesc/files/2012/03/Pensar-a-Prática_2004_Atividade-física-e-Saúde-Discursos-que-controlam-o-corpo.pdf. Acesso em: 18 mar. 2018.
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, p. 61).

Em diferentes espaços sociais, é evidente a busca por esse “corpo ideal”, fazendo com que haja investimento da indústria neste filão. Trabalhando para demonstrar às pessoas as suas carências de saúde e beleza, os meios de comunicação de massa promovem serviços e mercadorias, o que aponta para uma economia de mercado que desvela formas mais duras e mais sutis de dominação (SILVA, 2001SILVA, Ana Márcia. Corpo, ciência e mercado: reflexões acerca da gestação de um novo arquétipo da felicidade. Florianópolis: Editora da UFSC, 2001.).

Em meio ao cenário de imposição ao outro e de autoimposição de sacrifícios previstos (ESTEVÃO; BAGRICHEVSKY, 2004ESTEVÃO, Adriana; BAGRICHEVSKY, Marcos. Cultura da “corpolatria” e body-building: notas para reflexão. Revista Mackenzie de Educação Física e Esporte, v. 3, n. 3, p.13-25, out. 2004. Disponível em: http://editorarevistas.mackenzie.br/index.php/remef/article/view/1316/1010. Acesso em: 24 mar. 2018.
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), vinculados à necessidade de adequação ao modelo de corpo idealizado, as pessoas depositam o seu tempo, o seu dinheiro e a sua energia em práticas de exercícios físicos que são vendidas ancoradas ao imaginário dos resultados rápidos, certeiros. Ademais, essa busca por resultados parece estar sendo instigada com o avanço tecnológico.

Temos hoje à nossa disposição uma rede de aparelhos interligados ao redor do mundo através de cabos e satélites, conectando pessoas para relacionamentos diversos (MOZZINI; HENNIGEN, 2016). As plataformas de comunicação digitais, também denominadas de mídias sociais, caracterizam-se pela produção e compartilhamento de conteúdo entre os usuários. São espaços que diferem em geral do modelo de mídia tradicional em que a informação é unidirecional, pois neles se estabelecem “vias interlocutórias de mão dupla” (CONCEITO... 2018). Ainda assim, importa sublinhar que esses espaços estão sujeitos à influência direta da atuação do marketing; marketing que, utilizando a passagem das demandas econômicas pelas redes digitais através de plataformas de comunicação, define uma intersecção com o mercado (MOZZINI; HENNIGEN, 2016).

É na relação entre as mídias sociais e o mercado que vislumbramos questões para a Educação Física, pois, com o aumento da velocidade das informações, tem-se a popularização de sites, canais e blogs que compartilham conteúdo relacionado às práticas físico-esportivas, ditando modelos. Um exemplo é o “Blog da Saúde”, criado em 2011 pelo Ministério da Saúde, tendo como um dos seus objetivos compartilhar notícias com a população sobre promoção da saúde (SOBRE... 2015). Em matéria, cujo título é o “Risco de morte aumenta em até 30% em pessoas sedentárias”, o blog desperta a atenção do interlocutor para os benefícios das práticas físico-esportivas e para as doenças relacionadas ao sedentarismo (BRAZ, 2016BRAZ, Erika. Ministério da Saúde. Risco de morte aumenta em até 30% em pessoas sedentárias. 2016. Blog da Saúde. Disponível em: http://www.blog.saude.gov.br/index.php/materias-especiais/51699-risco-de-morte-aumenta-em-ate-30-em-pessoas-sedentarias. Acesso em: 13 abr. 2018.
http://www.blog.saude.gov.br/index.php/m...
). No meio das boas intenções, contudo, o blog parece lidar com um corpo-máquina que enferruja se carente de movimento, apontando para um verdadeiro vale-tudo relacionado à importância de se alcançar o mínimo de 150 minutos de práticas (atividades físicas) semanais, pois essa quantidade de tempo determina a divisa entre a pessoa ser considerada ativa ou sedentária.

Como indica Fraga (2006FRAGA, Alex Branco. Exercício da informação: governo dos corpos no mercado da vida ativa. Campinas: Autores Associados, 2006.), com o passar dos anos tem-se investido cada vez mais em políticas públicas que buscam alertar a população sobre comportamentos que podem ser inadequados à saúde, ou seja, políticas que atuam na detecção de “más condutas” como modelos a não serem seguidos para, no fim, traçar modelos de vida ideais. As pessoas, então, são “livres” para escolher sobre seus tipos de vida, mas, dependendo do que escolhem, devem arcar com as consequências de um estilo que pode ser tachado como equivocado, e serem culpabilizadas por isso.

Quando lidamos com as ideias de dominação e de culpa, nos aproximamos da ideia de heteronomia e, consequentemente, da de autonomia que lhe contrapõe. Heteronomia e autonomia que nos direcionam ao conceito de “cuidado de si” na obra foucaultiana: “[…] cuidado de si mesmo, o fato de ocupar-se consigo, de preocupar-se consigo, etc.” (FOUCAULT, 2010FOUCAULT, Michel. A hermenêutica do sujeito. São Paulo: Martins Fontes, 2010., p. 4).

