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MULHERES E FUTEBOL NO BRASIL: DESCONTINUIDADES, RESISTÊNCIAS E RESILIÊNCIAS

Resumo

Este texto tem como objetivo apresentar o dossiê temático que analisa a presença das mulheres no futebol. Para tanto, contempla uma breve contextualização sobre a modalidade no contexto brasileiro, conferindo ênfase ao protagonismo das mulheres que, em diferentes tempos e espaços, elaboraram estratégias para viver o futebol. Evidencia ainda que sua prática é profundamente atravessada pelas questões de gênero, o que pode ser identificado nos demais textos que integram o dossiê e que revelam, de modo indelével, que este atravessamento é transnacional.

Palavras chave:
Mulheres; Futebol; História

Abstract

This text introduces the thematic dossier analyzing the presence of women in football. To this end, it briefly contextualizes that sport in the Brazilian context, emphasizing the role of women, who developed strategies to experience football in different times and spaces. It also evidences that the practice is deeply crossed by gender issues, which can be identified in the other texts that are part of the dossier and that indelibly reveal that this crossing is transnational.

Keywords:
Women; Football; History

Resumen

Este texto tiene como objetivo presentar el dosier temático que analiza la presencia de las mujeres en el fútbol. Para ello, contempla una breve contextualización sobre la modalidad en el contexto brasilero, con énfasis en el protagonismo de las mujeres que, en diferentes tiempos y espacios, elaboraron estrategias para vivir el fútbol. Además, pone en evidencia que su práctica está profundamente atravesada por las cuestiones de género, lo que se identifica en los demás textos que integran el dosier y que revelan, de manera indeleble, que esa transversalidad es transnacional.

Palabras clave:
Mujeres; Fútbol; Historia

APRESENTAÇÃO DA SEÇÃO EM FOCO

O protagonismo das mulheres no futebol é um tema que ainda merece grande investimento em termos de pesquisa, produção de fontes e visibilidade. Mais do que buscar um suposto marco inaugural de sua presença ou ainda esboçar uma possível história da modalidade, importa enfatizar o quanto o seu envolvimento nos diferentes futebóis (DAMO, 2019DAMO, A. Futebóis - da horizontalidade epistemológica à diversidade política. FuLiA / UFMG. Belo Horizonte, v. 3, n. 3, p. 37-66, 2019. Disponível em:https://periodicos.ufmg.br/index.php/fulia/article/view/14644. Acesso em: 9 nov. 2020.DOI: 10.17851/2526-4494.3.3.37-66.
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) tem sido historicamente ignorado. Se, por um lado, a escassez de registros é um dos motivos para a pouca circularidade do tema, por outro, a precariedade de pesquisas também o é.

Considerando que escrever e publicar é ato político, este dossiê revela o compromisso da revista Movimento com a produção e difusão de conhecimentos sobre áreas ainda a descoberto. Motivada e agradecida pelo convite para coordená-lo, decidi destacar neste texto de apresentação alguns aspectos relacionados à história do futebol de mulheres no Brasil. Sua inclusão tem como objetivo trazer à reflexão um tópico que considero relevante para subsidiar a leitura dos artigos que compõem este número especial: a constatação de que a presença das mulheres nas mais diferentes ocupações e manifestações do futebol resulta de sua insistência em permanecer em um espaço que não é representado, incentivado e reconhecido como seu. Ao tomar a luta das brasileiras como fio condutor de minha narrativa, destaco que ela não é única e nem singular. Desde que o futebol foi criado, as mulheres em diferentes tempos e contextos sociais precisaram disputar poderes para nele adentrar, e ao fazê-lo desconstruíram representações que, assentadas na biologia do corpo e do sexo, justificavam o caráter exótico, espetacular e impróprio atribuído a sua prática.

Leite de Castro, Chefe do Departamento Médico da Liga de Futebol da cidade do Rio de Janeiro, então capital do Brasil, em 1940, defendia essa representação ao proferir que o futebol “praticado por mulheres só pode ser aplaudido como exibição grotesca ou teatral ao sabor da curiosidade popular, avida [sic] de novidades ou originalidades” (CASTRO, 1940CASTRO, Leite de. Diário de Notícias, 12 de novembro de 1940., p. 1). O fato de considerá-lo “um espetáculo ridículo e digno de merecer atenções das nossas autoridades” (p.1.) favoreceu a emergência de discursos e práticas que o consideravam abjeto e nefasto para as mulheres.

O protagonismo das jogadoras, sobretudo a partir da década de 1930, provocou reações dessa natureza. A apropriação do espaço público, tido como de domínio dos homens, e a decisão sobre os usos de seus corpos, entendida como uma ameaça à condução de uma maternidade sadia, desestabilizavam representações de gênero e, em última instância, relações de poder. Nas palavras de Waldemar Berardinelli (1940, p. 15):

A mulher moderna procura a tendência masculina, porque biologicamente, morfologicamente, psicologicamente ela está tomando essa orientação. Trabalhando como o homem, intoxicando-se como o homem (fumo, álcool), tendo emoções semelhantes às do homem, praticando o ‘birth-control’, a mulher atrofia as suas funções ovarianas, modifica o funcionamento de outras glândulas e toda a sua fisionomia diferencial sexual, tendendo a distinguir-se menos.

