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ANTECEDENTES MOTIVACIONAIS PARA A PRÁTICA DE ATIVIDADE FÍSICA NA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE

MOTIVATIONAL BACKGROUND FOR PHYSICAL ACTIVITY IN PRIMARY HEALTH CARE

ANTECEDENTES MOTIVACIONALES PARA LA PRÁCTICA DE ACTIVIDAD FÍSICA EN LA ATENCIÓN PRIMARIA DE SALUD

Resumo:

Este estudo objetivou analisar a percepção sobre os antecedentes afetivos para a prática de atividade física (AF) relacionados às necessidades psicológicas básicas (NPB) e investigar as regulações motivacionais para prática de AF no discurso dos participantes iniciantes de um programa de exercício físico na Atenção Primária à Saúde. Trata-se de um estudo transversal de natureza qualitativa com a utilização de Grupo Focal. Participaram da pesquisa 41 adultos. Os resultados demonstram que as percepções dos participantes sugerem frustração para as NPB de autonomia e competência. O comportamento dos participantes para a iniciação ao programa é regulado por contingentes externos, caracterizados por punições e medos na adesão ao programa. Não foram observadas regulações motivacionais intrínsecas, e a autodeterminação para a participação no programa é baixa. Conclui-se que essa população não percebe sentimentos ligados ao prazer pela prática de AF per se, diminuindo as chances de manutenção do comportamento para realizar AF.

Palavras-chave:
Exercício físico; Atenção Primária à Saúde; Teoria Psicológica; Atividade Física

Abstract:

This study analyzed the perception about affective background for physical activity (PA) related to basic psychological needs (BPN) and investigated motivational regulations for PA in the discourse of beginners at an exercise program in primary health care. A cross-sectional study was carried out using the Focus Group technique to reach the study’s goals. Participants were 41 adult users of Brazil’s Unified Health System. Results show that their perceptions suggest frustration regarding basic needs for autonomy and competence. Beginners’ behavior is primarily regulated by external circumstances characterized by punishment and fear when joining the program. Intrinsic motivational regulations and low self-determination to participate in the program were not observed. It can be argued that this population does not feel satisfaction and pleasure when doing PA per se, therefore decreasing their chances of maintaining the PA behavior.

Keywords:
Exercise; Primary Health Care; Psychological Theory; Physical Activity

Resumen:

Este estudio objetivó analizar la percepción sobre los antecedentes afectivos para la práctica de actividad física (AF) relacionados con las necesidades psicológicas básicas (NPB) e investigar las regulaciones motivacionales para la práctica de AF en el discurso de los participantes que empiezan un programa de ejercicio en la Atención Primaria de Salud. Es un estudio transversal, de naturaleza cualitativa, que utiliza Grupo Focal. Participaron 41 adultos en la investigación. Los resultados demuestran que las percepciones de los participantes sugieren frustración en las NPB de autonomía y competencia. El comportamiento de los participantes al iniciar el programa está reglamentado por contingentes externos, y se caracteriza por castigos y miedos al adherir al programa. No se han observado regulaciones motivacionales intrínsecas y la autodeterminación en la participación en el programa es baja. Se concluye que esta población no percibe sentimientos relacionados con el placer en la práctica de AF en sí, lo que reduce las posibilidades de mantener el comportamiento para realizar AF.

Palabras clave:
Ejercicio físico; Atención Primaria de Salud; Teoría psicológica; Actividad física

1 INTRODUÇÃO

A prática regular de atividade física (AF) está associada à diminuição de riscos para doenças não transmissíveis na população geral, incluindo diminuição no risco para doenças cardíacas, alguns tipos de câncer e sintomas de depressão (WORLD HEALTH ORGANIZATION, 2018WORLD HEALTH ORGANIZATION. Global action plan on physical activity 2018-2030: more active people for a healthier world. Geneva: WHO, 2018. ). Contudo, quase a metade da população brasileira com 18 anos ou mais é considerada inativa fisicamente (BRASIL, 2020BRASIL. Vigitel Brasil 2019: vigilância de fatores de risco e proteção para doenças crônicas por inquérito telefônico. Brasília, DF: Ministério da Saúde , 2020. ). A análise global da AF com quase 2 milhões de pessoas mostra que o Brasil está entre os 5 países com maiores níveis de inatividade física do mundo (GUTHOLD et al., 2018GUTHOLD, Regina et al. Worldwide trends in insufficient physical activity from 2001 to 2016: a pooled analysis of 358 population-based surveys with 1·9 million participants. The Lancet Global Health, v. 6, p. e1077-e1086, 2018. Disponível em: https://www.thelancet.com/journals/langlo/article/PIIS2214-109X(18)30357-7/fulltext. Acesso em: 20 set. 2019.).

Com base neste cenário, nos últimos anos foram criadas ações políticas tendo como foco principal a promoção da saúde e como uma das questões precípuas o auxílio no processo de adesão e aumento de prática de AF da população (BRASIL, 2006BRASIL. Política Nacional de Promoção da Saúde. Brasília, DF: Ministério da Saúde , 2006. ). Entre os objetivos dessas políticas está o oferecimento de programas estruturados de AF com vistas ao auxílio no processo de adesão e manutenção da prática de AF da população (BRASIL, 2010BRASIL. Ministério da Saúde: Redefine a Política Nacional de Promoção da Saúde - PNPS. Brasília, DF: Ministério da Saúde, 2010. ).

Entretanto, é necessário observar que a prática de AF não se restringe às decisões individuais nas escolhas dos sujeitos. O oferecimento de programas de AF é multifatorial e está atrelado às formas como a sociedade, incluindo os serviços de saúde, moderam a vida coletiva. Isto é, aconselhar as pessoas a se engajarem em programas de educação em saúde e AF sem enfrentar os condicionantes sociais e/ou sem criar oportunidades de acesso efetivas dificilmente mudará o panorama da inatividade física (RELATÓRIO DE DESENVOLVIMENTO HUMANO NACIONAL - MOVIMENTO É VIDA, 2017RELATÓRIO DE DESENVOLVIMENTO HUMANO NACIONAL - MOVIMENTO É VIDA: atividades físicas e esportivas para todas as pessoas. Brasília, DF: PNUD, 2017. Disponível em: Disponível em: http://www.br.undp.org/content/dam/brazil/docs/publicacoes/relatorio-nacional-desenvolvimento-humano-2017.pdf Acesso em: 10 jan. 2020
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). Atualmente, os programas de AF são voltados quase que exclusivamente para a análise dos fatores biológicos e físicos, direcionando pouca atenção para os fatores comportamentais (BENEDETTI et al., 2012BENEDETTI, Tânia B. et al. Programa “VAMOS” (Vida Ativa Melhorando a Saúde): Da concepção aos primeiros resultados. Revista Brasileira de Cineantropometria e Desempenho Humano, v. 14, n. 6, p. 723-737, 2012. ).

Ao desconsiderar os fatores comportamentais, tais como a mudança de comportamento, permanece recôndita a motivação das pessoas para estes tipos de programas e, consequentemente, ao não se aprofundar nas motivações, diminui-se a possibilidade de intervir adequadamente (KNITTLE et al., 2018KNITTLE, Keegan et al. How can interventions increase motivation for physical activity? A systematic review and meta-analysis. Health Psychology Review, v. 12, n. 3, p. 211-230, 2018. Disponível em: Disponível em: https://doi.org/10.1080/17437199.2018.1435299 Acesso em: 20 abr. 2020.
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). Nesse sentido, uma das teorias da psicologia positiva , desenvolvida para o entendimento da mudança comportamental com base nas qualidades motivacionais das pessoas, é a Teoria da Autodeterminação (TAD) (DECI; RYAN, 1985DECI, Edward L.; RYAN, Richard M. Intrinsic motivation and self-determination in human behavior. New York: Plenum Press, 1985. ).