A imagem do pião contribui para que possamos perceber a heteronomia: “O pião gira sobre si, mas gira sobre si justamente como não convém que giremos sobre nós. O que é o pião? É alguma coisa que gira sobre si por solicitação e sob o impulso de um movimento exterior” (FOUCAULT, 2010FOUCAULT, Michel. A hermenêutica do sujeito. São Paulo: Martins Fontes, 2010., p. 186).

Mendes e Gleyce (2015MENDES, Maria Isabel Brandão de Souza; GLEYSE, Jacques. O cuidado de si em Michel Foucault: reflexões para a Educação Física. Revista Movimento, v. 21, n. 2, p. 507-520, abr./jun. 2015. Disponível em: https://seer.ufrgs.br/Movimento/article/view/47942/34228. Acesso em: 19 mar. 2018.
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) esclarecem:

Contrário à imagem do pião, Sêneca apresenta a imagem do rodopio e defende a ideia de que o sujeito deve girar em torno de si mesmo, para se liberar. Diferentemente do pião, a imagem do rodopio nos leva a pensar na necessidade de resistir aos modelos que impõem regras de condutas (MENDES; GLEYCE, 2015MENDES, Maria Isabel Brandão de Souza; GLEYSE, Jacques. O cuidado de si em Michel Foucault: reflexões para a Educação Física. Revista Movimento, v. 21, n. 2, p. 507-520, abr./jun. 2015. Disponível em: https://seer.ufrgs.br/Movimento/article/view/47942/34228. Acesso em: 19 mar. 2018.
https://seer.ufrgs.br/Movimento/article/...
, p. 514).

Assim, ao considerarmos a representatividade das mídias sociais no mundo contemporâneo, o que objetivamos com este estudo é, a partir da análise e da interpretação dos discursos produzidos no canal do YouTube denominado “Fábrica de Monstros”, desvelar elementos que possam contribuir para a formação do pensamento crítico associado ao processo de sujeição aos modelos idealizados de corpo, bem como de sujeição às receitas que são elaboradas para que as pessoas possam se enquadrar, através da prática de atividades físico-esportivas, ao modelo de corpo “belo” e “saudável”. Trata-se de um objetivo que se posiciona ancorado à seguinte questão: como se constitui um corpo monstro na relação consigo mesmo e com o outro?

2 METODOLOGIA

A escolha do YouTube para a pesquisa foi motivada pela sua ampla divulgação, dado que é um espaço que conta com “mais de um bilhão de usuários” ao redor do mundo (YOUTUBE... 2018), bem como por compreendermos que, sendo um meio de comunicação, o YouTube pode ser situado associado à educação. Nessa perspectiva, concordamos com Fischer (2002FISCHER, Rosa Maria Bueno. O dispositivo pedagógico da mídia: modos de educar na (e pela) TV. Educação e Pesquisa, v. 28, n. 1, p.151-162, jun. 2002. Disponível em: http://www.revistas.usp.br/ep/article/view/27882/29654. Acesso em: 23 abr. 2018.
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) quando observa:

[…] o próprio sentido do que seja ‘educação’ amplia-se em direção ao entendimento de que os aprendizados sobre modos de existência, sobre modos de comportar-se, sobre modos de constituir a si mesmo - para os diferentes grupos sociais, particularmente para as populações mais jovens - se fazem com a contribuição inegável dos meios de comunicação (FISCHER, 2002FISCHER, Rosa Maria Bueno. O dispositivo pedagógico da mídia: modos de educar na (e pela) TV. Educação e Pesquisa, v. 28, n. 1, p.151-162, jun. 2002. Disponível em: http://www.revistas.usp.br/ep/article/view/27882/29654. Acesso em: 23 abr. 2018.
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, p. 153).

O YouTube atua como plataforma de distribuição para criadores de conteúdo original e anunciantes. Os criadores disseminam os seus conteúdos no formato de vídeos que, em sua reunião, são denominados de canais. Dentre os diversos canais presentes no YouTube, a escolha do canal “Fábrica de Monstros” como locus para obtenção de dados empíricos nesta pesquisa foi motivada por seu conteúdo, diretamente relacionado às práticas físico-esportivas, bem como pela quantidade de pessoas inscritas, o que possibilita que se autodenomine de “maior canal de bodybuilding do Brasil” (TRAILER... 2016).

Utilizamos dois critérios para a escolha dos vídeos: se localizarem entre os mais (populares) visualizados do canal1 1 O número de visualizações dos vídeos não é fixo, mudando a todo momento. Isso ocorre por conta da própria natureza do objeto, qual seja, um canal do Youtube que se encontra disponível na internet para ser acessado a qualquer hora ou lugar. ; terem a participação de pessoas interagindo com o apresentador do canal. Apenas um dos dez vídeos selecionados não se enquadra neste último critério: o trailer do canal, contando somente com o apresentador.