Argumentos como esses fomentaram o cerceamento da liberdade, culminando com a oficialização da proibição do futebol e de outras modalidades esportivas por aproximadamente quatro décadas1 1 Em 1941 o Conselho Nacional de Desportos instituiu o Decreto-Lei nº 3.199, o primeiro documento a balizar o ordenamento esportivo brasileiro. Seu conteúdo expressava o desejo institucional de disciplinar o campo esportivo oficializando a interdição às mulheres “de desportos incompatíveis com as condições de sua natureza” (BRASIL, 1941). O Decreto foi revogado apenas em abril de 1979. . Determinante para essa interdição foi a carta que José Fuzeira endereçou ao presidente Getúlio Vargas, na qual advertia sobre os perigos da prática futebolística para o futuro da nação. Intitulada Um disparate esportivo que não deve prosseguir, o texto tratava o futebol como uma calamidade para as moças que estavam correndo o risco “de destruírem a sua preciosa saúde, e ainda a saúde dos futuros filhos delas… e do Brasil” (UM DISPARATE, 1940, p. 12).

Atentas ao conservadorismo imperante, algumas futebolistas reagiram à publicação dessa carta registrando, assim, sua resistência e insurgência. Margarida Pereira, a Adyragram, zagueira, capitã e presidente do S.C. Brasileiro, uma equipe do Rio de Janeiro, foi a público manifestar sua indignação:

O Senhor José Fuzeira deveria assistir à prática de futebol feminino, para verificar quão salutar é esse esporte e os benefícios que o mesmo presta às suas praticantes. É verdade que o futebol, como outros esportes, não pode ser praticado por todos, principalmente por aqueles que têm aversão à educação física e que só fazem ginástica pelo rádio, receosos de se apresentarem em público, graças às deficiências orgânicas com que a natureza os brindou (DEFENDEM-SE…, 1940, p. 6).

A menção a esse episódio revela uma intenção: salientar que as mulheres não sucumbiram e nem se calaram diante dos inúmeros obstáculos com os quais se defrontaram para estar no futebol. Assim como Adyragram, muitas resistiram e, ao seu tempo e do seu jeito, impediram que sua prática desaparecesse, mesmo no longo período no qual esteve proibido. Entre 1941 e 1979 passaram-se quase quatro décadas, plenas de atos de insubordinação (RIGO et al., 2008RIGO, Luiz Carlos et al. Notas acerca do futebol feminino pelotense em 1950: um estudo genealógico.Revista Brasileira de Ciências do Esporte, Campinas, n. 29,v. 3, p. 173-188, 2008.; CUNHA, 2016CUNHA, Teresa Cristina de Paiva Montes. O início do futebol feminino no Brasil: divergências históricas e o pioneirismo na prática. In: KESSLER, Cláudia S. (org.). Mulheres na área: gênero, diversidade e inserções no futebol. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2016, p. 212-232.; RAJÃO, 2018RAJÃO, Rafael R. Futebol de mulheres em tempos de proibição: o caso das partidas Vespasiano x Oficina (1968). Mosaico, [S. l.], v. 9, n. 14, p. 48-69, 2018. Disponível em: http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/mosaico/article/view/73995/73205. Acesso em: 31out. 2020.
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; BONFIM, 2019BONFIM, Aira Fernandes. Football feminino entre festas esportivas, circos e campos suburbanos: uma história social sobre o futebol praticado por mulheres da introdução à proibição (1915-1941). 2019. 213 f. Dissertação. (Mestrado em Ciências Sociais) - Escola de Ciências Sociais, Fundação Getúlio Vargas, Rio de Janeiro, 2019.; ELSEY; NADEL, 2019ELSEY, Brenda; NADEL, Joshua. Futbolera: a history of women and sports in Latina America. Austin: Universityof Texas Press, 2019.). Mesmo que as mulheres tenham jogado futebol ressaltando sua dimensão recreativa ou que sua prática tenha acontecido em espaços não esportivos com o intuito de burlar a lei, a restrição às competições freou o desenvolvimento da modalidade, coibindo de modo indelével a sua difusão.

O final da década de 1970 e o início dos anos 1980 foram marcados por um certo otimismo no contexto nacional. A ditadura militar chegava a seus últimos suspiros, os movimentos sociais estavam em franco crescimento e as pautas feministas reivindicavam o direito das mulheres aos usos de seus corpos e de sua sexualidade. O futebol não passou desapercebido chegando, inclusive, a integrar a pauta reivindicatória de um importante evento realizado em São Paulo em 1982.

Creches, legalização do aborto e oportunidades iguais foram algumas das reivindicações das mulheres vindas de três continentes para o I Festival Nacional de Mulheres nas Artes, organizado pela atriz e empresária de teatro, Ruth Escobar. Realizado em São Paulo e no ABC em mais de 40 locais diferentes, por 10 dias a produção feminina invadiu as ruas da Capital paulista, instalou-se em cinemas, teatros, exibiu-se em galerias e museus. Tudo isto para lembrar aos opositores que a mulher saiu definitivamente da periferia da cozinha e já se fez reconhecida imortal pelas academias de letras, impôs-se em comícios políticos e provou até mesmo que pode sacudir as galeras de qualquer estádio de futebol (AMARANTE, 1982AMARANTE, Leonor. Gols de Placa. Revista Mulher. Rio de Janeiro, p. 47, set/out1982., p. 47).

