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ENTRE PLAYGROUNDS, PRAÇAS DE JOGOS E JARDINS DE RECREIO: O DEBATE SOBRE A PROVEITOSA OCUPAÇÃO DO TEMPO

BETWEEN PLAYGROUNDS, PRAÇAS DE JOGOS AND JARDINS DE RECREIO: THE DISCUSSION ABOUT THE USEFUL OCCUPATION OF TIME

ENTRE ÁREAS DE JUEGO, PLAZAS Y JARDINES DE RECREO: EL DEBATE SOBRE LA OCUPACIÓN DEL TIEMPO PROVECHOSA

Resumo

Este estudo investiga iniciativas relacionadas à construção de playgrounds, de praças de jogos e de jardins de recreio durante as décadas de 1920 e 1930, em experiências educacionais empreendidas no Rio de Janeiro, em Minas Gerais e no Rio Grande do Sul, por sujeitos ligados à Associação Cristã de Moços. A análise das fontes mobilizadas permite indicar que a consideração daqueles lugares como extensão da escola, o entendimento de que eles constituiriam momento privilegiado para dar expansão aos instintos infantis, a compreensão de que as atividades ali desenvolvidas poderiam incorporar códigos para a vida social dos alunos e a preocupação com a boa ocupação do tempo livre compuseram o arranjo argumentativo para a defesa da instalação de tais espaços educativos.

Palavras chave:
História; Instalações esportivas e recreacionais; Associação Cristã de Moços; Atividades de lazer

Abstract

This study looks into actions related to the construction of playgrounds, praças de jogos and jardins de recreio in the 1920s and 1930s, in educational experiences conducted in the Brazilian states of Rio de Janeiro, Minas Gerais and Rio Grande do Sul, facilitated by subjects linked to the Young Men’s Christian Association. The analysis of the documents indicates that seeing those spaces as extensions of the school environment, understanding that they were privileged moments to expand children’s instincts and understanding that the activities developed there could incorporate codes for student´s social life and concern with good use of free time were part of the arguments to legitimate the construction of those educational spaces.

Keywords:
History; Sports and recreational facilities; Young Men’s Christian Association; Leisure activities

Resumen

Este estudio investiga iniciativas relacionadas con la construcción de áreas de juego, plazas y jardines de recreo, durante las décadas de 1920 y 1930, en experiencias educativas emprendidas en Rio de Janeiro, Minas Gerais y Rio Grande do Sul, por personas vinculadas a la Asociación Cristiana de Jóvenes. El análisis de las fuentes permite indicar que la consideración de esos lugares como extensión de la escuela, el entendimiento de que constituirían un momento privilegiado para darle expansión a los instintos infantiles, la comprensión de que las actividades allí desarrolladas podrían incorporar códigos para la vida social de los alumnos y la preocupación con la buena ocupación del tiempo libre compusieron el fondo argumentativo para la defensa de la instalación de tales espacios educativos.

Palabras clave:
Historia; Instalaciones deportivas y recreativas; Asociación Cristiana de Jóvenes; Actividades recreativas

1 INTRODUÇÃO

A ocupação do tempo fora da escola, em lugares denominados como playgrounds, praças de jogos ou jardins de recreio, constituiu-se como tema de discussão em diferentes experiências educacionais brasileiras, nas décadas de 1920 e 1930. A construção desses espaços recreativos na cena urbana e as práticas predominantes a serem neles realizadas guardavam relação com a expectativa em torno da vida e da pedagogia moderna. Para Henry James Sims, Renato Eloy de Andrade e Frederico Guilherme Gaelzer, o debate em torno da criação e ocupação de tais lugares compuseram tanto sua formação como sua atuação no âmbito da Educação Física. O primeiro, estadunidense, chegou ao Brasil para exercer o cargo de diretor físico da Associação Cristã de Moços (ACM), no Rio de Janeiro, no início da década de 1910. O segundo diplomou-se como diretor de Educação Física pelo Instituto Técnico das Associações Cristãs de Moços e foi Inspetor de Educação Física de Minas Gerais entre os anos de 1927 e 1937. O terceiro foi Diretor Municipal de Jardins de Recreio e Inspetor de Educação Física do Rio Grande do Sul e também teve diferentes inserções na ACM. Ambos estudaram no Institute & Training School of Young Men’s Christian Association em Chicago. É a partir desse lugar de pertencimento que Sims, Andrade e Gaelzer produziram sentidos para o estabelecimento de espaços em que uma “cultura física” pudesse se fazer cultivar e ser uma contribuição na formação, especialmente, de crianças e jovens.

A temática dos parques infantis tem sido objeto de outros autores, que em suas pesquisas investigaram a constituição de tais espaços e sua relação com a natureza (DALBEN; DANAILOF, 2009DALBEN, André; DANAILOF, Kátia. Natureza urbana: parques infantis e escola ao ar livre em São Paulo (1930-1940). Revista Brasileira de Ciências do Esporte, v. 31, n. 1, p. 163-177, set. 2009.), com a Educação Física (DANAILOF, 2013) e com a educação do corpo (PIZANI; GÓIS JUNIOR; AMARAL, 2016PIZANI, Rafael Stein; GÓIS JUNIOR, Edivaldo; AMARAL, Silvia Cristina Franco. A educação do corpo nos parques e recantos infantis de Campinas-SP (1940-1959). Movimento, v. 22, n. 3, p. 707-722, jul./set. 2016.). Neste texto, propus-me a analisar iniciativas relacionadas à construção de playgrounds, de praças de jogos e de jardins de recreio, durante as décadas de 1920 e 1930, empreendidas por aqueles três sujeitos acemistas, dando visibilidade aos modos como acessaram um saber relativo aos playgrounds como importante lugar formativo e o conectaram ao debate do tempo pós-escolar.