Tabela 1
Vídeos selecionados

A coleta de dados foi interrompida mediante a consideração de que as informações captadas atingiram um “ponto de redundância” (ALVES-MAZZOTTI, 1991ALVES-MAZZOTTI, Alda Judith. O planejamento de pesquisas qualitativas em educação. Cadernos de Pesquisa, v. 77, p. 53-61, maio 1991. Disponível em: https://dialnet.unirioja.es/ejemplar/473883. Acesso em: 10 mar. 2018.
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), isto é, estavam suficientemente confirmadas e com poucas possibilidades de emergirem novas informações relevantes que justificassem ampliar o corpus empírico da pesquisa com a seleção de outros vídeos.

Os discursos produzidos nos vídeos selecionados foram transcritos. Para tratamento dos dados, privilegiamos a proposta de “análise temática/categorial” de Bardin (1977BARDIN, Laurence. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70, 1977.). Foram realizadas leituras atentas, críticas, sensíveis a diferentes associações e reflexões, do arquivo contendo as informações. Deste processo, se estabeleceu uma rede de ideias interligadas e complementares que contribuíram para que organizássemos a próxima seção do trabalho a partir de uma categoria: “O padrão monstro”.

Os participantes são identificados pela letra P, e numerados de acordo com o aparecimento nos vídeos. Assim, o primeiro participante a interagir com o apresentador no vídeo é identificado como P1, e assim sucessivamente. O apresentador do canal é identificado pela letra A.

3 ANÁLISE E INTERPRETAÇÃO DAS INFORMAÇÕES

Considerando a ideia de problematização (FOUCAULT, 2006FOUCAULT, Michel. Polêmica, política e problematizações. In: MOTTA, Manoel Barros da (Org.). Ditos e escritos vol. V: ética, sexualidade, política. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2006. p. 225-233.), buscamos nesta seção estimular o exercício livre de pensamento, associado às questões que são colocadas.

O padrão monstro

O participante, ao relatar passagens relacionadas à sua trajetória de vida, lembra do momento em que foi convidado a participar da seleção para um programa televisivo: “Aí me viram correndo na praia, me chamaram pra fazer o teste pro Big Brother. A mulher me viu, eu era saradinho e tal, aí eu fui passando naquelas peneira2 2 Optamos por não acrescentar “sic” nos extratos das transcrições, porquanto a linguagem utilizada nos vídeos é repleta de problemas, o que poderia contaminar a fluidez da leitura. que têm. Eu fiz o primeiro Big Brother, fui campeão do primeiro” (V1; intervenção de P1).

Motivado pela atenção que lhe foi dispensada, percebemos que se instalou em P1 a necessidade de investir no “corpo sarado”: “Eu falei, pô... ‘Eu tenho que ter um corpo sarado, eu não sou galã. Pô, o shape tem que tá em dia.’ Então, eu sempre foquei o abdômen, ter um bracinho maneiro, ter um peitinho” (V1; intervenção de P1).

Assim, o jeito de se manter como objeto de admiração parece decorrer, fundamentalmente, da manutenção de uma aparência física idealizada. Delineia-se então um cenário que nos remete a Sant’Anna (2005), quando alerta para o aprofundamento de uma tendência de transformar o corpo em marca, no sentido de se fazer um marketing pessoal. Devido a isso, o investimento da pessoa vai se estabelecer associado à vontade de se enquadrar em certo padrão de aparência física; decerto, um padrão pronto para ser fotografado, filmado, visto por todos e admirado.

Ocupado pela perspectiva de se tornar uma marca, portanto, de estar pronto para ser fotografado, lembremos Foucault (2010FOUCAULT, Michel. A hermenêutica do sujeito. São Paulo: Martins Fontes, 2010.) quando evoca, em Sócrates, a relação de Alcibíades com seus enamorados:

[…] pode-se dizer que os pretendentes de Alcibíades ocupam-se com o próprio Alcibíades? De fato, seu comportamento, sua conduta prova que não é com Alcibíades que se ocupam, é meramente com seu corpo e a beleza de seu corpo, já que o abandonam quando ele avança em idade e deixa de ser inteiramente desejável (FOUCAULT, 2010FOUCAULT, Michel. A hermenêutica do sujeito. São Paulo: Martins Fontes, 2010., p. 54).

A interpretação busca correlacionar o participante ao próprio Alcibíades, e os observadores (que o viram correr na praia) aos seus enamorados (pretendentes). Nessa direção, as questões se instalam: estariam os observadores preocupados com P1, como sujeito de ação? Se instalou em P1 a necessidade de cuidar, fundamentalmente, da própria aparência física, em detrimento de todos os outros elementos que lhe constituem como sujeito? P1, a partir de motivações externas a si, cuida apenas de uma parte de si?