A inclusão de uma partida entre mulheres representando as seleções de São Paulo e Rio de Janeiro como preliminar do clássico São Paulo e Corinthians na programação do festival, que aconteceu em setembro de 1982, foi uma estratégia para pressionar as instituições a regulamentar a modalidade. A tentativa de impedir sua realização foi contornada pela organização do evento que atribuiu ao jogo o caráter de espetáculo, diminuindo inclusive seu tempo de duração (PÚBLICO… 1982, p. 12). Sócrates, jogador do Corinthians, manifestou-se em defesa das mulheres e, diante da possibilidade de interdição da partida, falou: “[…] se elas não entrarem, nós também não vamos entrar!” (MUSEU DO FUTEBOL, 2016).

Uma das articuladoras desse jogo icônico foi a jogadora e advogada Rose do Rio, protagonista de muitas ações em prol do direito das mulheres vivenciarem o futebol. Em sua peregrinação por órgãos públicos, clubes e competições, conversou “com Giulite Coutinho (presidente da CBF), João Havelange (presidente da FIFA) e César Montanha (presidente do CND2 2 Conselho Nacional de Desportos. ), e todos eles têm manifestado interesse, mas têm também procurado jogar a responsabilidade para outros órgãos” (ROSE DO RIO… 1983, p. 9). Para Rose, a intenção era

promover o futebol feminino, atrair a torcida para os estádios com um novo tipo de espetáculo que não parece ferir ninguém, exceto uma legislação discriminatória que impede a mulher de desempenhar uma atividade esportiva reservada, ao que parece, ao homem. Ora, toda lei (decreto ou deliberação) que faça clara discriminação de qualquer espécie contraria a Constituição em vigor. E por isso vamos tentar, através da Justiça, derrubar a deliberação do CND e expandir o futebol feminino (apud SILVA, 2017SILVA, Giovana Capucim e. Mulheres impedidas: a proibição do futebol feminino na imprensa de São Paulo. Rio de Janeiro: Editora Multifoco, 2017., p. 182).

A luta de Rose, e de muitas outras mulheres, não foi inglória. Persuadido pelo exemplo da União das Associações Europeias de Futebol (UEFA), que já tinha regulamentado o futebol praticado pelas mulheres, em reunião no dia 25 março de 1983, o CND autorizou a prática da modalidade3 3 Publicado no Diário Oficial da União no dia 11 de abril de 1983, a Deliberação 01/83 dispõe sobre as normas básicas para a prática de futebol feminino. Disponível em:https://www.jusbrasil.com.br/diarios/3311099/pg-58-secao-1-diario-oficial-da-uniao-dou-de-11-04-1983. Acesso em: 19 set. 2020. . Ainda assim estabeleceu que fossem seguidas as normas recomendadas pela FIFA, dentre as quais se destacam a diminuição do tempo do jogo, do tamanho do campo, do peso da bola, além do uso de “protetores para os seios e as chuteiras não poderão ter travas pontiagudas. Outra diferença do futebol tradicional: bola ‘matada’ no peito será falta, equivalente à bola na mão” (VÂNIA…, 1983, p. 33).

Com a regulamentação da modalidade, a década de 1980 se mostrou promissora para as futebolistas. As competições organizadas pelas instituições gestoras do futebol começaram a emergir em várias regiões do país. A Federação Gaúcha de Futebol, que havia encaminhado ao CND um estudo argumentando a favor da regulamentação (MENDES, 1983MENDES, Gilberto. Mulheres com a bola cheia. O Pioneiro, Caxias do Sul, 20 de abril de 1983, p. 11.), promoveu uma partida de mulheres como preliminar ao jogo entre o Grêmio Foot-Ball Porto Alegrense e o São Paulo Futebol Clube, que estavam disputando a terceira fase da Taça de Ouro, denominação do Campeonato Brasileiro daquele ano. Realizada em Porto Alegre no dia 17 de abril de 1983, com o estádio do Grêmio praticamente lotado (40.820 pessoas para a capacidade máxima de 51.081), entraram em campo as jogadoras do Esportivo de Bento Gonçalves e do Sport Clube Rio Grande para disputar esse que talvez tenha sido o “primeiro jogo de futebol feminino oficialmente autorizado por uma federação no Brasil” (VÂNIA…, 1983, p. 33).