O conjunto de fontes, especialmente, correspondências, atas e jornais, foi constituído a partir de diferentes acervos e arquivos: da Associação Brasileira de Educação, da Imprensa Oficial de Minas Gerais, do Centro de Memória do Esporte, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul - CEME/UFRGS. Em cena, um conjunto de iniciativas empreendidas por Sims, Andrade e Gaelzer que dão a ver a circulação de práticas culturais, o diálogo com agentes públicos, a compreensão da rua como espaço de marginalidade e o entendimento do brincar como uma necessidade das crianças.

2 DOS ESTADOS UNIDOS PARA O RIO DE JANEIRO: A ASSOCIAÇÃO CRISTÃ DE MOÇOS COMO MEDIADORA DE UMA EXPERIÊNCIA CULTURAL

Os chamados playgrounds, nos Estados Unidos, eram espaços que compunham os estudos e a intervenção dos diretores físicos em preparação no curso que a Young Men’s Christian Association (YMCA) promovia em Chicago (SILVA, 2017SILVA, Giovanna Camila da. A Associação Cristã de Moços e experiências de escolarização da Educação Física no Brasil: sujeitos, ideias e práticas acemistas em circulação. 2017. 236 f. Tese (Doutorado em Educação) - Faculdade de Educação: Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2017.). Na história da Educação Física estadunidense, César Torres (2011TORRES, César. La educación física en Estados Unidos (1865-1945). In: SCHARAGRODSKY, Pablo (org.). La invención del “homo gymnasticus”: fragmentos históricos sobre la educación de los cuerpos en movimiento en occidente. Buenos Aires: Prometeo Libros, 2011. p. 253-277.) destaca o movimento que impulsionou a construção de espaços públicos de recreação, nas três décadas iniciais do século XX.

Henry Curtis, um ex-aluno de [Stanley] Hall, e Gullick, de participação ativa na YMCA, criaram em 1906 a Playground Association of America, cujo objetivo era a criação de praças de jogos e parques públicos para a recreação de crianças e jovens. Tanto Curtis quanto Gulick usaram a psicologia e a teoria dos jogos para justificar o uso do esporte e de outros jogos, bem como a criação de espaços públicos apropriados para o exercício. As praças de jogos e parques públicos também foram apresentados como espaços que neutralizavam os excessos e perigos da vida urbana. Em 1917 havia quase quatro mil playgrounds nos Estados Unidos e mais de quinhentas cidades tinham programas recreativos (TORRES, 2011TORRES, César. La educación física en Estados Unidos (1865-1945). In: SCHARAGRODSKY, Pablo (org.). La invención del “homo gymnasticus”: fragmentos históricos sobre la educación de los cuerpos en movimiento en occidente. Buenos Aires: Prometeo Libros, 2011. p. 253-277., p. 270-271, grifos do autor, tradução nossa).

A cidade de Chicago foi destacada pelo autor como aquela que contava com um dos programas recreativos mais renomados do país. Ao empreenderem seus trabalhos no Brasil, a instalação de lugares para a recreação pública constituiu-se como proposição que circulou em diferentes projetos educacionais nos quais Sims, Andrade e Gaelzer foram partícipes, dentre eles, os estabelecidos na Associação Brasileira de Educação (ABE).

A ABE configurou-se como um dos espaços de sociabilidade dos homens ligados à ACM, onde vínculos identitários foram estabelecidos, discussões de ideias foram travadas, negociações de interesses foram experimentadas, práticas culturais foram projetadas. Ao reunir sujeitos com diferentes formações e convicções, a ABE constituiu-se de agentes que ocupavam posições distintas no cenário que envolvia a educação, seja como representantes de outras associações, de impressos periódicos, ou de cargos públicos. Espaço de fermentação intelectual, conformou-se como importante lugar de produção de sentidos para a educação brasileira, posicionando-se em uma multiplicidade de questões relativas a políticas públicas educacionais. Expressão dessa variedade são os diferentes grupos internos de trabalho, denominados Seções, ali estabelecidos. É nessa trama de conexões que sujeitos atuantes na Associação Cristã de Moços travaram interlocução com a Seção de Educação Física e Higiene.

Na ABE, a criação de praças de jogos foi tema de relevo para a referida Seção (LINHALES, 2006LINHALES, Meily Assbú. A escola, o esporte e a “energização do caráter”: projetos culturais em circulação da Associação Brasileira de Educação (1925-1935). 2006. 266 f. Tese (Doutorado em Educação) - Faculdade de Educação: Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2006.). Em 1929, o presidente da Seção, Gustavo Lessa, acionou Paulo Prado - irmão do prefeito da cidade do Rio de Janeiro à época, Antônio Prado Junior - para endossar um projeto do qual não era necessariamente o protagonista. Em correspondência, Gustavo Lessa comentava o encontro que teve com Sims, bem como suas impressões acerca do trabalho realizado pelo missionário na Associação Cristã de Moços.

Prezado Dr. Paulo Prado,

Venho importuná-lo para solicitar a sua valiosa intervenção num assunto de interesse geral.

É o caso que, como presidente da Seção de Higiene e Educação Física da ABE tive de me por em contato com o Sr. Henry James Sims, diretor ou coisa que valha do departamento de educação física da Associação Cristã de Moços. O Sr. Sims me havia sido mencionado por alguns especialistas brasileiros em educação física como um técnico de primeira ordem, que residente no Brasil há muitos anos já havia formado em sua Associação uma verdadeira escola daquela especialidade. Dessa escola o presidente Antônio Carlos havia tirado o Inspetor Geral da disciplina em Minas.