Pode-se postular que os observadores de P1 se deixaram fisgar, simplesmente, por uma aparência física que demonstrava potencial para ser exibida em um programa de TV, transformada em objeto de cobiça para muitos, portanto passível de angariar audiência para a emissora, com todos os ganhos que lhe são decorrentes. Conforme Filho e Santos (2014FILHO, Vamberto Ferreira Miranda; SANTOS, Igor Sampaio Pinho dos. Mídia, mercadorização esportiva e o movimento de popularização do MMA. Pensar a prática, v. 17, n. 3, p. 865-877, jul./set. 2014. Disponível em: https://www.revistas.ufg.br/fef/article/view/28881/17116. Acesso em: 18 mar. 2018.
https://www.revistas.ufg.br/fef/article/...
), a mídia, baseando-se no sistema capitalista e objetivando o consumo, atua manipulando a consciência de seus receptores, promovendo a espetacularização das manifestações culturais. Logo, se para ter atenção da mídia e na mídia o elemento facilitador é ter uma aparência física enquadrada em determinado modelo pré-cozido, pronto para o consumo, compreende-se o investimento de energia de P1 em - parte de − si.

Então, considerando o poder da mídia, perguntamos: há resistência? Há análise crítica? Há cuidado de si? Resistência que, conforme Foucault (2015FOUCAULT, Michel. História da sexualidade 1: a vontade de saber. São Paulo: Paz e Terra, 2015, p. 104), “nunca se encontra em posição de exterioridade em relação ao poder”.

De todo modo, o que consideramos analiticamente nesse momento é a participação do sujeito no canal do YouTube denominado “Fábrica de Monstros” e o seu movimento de investida no “corpo sarado”. É um corpo que vai permitir, quiçá, erotizar a relação do homem com as mulheres ou com outros homens, como nos mostram, nas entrelinhas, o diálogo entre o apresentador e o participante:

− […] um dos artistas que mais pegou capa de revista no Brasil. (V1; intervenção de A)

− Um pouquinho, né, pai? (V1; intervenção de P1)

− A gente quer saber se você daria conta de Ronda Rousey. (V1; intervenção de A)

− […] quando eu vi a Ronda eu não aguentei, meu coraçãozinho bateu, que maravilha! Imagina dar um arm lock ali, pai, cê tá louco! Linda ela, linda, uma gatinha monstrão, vou pra cima dela bonito. (V1; intervenção de P1)

Ainda que a interlocução neste vídeo seja estabelecida entre dois homens, o que poderia limitar a leitura interpretativa relacionada à constituição do imaginário social e ao fenômeno mercadológico de se produzir e vender corpos idealizados, é importante perceber que a “apologia do corpo perfeito é uma das mais cruéis fontes de frustração feminina dos nossos tempos” (GOLDENBERG, 2002GOLDENBERG, Mirian. O angustiado corpo carioca. In: Gesto. Instituto de Arte e Cultura - RIOARTE, Rio de Janeiro, 2002. p. 6-9., p. 8). Ou seja, homens influenciam o imaginário e são por ele influenciados, mas parece que, ainda hoje, o modelo padrão de “beleza” apregoado pela sociedade afeta especialmente as mulheres.

A escritora e atriz belga Florence Klein, que veio ao Brasil com o espetáculo infantil “Sou uma dançarina estrela”, que questiona padrões corporais, em entrevista concedida ao jornal O Globo (RIBEIRO, 2017RIBEIRO, Leonardo. Crianças precisam ouvir que a vida é boa. O Globo. Rio de Janeiro, 16 nov. 2017. Primeiro Caderno, p. 2., p. 2), assinala:

É muito importante que as crianças (e os adultos, também) se aceitem nas suas diferenças. Cada pessoa é única, é interessante, e tem uma beleza. O problema de tudo isso é que as crianças vão passar a obedecer às normas, mas esquecer-se delas mesmas. […] Nossa sociedade produz um padrão muito alto de beleza para meninas. Na Europa, há um arquétipo de mulher que é impossível de ser alcançado. Não existe. Querendo se identificar com esse modelo imposto, as mulheres acabam pensando que são feias. Há teses que defendem que essa é uma forma de dominação.

Uma forma de dominação, como sugere a escritora e atriz, que nos remete para a questão: quais as “morais” que produzem o desejo de “ter um bracinho maneiro, ter um peitinho”, de ter uma coxinha bacana, um abdômen “tanquinho” etc.? Aliás, como assinala Soares (2008SOARES, Carmem Lúcia. Pedagogias do corpo: higiene, ginásticas, esporte. In: RAGO, Margareth; VEIGA-NETO, Alfredo. (Org.). Figuras de Foucault. Belo Horizonte: Autêntica, 2008. p. 75-85., p. 75), “[…] a ideia mesma da medida em tudo o que concerne ao corpo traz elementos importantes para uma leitura dos processos de sua domesticação e docilidade”.

