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TREINAMENTO DE MULHERES ATLETAS: UMA ANÁLISE DO INSTAGRAM DE JOGADORAS DA SELEÇÃO BRASILEIRA DE FUTEBOL EM TEMPOS DE PANDEMIA

ENTRENAMIENTO DE MUJERES ATLETAS: UN ANÁLISIS DEL INSTAGRAM DE JUGADORAS DE LA SELECCIÓN BRASILEÑA DE FÚTBOL EN TIEMPOS DE PANDEMIA

Resumo

O presente estudo buscou analisar os modos como as atletas da seleção brasileira de futebol narram suas sessões de treinamento no Instagram em meio ao período de distanciamento social imposto pela Covid-19. As fotografias, os vídeos e textos exibidos nos perfis de 18 atletas foram capturados nos meses de março a julho de 2020. Com base nas postagens do Instagram, verificamos que essa produção de narrativas de si ocorre a partir da agência de inúmeros elementos que se associam e passam a compor os cenários dos treinamentos. Além disso, a análise mostrou que é por meio da inventividade e da circulação de saberes que as atletas protagonizam e viabilizam, mesmo que de forma remota, os treinamentos essenciais à função de jogadoras profissionais.

Palavras chave:
Mulheres; Futebol; Redes sociais; Pandemia

Resumen

El presente estudio buscó analizar cómo las atletas de la selección brasileña de fútbol narran sus sesiones de entrenamiento en el Instagram en el período de distancia social impuesto por la Covid-19. Las fotos, los videos y los textos exhibidos en los perfiles de 18 atletas fueron capturados en los meses de marzo a julio de 2020. Con base en las publicaciones del Instagram, constatamos que esa producción de narrativas de sí mismas ocurre a partir de la agencia de numerosos elementos que se asocian y pasan a componer los escenarios de los entrenamientos. Además, el análisis ha mostrado que es a través de la inventiva y de la circulación de saberes que las atletas protagonizan y viabilizan, aunque sea de manera remota, los entrenamientos esenciales a su rol de jugadoras profesionales.

Palabras clave:
Mujeres; Fútbol; Redes sociales; Pandemia

Abstract

This study aimed to analyze the ways athletes from Brazilian Women’s National Football Team narrate their training sessions on Instagram during the period of social distancing imposed by COVID-19. Photographs, videos, and texts posted in profiles of 18 athletes were captured from March to July 2020. Based on Instagram posts, we verified that this production of self-narratives is based on the agency of numerous elements that associate and become part of the training scenarios. In addition, the analysis showed that it is through inventiveness and the circulation of knowledge that athletes lead and enable, even if remotely, the training essential to the role of professional players.

Keywords:
Women; Football; Social networks; Pandemic

1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS

O uso das redes sociais para conectar pessoas e compartilhar imagens é um importante fenômeno da contemporaneidade. Utilizar diferentes dispositivos não é mais apenas uma escolha, senão um imperativo da vida moderna. WhatsApp, Twitter, YouTube, Facebook, Telegram, Instagram, entre outras, são plataformas que recebem postagens de pessoas oriundas de diferentes continentes, gerando um volume gigantesco de engajamento. Em julho de 2020, cerca de 3,6 bilhões de pessoas utilizaram as redes sociais para compartilhar imagens - só no Instagram mais de um bilhão (CLEMENT, 2020a). Em virtude da pandemia da Covid-19, o uso das redes sociais foi potencializado pela implementação de políticas públicas de distanciamento social (XAVIER, et al., 2020XAVIER, Fernando et al. Análise de redes sociais como estratégia de apoio à vigilância em saúde durante a Covid-19. Estudos Avançados, v. 34, n. 99, p. 261-282, 2020. DOI: https://doi.org/10.1590/s0103-4014.2020.3499.016.
https://doi.org/https://doi.org/10.1590/...
). O topo da lista de países que mais utilizam o Instagram é ocupado pelos EUA, seguido por Índia e Brasil. Em outubro de 2020, em pleno auge da pandemia no país, 95 milhões de brasileiros utilizaram o aplicativo (CLEMENT, 2020b) para rapidamente compartilhar, por meio de fotografias e vídeos, experiências, fatos, crenças e convicções com seus seguidores (INSTAGRAM, 2020). Tal peculiaridade, associada à portabilidade dos smartphones, produziu um rápido crescimento no uso da referida plataforma (SHELDON; BRYANT, 2016SHELDON, Pavica; BRYANT, Katherine. Instagram: motives for its use and relationship to narcissism and contextual age. Computers in Human Behavior, v. 58, p. 89-97, 2016.).