O Sr. Sims esteve me contando com mansuetude saxônia os esforços que ele vem fazendo há anos para que a sua generosa cooperação seja aceita na causa da educação física das nossas crianças. Mas isso é uma outra história...

O fim dessa carta é lhe contar que o Sr. Sims, resolvido tenazmente a despertar na nossa gente o entusiasmo pela educação física, imaginou, há cerca de um ano estabelecer num dos pontos mais centrais da cidade, uma espécie de playground como existe em muitas escolas norte-americanas, com demonstração de jogos e exercícios1 1 Lessa, Gustavo. [Correspondência]. Destinatário: Paulo Prado. Rio de Janeiro, 10 fev. 1929. 1 carta. Acervo da Associação Brasileira de Educação. .

Para promover suas propostas, os diretores físicos formados na ACM buscaram parcerias e, nas conexões estabelecidas, o Rotary, de origem estadunidense, também engajado em ações sociais, foi espaço de compartilhamento das aspirações acemistas. Partilhando preocupações similares às da ACM, como a educação, a formação do caráter e a moralidade, o Rotary Club - que teve “em Chicago, [o] berço da organização rotária” (O JORNAL, 1924, p. 5) - chegou ao Brasil e estabeleceu com a Associação alguma interlocução nas décadas de 1920 e 1930. Para os perigos sociais, reforma de costumes. Esse alinhamento de ideias pareceu estimular o diálogo estabelecido entre os acemistas e o Rotary. Posicionando-se na ABE acerca da constituição de espaços no cenário urbano para a prática de exercícios físicos, Sims explicitava com quem estava a estabelecer laços. Dizia em reunião da Seção de Educação Física e Higiene,

que vem lutando, desde alguns anos, junto às autoridades para conseguir a seção de um terreno em que se possa instalar um ‘ground-play’, que o Rotary Club está propondo instalar. Acha urgente e imprescindível a criação de um desses parques de recreio para as crianças das escolas, a fim de servir de campo de experimentação e de demonstração de cultura física de verdade à criança brasileira2 2 Reunião da Seção de Educação Física e Higiene, 20. 1929, Rio de Janeiro. Ata... Rio de Janeiro: Associação Brasileira de Educação, 1929. Acervo da Associação Brasileira de Educação. .

Nas pautas educacionais estabelecidas na ABE, a construção de praças foi apresentada para o debate. “A Associação Brasileira de Educação junta a sua vóz á do Rotary Club do Rio de Janeiro, no pedido feito por este a V. Ex. afim de que seja destinado um terreno em um ponto central da cidade para a edificação de uma praça de jogos infantis”3 3 Recorte de jornal, “Associação Brasileira de Educação”, sem indicação de periódico e data. Acervo Lazer e Recreação Pública. Centro de Memória do Esporte. Universidade Federal do Rio Grande do Sul. . O fragmento de texto, assinado por Gustavo Lessa, compunha uma mensagem a ser enviada ao prefeito do então Distrito Federal. Em uma espécie de exposição de motivos que justificassem a criação das praças, argumentos que ressaltavam sua presença em outros lugares do Brasil e da América do Sul; que demarcavam o lugar do brincar na pedagogia moderna; e que assinalavam aspectos do campo educacional nos Estados Unidos.

Cumpre notar que na cidade de S. Paulo, em Porto Alegre e outras cidades do Rio Grande, praças do mesmo genero estão sendo construidas. O pequeno Uruguay já tem perto de cem e toda a America do Sul vae-lhe seguindo o exemplo. Alguns dos mais efficientes collaboradores de V. Ex., como os Drs. Fernando de Azevedo e Mario Cardim, têm propulsionado em nosso meio a marcha dessa idéa.

Todos os educadores modernos insistem vivamente em que brincar constitue uma das necessidades mais imperiosas da criança, tanto sob o ponto de vista physico como sob o ponto de vista moral e intellectual. Ora, as crianças do Rio não têm onde brincar, salvo as que vivem em residencias opulentas providas de parques. O ideal seria sem duvida o que vae sendo realizado pelas escolas norte-americanas: cada uma ter annexo um terreno para os jogos infantis. Isso em nosso meio é uma utopia. Cumpre, entretanto, ter ao menos praças servindo em commum a varias escolas4 4 Recorte de jornal, “Associação Brasileira de Educação”, sem indicação de periódico e data. Acervo Lazer e Recreação Pública. Centro de Memória do Esporte. Universidade Federal do Rio Grande do Sul. .

Como parte da ação que objetivava viabilizar a construção de uma praça de jogos infantis no Rio de Janeiro, a ABE juntava à sua voz a do Rotary e em mensagem enviada ao prefeito do Distrito Federal mobilizava argumentos a favor da iniciativa que intentava promover, inclusive, indicando as apropriações necessárias. Ao inscrever na realidade brasileira o modo estadunidense de organizar as praças, a ABE reconhecia sua impossibilidade de execução e propunha logo outro arranjo para tal prática. Se, naquele momento, a construção de praças de jogos não logrou sucesso no Rio, projetos idealizados em outras cidades brasileiras vinham sendo propulsionados.