Pensemos aqui, com Andrade, Givigi e Abrahão (2018ANDRADE, Eliane Oliveira de; GIVIGI, Luiz Renato Paquiela; ABRAHÃO, Ana Lúcia. A ética do cuidado de si como criação de possíveis instrumentos no trabalho em Saúde. Interface, v. 22, n. 64, p. 67-76, 2018. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/icse/v22n64/1807-5762-icse-1807-576220160643.pdf. Acesso em: 15 abr. 2018.
http://www.scielo.br/pdf/icse/v22n64/180...
), numa ética identificada como uma espécie de moralização das relações, isto é,

[…] como fechamento da possibilidade de se pensar outras formas de estar no mundo, uma vez que, em vez de afirmar a crise dos códigos endurecidos como possibilidade de invenção de novas maneiras de ser e estar com o outro, demandam por mais limites e contenções (ANDRADE; GIVIGI; ABRAHÃO, 2018ANDRADE, Eliane Oliveira de; GIVIGI, Luiz Renato Paquiela; ABRAHÃO, Ana Lúcia. A ética do cuidado de si como criação de possíveis instrumentos no trabalho em Saúde. Interface, v. 22, n. 64, p. 67-76, 2018. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/icse/v22n64/1807-5762-icse-1807-576220160643.pdf. Acesso em: 15 abr. 2018.
http://www.scielo.br/pdf/icse/v22n64/180...
, p. 68).

No sentido da culpa que pode, por exemplo, se instalar ancorada ao discurso emblemático “só é gordo quem quer” (ESTEVÃO; BAGRICHEVSKY, 2004ESTEVÃO, Adriana; BAGRICHEVSKY, Marcos. Cultura da “corpolatria” e body-building: notas para reflexão. Revista Mackenzie de Educação Física e Esporte, v. 3, n. 3, p.13-25, out. 2004. Disponível em: http://editorarevistas.mackenzie.br/index.php/remef/article/view/1316/1010. Acesso em: 24 mar. 2018.
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), e redundar na e da percepção da profissional de Educação Física, contida no discurso “eu acho que não existe gordo feliz; não é bem resolvido, não tem uma qualidade de vida boa” (ANTUNES; LÜDORF; COELHO FILHO, 2017ANTUNES, Márcio Felipe Carelli; LÜDORF, Sílvia Maria Agatti; COELHO FILHO, Carlos Alberto de Andrade. O Trabalho do profissional de Educação Física com ginástica coletiva em academia. Educação em Foco, v. 22, n. 1, p.1-25, abr. 2017. Disponível em: https://educacaoemfoco.ufjf.emnuvens.com.br/edufoco/article/view/2904/112. Acesso em: 18 mar. 2018.
https://educacaoemfoco.ufjf.emnuvens.com...
, p. 10-11), vejamos o que aparece no canal e é captado, visualizado e apreciado por milhões de pessoas: “Leo, eu sou um pouco gordinho, um pouquinho mesmo, só um pouquitinho. Me diz uma dieta e uma série de exercícios pra eu conseguir emagrecer e fazer um tanquinho” (V8; intervenção de P3).

Ele quer uma série pra emagrecer e uma dieta também. Então, primeiro, um tanquinho deve fazer quantos saco de cimento? Uns dois saquinhos de cimento. Bota nas costas, leva pra tua área de serviço, sobe e desce a escada 20 vezes. Depois abre o saco de cimento, põe no chão, faz um montinho com ele, faz um buraco no meio, joga água. Beleza? Demorou. Depois pega uns cascalho, umas pedrinhas bem pequenininha e mistura junto com o cimento e a água; aí depois cê começa a fazer o tanquinho. Eu falei brincando com vocês isso, só que é uma analogia, não se faz um tanquinho. Você tem que começar um processo bem complexo. Então, primeiro cê tem que batalhar, correr bastante, fazer bastante aeróbico, usar uma boa dieta, cortar as besteira que cê anda comendo. Que cê não ficou gordinho à toa. (V8; intervenção de A)

Os discursos são proferidos e deixam entrever a heteronomia, ou dito em outras palavras, desvelam o indivíduo que parece girar “sobre si por solicitação e sob o impulso de um movimento exterior” (FOUCAULT, 2010FOUCAULT, Michel. A hermenêutica do sujeito. São Paulo: Martins Fontes, 2010., p. 186). Mas são discursos que ainda nos (re)colocam no trilho das questões que se estabelecem associadas ao investimento no corpo idealizado (COELHO FILHO, 2007COELHO FILHO, Carlos Alberto de Andrade. Metamorfose de um corpo andarilho: busca e reencontro do algo melhor. São Paulo: Casa do psicólogo, 2007.). Com efeito, de “submissão ao rigor de prática árdua, laboriosa e constante de exercícios” (ESTEVÃO; BAGRICHEVSKY, 2004ESTEVÃO, Adriana; BAGRICHEVSKY, Marcos. Cultura da “corpolatria” e body-building: notas para reflexão. Revista Mackenzie de Educação Física e Esporte, v. 3, n. 3, p.13-25, out. 2004. Disponível em: http://editorarevistas.mackenzie.br/index.php/remef/article/view/1316/1010. Acesso em: 24 mar. 2018.
http://editorarevistas.mackenzie.br/inde...
, p. 14). Como observa Foucault (2014aFOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: nascimento da prisão. Petrópolis, RJ: Editora Vozes, 2014a.), “a disciplina fabrica assim corpos submissos e exercitados, corpos ‘dóceis’” (p. 135).