Considerando o efeito do Instagram na sociedade contemporânea, essa rede social tem se configurado como um interessante lócus de investigação, capaz de produzir e colocar em circulação um conjunto de sentidos aos fenômenos sociais. Adotado pela maioria das atletas da seleção brasileira de futebol, o Instagram permite acompanhar a rotina de treino dessas mulheres, assim como pormenores das suas vidas privadas. Ao privilegiar imagens, em detrimento de outros modos de comunicação, o Instagram permite a seus usuários interagirem cada vez mais com as múltiplas experiências visuais, materializando a característica ocularcêntrica da sociedade pós-moderna (MIRZOEFF, 2003MIRZOEFF, Nicholas. Una introducción a la cultura visual. Barcelona: Paidós, 2003.). As imagens compartilhadas pelas atletas no aplicativo nos oferecem uma versão visual dos seus mundos. Entretanto, essa “tradução, mesmo através de fotografia, nunca é inocente. Estas imagens nunca são janelas transparentes para o mundo. Elas […] apresentam o mundo de formas bem particulares” (ROSE, 2001ROSE, Gillian. Visual methodologies: an introduction to the visual interpretation of visual materials. London: Sage Publications, 2001., p. 06).

Tomar o Instagram como lócus de produção do material empírico para análises culturais demanda investimentos para tentar caracterizar algumas particularidades dessa plataforma que sugestionam a produção de efeitos de “realidade e coerência sobre a vida daqueles e daquelas que se manifestam por meio das postagens. Nesse sentido, sob o risco de sermos enredados pelos efeitos dos “Teatros da Memória1 1 A ideia de “Teatro da Memória” ajuda a deslocar o foco do que seria a “realidade” dessas atletas, para os sentidos produzidos e postos em circulação por um conjunto de mulheres profissionais de futebol acerca de suas vidas. , tomamos os pressupostos de Le Goff (2013) sobre os “Documentos como monumento”; Gomes (2004GOMES, Ângela Maria de C. Escrita de Si, escrita da História: a Título de prólogo. In: GOMES, A. C. Escrita de si, Escrita da História. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2004.) sobre os acervos pessoais e Larrosa (2004LARROSA, Jorge. Notas sobre a narrativa e a identidade. In: ABRAHÃO, Maria Helena Menna Barreto. A aventura (auto)biográfica: teoria & empiria. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2004. p. 11-22.) sobre narrativas, para constituir, a partir dessa articulação, um conjunto de problematizações teórico-metodológicas capazes de advertir nossos processos analíticos. Constituído como espaço público de compartilhamento de diferentes dimensões da vida das usuárias, o Instagram pode ser entendido como um modo de narrar a si mesmo por meio de postagens/“monumentos” cuidadosamente pensados e escolhidos, cujo conjunto possibilita a materialização de uma “trama” de sentidos por meio de um tipo de acervo pessoal2 2 A narrativa de si pode ser produzida tanto a partir de uma série de vídeos ou imagens quanto do efeito de uma única fotografia (ROMNEY; JOHNSON, 2018). .

Ao postar acontecimentos do cotidiano em plena pandemia no Instagram, as atletas operam uma “produção de si”, ou um “ato biográfico”, entendido como uma tentativa de conferir significados especiais ao mundo que as rodeia, relacionando-os com experiências de suas próprias vidas. O “perigo” dos “atos biográficos” reside nos “efeitos de verdade3 3 Refere-se a um conjunto de mecanismos que articulados às relações de saber-poder são capazes de produzir a compreensão do que é verdadeiro em determinado contexto. O que está em jogo nos efeitos de verdade é sua efetividade em mobilizar práticas discursivas e não discursivas que produzem o que uma dada sociedade assume e faz ver como verdadeiros (SILVA, T., 2000). ” que os enlaces desses vestígios podem gerar (GOMES, 2004GOMES, Ângela Maria de C. Escrita de Si, escrita da História: a Título de prólogo. In: GOMES, A. C. Escrita de si, Escrita da História. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2004.). A organização das postagens, a preparação para/das fotos, a cronologia das publicações e, sobretudo, a seleção do que deve ou não aparecer revelam um conjunto de intenções políticas, éticas e estéticas que concretizam narrativas sobre o que significa ser mulher atleta profissional de futebol da seleção brasileira.