Se foi o primeiro a acontecer depois da regulamentação ainda não sabemos. Mais do que ressaltar esse suposto pioneirismo, importa registrar que em várias regiões do país emergiram competições autorizadas, demonstrando que, mesmo na clandestinidade, as mulheres continuavam a jogar futebol. Além do Rio Grande do Sul (RAMOS; GOELLNER, 2018RAMOS, Suellen dos Santos; GOELLNER, Silvana Vilodre. Sabe aquele gol que o Pelé não fez? Eu fiz! A trajetória esportiva de Duda. São Paulo: Editora Multifoco, 2018.), ainda em 1983, foram realizados campeonatos no Paraná, Espírito Santo, Mato Grosso do Sul, Sergipe, Pernambuco, São Paulo, Rio de Janeiro (SILVA, 2017SILVA, Giovana Capucim e. Mulheres impedidas: a proibição do futebol feminino na imprensa de São Paulo. Rio de Janeiro: Editora Multifoco, 2017.), Ceará (NASCIMENTO, 2019NASCIMENTO, Karine. A verdadeira regra do impedimento: a história do futebol feminino cearense. Natal: Editora Primeiro Lugar, 2019.), Minas Gerais (ANJOS; DANTAS, 2020ANJOS, Luiza Aguiar dos; DANTAS, Marina de Mattos. Futebol de mulheres em Belo Horizonte. In: Caderno de Memórias: a história do futebol feminino em Belo Horizonte. Belo Horizonte: Gráfica Rona, 2020. p. 25-33), Bahia (MORAES, 2014MORAES, Enny Vieira. Fazendo gênero e jogando bola: Futebol feminino na Bahia anos 80-90. Salvador: EDUFBA, 2014.), Goiás (KETELBEY, 2018KETELBEY, Domingos. Campeãs invisíveis: uma trajetória desconhecida do futebol goiano. Goiânia: Faculdade Araguaia, 2018.), entre outros. Nesse mesmo ano, surge a primeira competição nacional: a Taça Brasil de Futebol Feminino4 4 Competição de caráter anual que ocorreu entre 1983 e 2007, exceto nos anos de 1992, 1995, 2002, 2004 e 2005. A edição inaugural reuniu as equipes do Radar, Goiás, Corinthians e Cruzeiro , cuja estreia reuniu quatro equipes.

Ainda que muito distante da profissionalização, a profusão de clubes e competições apontavam para um novo cenário, mais otimista e esperançoso. Indicava também que o futebol poderia ser uma forma de trabalho e um modo de sustento. Em matéria publicada na revista Placar em julho de 1984, Regina Echeverria descreve os valores pagos na forma de salário, ajuda de custo, patrocínio e apoio - alimentação e transporte - de clubes de diferentes estados para afirmar que o “futebol feminino já é definitivamente uma graciosa realidade no país do futebol […]” (p. 24). Segundo dados do Museu do Futebol (2019), “em 1987, aproximadamente 2 mil equipes de futebol feminino e 40 mil jogadoras estavam registradas nas entidades regionais e estaduais amadoras que promoviam o futebol feminino no país”.

A promessa da FIFA em organizar o primeiro campeonato mundial ampliava os horizontes da modalidade e perspectivava sonhos. João Havelange, então presidente da entidade, divulgou que iria promovê-lo em 1986 (GABRIEL,2015GABRIEL, Bruno José. A cobertura acerca da seleção brasileira de futebol feminino realizada pelo caderno de esportes da Folha de S. Paulo (1991-2011).2015. 254 f. Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais Aplicadas) - Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais Aplicadas, Universidade Estadual de Ponta Grossa, Ponta Grossa,2015.), o que efetivamente não aconteceu. Além disso, “deu diversas declarações sobre suas pretensões de incorporação do futebol feminino como modalidade oficial da FIFA” (SILVA, 2017SILVA, Giovana Capucim e. Mulheres impedidas: a proibição do futebol feminino na imprensa de São Paulo. Rio de Janeiro: Editora Multifoco, 2017., p. 198), a exemplo do que havia feito com o futebol de salão. No entanto, foi apenas em 1988 que a FIFA organizou seu primeiro torneio internacional5 5 O International Women’s Football Tournament foi realizado entre os dias 1º e 12 de junho de 1988 na China com a participação de 12 equipes: Austrália, Brasil, Canadá, China, Costa do Marfim, Estados Unidos, Holanda, Japão, Noruega, Suécia, Tailândia e Tchecoslováquia (SILVA, 1988). , um evento preparatório para sediar a I Copa do Mundo de Futebol Feminino, que aconteceu em 1991 na China. Motivada pela criação dessas competições, a CBF convocou dezoito jogadoras que vestiram “pela primeira vez a camisa da CBF em uma competição internacional: […] será a grande chance de melhorar o precário panorama do Futebol Feminino no Brasil” (SILVA, 1988, p. 7). Nessa competição inaugural, a seleção conquistou a terceira colocação e sua participação no primeiro mundial foi garantida por ter vencido o I Campeonato Sul-Americano, disputado em Maringá entre os dias 28 de abril e 5 de maio de 1991. A competição foi organizada pela Confederação Sul-Americana de Futebol (CONMEBOL) e reuniu, além do Brasil, as seleções do Chile e da Venezuela.

A campanha das brasileiras no Mundial da China não foi considerada satisfatória, finalizando a competição na nona posição dentre as doze seleções participantes6 6 Classificação Final: Estados Unidos, Noruega, Suécia, Alemanha, China, Itália, Dinamarca, Taipé Chinês, Brasil, Nigéria, Nova Zelândia e Japão. . Vejam o registro da Folha de S. Paulo:

[…] a eliminação precoce do Brasil causou revolta na sede da CBF, no Rio de Janeiro. O presidente da entidade, Ricardo Teixeira, ameaçou extinguir a realização de campeonatos oficiais de futebol feminino no Brasil. Segundo ele, o baixo rendimento da seleção na China desestimula o investimento financeiro na categoria (MUNDIAL…, 1991, p. 6).