Avaliemos o que é dito nos vídeos:

“Vi esse youtuber imitando um monstro. […] a gente tá aqui na função de sacanear ele, exatamente porque ele deu o papo lá no canal dele, que ele tá tentando ficar monstro, entrou pra academia” (V2; intervenção de A).

“[…] nasci assim, né? Tá foda” (V2; intervenção de P2).

“Aqui é fábrica de monstros, e eu vou te transformar em um” (V5; intervenção de A).

Destaque-se então a relação entre a tentativa de “ficar monstro” e o ingresso em “academia”. Trata-se de manifestação que pode nos despertar para a lógica que atrela o alcance do objetivo (“ficar monstro”) ao trabalho corporal no interior de uma “academia”, ao mesmo tempo em que nos indica um serviço que é oferecido (fabricar monstros) por esse tipo de instituição comercial. Como constatam Hansen e Vaz (2004HANSEN, Roger; VAZ, Alexandre Fernandez. Treino, culto e embelezamento do corpo: um estudo em academias de ginástica e musculação. Revista Brasileira de Ciências do Esporte, v. 26, n. 1, p. 135-152, set. 2004. Disponível em: http://oldarchive.rbceonline.org.br/index.php/RBCE/article/viewFile/109/119. Acesso em: 17 abr. 2018.
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), o caráter de performance que vem sendo incorporado pelas práticas corporais oferecidas nas academias de ginástica e musculação “remete às (re)significações do corpo na cultura contemporânea e, portanto, aos novos sentidos atribuídos à vida humana que se vê diante das ‘indesejáveis’ limitações impingidas por seu aspecto carnal” (p. 149).

Mas vale também registrar um ponto em comum entre os trechos dos vídeos acima apresentados, qual seja, o intuito de transformar. Encontramos o participante ressentindo-se de sua natureza física, “tentando ficar monstro”. Temos o apresentador que explicita a convicção de que pode transformar o outro em monstro. Então perguntamos: trata-se de uma discursividade que contribui para produzir subjetividade associada ao padrão?

O discurso ancorado ao poder de transformar o outro em monstro se estabelece relacionado ao fato de o apresentador se situar como representante do referido padrão. Vejamos o que ele diz: “O episódio de hoje é muito simples; hoje é: pergunte ao monstro que o monstro te responde!” (V4; intervenção de A).

O conteúdo dos vídeos nos permite indicar que há simbiose entre padrão monstro e certo tipo de aparência física. O inscrito no canal pergunta ao apresentador: “Qual o melhor esporte para se adequar à musculação e ter melhores efeitos hipertróficos?” (V6; intervenção de P7). Ele responde:

Se tiver que juntar algum outro esporte com a musculação, tem que ser um esporte com um aeróbico de média ou alta intensidade, longe da musculação, em outro momento. Se eu pudesse indicar algum outro esporte seria a natação. Pra quê? Pra deixar as costa larga, as costa igual um armário, as costa igual uma cobra naja. (V6; intervenção de A)

No material coletado não transparece posicionamento que possa nos remeter, por exemplo, à ideia de produção de subjetividade alicerçada nas “noções de interioridade e reflexão sobre si mesmo” (BIRMAN, 2001BIRMAN, Joel. Mal-estar na atualidade: a psicanálise e as novas formas de subjetivação. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001., p. 23). O que se destaca é o valor atribuído à exterioridade. Trata-se de alusão ao universo do fitness, da propagação de bulas e métodos relacionados ao investimento na forma, isto é, menção a recursos que vão supostamente propiciar o enquadramento ao padrão físico veiculado como ideal.

Questionemos então as moralidades que hoje subjugam a subjetividade: teriam os seguidores dos vídeos autonomia para lhes discernir e analisar? São milhões de acessos. O apresentador diz que o participante está “tentando ficar monstro”, que “entrou pra academia” com esse objetivo. Quantos não são influenciados e, como este indivíduo, também estão investindo tempo, dinheiro e energia para se enquadrar ao padrão? Lapoujade (2002LAPOUJADE, David. O corpo que não aguenta mais. In: LINS, Daniel; GADELHA, Sylvio (Orgs.). Nietzsche e Deleuze: que pode o corpo. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2002. p. 81-90.) observa que “os corpos não se formam mais, mas cedem progressivamente a toda sorte de deformações” (p. 82). Os participantes dos vídeos avaliam os “prós” e os “contras” da transformação em monstro, ou se deixam envolver acriticamente pelo discurso do apresentador?

O diálogo ilustra o que apontamos acima: “Leo, na sua opinião, qual a melhor divisão de treino? ABC, ABCDE? (V4; intervenção de P4).