Na esteira dessas ideias, empenhamo-nos a analisar os modos como as atletas da seleção brasileira de futebol narram suas seções de treinamento no Instagram em meio ao período de distanciamento social imposto pela Covid-19. Nesse processo, tomamos o conceito de agência (LATOUR, 2012LATOUR, Bruno. Reagregando o social: uma introdução à teoria do Ator-Rede. Salvador: Edufba, 2012; Bauru, São Paulo: Edusc, 2012.)4 4 Esse conceito integra a chamada Actor-Network-Theory (ANT) proposta inicialmente por Bruno Latour, Michel Callon e John Law no final de 1980 e que sumariamente entende o social como “um estado de coisas estável, a um conjunto de associações” (LATOUR, 2012, p. 17) as quais são mantidas ou modificadas conforme as relações estabelecidas. Nesse sentido, a agência de um elemento não é dada, mas sim construída na relação com outros elementos e relacionada com a capacidade de manter ou modificar o social que coproduz. Esse termo pode ser utilizado tanto para humanos quanto para não humanos, porque ambos podem assumir a capacidade de modificar alguma ação. como ferramenta capaz de identificar e descrever a capacidade que diferentes elementos possuem de produzir e modificar as condições de treinamento dessas mulheres, respondendo a demandas, técnicas, estéticas e políticas que envolvem o exercício da função de atletas profissionais de futebol. É importante chamar a atenção que ter ou não agência não é um atributo do elemento em si, mas sim dos vínculos/associações que ele estabelece. Nesse sentido, as narrativas materializadas no Instagram pelas atletas trazem, para além delas, uma série de elementos que compõem os cenários presentes nas fotos e vídeos e que, conforme suas capacidades de agirem frente aos treinamentos, também foram por nós analisados, conforme descrevemos a seguir.

2 PERCURSO METODOLÓGICO

As análises visuais podem ser produzidas a partir de duas perspectivas: pesquisadores(as) criam as imagens a serem analisadas ou analisam imagens geradas por outras pessoas (BANKS, 2009BANKS, Marcus. Dados visuais para pesquisa qualitativa. Porto Alegre: Artmed, 2009.). Nesta pesquisa, focalizamos as imagens5 5 Importa destacar que para capturar as imagens dos perfis públicos do Instagram, recorremos à lei Nº 9.610 de 1998, que dispõe sobre os Direitos Autorais (BRASIL, 1998), cujo texto explicita que as informações lotadas em espaços públicos podem ser livremente utilizadas. Ao mesmo tempo, nós nos amparamos na Resolução 510 de 2016 do Conselho Nacional de Saúde (BRASIL, 2016), a qual afirma que estão desobrigadas do Comitê de Ética em Pesquisa e da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa investigações que usem informações de acesso e domínio público. produzidas pelas atletas de futebol e compartilhadas no Instagram.

As fontes de pesquisa foram produzidas entre os meses de março e julho de 2020 a partir de perfis públicos de atletas brasileiras de futebol. Primeiramente, partimos da listagem de jogadoras convocadas em fevereiro de 2020, cujo nome constava no documento divulgado no site da Confederação Brasileira de Futebol (CBF)6 6 Lista oficial da convocação, realizada pela técnica Pia Sundhage, em 18 de fevereiro de 2020. Disponível em: https://www.cbf.com.br/selecao-brasileira/noticias/selecao-feminina/pia-sundhage-convoca-selecao-feminina-para-disputa-do-torneio-franca. Acesso em: 05 de outubro de 2020. No dia 02 de setembro de 2020, houve uma nova convocação, realizada pela técnica da Seleção Brasileira de Futebol Feminino, convocando para os treinos apenas atletas que estão jogando em equipes brasileiras. Contudo, não utilizamos esta listagem para este trabalho. . Estabelecemos os seguintes critérios de inclusão: possuir um perfil aberto no Instagram e fazer postagens relacionadas ao foco da pesquisa, ou seja, modos de treinamento no período de maiores restrições de deslocamento e contato social devido à pandemia de Covid-19. Excluímos as atletas que possuíam apenas perfil privado ou que não fizeram postagens no decorrer da pesquisa. Por fim, a amostra foi intencional (YIN, 2016YIN, Robert K. Pesquisa qualitativa do início ao fim. Porto Alegre: Penso, 2016.) e contamos com a participação de 18 atletas de futebol, como podemos ver na Tabela 1.

Tabela 1
Número de postagens das atletas.