A TAD oferece importantes entendimentos para a manutenção e processos de mudança de comportamento para a saúde e permite racionalização teórica para processos de intervenção no suporte de necessidades psicológicas básicas (NPB) (autonomia, vínculo e competência), as quais interferem na sustentação do comportamento de longo prazo (GILLISON et al., 2019GILLISON, Fiona B. et al. A meta-analysis of techniques to promote motivation for health behaviour change from a self-determination theory perspective. Health Psychology Review, v. 13, n. 1, p. 110-130, 2019. Acesso em: 10 mar. 2020). A teoria observa que a adoção de um comportamento é orientada por um conjunto de regulações motivacionais, variando em um contínuo de graus relativos de autonomia, passando pela amotivação (não existe intenção), motivação extrínseca (externa, introjetada, identificada, integrada) e motivação intrínseca (quando o comportamento é inerente ao sujeito e prazeroso) (DECI; RYAN, 1985DECI, Edward L.; RYAN, Richard M. Intrinsic motivation and self-determination in human behavior. New York: Plenum Press, 1985. ; RYAN; DECI, 2017RYAN, Richard M; DECI, Edward L. Self-Determination Theory: Basic Psychological Needs in Motivation, Development, and Well-Ness. New York: Guilford Press, 2017. ).

Apesar de bem documentada a importância dos antecedentes afetivos na condução de programas de AF, a motivação tem sido menos valorizada no conjunto de ações para a implementação e criação de estratégias para mudar o estilo de vida das pessoas (MATIAS, 2019MATIAS, Thiago S. Motivação, atividade física e mudança de comportamento. Curitiba: Appris, 2019. ), incluindo ações da Atenção Primária à Saúde. Para intervenções mais assertivas é preciso conhecer a percepção do indivíduo sobre a pretensão motivacional e as razões para se iniciar e se manter em um programa de AF (GILLISON et al., 2019GILLISON, Fiona B. et al. A meta-analysis of techniques to promote motivation for health behaviour change from a self-determination theory perspective. Health Psychology Review, v. 13, n. 1, p. 110-130, 2019. Acesso em: 10 mar. 2020; KNITTLE et al., 2018KNITTLE, Keegan et al. How can interventions increase motivation for physical activity? A systematic review and meta-analysis. Health Psychology Review, v. 12, n. 3, p. 211-230, 2018. Disponível em: Disponível em: https://doi.org/10.1080/17437199.2018.1435299 Acesso em: 20 abr. 2020.
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). Entretanto, as pesquisas ou são incipientes (na Atenção Primária à Saúde), ou valorizam abordagens quantitativas, com métricas avaliativas mais restritas as quais impossibilitam a análise aprofundada do discurso dos participantes (GUNNELL et al., 2014GUNNELL, Katie E. et al. Goal contents, motivation, psychological need satisfaction, well-being and physical activity : A test of self-determination theory over 6 months. Psychology of Sport & Exercise, v. 15, n. 1, p. 19-29, 2014. Disponível em: Disponível em: http://dx.doi.org/10.1016/j.psychsport.2013.08.005 Acesso em: 10 dez. 2019
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; OWEN et al., 2013OWEN, Katherine B. et al. The relationship between self-determined motivation and physical activity in adolescent boys. Journal of Adolescent Health v. 53, n. 3, p. 420-422, 2013. Disponível em: Disponível em: http://dx.doi.org/10.1016/j.jadohealth.2013.05.007 Acesso em: 2 abr. 2020
http://dx.doi.org/10.1016/j.jadohealth.2...
; PEDERSEN; HALVARI; WILLIAMS, 2018PEDERSEN, Cathrine.; HALVARI, Hallgeir; WILLIAMS, Geoffrey. C. Worksite intervention effects on motivation, physical activity, and health: a cluster randomized controlled trial. Psychology of Sport & Exercise, v. 35, p. 171-180, 2018. Disponível em: Disponível em: https://doi.org/10.1016/j.psychsport.2017.11.004 Acesso em: 2 abr. 2020
https://doi.org/10.1016/j.psychsport.201...
; ROMO et al., 2018ROMO, Gabriel Rodriguez. et al. Motivos para la práctica de actividad física durante el tiempo libre y su relación con el cumplimento de las recomendaciones. Cuadernos de Psicología del Deporte, v. 18, p. 183-194, 2018. ; SILVA et al., 2010SILVA, Marlene N. et al. Helping overweight women become more active: need support and motivational regulations for different forms of physical activity. Psychology of Sport & Exercise, v. 11, n. 6, p. 591-601, 2010. ; VIANA; ANDRADE; MATIAS, 2010VIANA, Maick; ANDRADE, Alexandro; MATIAS, Thiago Sousa. Teoria da autodeterminação: aplicações no contexto da prática de exercícios físicos de adolescentes. Pensar a Prática, v. 13, n. 2, p. 1-18, 2010. ; WASSERKAMPF et al., 2014WASSERKAMPF, Anna et al. Short- and long-term theory-based predictors of physical activity in women who participated in a weight-management program. Health Education Research, v. 29, n. 6, p. 941-952, 2014. ).

Embora as pesquisas na área priorizem os aspectos quantificáveis, Ryan e Deci (2020RYAN, Richard M.; DECI, Edward L. Intrinsic and extrinsic motivation from a self-determination theory perspective: Definitions, theory, practices, and future directions. Contemporary Educational Psychology, v. 25, p. 54-67, 2020. ) mencionam que as análises qualitativas oferecem informações necessárias para entender as complexidades de processos de mudança de comportamento e constituem-se como requisitos essenciais para pesquisa na área da motivação. A visão da AF como fator de prevenção baseada nos saberes da epidemiologia e da área biomédica se faz muito presente (CARVALHO; NOGUEIRA, 2016CARVALHO, Fábio F. Brasil de; NOGUEIRA, Júlia A. D. Práticas corporais e atividades físicas na perspectiva da Promoção da Saúde na Atenção Básica. Ciência & Saúde Coletiva, v. 21, n. 6, p. 1829-1838, 2016. ; NOGUEIRA; BOSI, 2017NOGUEIRA, Júlia A.; BOSI, Maria Lúcia M. Saúde Coletiva e Educação Física : distanciamentos e interfaces. Ciência & Saúde Coletiva, v. 22, n. 6, p. 1913-1922, 2017. ). No entanto, a ideia de entender a AF na Atenção Primária à Saúde utilizando outras bases epistemológicas como a psicologia deve ser reconhecida, dado que a exposição ao movimento humano é uma exposição também afetiva e emocional (MATIAS, 2019MATIAS, Thiago S.; ANDRADE, Alexandro; MANFRIN, Julia M. Regulações motivacionais das diferentes escolhas de atividade física no lazer de adolescentes. Revista Brasileira de Atividade Física & Saúde, v. 24, p. 1-8, 2019. ). Posto isso, os objetivos do estudo foram: (a) investigar se a percepção dos sujeitos sobre os antecedentes afetivos para a AF gera suporte às necessidades psicológicas básicas; e (b) analisar as regulações motivacionais para prática de AF no discurso dos participantes iniciantes de um programa de intervenção do Programa Saúde Ativa Uberaba, em Minas Gerais, Brasil.