3 EM MINAS GERAIS, AS PRAÇAS DE JOGOS COMO COMPLEMENTO DA AÇÃO EDUCACIONAL DA ESCOLA

No movimento empreendido para a inauguração de praças de jogos em Minas Gerais, o Inspetor de Educação Física do Estado também estabeleceu diálogo com o Rotary e mobilizou argumentos similares ao de Sims: a presença marcante de tal iniciativa nos Estados Unidos; as crianças como público frequentador das praças; o cultivo de uma cultura física. Em palestra no Rotary em Belo Horizonte no ano de 1931, Renato Andrade reiterava a parceria com a instituição e comentava ser aquela a terceira vez que participava de uma reunião rotariana para tratar do mesmo assunto. Para defender a proposição em Minas, o Inspetor pronunciava: “Dai a grande importancia e o papel essencial que desempenha, na moderna educação fisica, a praça de exercicios. Dai a sua difusão intensa e admiravel pelas cidades norte-americanas, entre aquele povo que tão bem compreende as finalidades da educação física” (JORNAL MINAS-GERAIS, 1931a, p. 8). E ainda explicitava preocupações com os tempos e lugares fora da escola:

Hoje, depois das quatro horas, do regimen escolar o garoto vai para casa e encontra no emprego agradavel do seu tempo um dos problemas mais serios da sua vida. Nem sempre tem espaço suficiente em casa para dar expansão aos seus apetites ludicos. Sua tentação é a rua (...) uma criança impulsionada por uma lei necessaria, por um instinto genetico irreprimivel, que a leva, que a faz procurar descobrir por todo meio possivel uma derivação á sua necessidade de expansão psico-fisica. Dai os desvios e o viciamento na sua formação de carater, representados nas tentativas de burla ás proibições e limitações de sua liberdade (JORNAL MINAS-GERAIS, 1931a, p. 8).

Embora expressasse sua preocupação com as crianças, o Inspetor deixava escapar uma distinção de gênero na sua inquietação: os garotos. É provável que às meninas fossem dedicados os cuidados com o lar, e sua presença além dos muros da escola e da casa fosse menos preocupante. Em alguns momentos da palestra proferida, Andrade dava ênfase aos garotos e ao clima cultural que marcava a infância masculina na cidade: a tentação da rua, a organização de times para jogar bola e os embates com os guardas. Ressaltava ainda a conveniência de a mocidade ginasial frequentar um playground: para que tivesse uma vida atlética eficiente. Para estimular os exercícios físico-recreativos na cena urbana, o Inspetor destacava quatro aspectos inerentes às praças de jogos: primeiro, o caráter público que garantiria o acesso de todos; segundo, o aparelhamento que atenderia às exigências da exercitação física e atlética; terceiro, a facilidade de acesso e o repertório de atividades que funcionariam como atrativos; e quarto, a possibilidade de ser um ponto de reunião, que configuraria as praças como instrumento para socialização.

Diante das argumentações, a criação de praças de jogos era entendida como possibilidade de extensão de um projeto educativo para outros espaços da cidade. O investimento das horas extraescolares em práticas consonantes com as necessidades das crianças e com a boa ocupação do tempo livre são tratadas como necessidades imperativas diante da expressão dos instintos infantis. “Com seu modernizado regimen pedagogico, a nossa escola vem tentando, é verdade, canalizar essa tendencia infantil. Mas, infelizmente, o tempo é exiguo do horario propriamente escolar e as condições insuficientes de acomodação aos estabelecimentos do ensino”. Ante a dificuldade apontada por Renato Andrade, a afirmação de outros tempos e espaços tão educativos quanto os escolares: “o ‘play-ground’, bem como outros centros congeneres de atividades psico-recreativas, será um complemento indispensavel da ação e orientação educacional da escola” (JORNAL MINAS-GERAIS, 1931a, p. 8).

As proposições do Inspetor de Educação Física encontravam acolhimento no então Secretário da Educação e Saúde Pública. Noraldino Lima em discurso na Escola de Aperfeiçoamento5 5 A Escola de Aperfeiçoamento oferecia às professoras do ensino público de Minas Gerais um repertório pedagógico mais amplo e moderno do que aquele estudado no curso normal, e dispunha, para tanto, de uma aparelhagem material e didática, e de professores brasileiros e estrangeiros, sendo alguns considerados de renome mundial (JORNAL MINAS GERAES, 1930). , referia-se a uma experiência de viagem à Montevidéu e Buenos Aires onde teve a oportunidade de ver as praças desportivas daqueles povos e, quando do seu regresso, relatava ter tido uma troca de ideias com Renato Andrade. Passados três anos da viagem e assumindo a pasta da educação, o Secretário perguntava-se: “porque não fazermos a mesma coisa em Belo-Horizonte. Porque não fazermos a mesma coisa em Minas?”. Para tanto, “pelo que um de meus primeiros cuidados, ao assumir o cargo, foi chamar ao me gabinete o professor Renato de Andrade, inspetor geral da Educação Fisica, e reatar com êle o fio da conversa interrompida” (JORNAL MINAS-GERAIS, 1931b, p. 11).

No período de existência da Inspetoria, 1927 a 1937, o jornal Minas Gerais noticiou a instalação de três praças de jogos. A visibilidade dada a cada uma delas diferencia-se em relação à exposição dos pormenores das solenidades de inauguração, dos argumentos que justificavam o empreendimento e do detalhamento de suas estruturas. As particularidades que marcaram as diferentes praças aqui abordadas foram conformadas a partir do filtro que o órgão oficial do Estado organizou para informar sobre tais espaços.

Em 1932 foi criada a “praça de jogos de esportes” na Escola de Aperfeiçoamento, ressaltada como a primeira de todo o Estado. Dentre as finalidades da iniciativa, o jornal destaca sua contribuição “para a pratica da educação fisica dos alunos que lá mourejam”. Não foram localizados vestígios no Minas Gerais a respeito de um maior detalhamento dos seus espaços, nem especificações do aparelhamento que a comporia. O jornal Estado de Minas, em divulgação rápida do evento, indica a presença de um campo de basquetebol e de equipamentos diversos (ESTADO DE MINAS, 1932, p. 3).