Com o auxílio de computadores, capturamos as imagens e os textos compartilhados pelas atletas, descartando aquelas postagens que não atendiam ao objeto da investigação. A captação de novas imagens foi interrompida quando as atletas retornaram aos treinamentos em seus respectivos clubes, após o fim do distanciamento social, observando as normas de segurança. Para a produção das análises do material empírico, ancoramo-nos na proposta de Yin (2016YIN, Robert K. Pesquisa qualitativa do início ao fim. Porto Alegre: Penso, 2016.), cuja teorização afirma que não existe uma maneira universal para analisar os dados qualitativos, assim como não há uma metodologia fixa ou enraizada. Sua proposição de análise percorre cinco fases não lineares e assim denominadas: compilação, decomposição, recomposição, interpretação e, por fim, a conclusão.

Na operacionalização da análise, a primeira fase é materializada na compilação do material produzido que se caracteriza pela organização das imagens e padronização do seu tamanho e do upload do material em um software, deixando-o pronto para a leitura e a decomposição que caracterizam a segunda fase. Nesse momento, o software foi uma ferramenta imprescindível, uma vez que agilizou a composição de categorias, as quais foram alimentadas pelas imagens ou seus recortes selecionados do material empírico. Esgotado esse processo de análise das imagens e dos textos, recomenda-se a recomposição do material, uma vez que alguns excertos podem ser reagrupados em outros códigos, produzindo novas combinações e categorias. Após uma análise exaustiva do material, iniciamos a quarta fase, que é caracterizada pela interpretação dos resultados, os quais adquirem forma na construção de uma nova narrativa acerca da temática em estudo, quando as categorias são cotejadas com outras pesquisas sobre o mesmo tema. Por fim, chegamos na última etapa, que é a da conclusão, na qual os enunciados são produzidos em diálogo com a fase anterior e, a partir dela, com as demais. Yin (2016YIN, Robert K. Pesquisa qualitativa do início ao fim. Porto Alegre: Penso, 2016., p. 160) chama atenção para o fato de que essas fases não percorrem um caminho linear, uma vez que suas relações são “recursivas e iterativas”. O processo de análise é atravessado pela escuta atenta do(a) pesquisador(a) às experiências do seu cotidiano, as quais podem apontar caminhos diversos na sua conexão com as fases do processo.

3 SER MULHER ATLETA DE FUTEBOL E OS ATRAVESSAMENTOS DE UM HISTÓRICO DE INTERDIÇÃO E INVISIBILIDADE

Em 18 de fevereiro de 2020, a Confederação Brasileira de Futebol divulga a lista de atletas convocadas para participarem do Torneio 4 Nações, sediado na França. A competição, que aconteceu em março de 2020, reuniu 24 atletas pertencentes a diferentes clubes do Brasil e do exterior e acabou se configurando como uma das poucas competições da seleção neste ano. Entretanto, apesar da pandemia de Covid-19 ter colocado em suspenso a agenda de jogos e treinos dessas e de outras(os) atletas ao redor do mundo, o ano de 2020 parece ter sido especialmente produtivo para aquelas envolvidas com o futebol de mulheres no Brasil.

No início de setembro, a Confederação Brasileira de Futebol anuncia a equiparação de premiações para homens e mulheres atletas da seleção, além de nomear Duda Luizelli e Aline Pelegrino, ex-atletas de futebol, como novas coordenadoras do Futebol Feminino da entidade, conquistas decorrentes de reivindicações históricas de atletas e ativistas pelos direitos das mulheres no futebol7 7 Disponível em: https://www.ludopedio.com.br/arquibancada/nos-convidamos-a-cbf-a-trazer-reformas-de-igualdade-de-genero-para-o-brasil/. .

Cabe ressaltar que, a partir de meados dos anos 2010, é possível notar significativos avanços para o futebol de mulheres no Brasil com a criação de equipes femininas por parte dos grandes clubes de futebol brasileiro, o que não deve ser entendido como resultado de iniciativas de entidades e dirigentes esportivos vinculados ao futebol no país. Essas conquistas estão ligadas à introdução da igualdade de gênero no estatuto da FIFA em 2016 e pelo movimento ativo e organizado de mulheres vinculadas à causa do futebol que, diuturnamente, tem pressionado a CBF e os grandes clubes (ALMEIDA, 2019ALMEIDA, Caroline Soares de. O Estatuto da FIFA e a igualdade de gênero no futebol: histórias e contextos do Futebol Feminino no Brasil. FuLiA / UFMG, v. 4, n. 1, jan/abr. 2019.).

Se, por um lado, os avanços da modalidade indicam outras possibilidades/oportunidades para as atletas da seleção, os efeitos das interdições e invisibilidade parecem continuar marcando as condições materiais daquelas vinculadas ao futebol, uma história recente, cujos lastros seguem constituindo representações e identidades associadas às mulheres atletas de futebol.