2 MÉTODOS

Trata-se de um estudo transversal, de abordagem qualitativa, com coleta realizada na primeira semana (pré-intervenção) em que foi implantado o Programa Saúde Ativa Uberaba em duas Unidades de Saúde do município de Uberaba/MG, Brasil.

O programa Saúde Ativa teve seu início em 2001, na cidade de Rio Claro/SP, e foi idealizado pelo Núcleo de Atividade Física Esporte e Saúde (NAFES), vinculado ao Departamento de Educação Física da Universidade Estadual Paulista - Campus Rio Claro, em parceria com a Fundação Municipal de Saúde. Em março de 2018, este programa foi implantado em duas Unidades Básicas de Saúde (UBS) do município de Uberaba, sob a coordenação do Departamento de Ciências do Esporte da Universidade Federal do Triângulo Mineiro em parceria com a Secretaria Municipal de Saúde de Uberaba. A pesquisa ocorreu com usuários vinculados ao território das duas UBS.

O estudo foi aprovado pela Secretaria Municipal de Saúde de Uberaba e pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal do Triângulo Mineiro (parecer 2.509.019). Todos os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

Este estudo foi composto pela população usuária do Sistema Único de Saúde (SUS). A escolha das duas Unidades Básicas de Saúde (UBS) para a realização do Programa e da pesquisa foi designada pelo Departamento de Atenção Básica do município. Neste artigo, identificaremos as UBS como G1 e G2. As intervenções foram organizadas da seguinte forma: em uma UBS (G1) foram desenvolvidas atividades de exercício físico aliado à educação em saúde. E em outra unidade (G2), foram ofertadas atividades de educação em saúde. Para a escolha de atividades para cada unidade, foram consideradas o número de equipes de saúde da família (eSF) vinculadas à unidade. A unidade G2, por exemplo, possuía apenas 1 eSF, atendendo um território menor.

A seleção da amostra dos participantes foi intencional por convite. O processo de recrutamento do programa durou cinco semanas e foi realizado por meio da distribuição de folhetos e mídia local. Foram incluídos no estudo mulheres e homens, acima de 30 anos, usuários do SUS, cadastrados nas duas UBS designadas pelo Departamento. Foram excluídos os participantes que apresentassem comprometimento intelectual (estes sujeitos foram excluídos do estudo, mas não do Programa).

A amostra inicial foi composta por 86 participantes, sendo 48 alocados em uma unidade e 38 participantes em outra UBS. Após aplicar os critérios de inclusão da pesquisa, 42 participantes da unidade 1 (G1) foram selecionados e 35 participantes para a unidade 2 (G2). No dia da coleta de dados, compareceram 30 participantes do G1 e 11 participantes do G2. Dessa forma, 41 adultos com média de idade de 56 anos (±11,13), iniciantes do Programa Saúde Ativa Uberaba, participaram do estudo. Como o processo de implantação do programa ocorreu no mesmo momento da realização da pesquisa, considera-se “participante iniciante” como ingressante (que não teve participação no programa antes da pesquisa).

A alocação dos sujeitos nos grupos de intervenção deu-se por conveniência e esteve atrelado à proximidade do local de intervenção com o local de moradia dos participantes (favorecimento ambiental). Para caracterização da amostra, foram coletados dados sociodemográficos (idade, sexo, nível de escolaridade e renda mensal) por meio de anamnese.

Os dados referentes à motivação para prática de AF foram norteados pela técnica de grupo focal (MINAYO, 2014MINAYO, Maria Cecília S. O desafio do conhecimento. 14. ed. São Paulo: Hucitec, 2014. ). Foi elaborada uma pergunta central que, durante a aplicação da técnica, ajudou na condução do tema. A pergunta central foi referente aos motivos pelos quais os participantes procuraram um programa de exercício físico. A conversa do grupo versou sobre motivações, facilitadores e barreiras para a prática de AF, preferências, oportunidades de escolha, acesso à oferta de atividades, percepções de capacidades e de competências do sujeito.

Foram realizados dois grupos focais: primeiro encontro com os participantes do G1 (n=30, com duração de 50 minutos) e segundo encontro com os participantes do G2 (n=11, com duração de 30 minutos). A técnica exige a presença de um animador e um relator. Devido à grande quantidade de pessoas presentes no G2, estabeleceu-se que seriam necessárias duas relatoras e uma animadora. As responsáveis pela coleta fizeram dois treinamentos para a aplicação das técnicas. Os participantes serão tratados por nomes fictícios, visando garantir o sigilo nas informações prestadas.

O conteúdo do grupo focal foi gravado por três gravadores e transcrito para evitar possíveis perdas de conteúdo (BOGDAN; BIKLEN, 1994BOGDAN, Robert; BIKLEN, Sari K. Investigação qualitativa em educação: uma introdução à teoria e aos métodos. Porto: Porto Editora, 1994. ). Além disso, as respostas do grupo focal foram anotadas em um formulário pré-estruturado. As informações obtidas pelo Grupo Focal foram trianguladas sob olhares de três pesquisadoras. Foi utilizada a técnica Análise de Conteúdo (BARDIN, 2011BARDIN, Laurence. Análise de conteúdo. São Paulo: Edições, 2011. ), que consiste em categorizar o material de pesquisa e dar sentido a ele. Os eixos de análise foram estabelecidos a posteriori.

A análise foi dividida em dois eixos. No primeiro eixo, buscou-se compreender as respostas afetivas e condições sociais que se relacionam com as necessidades psicológicas básicas (NPB). Estas foram organizadas em três categorias de análise, conforme os pressupostos da TAD: autonomia, competência e vínculo. Buscou-se observar as condições que poderiam oferecer suporte ou frustrar as NPB.

O segundo eixo objetivou investigar as diferentes regulações motivacionais para a iniciação e manutenção do comportamento diante da prática de AF. As categorias de análise foram as regulações motivacionais da motivação extrínseca e motivação intrínseca. A motivação extrínseca foi descrita conforme os tipos de processos regulatórios: regulação externa; introjetada; identificada e integrada.

A organização e apresentação dos resultados foi realizada com base no modelo proposto por Matias (2019MATIAS, Thiago S.; ANDRADE, Alexandro; MANFRIN, Julia M. Regulações motivacionais das diferentes escolhas de atividade física no lazer de adolescentes. Revista Brasileira de Atividade Física & Saúde, v. 24, p. 1-8, 2019. ) na avaliação qualitativa da motivação humana com base na TAD. O modelo propõe uma organização dos diferentes lócus causais da motivação a partir da importância atribuída e o número de ocorrências dos diferentes processos reguladores para a prática de AF. Neste estudo, analisou-se o número de ocorrências dos processos reguladores, e não a importância atribuída. As categorias da análise de conteúdo são representadas em uma matriz organizada das diferentes regulações motivacionais. Ao transpor as falas no quadro, projeta-se uma sombra sobre o conjunto de categorias e a silhueta resultante pode indicar diferentes perfis motivacionais. Quando a sombra é divergente para as regulações externas (lado esquerdo da matriz), indica que o comportamento tem chances reduzidas de ser mantido, pois é menos autodeterminado. O contrário é verdade, uma silhueta divergente para a regulação intrínseca indicaria comportamentos mais autodeterminados e com maiores chances de serem mantidos (Figura 1).