De fato, esse posicionamento reverberou no universo da bola e, se as condições de trabalho já eram difíceis para as futebolistas, essa declaração possibilitou que assim se mantivessem ou piorassem. A começar pela própria CBF, que não organizou o campeonato nacional em 1992 e em 1995. Além disso, praticamente ignorou a seleção, voltando a convocá-la apenas em 1994 em função da iminência de três grandes eventos: o II Campeonato Sul-Americano de 1995, sediado em Uberlândia (MG), a Copa do Mundo de Futebol Feminino de 1995, que aconteceu na Suécia, e a estreia do futebol de mulheres nos Jogos Olímpicos de Atlanta (EUA) em 1996. Com o intuito de observar jogadoras para compor o grupo de atletas que representaria o país nessas competições, organizou, no início de 1994, a I Taça João Havelange, disputada por 23 seleções estaduais em oito cidades de diferentes regiões do país.

Com a conquista do segundo título sul-americano, em 1995, a seleção garantiu sua vaga para a Copa do Mundo da Suécia, onde novamente alcançou a nona posição. Sua participação no Mundial a classificou para os Jogos Olímpicos de Atlanta, finalizando a competição na quarta posição. O final da década foi coroado com um grande feito para o esporte nacional: além de ganhar a medalha de bronze na Copa do Mundo dos EUA em 1999, nossa camisa 10, Sisleide Lima do Amor (Sissi), foi artilheira da competição (GOELLNER, 2019GOELLNER, Silvana V. Sissi, a Imperatriz: entrevista com Sisleide Lima do Amor. FuLiA / UFMG. Belo Horizonte, v. 4, n. 1, p. 117-133, 2019. Disponível em: https://periodicos.ufmg.br/index.php/fulia/article/view/14661. Acesso em: 10 nov. 2020.DOI: 10.17851/2526-4494.4.1.117-133.
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).

Apesar de não podermos analisar o futebol de mulheres no Brasil apenas a partir da seleção nacional, sua trajetória é um indicador que merece atenção, seja porque baliza incentivos, seja porque visibiliza a modalidade, sobretudo na mídia que, em grande medida, pauta o protagonismo das futebolistas apenas no período de competições de grande porte.

Em entrevista para a Folha de S. Paulo no final do Sul-Americano de 1995, Delma Gonçalves (Pretinha), quando inquirida sobre a importância da conquista para a estruturação da modalidade, responde: “Por enquanto não vi nenhuma mudança na minha carreira. Mas tenho esperança que o futebol feminino ganhe espaço e as jogadoras sejam reconhecidas, com melhores salários para as atletas e infraestrutura para o futebol feminino” (BERTOLOTTO, 1995BERTOLOTTO, Rodrigo. Pretinha pede reconhecimento. Folha de São Paulo, São Paulo, 23 de janeiro de 1995, p. 8., p. 8). Em 1996, depois da estreia nos Jogos Olímpicos, volta a referir: “Você tem que ter alguma outra atividade para não passar fome” (GABRIEL, 2015GABRIEL, Bruno José. A cobertura acerca da seleção brasileira de futebol feminino realizada pelo caderno de esportes da Folha de S. Paulo (1991-2011).2015. 254 f. Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais Aplicadas) - Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais Aplicadas, Universidade Estadual de Ponta Grossa, Ponta Grossa,2015., p. 176). Uma delas foi atuar simultaneamente no futebol de campo e de salão, cuja difusão foi significativa na década de 1990 por demandar menos investimento em termos de manutenção, número de atletas e alocação de espaços (KESSLER, 2010KESSLER, Claudia Samuel. “Entra aí pra completá”: narrativas de jogadoras do futsal feminino em Santa Maria - RS. 2010. 127 f. Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais) - Faculdade de Ciências Sociais, Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria, 2010.; SILVA, 2017SILVA, Giovana Capucim e. Mulheres impedidas: a proibição do futebol feminino na imprensa de São Paulo. Rio de Janeiro: Editora Multifoco, 2017.).

Finda a década, nova descontinuidade. Se por um lado a regulamentação possibilitou que o futebol invisível emergisse das sombras, por outro os investimentos não foram suficientes para garantir sistematicidade e reconhecimento à modalidade.

A expectativa deste período era de que se consolidaria a presença da mulher no futebol devido aos bons resultados nos campeonatos sul-americanos, nos Jogos Olímpicos, e também a implantação dos campeonatos mundiais pela FIFA. Estes eventos indicavam que haveria um maior interesse do público, da mídia, bem como de empresas patrocinadoras. Todavia, este crescimento não se confirmou, pois o aumento no número de praticantes não provocou o interesse da mídia, indispensável para o crescimento e expansão do FF (MOREL; SALLES, 2006MOREL, Márcia; SALLES, José Geraldo do C. Futebol Feminino. In:DaCOSTA, Lamartine Pereira (org.).Atlas do Esporte no Brasil. Rio de Janeiro, CONFEEF, 2006., p. 8264).