Em 6 de outubro de 1933 inaugurou-se a praça do grupo escolar Barão de Macaúbas. Traçada por Renato Eloy de Andrade, localizava-se ao lado direito do edifício do estabelecimento escolar. Não foram localizados registros no Minas Gerais que informassem sobre a composição do seu ambiente, a demarcação de seus espaços e seus equipamentos (JORNAL MINAS-GERAIS, 1933a). Indício de seu aparelhamento foi encontrado na matéria “A praça de esportes do grupo ‘Barão de Macaúbas’”, publicada no jornal Estado de Minas. Embora não esteja tão nítida, uma imagem publicada parece indicar que sua composição comportava uma caixa de areia e um equipamento estruturado com armações de escada que permitia a inserção de gangorras e elementos para suspensão.

Em seguida, realizou-se a inauguração da praça de esportes anexa aos grupos escolares Caetano Azeredo e Francisco Sales, em 13 de outubro de 1933. O detalhamento dos ambientes e da estrutura desse empreendimento indica uma intenção sobre o público frequentador e sobre as práticas que ali teriam lugar.

Na secção de rapazes encontram-se deslizadores, passos de gigante, baixa e sóbe, paralelas, cavalos, burros e um ginasio completo para exercicios diversos.

A secção de moças compõe-se de deslizadores, baixa e sóbe alto, burrinho, cavalo, escada horizontal, um ginasio completo para exercicios diversos e um ginasio com balanças.

Na secção de crianças encontram-se deslizadores, ola giratoria, passo de gigante, ginasio com cadeirinhas, um ginasio com balanças comuns e um caixão de areia.

Além desses aparelhos, conta a praça com campos de “volley” e de “basketball” (JORNAL MINAS-GERAIS, 1933b, p. 8).

A partir do estudo de Fred Eugene Leonard (1923LEONARD, Fred Eugene. A guide to the History of Physical Education. Philadelphia and New York: Lea & Febiger, 1923.) é possível indicar pontos de conexão entre os playgrounds nos Estados Unidos e as praças de jogos intentadas por Renato Andrade em Minas, tais como a separação de seções por gênero e elementos da aparelhagem6 6 Ver SILVA (2017). . Estes ainda guardam estreita relação com a estrutura das praças empreendidas por Frederico Gaelzer, em Porto Alegre.

4 NO RIO GRANDE DO SUL, O VANGUARDISMO NA CONSTRUÇÃO DE JARDINS DE RECREIO

Dentre os três sujeitos aqui enfatizados, Gaelzer foi o que mais investimentos produziu para a construção das praças. Um recorte de jornal datado de 1938 destacava a cidade de Porto Alegre como precursora na instalação de parques infantis no país, enfatizava o protagonismo de Gaelzer nesse movimento e informava que “existem em todo o Estado, superiormente dirigidos, nada menos de 48 parques, dos quaes 12 estão localizados em Porto Alegre”7 7 Recorte de jornal, “1.ª Exposição Nacional de Recreação”, sem indicação do periódico. 1938 (data manuscrita). Acervo Lazer e Recreação Pública. Centro de Memória do Esporte. Universidade Federal do Rio Grande do Sul. .

O êxito do projeto foi creditado à “organização da Directoria dos Jardins de Recreio e Praças de Desportos” criada por Octavio Rocha, então prefeito de Porto Alegre. Em declarações feitas para um jornal do Rio de Janeiro, Gaelzer comentava sobre a organização dos programas nos jardins de recreio. Pela manhã, atividades destinadas ao público em idade pré-escolar. “Para isto conta cada jardim com um recanto infantil, com o seu tanque de patinhar, circumdado pelo comoro de areia. E’ ahi que os pequeninos satisfazem os seus primeiros instinctos criadores”. Na parte da tarde, terminadas as aulas, o espaço passava a ser ocupado pelos escolares. “E’ então que o instructor organisa programas com jogos que venham a unir os rapazes nesta edade individualista, congraçando-os em sociedades, clubs e quadros; incutindo-lhes a sociabilidade e a união do esforço, agentes tão necessarios para a vida futura”8 8 Recorte de jornal, “Os parques de jogos para crianças”, O Estado de S. Paulo, 18 de outubro 1929 (indicação de periódico e data manuscrita). Acervo Lazer e Recreação Pública. Centro de Memória do Esporte. Universidade Federal do Rio Grande do Sul. . O destaque feito aos rapazes parece também distinguir dos alunos as meninas, que talvez nesta faixa de idade, ocupavam-se com outras tarefas após o tempo na escola, quiçá aquelas relativas ao lar.

E é só lá pelas seis horas que o jardim toma nova feição. O encerramento das fabricas e casas commerciaes e a terminação das actividades do dia trazem á praça de desportos publica a mocidade laboriosa, que, aproveitando as ultimas horas uteis do dia, procura reganhar physicamente o que foi estancado durante as horas sedentarias dos seus empregos9 9 Recorte de jornal, “Os parques de jogos para crianças”, O Estado de S. Paulo, 18 de outubro 1929 (indicação de periódico e data manuscrita). Acervo Lazer e Recreação Pública. Centro de Memória do Esporte. Universidade Federal do Rio Grande do Sul. .

No comentário de Gaelzer, a ocupação dos jardins de recreio pelos jovens agregava outros sentidos a esse espaço, merecendo ele ser nomeado de outra forma: praça de desportos. A nova feição assumida também levava para a cena a relação entre lazer e trabalho e buscava regular, por meio dos exercícios físicos, o tempo que restava proveitoso no dia da mocidade. Esta dimensão dos jardins de recreio estava muito afinada com parte do trabalho estabelecido nas Associações Cristãs de Moços, pelo público atendido, pela necessidade de oferecer horários fora do tempo do trabalho, pelo imperativo de estar em contato com a cultura física, pela preocupação com o emprego do tempo útil disponível.