3 RESULTADOS

Participaram do estudo 41 adultos, sendo a maioria mulheres (90%) na faixa etária entre 51 e 60 anos de idade (41%). Mais de 70% da amostra não completaram ou têm apenas ensino básico completo. Todos os participantes possuem retenção salarial de no máximo três salários mínimos, Tabela 1.

Tabela 1 -
Caracterização dos participantes do Programa Saúde Ativa. Uberaba-MG, Brasil, 2018.

3.1 FASE DA ANÁLISE: NECESSIDADES PSICOLÓGICAS BÁSICAS

Com base nas necessidades psicológicas básicas (NPB), foi realizado o agrupamento das falas dos participantes em subcategorias. Foi possível dividir entre aquelas que sugeriram suporte ou frustração das NPB (Quadro 1).

Quadro 1 -
Características comportamentais e afetivas associadas às necessidades psicológicas básicas para a prática de atividade física, Uberaba/MG, Brasil, 2018.

No Quadro 1, observa-se que muitas percepções dos participantes sugerem frustração para as necessidades básicas de autonomia e competência. Todavia, para a necessidade de vínculo, os participantes relataram características que sugerem o suporte.

A frustração da necessidade de autonomia foi exemplificado na fala da Márcia: “O médico falou que era obrigado [sic] a fazer atividade física e tudo que sou obrigado [sic] eu tenho resistência… mas aceitei… mas já parei”. Hortência comenta sobre uma característica que também caracteriza a frustração de competência: “Eu não tenho cacique [referindo-se ao fato de não possuir dinheiro] para fazer atividade física nem nunca estudei, nem primeira série eu fiz… como que eu vou conseguir fazer sozinha?”.

Também foram identificados relatos nos dois grupos que sugerem o apoio da NPB competência, como: “Gostaria de conseguir fazer atividade física sozinha, coragem, sabe? Porque o que eu aprendi nas aulas do CEMEA (Centro Municipal de Educação Avançada: centros comunitários administrados pela prefeitura municipal com oferta de cursos, práticas esportivas e modalidades de exercício físico) eu conseguiria fazer sozinha. E eu ainda não tentei, mas quero e acho que consigo […]” (Angela).

Simone relata: “Eu sinto curiosidade [para praticar AF], gostaria de saber como é […] mas sabe que a gente não tem muita educação né [...]?”. Nesta fala, nota-se que ela possui sentimentos de curiosidade, mas também apresenta frustração com a NPB competência, ao sugerir que não tem “educação” para realizar prática de AF.

No tangente ao vínculo, foram observadas falas como: “[…] é automático… vira família, a gente vem para isso [para fazer amigos]” (Geni), e “O motivo desse grupo é a gente virar amiga e empurrar um ao outro para fazer exercício” (Márcia).

3.2 FASE DA ANÁLISE: REGULAÇÕES MOTIVACIONAIS

A Figura 1 demonstra os processos regulatórios das motivações extrínsecas e motivação intrínseca, conforme a ocorrência e a frequência das falas dos participantes.

Figura 1 -
Processos regulatórios das motivações. Programa Saúde Ativa, Uberaba/MG, Brasil, 2018.

Observa-se que muitas categorias sugerem lócus motivacionais de regulação externa, como a fala de João: “Já vi gente doente que faz exercício e não melhora, já vi gente fumar e beber e nunca teve doença nenhuma e não faz exercício […] não vejo mudar nada, algo em troca sabe, […] o que eu recebo?”, sugerindo que ele precisa de uma recompensa para iniciar a AF. Também foi observado medo nas falas: medo de morrer, medo de se machucar, medo da doença, medo do médico - “Achei que ia morrer […] porque foi o que o médico falou […] daí já comecei caminhar com as meninas da igreja mas nunca fiquei, já fiz lá no CEMEA e também larguei" (Hortência).

Frases como: “Preciso fazer por livre e espontânea pressão minha” (Cida) em resposta ao porquê de querer iniciar a prática de AF indicam motivação extrínseca de regulação introjetada. Como regulação identificada, foram encontrados relatos orientados à identificação de razões como fazer amizade e aprender novas habilidades: “Eu tenho vontade de aprender a jogar algum esporte, pra brincar com meu netinho” (Claudia). Já no tipo mais próximo de motivação intrínseca, a regulação integrada, relatos que mostraram que os participantes se sentem curiosos e intrigados a promover a saúde (em sentido abrangente): “Eu acho que na minha capacidade eu gosto de assistir [na TV] e aí sinto curiosidade para saber até onde eu poderia ir" (Joana).

Não foram observadas falas que sugerem motivação intrínseca para o início do programa de exercício físico.

4 DISCUSSÃO

Os resultados do presente estudo indicam que as respostas afetivas e os comportamentos intra e interindividuais adjacentes a participação no programa Saúde Ativa Uberaba sugerem percepções de frustração das necessidades psicológicas de autonomia e competência dos participantes. Consequentemente, os processos regulatórios relevantes para as diferentes regulações motivacionais são, na sua maioria, externos e caracterizados por alguns tipos de punições, medos e recompensas na adesão ao programa de exercício físico. A autodeterminação para a participação no programa é baixa.

Precedente discussão sobre motivação, é importante considerar que as condições sociais dos investigados no suprimento de suas necessidades básicas parecem dificultadas, na medida em que o nível de escolaridade e renda é baixo. Diversos estudos têm demonstrado que fatores sociodemográficos são barreiras importantes para a participação em programas de AF (LAS CASAS et al., 2016LAS CASAS, Rony Carlos R. et al. Prevalência da atividade física no tempo livre nas capitais brasileiras. Revista Médica de Minas Gerais, v. 26, n. 8, p. 260-265, 2016. ; RELATÓRIO..., 2017RELATÓRIO DE DESENVOLVIMENTO HUMANO NACIONAL - MOVIMENTO É VIDA: atividades físicas e esportivas para todas as pessoas. Brasília, DF: PNUD, 2017. Disponível em: Disponível em: http://www.br.undp.org/content/dam/brazil/docs/publicacoes/relatorio-nacional-desenvolvimento-humano-2017.pdf Acesso em: 10 jan. 2020
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). Nesse sentido, quando necessidades de primeira ordem (ex.: alimentação) são frustradas, as demais necessidades também são. Significa dizer que pessoas em condições mais vulneráveis não conseguem sequer pensar em atividades físicas no contexto do lazer, quando há outras “urgências” para sua vida (MATIAS; DOMINSKI; MARKS, 2020MATIAS, Thiago S.; DOMINSKI, Fábio H.; MARKS, David F. Human needs in COVID-19 isolation. Journal of Health Psychology., v. 25, n. 7, p. 871-882, 2020. ).

Aqui, trata-se especificamente das atividades físicas realizadas no contexto do lazer. Quando os olhares são direcionados às atividades físicas realizadas no âmbito do trabalho e transporte, por exemplo, observa-se que os condicionantes sociais como a baixa escolaridade e menor renda estão relacionados com maiores níveis de atividade física nestes dois domínios específicos (RODRIGUES et al., 2017RODRIGUES, Phillipe Ferreira et al. Condições socioeconômicas e prática de atividades físicas em adultos e idosos: uma revisão sistemática. Revista Brasileira de Atividade Física & Saúde, v. 22, n. 3, p. 217-232, 2017. ).