O início dos anos 2000 foi marcado por um ciclo vitorioso em termos de resultados da seleção brasileira. Medalha de Ouro nos Jogos Pan-Americanos de Santo Domingo (2003) e do Rio de Janeiro (2007), Campeãs Sul-Americanas (2003), Medalha de Prata nos Jogos Olímpicos de Atenas (2004) e de Pequim (2008) e Vice-campeãs da Copa do Mundo de Futebol Feminino da China (2007). Parecia que estávamos vivendo uma nova era do futebol de mulheres e que essas conquistas propulsionariam sua estruturação e profissionalização. No entanto, pouco se avançou nessa direção e o descontentamento com a condução da modalidade foi expresso publicamente por algumas jogadoras. Sissi foi uma delas e sua insurgência fez com que não fosse convocada para a Copa do Mundo de 2003, realizada nos EUA “devido ao boicote que sofreu por externar críticas à maneira como a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) conduzia o futebol feminino e reivindicar condições justas de trabalho, como a valorização das diárias pagas às atletas a serviço da seleção” (SOARES, 2020SOARES, João Pedro. O Brasil caminha para um futebol mais igualitário? DW, 7 de setembro de 2020. Disponível em:https://www.dw.com/pt-br/o-brasil-caminha-para-um-futebol-mais-igualit%C3%A1rio/a-54841142. Acesso em: 15 out. 2020.
https://www.dw.com/pt-br/o-brasil-caminh...
, online). Situação semelhante foi vivenciada por Daiane Rodrigues (Bagé), que escreveu e segurou uma faixa na qual estava escrito “Brasil, precisamos de apoio” (LAVINAS, 2007LAVINAS, Thiago. Meninas levam ao pódio faixa pedindo apoio. Globoesporte.com. 30 de setembro de 2007. Disponível em http://globoesporte.globo.com/ESP/Noticia/Futebol/Campeonatos/0,,MUL139359-9352,00-MENINAS+LEVAM+AO+PODIO+FAIXA+PEDINDO+APOIO.html.Acesso em: 10 out. 2020.
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, online.), exibida na cerimônia de premiação pela conquista do inédito vice-campeonato na Copa do Mundo da China em 2007. As denúncias persistiram e no retorno da equipe ao Brasil, ainda no desembarque no Aeroporto do Galeão (Rio de Janeiro), algumas jogadoras relataram o descaso e a falta de estrutura da modalidade em nosso país.

Alimentação inadequada durante a competição, falta de amistosos, pouca transparência em relação à definição de premiação, demora no pagamento do prêmio pela conquista da medalha de ouro nos Jogos Pan-Americanos do Rio de Janeiro e o futuro da modalidade foram alguns dos temas abordados (GOELLNER, 2020GOELLNER, Silvana V. Nós convidamos a CBF a trazer reformas de igualdade de gênero para o Brasil. Ludopédio. São Paulo, v.135, n. 36, 2020. Disponível em:https://www.ludopedio.com.br/arquibancada/nos-convidamos-a-cbf-a-trazer-reformas-de-igualdade-de-genero-para-o-brasil/. Acesso em: 4 set. 2020.
https://www.ludopedio.com.br/arquibancad...
, online).

As atletas temiam que a CBF não se empenhasse, “como ocorreu após a Olimpíada de Atenas, em 2004, quando as brasileiras faturaram a medalha de prata. Na época, a entidade prometeu uma série de melhorias e as próprias atletas admitem que nada saiu do papel” (LOUSADA, 2007LOUSADA, Bruno. Meninas exigem respeito: vice-campeãs mundiais, brasileiras desembarcam com um pacote de recomendações. Estado de São Paulo.São Paulo, 3 de outubro de 2007, p. 29., p. 29). O não cumprimento das promessas e a contínua descontinuidade foram novamente denunciados por Sissi, em 2015:

A gente vem batendo na tecla com relação ao Brasil desde quando jogava na seleção brasileira e sempre falavam: ‘Vão acontecer mudanças’. Mas elas nunca saíram do papel, ficaram só nas promessas. Assim, até entendo que fica difícil para as meninas que estão nessa nova geração acreditarem, porque elas também estão vivenciando isso e as promessas são quase as mesmas de uns anos atrás de quando a gente estava (GOELLNER, 2019GOELLNER, Silvana V. Sissi, a Imperatriz: entrevista com Sisleide Lima do Amor. FuLiA / UFMG. Belo Horizonte, v. 4, n. 1, p. 117-133, 2019. Disponível em: https://periodicos.ufmg.br/index.php/fulia/article/view/14661. Acesso em: 10 nov. 2020.DOI: 10.17851/2526-4494.4.1.117-133.
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, 132).