O exercício de cotejamento entre as expectativas e as ações de Gaelzer sugere um alinhamento de suas proposições e o anúncio que fazia de suas práticas. Antes de iniciar essa dimensão do trabalho em Porto Alegre, Gaelzer ressaltava como objetivo primordial da praça de desportos “proporcionar recreação edificante á juventude, occupando-a em actividades que a guiem, tornando assim os jovens de hoje os leaes cidadãos de amanhã”10 10 Recorte de jornal, “A Praça de Desportos”, assinado por Gaelzer em 2 de abril de 1925, (sem indicação de periódico e data). Acervo Lazer e Recreação Pública. Centro de Memória do Esporte. Universidade Federal do Rio Grande do Sul. . Ainda que a visibilidade dada pelos documentos acessados recaia sobre o trabalho com as crianças, há vestígios de que a distribuição de turmas pelas horas do dia visava expandir o público atendido e os benefícios alcançados com a recreação pública.

As iniciativas estabelecidas em Porto Alegre ressaltaram a figura de Gaelzer no cenário da recreação e do lazer na cidade. Eneida Feix (2003FEIX, Eneida. Lazer e cidade na Porto Alegre do início do século XX: a institucionalização da recreação pública. 2003. 108 f. Dissertação (Mestrado em Ciências do Movimento Humano) - Escola de Educação Física: Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2003.) destaca que:

[...] Porto Alegre propiciou, no “Projeto de Recreação Pública”, um meio de auxiliar a formação física, educacional e moral das crianças, jovens e adultos da cidade, a partir dos anos 1926. Com a coordenação do Professor Frederico Guilherme Gaelzer, vindo recentemente dos Estados Unidos, além de ter vivenciado as experiências americanas de parques, praças públicas, e jardins de infância, tinha também participado da ACM, Associação Cristã de Moços, que era uma instituição voltada para as práticas de esportes e recreação dedicadas à formação da juventude. O Professor trabalhou também no Uruguai, por volta de 1924, onde pôde atuar também no sistema de “plazas de deportes” em parceria do Professor Raul Blanco (FEIX, 2003FEIX, Eneida. Lazer e cidade na Porto Alegre do início do século XX: a institucionalização da recreação pública. 2003. 108 f. Dissertação (Mestrado em Ciências do Movimento Humano) - Escola de Educação Física: Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2003., p. 62).

O próprio Raul Blanco enfatizou o trabalho que Gaelzer executou em Porto Alegre com as praças de jogos:

As praças de jogos no Rio Grande do Sul estão organizadas desde 1930. São cinco na cidade de Porto Alegre, cidade que mais tem apresentado ajuda e compreensão sobre o assunto, sendo o Sr. F. G. Gaelzer o diretor de Educação Física do Estado Riograndense. Tivemos a oportunidade de conhecer e trabalhar com o Sr. Gaelzer quando ele realizou estudos especiais sobre este assunto na Escola da Y. M. C. A. de Montevidéu (BLANCO, 1940BLANCO, Raul V. Re-creacion. Montevideo : Ediciones Indoamerica, 1940., p. 71, tradução nossa).

Reconhecimento este que circulou na capital federal pelas palavras de uma inspetora de ensino, a professora Antonieta Camara de Paula Barros, inscritas em um relatório intitulado “A Educação em Porto Alegre”, apresentado ao diretor do Departamento de Educação do Rio de Janeiro, Carneiro Leão no ano de 1935. Escritos pela professora depois de uma viagem à capital sul-rio-grandense, os registros demarcam que era na “Educação Fisica que o Rio Grande está, verdadeiramente, na vanguarda” e destacam o cenário de recreação pública na cidade: “cada criança tem, em Porto Alegre, no maximo a quinhentos metros de sua casa, uma praça de desportos onde pode passar, de um modo eficiente, as suas horas de lazer, em uma proveitosa educação física-social”. O acerto da iniciativa era demonstrado pela frequência aos espaços. No relatório a professora afirmava que “a prova experimental da sua eficiencia está na significativa concorrencia das praças, em contraste com a quasi ausencia de crianças vadias e sujas pelas ruas” (A FEDERAÇÃO, 1935, p. 3). Daquilo que viu e ouviu, Antonieta Barros produziu interpretações afinadas com as formulações pedagógicas que orientavam a instalação das praças: a ocupação das horas fora da escola com atividades que fossem também educativas, a vinculação da Educação Física com uma formação social, e a ocupação da rua pelas crianças como prática a ser combatida.

Na visibilidade dada à iniciativa de Gaelzer, uma formulação pedagógica ganha ênfase: a premissa de que a experimentação do ambiente esportivo era uma preparação para a organização social. A professora Antonieta Barros mencionou em seu relatório que “as crianças aí se organizam em clubes por elas dirigidos e cujos estatutos elas proprias elaboram, sob a necessaria orientação dos instrutores tecnicos que presidem as praças” (A FEDERAÇÃO, 1935, p. 3). O Jornal do Brasil, ao informar sobre os jardins de recreio de Porto Alegre, também enfatizava a formação desse trabalho em comunidade.

Um dos aspectos mais interessantes que assume a educação ministrada nos Jardins de Recreio, refere-se á formação de clubs desportivos no seio de cada um. Organizados e dirigidos pelos proprios frequentadores, taes clubs promovem entre si torneios, campeonatos, etc., e fornecem excellentes opportunidades de treno social, a par do treno physico (JORNAL DO BRASIL, 1931, p. 18).