Somada a isso, a inobservância de relatos sugerindo prazer pela AF per se ou satisfação pessoal mostra que o comportamento dos participantes para a iniciação ao programa é exclusivamente regulado por diferentes contingentes externos específicos. O que é um problema, pois a ausência da sinergia da motivação intrínseca diminui as chances das pessoas persistirem nos processos de mudança de comportamento, assim como a prática de AF pode vir acompanhada de repercussões negativas ao bem-estar (GUNNELL et al., 2014GUNNELL, Katie E. et al. Goal contents, motivation, psychological need satisfaction, well-being and physical activity : A test of self-determination theory over 6 months. Psychology of Sport & Exercise, v. 15, n. 1, p. 19-29, 2014. Disponível em: Disponível em: http://dx.doi.org/10.1016/j.psychsport.2013.08.005 Acesso em: 10 dez. 2019
http://dx.doi.org/10.1016/j.psychsport.2...
; MATIAS; ANDRADE, 2018MATIAS, Thiago S.; ANDRADE, Alexandro. Physical activity and its link to affective response: the choices might be crucial to psychological well-being. Revista Brasileira de Atividade Física & Saúde, v. 23, p. 1-2, 2018. ; RYAN; DECI, 2017RYAN, Richard M; DECI, Edward L. Self-Determination Theory: Basic Psychological Needs in Motivation, Development, and Well-Ness. New York: Guilford Press, 2017. ).

As condições sociais podem apoiar ou prejudicar motivações mais internas. Quando médicos, familiares e os professores passam a interferir como controladores, estes podem minar as percepções de competência e autonomia, fundamentais para sustentar a motivação autodeterminada para diferentes comportamentos (RYAN; DECI, 2020RYAN, Richard M.; DECI, Edward L. Intrinsic and extrinsic motivation from a self-determination theory perspective: Definitions, theory, practices, and future directions. Contemporary Educational Psychology, v. 25, p. 54-67, 2020. ). Um discurso culpando o sujeito ou favorecendo o medo pode apadrinhar a desistência do programa. Nesse sentido, estudos evidenciam que as estratégias de comunicação (BARTHOLOMEW et al., 2011BARTHOLOMEW, Kimberley J. et al. Self-determination theory and diminished functioning: The role of interpersonal control and psychological need thwarting. Personality and Social Psychology Bulletin, v. 37, n. 11, p. 1459-1473, 2011. ; QUESTED et al., 2017QUESTED, Eleanor et al. Evaluating quality of implementation in physical activity interventions based on theories of motivation: Current challenges and future directions. International review of sport and exercise psychology, v. 10, n. 1, p. 252-269, 2017. ), assim como um ambiente que ofereça suporte para a autonomia e competência (ex.: linguagem não controladora, promoção de escolhas e seleção de objetivos, atividades em cooperação), são essenciais para motivar um indivíduo (GILLISON et al., 2019GILLISON, Fiona B. et al. A meta-analysis of techniques to promote motivation for health behaviour change from a self-determination theory perspective. Health Psychology Review, v. 13, n. 1, p. 110-130, 2019. Acesso em: 10 mar. 2020).

Apesar de alguns desfechos negativos da motivação extrínseca, as diferentes regulações extrínsecas não são destrutivas, a priori, do comportamento (RYAN; DECI, 2020RYAN, Richard M.; DECI, Edward L. Intrinsic and extrinsic motivation from a self-determination theory perspective: Definitions, theory, practices, and future directions. Contemporary Educational Psychology, v. 25, p. 54-67, 2020. , 2017RYAN, Richard M; DECI, Edward L. Self-Determination Theory: Basic Psychological Needs in Motivation, Development, and Well-Ness. New York: Guilford Press, 2017. ). Ao contrário, a motivação extrínseca pode favorecer a iniciação e aumentar a frequência de prática de exercícios (SNYDER et al., 2017SNYDER, Kailey et al. What gets them moving? college students’ motivation for exercise: an exploratory study. Recreational Sports Journal, v. 41, n. 2, p. 111-124, 2017. ), o que será discutido posteriormente.

4.1 FASE DE ANÁLISE: NECESSIDADES PSICOLÓGICAS BÁSICAS

Além da responsabilidade individual, os condicionantes da motivação ultrapassam a vontade pessoal e podem ser influenciados por várias razões, das mais punitivas e que amedrontam, quando o sujeito percebe que não aderir à AF pode colocá-los sob risco, até mais autodeterminadas quando o sujeito sente motivado em aprender novas habilidades, sente-se curioso e deseja melhorar o seu estilo de vida (MATIAS, 2019MATIAS, Thiago S.; ANDRADE, Alexandro; MANFRIN, Julia M. Regulações motivacionais das diferentes escolhas de atividade física no lazer de adolescentes. Revista Brasileira de Atividade Física & Saúde, v. 24, p. 1-8, 2019. ). Essas motivações têm relação com as necessidades do ser humano, pois as pessoas tendem a realizar comportamentos que satisfaçam essas necessidades (RYAN; DECI, 2000bRYAN, Richard M.; DECI, Edward L. Self-determination theory and the facilitation of intrinsic motivation, social development, and well-being. The American Psychologist, v. 55, n. 1, p. 68-78, 2000b.).

No que diz respeito à autonomia, foram observadas falas que sugerem frustração, principalmente sobre a percepção de “obrigatoriedade” da prática de AF sugerida por médicos e familiares. Observa-se que a partir do momento que o comportamento não é pessoalmente aceito e que não há uma teia de condições sociais para dar suporte à autonomia, a pessoa não se perceberá motivada para dar continuidade à prática de AF (RYAN; DECI, 2017RYAN, Richard M; DECI, Edward L. Self-Determination Theory: Basic Psychological Needs in Motivation, Development, and Well-Ness. New York: Guilford Press, 2017. ).

Também foram encontradas falas que sugerem frustração da competência. Simone, por exemplo, gostaria de fazer AF, no entanto percebe-se pouco educada para aderir à prática de AF. A baixa escolaridade pode ser uma condição social importante na percepção dos sujeitos sobre sua capacidade de interpretar assuntos de conhecimentos gerais e percepções de medos relacionados ao engajamento em AF. Mesmo porque está comprovada a relação entre o nível de AF e a escolaridade: quanto menor a escolaridade, menor o nível de AF (LAS CASAS et al., 2016PALUDO, Simone; KOLLER, Silvia. H. Psicologia Positiva: uma nova abordagem para antigas questões. Paidéia, v. 17, n. 36, p. 9-20, 2007.; RODRIGUES et al., 2017RODRIGUES, Phillipe Ferreira et al. Condições socioeconômicas e prática de atividades físicas em adultos e idosos: uma revisão sistemática. Revista Brasileira de Atividade Física & Saúde, v. 22, n. 3, p. 217-232, 2017. ). Percepções de autodepreciação como falta de crença na capacidade para realizar a AF e percepções negativas sobre a condição de saúde são outros ilustrativos de contingentes que frustram a competência11.

Estas frustrações das NPB podem estar relacionadas com as políticas de informação à população sobre a necessidade da prática de AF. O termo “informar” reduz as possibilidade de comunicar e conhecer (WOLTON, 2011WOLTON, Dominique. Informar não é comunicar. Porto Alegre: Sulina, 2011. ). Nesta perspectiva, faz-se necessário que as informações estejam relacionadas com a cultura e o cotidiano de cada pessoa. A educação em saúde é um recurso em que o conhecimento cientificamente produzido no campo da saúde consegue penetrar o dia a dia das pessoas, fornecendo subsídios para a adoção de hábitos saudáveis, com discursos coerentes, contextualizados e que o profissional de saúde compreenda os condicionantes sociais de cada indivíduo. Parece, no entanto, urgente o desenvolvimento de habilidades comunicacionais nos profissionais de saúde para que sejam favorecidas as relações interpessoais (PEREIRA, 2005PEREIRA, Maria Aurora Gonçalves. Má notícia em saúde: um olhar sobre as representações dos profissionais de saúde e cidadãos. Texto Contexto Enfermagem, v. 14, n. 1, p. 33-37, 2005. ).