Indubitavelmente muitas outras futebolistas ergueram suas vozes em protesto às precárias condições do futebol de mulheres no Brasil. Não há aqui como mencioná-las e nem é este o objetivo deste texto. Ainda assim considero importante registrar um episódio que impactou significativamente o universo futebolístico: a publicação do documento Lendas brasileiras apelam à reforma: carta aberta das veteranas do futebol feminino endereçando a situação atual no Brasil. Indignadas pela demissão precoce de Emily Lima, a primeira mulher a comandar a seleção principal7 7 Emily Lima esteve à frente da seleção brasileira durante dez meses entre 2016 e 2017. Nesse período, obteve 7 vitórias, 5 derrotas e 1 empate. Não participou de nenhum torneio oficial, nem perdeu para seleções com ranking FIFA menor que o Brasil. , oito atletas e ex-atletas8 8 Sisleide Lima do Amor (Sissi), Márcia Tafarel, Miraildes Maciel Motta (Formiga), Cristiane Rozeira (Cris), Juliana Ribeiro Cabral, Francielle Manoel Alberto (Fran), Rosana dos Santos Augusto e Andreia Rosa de Andrade. assinaram o documento conclamando a CBF a ampliar a participação das mulheres não apenas como atletas, mas também nos cargos técnicos e de gestão. A preocupação com a estruturação e com o desenvolvimento da modalidade permeia este manifesto que, em última instância, atesta o quanto o futebol de mulheres no Brasil vive de promessas e descontinuidades. Nas suas palavras: “As ações que estamos tomando agora são motivadas por um desejo de que todas as mulheres e meninas que seguem os nossos passos possam ser capazes de alcançar mais do que nós, dentro e fora do campo” (GOELLNER, 2020GOELLNER, Silvana V. Nós convidamos a CBF a trazer reformas de igualdade de gênero para o Brasil. Ludopédio. São Paulo, v.135, n. 36, 2020. Disponível em:https://www.ludopedio.com.br/arquibancada/nos-convidamos-a-cbf-a-trazer-reformas-de-igualdade-de-genero-para-o-brasil/. Acesso em: 4 set. 2020.
https://www.ludopedio.com.br/arquibancad...
, online.).

Imediatamente após a circulação da Carta na imprensa nacional e internacional, a insatisfação com a ingerência da entidade mantenedora do futebol brasileiro disparou outro movimento inédito: cinco atletas9 9 Cristiane Rozeira (Cris), Francielle Manoel Alberto (Fran), Rosana dos Santos Augusto e Andreia Rosa de Andrade e Maurine Dornelles Gonçalves. anunciaram publicamente que não serviriam mais à seleção nacional.

Passados quase oitenta anos de oficialização da interdição e mais de quarenta do término da vigência dessas determinações, é possível identificar que o futebol de mulheres ainda necessita avançar em termos de estruturação, visibilidade e reconhecimento. O relatório publicado pela FIFA, em julho de 2019, registra dados que embasam essa afirmação. Produzido a partir de uma pesquisa em todas suas federações associadas, o documento indica que o Brasil tem um total de 15 mil mulheres disputando campeonatos em algum nível. Esse número é pequeno se compararmos, por exemplo, com a Argentina (27 mil), a Venezuela (24 mil) e os Estados Unidos (9,5 milhões). Em relação às categorias de base, os dados são mais alarmantes: apenas 475 jogadoras com menos de 18 anos são registradas nos clubes (MENDONÇA, 2019MENDONÇA, Renata. Estudo da Fifa mostra descaso de anos do Brasil com o futebol feminino. Dibradoras, 16 de julho de 2019. Disponível em: https://dibradoras.blogosfera.uol.com.br/2019/05/20/band-triplica-audiencia-com-futebol-feminino-em-estreia-das-transmissoes/. Acesso em: 14 jan. 2020.
https://dibradoras.blogosfera.uol.com.br...
).

Determinante para a alteração desse cenário foi a deliberação da Confederação Sul-Americana de Futebol (CONMEBOL) para o licenciamento de clubes, na qual obriga que “a partir de 2019, os clubes que não tiverem um time de mulheres disputando competições nacionais não poderão participar de campeonatos sul-americanos de futebol de homens” (BARREIRA et al., 2020Barreira, Júlia; MAZZEI, Leandro C.; CASTRO, Flávio D.; GALATTI, Larissa R. CONMEBOL e o futebol de mulheres: uma análise das estratégias de desenvolvimento (in)existentes na América do Sul. In: MARTIN, Mariana Z.; WENETZ, Ileana (org.). Futebol de mulheres no Brasil: desafios para as políticas públicas. Curitiba: CRV, 2020. p.29-44., p.29). Essa medida repercutiu no contexto nacional, fazendo com que a CBF, as federações estaduais e os clubes tivessem que direcionar investimentos criando, inclusive, competições e equipes nas categorias de base. Um novo recomeço parece estar em andamento em decorrência das ações que as instituições gestoras do futebol estão implementando, sobretudo depois de 2016, quando a FIFA definiu como um de seus pilares estratégicos o futebol praticado por mulheres. A contratação em setembro de 2020 de duas ex-jogadoras, Aline Pellegrino e Eduarda Luizelli, para assumirem cargos de comando na CBF reforça o ânimo de quem aprecia e vive o futebol de mulheres. Além de anunciar as duas novas coordenadoras de futebol feminino da CBF, no mesmo pronunciamento, o presidente Rogério Caboclo também tornou pública outra importante medida: “a equiparação dos pagamentos feitos aos jogadores e às jogadoras das Seleções Brasileiras Principais” (CBF, 2020, s.p.).

Essas duas decisões merecem comemoração, sobretudo porque atendem a reivindicações antigas daquelas que vivem cotidianamente a modalidade. Além disso, demonstram que as questões de gênero, por tanto tempo relegadas no universo futebolístico, começam a reverberar com mais intensidade em suas práticas, discursos e representações.