Em 1988, a CBF anunciava a primeira convocação da seleção brasileira feminina de futebol. Nove anos após a revogação da lei que proibia meninas e mulheres de participarem de esportes “incompatíveis com as condições de sua natureza” (BRASIL, 1941)8 8 Decreto-Lei 3.199 de 14 de abril de 1941 instituía que: “às mulheres não se permitirá a prática de desportos incompatíveis com as condições de sua natureza devendo, para este efeito, o Conselho Nacional de Desportos (CND) baixar as necessárias instruções às entidades desportivas do país” (BRASIL, 1941, s/p.). De acordo com Salvini e Marchi Júnior (2013), o decreto foi revogado em 1975 pela lei 6251/75. , premiações e remuneração por direitos de imagem pareciam ser questões impensáveis. Naquele contexto, uma equipe formada por mulheres que disputavam uma limitada agenda de competições em nível nacional receberia, de empréstimo, uniformes confeccionados para as equipes masculinas de futebol, um indicativo de que aquele esporte não lhes era próprio e que a organização de uma seleção feminina, pela CBF, deveria ser considerada uma concessão (GOELLNER, 2019GOELLNER, Silvana Vilodre. Sissi, a Imperatriz: entrevista com Sisleide Lima do Amor. FuLiA / UFMG, v. 4, n. 1, p. 117-133, jun. 2019. Disponível em: http://www.periodicos.letras.ufmg.br/index.php/fulia/article/view/15392/1125612367. Acesso em: 12 nov. 2020. DOI: http://dx.doi.org/10.17851/2526-4494.4.1.117-133.
http://www.periodicos.letras.ufmg.br/ind...
).

Apesar de expressivos resultados apresentados pela seleção feminina entre 1988 e 20209 9 Num levantamento breve é possível destacar títulos como: Hexacampeonato da Copa América 1991, 1995, 1998, 2003, 2010, 2014, 2018; Vice-campeonato nos Jogos Olímpicos de Pequim em 2008; Campeãs dos Jogos Pan-americanos, 2007; Vice-campeonato na Copa do Mundo de 2007. , a pouca evidência de seus feitos sugere que as barreiras discriminatórias vividas por essas mulheres se localizam na ordem do gênero e não da inabilidade esportiva (SILVA; NAZARIO, 2018SILVA, André Luiz dos Santos; NAZARIO, Patrícia Andrioli. Mulheres atletas de futsal: estratégias de resistência e permanência no esporte. Revista de Estudos Feministas, v. 26, n.1, e40862, 2018. DOI: https://doi.org/10.1590/1806-9584.2018v26n140862.
https://doi.org/https://doi.org/10.1590/...
). Nesse sentido, toma-se, por exemplo, arbitrariedades como a da Federação Paulista de Futebol, que estabeleceu, para as atletas que disputariam o “Paulistana” de 2001, algumas condições estéticas10 10 Foram vetadas atletas de cabeça raspada e com mais de 23 anos (KNIJNIK & VASCONCELLOS, 2003). que garantissem, por meio da beleza e feminilidade das jogadoras, o espetáculo esportivo (GOELLNER, 2005GOELLNER, Silvana Vilodre. “Mulheres e futebol no Brasil: entre sombras e visibilidades”. Revista Brasileira de Educação Física e Esporte, v. 19, n. 2, p. 143-151, jun. 2005.; KNJINIK e VASCONCELOS, 2003).

Além disso, nota-se que os espaços de comando, como gestão, comissão técnica e arbitragem, entre outros, ainda são marcados por assimetrias de gênero que tendem a dificultar e excluir a presença de mulheres nesses cargos. Ao analisarem os Campeonatos Brasileiros de Futebol Feminino (2013-2019), Passero et al. (2020PASSERO, Julia Gravena et al. Futebol de mulheres liderado por homens: uma análise longitudinal dos cargos de comissão técnica e arbitragem. Movimento, v. 26, e26060, Jan/Dez, 2020. DOI: https://doi.org/10.22456/1982-8918.100575.
https://doi.org/10.22456/1982-8918.10057...
) estimam que uma igualdade proporcional na ocupação de mulheres nas comissões técnicas seria possível a partir de 2040, se não houver alteração na progressiva e lenta inserção de mulheres nesses postos de comando.