Normalmente, nas academias os personal trainer, os professorzinho lá, passa ABC. O ABC normalmente vai unir dois músculos num treino: peito e tríceps, costas e bíceps, ombro e perna. Então, pra um iniciante, talvez seja legal, que não vai ter uma intensidade tão grande; cê vai ter tempo de recuperação. Mas já nem sei quanto tempo mais faz… Acho que eu sempre usei ABCDE. Cada dia eu treino um músculo; se eu treinei na sexta-feira peito, eu vou continuar seguindo a rotina. Eu acho mais eficiente porque você fica com mais tempo e mais glicogênio pra destruir aquele músculo aquele dia. (V4; intervenção de A)

Verifica-se no discurso do apresentador a intenção de estabelecer uma conotação positiva para o termo monstro: “[…] eu quero levar a palavra monstro pra todas as áreas da vida. Então, o monstro é aquele cara que é bom no que ele se propõe a fazer” (V10; intervenção de A). No entanto, o que é dito acerca da “filosofia da vida de um monstro”, em momento singular, não coaduna com o teor recorrente dos vídeos. Cite-se o seguinte diálogo: “Leo, como você se sente servindo de inspiração para tantas pessoas?” (V4; intervenção de P14). Resposta do apresentador: “Eu me sinto foda”. No momento da resposta, a imagem mostra o apresentador batendo na mesa e fazendo poses mostrando o bíceps e o abdômen.

Foucault (2010FOUCAULT, Michel. A hermenêutica do sujeito. São Paulo: Martins Fontes, 2010.) observa que, para Epicuro, paideia representava “uma cultura de fanfarrões, elaborada meramente por fabricantes do verbo, cuja única meta é fazer-se admirar pelas massas” (p. 214). Analogamente, interpretamos que o apresentador, fanfarrão, envolve os inscritos do canal, que o seguem e disseminam seus vídeos, incorporam as suas ideias. O fanfarrão que ostenta o padrão monstro, que estimula a audiência do canal a se enquadrar ao mesmo padrão, e que desdenha de quem não se enquadra, como podemos verificar na passagem: “Sei que o canal é para monstros, mas eu queria saber se vocês não vão fazer algo para iniciantes?” (V4; intervenção de P12).

Não! O nome do bagulho é fábrica de monstro, não é fábrica de frango. […] Se você se enquadra em uma pessoa adepta do estilo de vida do body builder, você pode ser iniciante ou pode ter 20 anos de carreira, você pode vir ver esse programa aqui numa boa. Agora, se você não é, tá malhando por modinha, pra poder tirar a camisa no… na tua pool party, irmão, rala que aqui não é teu lugar! (V4; intervenção de A)

A percepção é a de que a publicidade do canal vende, de fato, a mercadoria, qual seja, o padrão monstro, a tecnologia para a transformação. Nesse sentido, o questionamento pode estimular o pensamento: “a publicidade não seria, acima de tudo, a linguagem da mercadoria levada à mais alta elaboração, dotada de uma expressão simbólica?” (LEFEBVRE, 1991LEFEBVRE, Henri. A vida cotidiana no mundo moderno. São Paulo: Ática, 1991., p. 114). Trata-se de uma questão que nos conduz a outras: é coerente postular que a audiência do canal está programada pelo potencial simbólico do padrão monstro? De forma heterônoma e acrítica, se distancia do cuidado de si? Foucault (2014bFOUCAULT, Michel. História da sexualidade 3: o cuidado de si. São Paulo: Paz e Terra, 2014b.) cita Apuleu, que expressa o “seu espanto face à negligência de seus contemporâneos a respeito deles próprios” (p. 59).

Sobre potencial simbólico e padrão monstro, assinale-se, inclusive, a percepção de velhice: “[…] eu tenho 37 anos, vou fazer 38; não tenho que competir, não, eu quero levar pra essa geração aí que tá vendo a gente. E os que tão velho, dos 30 aos 40, eles podem conseguir ficar com um corpo legal” (V1; intervenção de P1).

Demonstrando preocupação com os que já avançaram na idade, o participante desvela uma moralidade que o subjuga, relacionada ao enunciado “eles podem conseguir ficar com um corpo legal”. Trata-se de enunciado que permite interpretar uma significação implícita, no sentido de que a faixa etária (considera velha a pessoa que se encontra na faixa dos 30 anos) pode acarretar distanciamento da aparência física legal. Com a forma dos corpos em foco, ele sugere:

[…] hoje tem uma suplementação, vários suplementos bacanas e tal, o cara ganha uma massa legal, fica bem. Mas na minha época não tinha nada disso, não tinha botox, não tinha lipo. […] Há 20 anos atrás não tinha suplementação, então cê tinha que ir na raça mesmo (V1; intervenção de P1).

São trechos que direcionam a nossa atenção para as tecnologias que alimentam os sonhos de um “novo corpo”; corpo este que se torna instrumento para legitimar a técnica, mas que não se percebe acrítico sobre as suas próprias ações (CUNHA; REZER, 2015CUNHA, Antonio Camilo; REZER, Ricardo. Educação física e investigação: o elogio ao cuidado - uma carta aberta. Pensar a prática, v. 18, n. 3, jul./set. 2015. Disponível em: https://www.revistas.ufg.br/fef/article/view/35262/19046. Acesso em: 27 mar. 2018.
https://www.revistas.ufg.br/fef/article/...
). É um cenário que nos remete para a Educação Física em sua intervenção profissional, para um discurso que acaba não só valorizando o uso de certas tecnologias sobre o corpo, como também atuando ela mesma como uma, trazendo à luz uma cultura do rejuvenescimento.