Notam-se ainda pontos de distanciamento do campo da educação em saúde para com o sujeito pensante atendido na Atenção Primária à Saúde, principalmente pelo fato de alguns profissionais pautarem suas ações para os cuidados com a saúde em atitudes impositivas e/ou punitivas (OLIVEIRA, 2005OLIVEIRA, Doria L. A "nova" saúde pública e a promoção da saúde via educação: entre a tradição e a inovação. Revista Latino-Americana de Enfermagem, v. 13, n. 3, p. 423-431, 2005. ; SANTILLI; TONHOM; MARIN, 2016SANTILLI, Priscila; TONHOM Silvia F.; MARIN Maria José S. Educação em saúde: algumas reflexões sobre sua implementação pelas equipes da estratégia saúde da família. Revista Brasileira em Promoção da Saúde, v. 29, p. 102-110, 2016.). Ainda, configura-se como um desafio a quebra do ideário do discurso sanitário, higienista, em que a educação em saúde é utilizada como uma arma de dominação, “de afirmação de um saber dominante” (ALBUQUERQUE; STOTZ, p. 260, 2004ALBUQUERQUE, Paulette C.; STOTZ, Eduardo N. Popular education in primary care: in search of comprehensive health care, Interface: Comunicação, Saúde, Educação, v. 8, n. 15, p. 259-74, 2004.) e de responsabilização dos indivíduos (VASCONCELOS, 1999VASCONCELOS, Eymard. M. Educação popular e atenção à saúde da família. São Paulo: Hucitec /Ministério da Saúde, 1999. ).

Os usuários da Atenção Primária à Saúde são entendidos como indivíduos carentes de informação em saúde, o que acarreta uma transmissão verticalizada de educação em saúde e de informação com status de verdade. Devido a isto, é conveniente o abandono deste modelo tradicional de informação em saúde e a adoção de estratégias de comunicação dialógica (ALVES, 2009ALVES, Vânia S. Um modelo de educação em saúde para o Programa Saúde da Família: pela integralidade da atenção e reorientação do modelo assistencial. Interface: Comunicação, Saúde, Educação, v. 16, n. 9, p. 39-52, 2009. Disponível em: Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/icse/v9n16/v9n16a04.pdf Acesso em: 12 set. 2019.
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). Estudos futuros deveriam depositar esforços sobre essa temática.

Com relação à necessidade de vínculo, “fazer amigos”, “ser ouvido”, “poder conversar com alguém” e ser “motivado por alguém” é ilustrativo que o comportamento para a atividade física é favorecido quando existe a percepção de afiliação. A necessidade de vínculo, quando suprida, pode favorecer melhor disposição psicológica e a manutenção da prática de AF (MATIAS; DOMINSKI; MARKS, 2020MATIAS, Thiago S.; DOMINSKI, Fábio H.; MARKS, David F. Human needs in COVID-19 isolation. Journal of Health Psychology., v. 25, n. 7, p. 871-882, 2020. ). Em meta-análise recente foi observada associação significativa do vínculo como mediador individual (tamanho de efeito pequeno) para mudanças de comportamentos de saúde. O vínculo foi suportado por estratégias que facilitaram o estabelecimento de tarefas em grupo. A importância do vínculo também é evidenciada em estudos, os quais indicam que uma das barreiras mais comuns para a prática de AF é a “falta de companhia para prática” (GOBBI et al., 2008GOBBI, Sebastião et al. Comportamento e barreiras: atividade física. Psicologia: Teoria e Pesquisa, v. 24, n. 4, p. 451-458, 2008. ; GOMES et al., 2019GOMES, Grace O. et al. Barriers for physical activity in Primary Health Care. Revista Brasileira de Ciências do Esporte, v. 41, n. 3, p. 263-270, 2019. Disponível em: Disponível em: https://doi.org/10.1016/j.rbce.2018.04.007 Acesso em: 4 abr. 2020.
https://doi.org/10.1016/j.rbce.2018.04.0...
; JUSTINE et al., 2013JUSTINE, Maria et al. Barriers to participation in physical activity and exercise among middle-aged and elderly individuals. Singapore Medical Journal, v. 54, n. 10, p. 581-586, 2013. ).

Apesar de importante o estudo individual das NBP, as técnicas individuais não são preditivas para dar suporte às necessidades básicas, reforçando a combinação de múltiplas técnicas e para as diferentes necessidades psicológicas (GILLISON et al., 2019GILLISON, Fiona B. et al. A meta-analysis of techniques to promote motivation for health behaviour change from a self-determination theory perspective. Health Psychology Review, v. 13, n. 1, p. 110-130, 2019. Acesso em: 10 mar. 2020).

4.2 FASE DE ANÁLISE: REGULAÇÕES MOTIVACIONAIS

Previamente ao início do programa de EF, os participantes sinalizam baixos níveis de autodeterminação, moderando o comportamento principalmente por regulações externas e introjetadas. Os primeiros estudos sobre o tema já mostravam que o exercício físico como tipo de atividade física é mais naturalmente escolhido pelas pessoas por razões externas (FREDERICK; RYAN, 1993FREDERICK, Christina. M.; RYAN, Richard. Differences in motivation for sport and exercise and their relationship with participation and mental health. Journal of Sport Behavior, v. 16, p. 125-145, 1993. ) e isso parece consistente atualmente (MATIAS; ANDRADE; MANFRIN, 2019MATIAS, Thiago S.; ANDRADE, Alexandro; MANFRIN, Julia M. Regulações motivacionais das diferentes escolhas de atividade física no lazer de adolescentes. Revista Brasileira de Atividade Física & Saúde, v. 24, p. 1-8, 2019. ).

Pressão dos familiares e dos médicos, além de medos de diversas ordens, foi observada no discurso dos participantes. Nesse sentido, a literatura tem observado que ameaças, culpabilização, pressões e até recompensas podem interferir negativamente na motivação intrínseca do sujeito (DECI, 1971DECI, Edward L. Effects of externally mediated rewards on intrinsic motivation. Journal of Personality and Social Psychology, v. 18, n. 1, p. 105-115, 1971. Disponível em: Disponível em: http://content.apa.org/journals/psp/18/1/105 . Acesso em: 20 set. 2019.
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; PRATES et al., 2011PRATES, Eli A. R. et al. Competências de estudo e motivação para a universidade. In: CONGRESSO IBEROAMERICANO DE AVALIAÇÃO/EVALUACIÓN PSICOLÓGICA, 8; CONFERÊNCIA INTERNACIONAL AVALIAÇÃO PSICOLÓGICA: FORMAS E CONTEXTOS, 15. [Anais...]. Lisboa: Sociedade Portuguesa de Psicologia, 2011. p. 96-107. Disponível em: Disponível em: http://repositorium.sdum.uminho.pt/handle/1822/16419 Acesso em: 4 abr. 2020
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; RYAN; DECI, 2017RYAN, Richard M; DECI, Edward L. Self-Determination Theory: Basic Psychological Needs in Motivation, Development, and Well-Ness. New York: Guilford Press, 2017. ) consequentemente, causando a desistência das atividades.