O gênero é uma forma primária de exercício de poder (SCOTT, 1995SCOTT, Joan. Gênero: uma categoria útil de análise histórica. Educação & Realidade. Porto Alegre, v.20, n.2, jul./dez. 1995.) entre homens e mulheres e está profundamente articulado com outros marcadores sociais como raça, sexualidade, classe social, aparência física, nacionalidade, geração, entre outros. Como categoria analítica, permite esmiuçar os processos por meio dos quais a cultura produz práticas generificadas e generificadoras como, por exemplo, o futebol.

Apesar do foco deste texto-apresentação estar situado no contexto brasileiro, lócus de minhas pesquisas, quero destacar que os artigos aqui reunidos tornam visível o quanto o futebol é profundamente atravessado pelas questões de gênero. Independentemente de sua especificidade temática e de sua ancoragem teórico-metodológica, as discussões contempladas salientam, de modo indelével, que este atravessamento é transnacional.

A organização deste dossiê decorre também de uma ação transnacional, mais especificamente, a constituição de uma rede de pesquisa sobre o futebol de mulheres na América Latina, a qual coordeno juntamente com David Wood (Universidade de Sheffield) e Verónica Moreira (Universidade de Buenos Aires) desde 2018. Com o intuito de reunir experiências acadêmicas e não acadêmicas e partilhá-las para diversos públicos, essa rede promoveu quatro eventos nos quais a investigação, a intervenção e o ativismo promoveram diálogos fecundos com vistas a promover subsídios e práticas com potência tanto para identificar as desigualdades de gênero no futebol quanto para minimizá-las.

David Wood, Mark Biram, Peter Watson, Verónica Moreira e Gabriela Garton integram o grupo formador da rede e seus textos discorrem sobre algumas das discussões contempladas nos encontros que realizamos no Brasil, Reino Unido, Colômbia e Argentina. André Luís dos Santos Silva, Raquel da Silveira, Jamile Klanovicks, Angelita Jaeger, Mariana Martins, Mariana Martins, Kerzia Silva e Vitor Vasquez agregam conhecimentos ao inovarem temáticas, senão inéditas, ainda pouco abordadas nos estudos sobre a presença das brasileiras no futebol.

Por fim, urge destacar que em diferentes tempos e espaços as mulheres elaboraram estratégias para viver o futebol e nele (e por ele) exercer o direito de falar em seu nome e no nome de outras que, por inúmeras razões, não o fizeram.

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  • FINANCIAMENTO

    O presente trabalho foi realizado com apoio do CNPQ - Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico.
  • 1
    Em 1941 o Conselho Nacional de Desportos instituiu o Decreto-Lei nº 3.199, o primeiro documento a balizar o ordenamento esportivo brasileiro. Seu conteúdo expressava o desejo institucional de disciplinar o campo esportivo oficializando a interdição às mulheres “de desportos incompatíveis com as condições de sua natureza” (BRASIL, 1941). O Decreto foi revogado apenas em abril de 1979.
  • 2
    Conselho Nacional de Desportos.
  • 3
    Publicado no Diário Oficial da União no dia 11 de abril de 1983, a Deliberação 01/83 dispõe sobre as normas básicas para a prática de futebol feminino. Disponível em:https://www.jusbrasil.com.br/diarios/3311099/pg-58-secao-1-diario-oficial-da-uniao-dou-de-11-04-1983. Acesso em: 19 set. 2020.
  • 4
    Competição de caráter anual que ocorreu entre 1983 e 2007, exceto nos anos de 1992, 1995, 2002, 2004 e 2005. A edição inaugural reuniu as equipes do Radar, Goiás, Corinthians e Cruzeiro
  • 5
    O International Women’s Football Tournament foi realizado entre os dias 1º e 12 de junho de 1988 na China com a participação de 12 equipes: Austrália, Brasil, Canadá, China, Costa do Marfim, Estados Unidos, Holanda, Japão, Noruega, Suécia, Tailândia e Tchecoslováquia (SILVA, 1988).
  • 6
    Classificação Final: Estados Unidos, Noruega, Suécia, Alemanha, China, Itália, Dinamarca, Taipé Chinês, Brasil, Nigéria, Nova Zelândia e Japão.
  • 7
    Emily Lima esteve à frente da seleção brasileira durante dez meses entre 2016 e 2017. Nesse período, obteve 7 vitórias, 5 derrotas e 1 empate. Não participou de nenhum torneio oficial, nem perdeu para seleções com ranking FIFA menor que o Brasil.
  • 8
    Sisleide Lima do Amor (Sissi), Márcia Tafarel, Miraildes Maciel Motta (Formiga), Cristiane Rozeira (Cris), Juliana Ribeiro Cabral, Francielle Manoel Alberto (Fran), Rosana dos Santos Augusto e Andreia Rosa de Andrade.
  • 9
    Cristiane Rozeira (Cris), Francielle Manoel Alberto (Fran), Rosana dos Santos Augusto e Andreia Rosa de Andrade e Maurine Dornelles Gonçalves.

Editado por

RESPONSABILIBADE EDITORIAL

Alex Branco Fraga*, Elisandro Schultz Wittizorecki*, Ivone Job*, Mauro Myskiw*, Raquel da Silveira*
*Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Escola de Educação Física, Fisioterapia e Dança, Porto Alegre, RS, Brasil

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    08 Mar 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    23 Dez 2020
  • Aceito
    10 Jan 2021
  • Publicado
    19 Jan 2021
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