Ao se apresentar como tecnologia de rejuvenescimento, a Educação Física assegura sua função de mecanismo de controle, passando a contribuir significativamente para uma substituição do discurso sobre ‘envelhecer bem’ pela compreensão de que envelhecimento é algo a ser evitado (TEIXEIRA et al., 2015TEIXEIRA, Fábio Luís Santos et al. Biopolítica e rejuvenescimento: uma revisão sistemática sobre os discursos científicos na educação física. Pensar a Prática, v. 18, n. 4, p. 908-921, out./dez. 2015. Disponível em: https://www.revistas.ufg.br/fef/article/view/36866/19790. Acesso em: 18 mar. 2018.
https://www.revistas.ufg.br/fef/article/...
, p. 909).

É uma substituição (dinâmica discursiva) que movimenta possibilidades de consumo, mas que atua também reforçando o estigma da velhice (PRADO; CARVALHO, 2014PRADO, Alessandro Rovigatti; CARVALHO, Yara Maria de. Sobre a velhice institucionalizada: um desafio para a Educação Física. Pensar a Prática, v. 17, n. 2, p. 593-605, jan./mar. 2014. Disponível em: https://www.revistas.ufg.br/fef/article/view/24110/16761. Acesso em: 17 abr. 2018.
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). Nessa perspectiva, pode-se perguntar: uma Educação Física que busca legitimidade através de um discurso científico que monopoliza a razão, e que se apresenta como verdade absoluta (CANDIDO; PALMA; ASSIS, 2016CÂNDIDO, Cássia Marques.; PALMA, Alexandre; ASSIS, Monique Ribeiro de. A representação da Educação Física no quadro MEDIDA CERTA/90 DIAS PARA REPROGRAMAR O CORPO exibido pela TV Globo. Revista Brasileira de Educação Física e Esporte, v. 30, n. 2, p. 345-357, abr./jun. 2016. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/rbefe/v30n2/1807-5509-rbefe-30-2-0345.pdf. Acesso em: 18 abr. 2018.
http://www.scielo.br/pdf/rbefe/v30n2/180...
), vai colaborar com a estigmatização do envelhecimento com vistas ao capital, ou disponibilizará alternativas de resistir a tal estigma?

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os vídeos do YouTube analisados desvelam a heteronomia de “corpos dóceis”, deixando entrever o sujeito acrítico que é seduzido e influenciado por um discurso ancorado à necessidade de medir e padronizar tudo que diz respeito ao corpo. Em tal cenário discursivo, sublinhe-se a relação entre o intuito de ficar monstro e o ingresso em academia de ginástica, a menção ao trabalho do personal trainer nessas instituições comerciais. Trata-se de manifestações que apontam para a Educação Física em sua intervenção profissional, e para uma Educação Física que busca se legitimar justamente através desta mesma retórica associada a medidas. Com efeito, para uma Educação Física que, ao fim e ao cabo, propala culpa por onde transita.

No canal “Fábrica de Monstros” a palavra de ordem é transformação, mas não uma transformação com vistas ao “cuidado de si”, isto é, parafraseando Foucault (2010FOUCAULT, Michel. A hermenêutica do sujeito. São Paulo: Martins Fontes, 2010.), não uma transformação que estimule o sujeito a inquietar-se consigo mesmo, a voltar os olhos para si, e sobretudo a desviar os olhos dos outros. Trata-se sim, apenas, de transformação exterior, do encaixe em uma forma, de adequação ao “padrão monstro”. Um padrão que emerge como elemento de acesso a determinados grupos sociais, o que contribui para produzir subjetividade associada à necessidade de adequação.

Enfim, a análise e a interpretação dos discursos produzidos no canal do YouTube “Fábrica de Monstros”, ao nos proporcionar desvelar elementos correlatos ao cuidado de si, como a autonomia do sujeito que é colocada em xeque, permitem apontar para as mídias sociais como locais privilegiados para a obtenção de dados empíricos em pesquisas que busquem hoje produzir conhecimento crítico associado, por exemplo, ao processo de sujeição às receitas que são elaboradas para que as pessoas possam se enquadrar aos bem publicizados modelos padronizados de corpo.

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    » https://www.youtube.com/intl/pt-BR/yt/about/press/
  • 1
    O número de visualizações dos vídeos não é fixo, mudando a todo momento. Isso ocorre por conta da própria natureza do objeto, qual seja, um canal do Youtube que se encontra disponível na internet para ser acessado a qualquer hora ou lugar.
  • 2
    Optamos por não acrescentar “sic” nos extratos das transcrições, porquanto a linguagem utilizada nos vídeos é repleta de problemas, o que poderia contaminar a fluidez da leitura.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    25 Jul 2022
  • Data do Fascículo
    2019

Histórico

  • Recebido
    29 Jan 2019
  • Aceito
    26 Jun 2019
  • Publicado
    14 Dez 2019
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