Não significa dizer, contudo, que as sugestões para o autocuidado com a saúde e o acolhimento da equipe na Atenção Primária à Saúde sejam destrutivos para a motivação por ter lócus causais externos. Ao contrário, são considerados facilitadores na adesão de programas de AF (BORGES et al., 2019BORGES, Rossana A. et al. Alcance do programa “VAMOS” na atenção básica - barreiras e facilitadores organizacionais. Revista Brasileira de Geriatria e Gerontologia, v. 22, n. 3, 2019. ; TONOSAKI et al., 2018TONOSAKI, Lúcia Midori Damaceno et al. Barriers and facilitators to participate in behavior change program: analysis of focus groups. Revista Brasileira de Ciências do Esporte, v. 40, n. 2, p. 138-145, 2018. ), no entanto, devem ser administradas sem pressões e constrangimentos.

As expectativas de recompensas também foram evidenciadas quando João espera algo em troca e quer saber o que se “ganha” ao final do programa. O problema da recompensa é que: (a) a mudança de comportamento está atrelada às consequências de longo prazo; (b) na percepção de que essas recompensas não estão sendo oferecidas, o comportamento é cessado; e (c) a percepção de recompensa do sujeito pode estar em desacordo com as recompensas do programa. Ressalta-se o desenvolvimento de comportamentos autodeterminados no indivíduo, pois dessa forma, menos dependente das recompensas sociais ou penalidades, ele será (ZIMMERMAN, 2008ZIMMERMAN, Barry J. Investigating self-regulation and motivation: historical background, methodological developments, and future prospects. American Educational Research Journal, v. 45, n. 1, p. 166-183, 2008. Disponível em: Disponível em: http://aer.sagepub.com/cgi/doi/10.3102/0002831207312909 Acesso em: 15 jan. 2020.
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), aumentando as chances para mudança e manutenção de comportamentos de saúde (GILLISON et al., 2019GILLISON, Fiona B. et al. A meta-analysis of techniques to promote motivation for health behaviour change from a self-determination theory perspective. Health Psychology Review, v. 13, n. 1, p. 110-130, 2019. Acesso em: 10 mar. 2020).

Com relação às regulações introjetadas, é observado que o medo de uma doença que ainda não existe é fonte de pressão pessoal para realizar a AF e da construção de crenças sobre os benefícios da AF. As regulações introjetadas podem ser importantes para mudanças de curto prazo (MATIAS, 2019MATIAS, Thiago S.; ANDRADE, Alexandro; MANFRIN, Julia M. Regulações motivacionais das diferentes escolhas de atividade física no lazer de adolescentes. Revista Brasileira de Atividade Física & Saúde, v. 24, p. 1-8, 2019. ). Entretanto, podem vir acompanhadas de prejuízos à saúde mental e/ou de comportamentos compensatórios deletérios à saúde (MATIAS; DOMINSKI; MARKS, 2020MATIAS, Thiago S.; DOMINSKI, Fábio H.; MARKS, David F. Human needs in COVID-19 isolation. Journal of Health Psychology., v. 25, n. 7, p. 871-882, 2020. ).

No tangente à regulação identificada, “fazer amigos” foi amplamente reconhecida pelos participantes como uma razão para a prática de AF. Apesar de externos, os vínculos não depreciam o interesse na AF e são valorizados pelo self. Estudos mostram que apoio social é um facilitador importante para o início de uma prática de atividade física (TONOSAKI et al., 2018TONOSAKI, Lúcia Midori Damaceno et al. Barriers and facilitators to participate in behavior change program: analysis of focus groups. Revista Brasileira de Ciências do Esporte, v. 40, n. 2, p. 138-145, 2018. ), somada a isto, a construção de um ambiente em que a pessoa é “ouvida” é favorável ao desenvolvimento da motivação para a prática de AF (DECI; RYAN, 2014DECI, Edward L.; RYAN, Richard. Autonomy and need satisfaction in close relationships: relationships motivation theory. In: WEINSTEIN, N. (ed.). Human motivation and interpersonal relationships. Dordrecht: Springer, 2014. ; LI et al., 2008LI, Weldong et al. Measuring students perceptions of personal and social responsibility and the relationship to intrinsic motivation in urban physical education. Journal of Teaching in Physical Education, v. 27, n. 2, p. 167-178, 2008. ; ZHANG et al., 2011ZHANG, Tao et al. Need support, need satisfaction, intrinsic motivation, and physical activity participation among middle school students. Journal of Teaching in Physical Education, v. 30, n. 1, p. 51-68, 2011. ). Além disso, a afiliação tem sido reconhecida como uma importante necessidade humana básica (MATIAS; DOMINSKI; MARKS, 2020MATIAS, Thiago S.; DOMINSKI, Fábio H.; MARKS, David F. Human needs in COVID-19 isolation. Journal of Health Psychology., v. 25, n. 7, p. 871-882, 2020. ).

A regulação integrada é uma forma de motivação que compartilha várias qualidades com a motivação intrínseca. Poucas menções foram encontradas que se enquadram como regulação integrada. Apenas duas pessoas mencionaram que gostariam de aprender e “ter” saúde, sem um desfecho específico. Estas entendem que a prática é importante e mesclam o valor instrumental com o valor pessoal, podendo satisfazer as necessidades psicológicas básicas e transitar para a motivação intrínseca (RYAN; DECI, 2000aRYAN, Richard M.; DECI, Edward L. Intrinsic and Extrinsic Motivations: Classic Definitions and New Directions. Contemporary educational psychology, v. 25, n. 1, p. 54-67, 2000a.).

Não foram observados lócus causais internos para a prática de AF. Significa dizer que essa população não percebe sentimentos ligados à satisfação e ao prazer pela prática. Esse achado deve ser valorizado, pois a motivação intrínseca é condutiva de sentimentos genuínos de autonomia e competência percebida. As pessoas motivadas por ações internas (motivação intrínseca) possuem maiores níveis de interesse, confiança e persistência se comparadas com pessoas que são motivadas por alguma ação externa. Pessoas com maior grau de internalização das razões para se exercitar sentem-se mais motivadas para perseguirem com a prática de AF ao longo da vida (GILLISON et al., 2019GILLISON, Fiona B. et al. A meta-analysis of techniques to promote motivation for health behaviour change from a self-determination theory perspective. Health Psychology Review, v. 13, n. 1, p. 110-130, 2019. Acesso em: 10 mar. 2020). É possível observar, portanto, que o comportamento autodeterminado não é uma “eventualidade”. Os programas de atividade física devem pensar em suprir as necessidade psicológicas básicas, o que, por consequência, transformará as motivações mais externas em mais internas (RYAN; DECI, 2000bRYAN, Richard M.; DECI, Edward L. Self-determination theory and the facilitation of intrinsic motivation, social development, and well-being. The American Psychologist, v. 55, n. 1, p. 68-78, 2000b., 2017RYAN, Richard M; DECI, Edward L. Self-Determination Theory: Basic Psychological Needs in Motivation, Development, and Well-Ness. New York: Guilford Press, 2017. ).