Essa ideia, consonante com preceitos já disseminados pela ACM, pois defendia a Associação em seu periódico oficial que “as primeiras lições de civismo podem ser aprendidas pelo rapaz quando se inscreve membro de um team atlético” (MOCIDADE, 1920, p. 7), encontrou lastro no cenário educacional brasileiro. Lourenço Filho, que em seu itinerário profissional visitou os Estados Unidos, onde conheceu elementos de sua educação, publicou originalmente em 1929 a obra Introdução ao estudo da Escola Nova, na qual partilhava a ideia do trabalho em comunidade como importante aspecto de uma renovação educacional então pretendida.

Dentro de cada escola com mais de uma classe de alunos, igualmente se tratou de propor trabalho conjunto, em auditórios, jogos e recreação organizada, clubes e associações de alunos. Estes últimos, sob direção dos próprios alunos, discretamente orientada, tomaram a denominação de instituições escolares, no sentido de grupos sociais da própria escola, considerada como uma comunidade em miniatura, para nos servirmos de uma expressão que Dewey tornou corrente (LOURENÇO FILHO, 1978LOURENÇO FILHO, Manuel Bergström. Introdução ao estudo da escola nova: bases, sistemas e diretrizes da pedagogia contemporânea. 12. ed. São Paulo: Melhoramentos; Rio de Janeiro: Fundação Nacional de Material Escolar, 1978., p. 135, grifos do autor).

O chamado treino social, possibilitado pela experiência com os jogos, conectava-se com pressupostos de uma moderna pedagogia instaurada pelo pensamento escolanovista que ressoou no Brasil e informou reformas do ensino em diferentes estados nas décadas de 1920 e 1930. Como proposição educativa, os jardins de recreio pareciam afinados com as inovações pedagógicas que participavam da aposta na educação do povo.

Ainda no repertório argumentativo, era comum nos impressos o destaque dado à experiência com as praças de jogos nos Estados Unidos. Nesse país estrangeiro, “verificam-se, mediante rigorosos dados estatisticos, que a [sic] zonas servidas por um ‘Glayground’ [sic], forneciam homens mais robustos, mais disciplinados, de mais iniciativa e coragem”11 11 Recorte de jornal, março de 1929. Álbum organizado por Frederico Guilherme Gaelzer com informações sobre Praças de Educação Física e Jardins de Infância de Porto Alegre (década de 1930), p. 27-28. Centro de Memória do Esporte. Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Disponível em <http://hdl.handle.net/10183/40703>. Acesso em 11.04.19. . Leonard (1923LEONARD, Fred Eugene. A guide to the History of Physical Education. Philadelphia and New York: Lea & Febiger, 1923.), ao discorrer sobre a instituição dos playgrounds nos Estados Unidos, relata sua propagação para diferentes cidades estadunidenses, inclusive para aquela onde Sims, Andrade e Gaelzer estudaram. “Chicago ocupa um lugar proeminente na história inicial do movimento playground”, afirma (p. 342, tradução nossa). O autor comenta que o “movimento para proteger o jogo infantil” testemunhou “pelo menos, o estabelecimento teórico do direito das crianças de jogar em segurança sob boas influências e do direito de um homem passar suas horas de lazer, por meio das instalações adequadas na cidade em que ele vive” (LEONARD, p. 347, tradução nossa).

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

As diferentes iniciativas relacionadas à instauração de praças de jogos empreendidas no Brasil por Sims, Andrade e Gaelzer guardam aproximações e algumas particularidades. Considerando as características dos projetos estabelecidos por cada um deles, as fontes consultadas nos permitem afirmar que: a anexação da praça aos espaços da escola foi empreendida em Minas, embora a compreensão de complemento à ação educativa da escola estivesse presente também nas proposições de Gaelzer; o trabalho em comunidade, por intemédio do jogo, foi experenciado em Porto Alegre; a direção de atividades nas praças de jogos por instrutores competentes foi mobilizada por Sims e Gaelzer; a compreensão do jogo como uma necessidade da criança, a necessidade de garantir esse tempo e espaço e seus benefícios morais foram articulados em proposições de todos os três. As crianças - essencialmente na sua condição de alunos - constituíam o público prioritariamente anunciado pelas fontes como frequentador das praças. Embora a ênfase recaia sobre a infância, foi possível encontrar nos documentos referentes à experiência em Porto Alegre algum indício da dimensão compensatória entre o lazer e o trabalho. Para o estabelecimento das praças de jogos na cena urbana, a posse de diretores físicos acemistas em cargos de órgãos estaduais parece ter sido fator essencial. Como ação que demandava vontade política dos ocupantes de pastas no governo, investimentos do erário público, envolvimento com novos processos educacionais, a instituição de tais espaços pode ter logrado êxito com Andrade e Gaelzer pelos vínculos e trânsito estabelecidos com a administração dos estados.

Considerando as regularidades desse projeto cultural no Brasil, pode-se afirmar que, essencialmente, o que estava sendo estabelecido nas experiências com as praças de jogos era uma relação entre infância, recreação e educação. Conexão amparada na compreensão de que era necessário às crianças dar expansão aos seus instintos; no entendimento do brincar como práticas que permitiam a intervenção no desenvolvimento infantil, especialmente, em suas dimensões moral e física; e na necessidade de ocupar o tempo extra-escolar com ações também educativas.