Nesse campo de disputas, mulheres que ousam permanecer no futebol parecem associar diferentes elementos e habilidades que estão além da técnica e tática esportivas para se posicionarem como mulheres e sujeitos que agem nos meandros dos exercícios de poder acionados e apoiados pelas normas de gênero. O histórico de entraves à inserção e permanência de mulheres no futebol parece constituir experiências partilhadas por boa parte das atletas da seleção aqui em análise, elemento que parece ter agência sobre os modos como evidenciam empenho, disciplina e inventividade em seus treinos. Ao romperem o convencional estabelecido para o tempo e o local dos treinamentos, as atletas compõem cenários para suas fotos e postagens, entendidos como arranjos táticos e estratégicos, acionados por elas como resposta aos mecanismos de poder que tendem a dizer que o futebol não é para elas11 11 A partir de outros contextos, pesquisadores como Geurin-Eagleman; Burch (2016) e Pegoraro; Comeau; Frederick (2017) dão pistas sobre os usos estratégicos que mulheres atletas fazem de redes sociais como o Instagram. Geurin-Eagleman; Burch (2016), por exemplo, analisou postagens de atletas olímpicas como uma ferramenta para produzir uma marca pessoal por meio fotografias pessoais e em ambientes privados, uma estratégia bastante diferente do modo como os atletas do sexo masculino fazem uso dessa rede social. Pegoraro; Comeau; Frederick (2017), ao analisarem o engajamento associado às hashtags #SheBelieves e #FIFAWWC de atletas da seleção estadunidense de futebol no durante a FIFA Women’s World Cup em 2015, apontam que as atletas privilegiam a representação da sua competência atlética, desafiando estereótipos de gênero no esporte e posicionando as redes sociais como um espaço convidativo para exibir mulheres atletas em ação. .

4 COMPOSIÇÃO DOS CENÁRIOS: ENTRE DESLOCAMENTOS, BORRAMENTOS E SUSPENSÃO DE FRONTEIRAS EM TEMPOS DE PANDEMIA

Diante do contexto histórico que o futebol de mulheres percorreu e das mudanças que vem conquistando, mesmo que ainda ínfimas, na direção do protagonismo e da igualdade de condições em relação ao futebol dos homens, em 11 de março de 2020, quando o diretor-geral da Organização Mundial da saúde (OMS), Tedros Adhanom Ghebreyesus, anunciou que a Covid-19 é caracterizada como uma pandemia, o universo esportivo se alterou drástica e rapidamente. Campeonatos regionais, nacionais e internacionais foram paralisados, adiados e até mesmo suspensos. A edição dos Jogos Olímpicos e Paralímpicos - evento esportivo de maior repercussão mundial (MEZZAROBA; PIRES, 2011MEZZAROBA, Cristiano; PIRES, Giovani de L. Os Jogos Pan-Americanos Rio/2007 e o agendamento midiático-esportivo: um estudo de recepção com escolares. Revista Brasileira de Ciência do Esporte, v. 33, n. 2, p. 337-355, abr./jun., 2011.) -, prevista para 2020 na cidade de Tóquio, foi transferida para julho de 2021. Essas mudanças estavam alinhadas à proposição de distanciamento social, adotado como tentativa de conter a pandemia consensuada pela OMS.

Clubes e locais de treinamento foram temporariamente fechados, contudo, isso não significou que atletas deixassem de treinar. Ao direcionarmos nosso olhar para as atletas da seleção brasileira de futebol, identificamos, em suas narrativas no Instagram, que seus processos de treinamento no período inicial da pandemia (o qual se caracterizou como o de maior restrição de contato pessoal) continuaram. Nesse sentido, a pergunta que se tornou interessante de se fazer é: como elas continuaram esses treinamentos?

Ao longo das postagens no Instagram, elas deram visibilidades para um conjunto de ações que ofertam algumas pistas para respondermos essa questão, as quais, por sua vez, só foram possíveis de acontecer a partir de locais, materiais, pessoas, tempos, conhecimentos que vão compondo os cotidianos das atletas afetadas pela pandemia. Desse modo, antes de nos determos em abordarmos como elas continuaram os treinamentos, empreendemos esforços analíticos na direção de conhecer esses cenários que coproduziram esses modos de treinamento e a maneira com que a eles foram dadas visibilidade nas postagens das atletas.

O primeiro elemento a ser abordado é o local em que os treinamentos passaram a ser realizados. A casa, o apartamento, a garagem, o pátio, os espaços esportivos dos condomínios que habitam foram cotidianamente se tornando visíveis nas postagens das atletas e se deslocando de espaços que pertenciam à esfera privada da vida delas para uma esfera pública. De modo semelhante, a rua, o campinho e a praça dos seus bairros foram sendo ocupados por essas jogadoras e por seus materiais de treino, reduzindo a impessoalidade desses espaços públicos, e passando a compor o dia a dia delas. Das 18 atletas com postagens analisadas, é possível ver esse deslocamento em 11 perfis de atletas, como nos casos de Aline Reis (@linereisfutbol) (A), Andressa Alves (@andressaalves9oficial) (B), Erika (@erikotinhac) (C) e Thaisinha (@thaisinhaduarte) (D). (Figura 1)

Figura 1
Treinamento das atletas: Aline Reis, Andressa Alves, Erika, e Thaisinha Duarte.