O que se tem observado na literatura é que as justificativas para os processos de mudança de comportamento são: 1) atreladas aos eventuais desfechos positivos sobre a saúde das pessoas. Entretanto, os programas que visam mudanças comportamentais, em sua maioria, não conseguem ratificar essa promissora “justificativa”, pois apresentam dificuldade para realizar a manutenção da mudança de comportamento (GILLISON et al., 2019GILLISON, Fiona B. et al. A meta-analysis of techniques to promote motivation for health behaviour change from a self-determination theory perspective. Health Psychology Review, v. 13, n. 1, p. 110-130, 2019. Acesso em: 10 mar. 2020); ou 2) tem passado pela boa intuição dos profissionais de saúde em como mediar os condicionantes afetivos e emocionais dos indivíduos (MATIAS, 2019MATIAS, Thiago S.; ANDRADE, Alexandro; MANFRIN, Julia M. Regulações motivacionais das diferentes escolhas de atividade física no lazer de adolescentes. Revista Brasileira de Atividade Física & Saúde, v. 24, p. 1-8, 2019. ). Ocorre que, ao intuir acerta-se eventualmente, mas também se erra. É necessário, portanto, tornar os processos de mudança de comportamento intencionais e que levem em consideração modelos teóricos consolidados e validados cientificamente. E também, que favoreça a compreensão de um conjunto sistemático de estratégias e determinantes para a mudança de comportamento, apoiando a prática baseada em evidência como parte das melhores práticas de intervenção em saúde (GILLISON et al., 2019GILLISON, Fiona B. et al. A meta-analysis of techniques to promote motivation for health behaviour change from a self-determination theory perspective. Health Psychology Review, v. 13, n. 1, p. 110-130, 2019. Acesso em: 10 mar. 2020; KNITTLE et al., 2018KNITTLE, Keegan et al. How can interventions increase motivation for physical activity? A systematic review and meta-analysis. Health Psychology Review, v. 12, n. 3, p. 211-230, 2018. Disponível em: Disponível em: https://doi.org/10.1080/17437199.2018.1435299 Acesso em: 20 abr. 2020.
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). Assim, é importante que os profissionais sejam capazes - e tenham condições - de organizar a complexidade de fatores que envolvem a intervenção com AF no contexto da saúde e que consigam promover o suprimento das necessidades psicológicas básicas, aumentando as chances para um processo positivo de mudança de comportamento (MATIAS, 2019MATIAS, Thiago S.; ANDRADE, Alexandro; MANFRIN, Julia M. Regulações motivacionais das diferentes escolhas de atividade física no lazer de adolescentes. Revista Brasileira de Atividade Física & Saúde, v. 24, p. 1-8, 2019. ).

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O objetivo deste artigo foi investigar a percepção sobre os antecedentes afetivos para a atividade física relacionados às necessidades psicológicas básicas e analisar as regulações motivacionais para prática de AF no discurso dos participantes iniciantes do Programa Saúde Ativa Uberaba. Os resultados mostram que as percepções dos participantes sugerem frustração para as necessidades básicas de autonomia e competência. Contudo, para a necessidade de vínculo os participantes relataram características que sugerem o suporte. No que diz respeito às motivações dos participantes, observou-se que muitas sugerem lócus motivacionais de regulação externa (motivação extrínseca), e as regulações motivacionais são majoritariamente externas. Não foram observadas regulações motivacionais intrínsecas, e a autodeterminação para a participação no programa é baixa. Isto é, essa população não percebe sentimentos ligados à satisfação e ao prazer pela prática, diminuindo, assim, as chances de manutenção do comportamento para a prática de AF. A prática de AF é atualmente uma das prioridades em Saúde Pública no Brasil. Nesse sentido, é importante que sejam consideradas as respostas afetivas - como as motivações, no planejamento e condução de programas dessa natureza. É imperioso que as bases epistemológicas da psicologia positiva e da sociologia sejam consideradas na construção de estruturas democráticas para a AF.

6 PONTOS FORTES, LIMITAÇÕES DO ESTUDO E APLICABILIDADE PRÁTICA

Como ponto forte observa-se a escolha da análise, que permitiu compreender as profundidades dos pensamentos das pessoas em um tema que versa sobre afetos e emoções, o que surveys e questionários não permitiriam, ou o fariam com limitações. No entanto, algumas limitações devem ser consideradas, como: a alta taxa de desistência para iniciar o programa no grupo 2; a falta da caracterização dos estágios de prontidão para prática de AF dos iniciantes do programa, com a utilização de um questionário específico que permita delimitar com mais precisão o comportamento para a AF e os movimentos cíclicos que estes sujeitos já realizaram em torno da AF; e a impossibilidade de identificar a importância atribuída para cada regulação motivacional.

Observa-se um desafio vigente: como criar condições ambientais para que as pessoas percebam regulações motivacionais mais internas na adesão e aderência à programas de AF na Atenção Primária à Saúde? Como oferecer suporte às necessidades psicológicas básicas, internalizar regulações motivacionais mais externas e aumentar as chances para a manutenção da prática de AF ao longo da vida? Os resultados evidenciam que a motivação autodeterminada não é uma casualidade, os programas de AF ou exercício físico para a saúde devem se apropriar de ferramentas e técnicas que forneçam suporte para as necessidades psicológicas. Como exemplo, os programas devem considerar a importância de promover escolhas e seleção de objetivos em conjunto, atividades em cooperação com utilização de estratégias lúdicas e fazer o uso de linguagem não controladora e ameaçadora. Além disso, é relevante destacar que a prática de AF deve ser aconselhada pelos profissionais de saúde - não apenas o profissional de Educação Física, em contextos variados e substantivos, como parte do processo de produção do cuidado neste nível de atenção à saúde.

É imperioso que se promovam debates interpares entre os profissionais de saúde. Também se deve motivar, aprofundar e socializar as discussões da Academia com a população. Deve-se engendrar planos que contemplem para além das variáveis demográficas, físicas e biológicas, como também psicológicas, sociais, culturais e comportamentais de modo a oferecer suporte à motivação intrínseca e à satisfação das necessidades básicas do ser humano. A transmissão do conhecimento contextualizada em união com a contemplação dessas variáveis supracitadas pode lograr o êxito na mudança de comportamento frente à AF dos sujeitos, tornando-se um enriquecedor contributo para as políticas de promoção da saúde.

REFERÊNCIAS

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NOTAS EDITORIAIS

  • LICENÇA DE USO

    Este é um artigo publicado em acesso aberto (Open Access) sob a licença Creative Commons Atribuição 4.0 Internacional (CC BY 4.0), que permite uso, distribuição e reprodução em qualquer meio, desde que o trabalho original seja corretamente citado. Mais informações em: https://creativecommons.org/licenses/by/4.0
  • FINANCIAMENTO

    O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior -Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001 This study was financed in part by the Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Finance Code 001.
  • ÉTICA EM PESQUISA

    O estudo foi aprovado pela Secretaria Municipal de Saúde de Uberaba-MG e pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal do Triângulo Mineiro (parecer 2.509.019). Todos os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.
  • COMO CITAR

    POLO, Maria Clara Elias; MATIAS , Thiago Sousa; TAVARES , Giselle Helena; PAPINI , Camila Bosquiero. Antecedentes motivacionais da atividade física na atenção básica de saúde: um estudo qualitativo. Movimento, v.26, p.26081 jan./dez. 2020. Disponível em: https://www.seer.ufrgs.br/Movimento/article/view/105017. Acesso em: 2020. DOI: https://doi.org/10.22456/1982-8918.105017
  • RESPONSABILIBADE EDITORIAL

    Alex Branco Fraga*, Elisandro Schultz Wittizorecki*, Ivone Job*, Mauro Myskiw*, Raquel da Silveira* *Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Escola de Educação Física, Fisioterapia e Dança, Porto Alegre, RS, Brasil

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    08 Mar 2021
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    01 Jul 2020
  • Aceito
    14 Out 2020
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