REFERÊNCIAS

  • A FEDERAÇÃO, Porto Alegre, 4 dez. 1935, p. 3.
  • BLANCO, Raul V. Re-creacion. Montevideo : Ediciones Indoamerica, 1940.
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  • DANAILOF, Kátia. A “Educação Physica” nos Parques infantis de São Paulo (1935-1938). Movimento, v. 19, n. 2, p. 167-184, abr./jun. 2013.
  • ESTADO DE MINAS, Belo Horizonte, 22 nov. 1932, p. 3.
  • FEIX, Eneida. Lazer e cidade na Porto Alegre do início do século XX: a institucionalização da recreação pública. 2003. 108 f. Dissertação (Mestrado em Ciências do Movimento Humano) - Escola de Educação Física: Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2003.
  • JORNAL DO BRASIL, Rio de Janeiro, 1 nov. 1931, p. 18.
  • JORNAL MINAS GERAES, Belo Horizonte, 9 fev. 1930.
  • JORNAL MINAS-GERAIS, Belo Horizonte, 29 e 30 jun. 1931a, p. 8
  • JORNAL MINAS-GERAIS, Belo Horizonte, 27 jun. 1931b, p. 11.
  • JORNAL MINAS-GERAIS, Belo Horizonte, 7 out. 1933a.
  • JORNAL MINAS-GERAIS, Belo Horizonte, 14 out. 1933b, p. 8
  • O JORNAL, Rio de Janeiro, 21 jun. 1924, p. 5.
  • LEONARD, Fred Eugene. A guide to the History of Physical Education. Philadelphia and New York: Lea & Febiger, 1923.
  • LINHALES, Meily Assbú. A escola, o esporte e a “energização do caráter”: projetos culturais em circulação da Associação Brasileira de Educação (1925-1935). 2006. 266 f. Tese (Doutorado em Educação) - Faculdade de Educação: Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2006.
  • LOURENÇO FILHO, Manuel Bergström. Introdução ao estudo da escola nova: bases, sistemas e diretrizes da pedagogia contemporânea. 12. ed. São Paulo: Melhoramentos; Rio de Janeiro: Fundação Nacional de Material Escolar, 1978.
  • MOCIDADE, revista mensal das Associações Christãs de Moços no Brasil. Rio de Janeiro, set., n. 319, 1920, p. 7.
  • PIZANI, Rafael Stein; GÓIS JUNIOR, Edivaldo; AMARAL, Silvia Cristina Franco. A educação do corpo nos parques e recantos infantis de Campinas-SP (1940-1959). Movimento, v. 22, n. 3, p. 707-722, jul./set. 2016.
  • SILVA, Giovanna Camila da. A Associação Cristã de Moços e experiências de escolarização da Educação Física no Brasil: sujeitos, ideias e práticas acemistas em circulação. 2017. 236 f. Tese (Doutorado em Educação) - Faculdade de Educação: Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2017.
  • TORRES, César. La educación física en Estados Unidos (1865-1945). In: SCHARAGRODSKY, Pablo (org.). La invención del “homo gymnasticus”: fragmentos históricos sobre la educación de los cuerpos en movimiento en occidente. Buenos Aires: Prometeo Libros, 2011. p. 253-277.
  • 1
    Lessa, Gustavo. [Correspondência]. Destinatário: Paulo Prado. Rio de Janeiro, 10 fev. 1929. 1 carta. Acervo da Associação Brasileira de Educação.
  • 2
    Reunião da Seção de Educação Física e Higiene, 20. 1929, Rio de Janeiro. Ata... Rio de Janeiro: Associação Brasileira de Educação, 1929. Acervo da Associação Brasileira de Educação.
  • 3
    Recorte de jornal, “Associação Brasileira de Educação”, sem indicação de periódico e data. Acervo Lazer e Recreação Pública. Centro de Memória do Esporte. Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
  • 4
    Recorte de jornal, “Associação Brasileira de Educação”, sem indicação de periódico e data. Acervo Lazer e Recreação Pública. Centro de Memória do Esporte. Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
  • 5
    A Escola de Aperfeiçoamento oferecia às professoras do ensino público de Minas Gerais um repertório pedagógico mais amplo e moderno do que aquele estudado no curso normal, e dispunha, para tanto, de uma aparelhagem material e didática, e de professores brasileiros e estrangeiros, sendo alguns considerados de renome mundial (JORNAL MINAS GERAES, 1930).
  • 6
    Ver SILVA (2017SILVA, Giovanna Camila da. A Associação Cristã de Moços e experiências de escolarização da Educação Física no Brasil: sujeitos, ideias e práticas acemistas em circulação. 2017. 236 f. Tese (Doutorado em Educação) - Faculdade de Educação: Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2017.).
  • 7
    Recorte de jornal, “1.ª Exposição Nacional de Recreação”, sem indicação do periódico. 1938 (data manuscrita). Acervo Lazer e Recreação Pública. Centro de Memória do Esporte. Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
  • 8
    Recorte de jornal, “Os parques de jogos para crianças”, O Estado de S. Paulo, 18 de outubro 1929 (indicação de periódico e data manuscrita). Acervo Lazer e Recreação Pública. Centro de Memória do Esporte. Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
  • 9
    Recorte de jornal, “Os parques de jogos para crianças”, O Estado de S. Paulo, 18 de outubro 1929 (indicação de periódico e data manuscrita). Acervo Lazer e Recreação Pública. Centro de Memória do Esporte. Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
  • 10
    Recorte de jornal, “A Praça de Desportos”, assinado por Gaelzer em 2 de abril de 1925, (sem indicação de periódico e data). Acervo Lazer e Recreação Pública. Centro de Memória do Esporte. Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
  • 11
    Recorte de jornal, março de 1929. Álbum organizado por Frederico Guilherme Gaelzer com informações sobre Praças de Educação Física e Jardins de Infância de Porto Alegre (década de 1930), p. 27-28. Centro de Memória do Esporte. Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Disponível em <http://hdl.handle.net/10183/40703>. Acesso em 11.04.19.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    25 Jul 2022
  • Data do Fascículo
    2019

Histórico

  • Recebido
    16 Maio 2019
  • Aceito
    10 Nov 2019
  • Publicado
    24 Dez 2019
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