Em 13 de março de 2020, a apenas dois dias do último jogo pela seleção brasileira, a goleira Aline Reis (@alinereisfutbol), atleta do Tenerife, Espanha, já anunciava o que se tornaria uma prática comum entre as mulheres atletas da seleção: treinar onde é possível, longe das colegas de time e dos profissionais que orientam e regram os treinamentos. Em uma das suas postagens, a goleira da seleção parece adaptar o treinamento às condições impostas para aquele momento, uma vez que está de frente para o mar, numa praia aparentemente pouco frequentada, realizando treinamento de força. A partir dessa data, Aline também fez uma série de postagens em que seu apartamento se tornou o lócus principal para o seu treinamento. Conforme o post (A), de 22 de março de 2020, sua sala foi organizada para que um colchão fosse colocado e assim ela tivesse condição de realizar movimentos de defesa com queda.

Já Andressa Alves (@andressaalves9oficial) postou as imagens de seus treinamentos sempre em espaços abertos. No post (B) de 8 de abril de 2020, a rua ganhou cones e bola para ela realizar movimentação de drible. A garagem da casa foi o local escolhido por Erika (@erikotinhac) para muitas postagens de seus treinamentos, conforme o post (C) de 31 de março de 2020, em que deitada, utilizando uma barra e galões como pesos, realiza exercícios para os membros superiores. Thaisinha (@thaisinhaduarte) fez apenas três postagens ao longo de todo o período por nós analisado. Na postagem do dia 22 de maio de 2020, o local por ela escolhido para treinar foi a quadra esportiva do seu condomínio.

Além de Aline Reis, Andressa Alves, Erika e Thaisinha, Cristiane Rozeira (@crisrozeira), uma das mais destacadas atletas da seleção12 12 Cristiane Roseira é a maior artilheira em Jogos Olímpicos entre homens e mulheres, marcou 14 gols durante as quatro edições (2004, 2008, 2012 e 2016) de que participou. passa a apresentar um conjunto de imagens e vídeos de seus treinos. Deslocadas das dependências do Santos Futebol Clube, as sessões de treinamento passam a ser realizadas no que aparenta ser a garagem de sua casa, espaço repensado para responder às imposições de distanciamento social.

Frente a essa diversidade de locais, é possível visualizar, nas postagens das atletas, alguns elementos recorrentes e que estão presentes nos posts ora nas próprias imagens, ora nas legendas ou ainda nas diversas hashtags (#). O uso de materiais esportivos, de materiais adaptados, da exibição das marcas e patrocinadores, do auxílio de pessoas, incluindo as que coabitam e são companheiras afetivas e os sentimentos expressados vão compondo os cenários das fotografias e vídeos postados pelas atletas e coproduzindo as narrativas que são construídas. Esses elementos, ao serem requisitados e postos em relação, borram e, até mesmo, colocam em suspensão as fronteiras que os definem. Ao deslocar os treinamentos para a casa, parece-nos que não é mais possível compreendê-la como o lugar do privado. Agora a casa, a partir da exibição de determinadas partes que a compõem, torna-se pública. Ao mesmo tempo, espaços públicos como a rua, o campinho e a praça do bairro assumem características de um uso particular em que é possível customizá-los com materiais esportivos, em especial, a bola. Nessas narrativas do Instagram, portanto, é possível identificar que esses espaços, híbridos entre público e privado, assumem agência frente às ações das atletas e seus treinamentos.

A institucionalização do tempo também ganha novos contornos. Sem um calendário de retorno aos jogos oficiais, as atletas compõem em suas narrativas um tempo em que treinamento físico, técnico e tático, requeridos pelas suas profissões, é também um tempo de lazer em que brincadeiras, diversões e risadas ganham destaque; tempo de dar visibilidade aos patrocinadores; de gerenciar a publicização e detalhamento de alguns fatos de suas vidas; de expressar o amor ao futebol; de fazer outras práticas corporais; e de mostrar e divulgar o apoio à campanha frente à Covid-19, conforme o post na Figura 2, o qual compôs o Instagram das atletas Tamires (@tata_dias10) e a Aline Milene (@amilene77) (E):

Figura 2
Divulgação de apoio ao combate à Covid-19.

Esses tempos narrados, assim como os espaços, nos provocam a pensar “em favor do prazer da confusão de fronteiras, bem como em favor da responsabilidade em sua construção” (HARAWAY, 2009HARAWAY, Donna Jeanne. Manifesto ciborgue: Ciência, tecnologia e feminismo-socialista no final do século XX. In: HARAWAY, Donna J.; KUNZRU, Hari; TADEU, Tomaz (orgs.). Antropologia do ciborgue: as vertigens do pós-humano. 2. ed. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2009, p. 31-118., p. 37), construção essa que se dá nas especificidades históricas dessas mulheres atletas de futebol. Poderíamos ensaiar que são narrativas “ciborgues”, termo trazido para a pauta por Donna Haraway ao escrever o Manifesto Ciborgue, e que escancara a coprodução de nossas vidas e a agência dos inúmeros elementos que a compõem. Enfim, as atletas, ao narrarem a si mesmas mediante postagens de seus treinos, associam elementos que “delineiam tramas de ciência, política, economia, direito, religião, técnica, ficção” (LATOUR, 2011LATOUR, Bruno. Jamais fomos modernos: ensaios de antropologia simétrica. 2. ed. Tradução Carlos Irineu da Costa. Rio de Janeiro: Editora 34, 2011., p. 8). A composição desses cenários, produzidos em tempos de pandemia, nos mostra a fragilidade de considerarmos as dicotomias natureza e cultura, sujeito e sociedade, público e privado, lazer e trabalho, para compreendermos as narrativas analisadas. Ao mesmo tempo, mostra-nos a potencialidade de considerarmos que “somos híbridos”, conforme nos provoca refletir Bruno Latour (2011LATOUR, Bruno. Jamais fomos modernos: ensaios de antropologia simétrica. 2. ed. Tradução Carlos Irineu da Costa. Rio de Janeiro: Editora 34, 2011., p. 9), constituídos de associações diversas e dinâmicas.

5 OS TREINAMENTOS EM TEMPOS DE PANDEMIA: SABERES ACIONADOS E PRODUZIDOS NO TRABALHO DE MULHERES ATLETAS

Compondo os elementos e cenários em que as atletas da seleção brasileira de futebol fazem suas postagens no Instagram, um conjunto de equipamentos são produzidos e adaptados para dar sequência à rotina de treinos e à produção de seus corpos. Além da goleira Aline, da zagueira Erika e da atacante Cristiane, citadas anteriormente, Formiga (@oficial_formiga), Tayla (@tayla.92), Marta (@martavsilva10), Duda (@maria_eduarda.f), entre outras, colocam em evidência, por meio das postagens, uma certa inventividade e capacidade de adaptação de si, dos treinos e equipamentos como uma habilidade mais ou menos comum e que informa sobre o comprometimento associado à condição de mulher atleta de futebol.

Nos dias 30 e 31 de março, Aline Reis posta dois vídeos em que treina reposição de bola em jogo, um movimento bastante demandado às goleiras e que consiste em lançar a bola com uma das mãos e golpeá-la com o pé. Durante uma partida de futebol, a ação de repor a bola em jogo depreende potência e precisão para fazê-la percorrer longas distâncias, bem como posicioná-la assertivamente em regiões específicas do campo. Como estratégia para executar o treinamento em um apartamento visivelmente pequeno, Aline faz uso do que aparenta ser o mesmo colchão de casal da Figura 3, porém apoiado na parede para amortecer o quique da bola. Apresentando algumas marcas em forma de “X” que indicam para onde a bola deve ser direcionada, o colchão se constitui um interessante instrumento que permite o uso de força e amplitude de movimentos em um espaço restrito.

Figura 3
Treino de reposição de bola em jogo.

Para o treino de impulsão para o cabeceio, a atacante Cristiane faz uso de um disco de treinamento fixado no teto do lugar onde passa a treinar. Funcionando como ponto referencial para a execução do movimento e de estímulo para saltos mais altos, o disco de 19 cm de diâmetro teve seu uso adaptado para responder às demandas específicas de movimentos e fundamentos que sua posição exige (Figura 4).

Figura 4
Treino de impulsão para cabeceio.

Em meio às postagens que produzem narrativas de mulheres atletas durante os treinamentos foi possível perceber que as convocadas para a seleção acionam um conjunto de saberes e os adaptam em condições muito peculiares do seu fazer profissional. Em condições de restrição para o trabalho, as atletas (re)constroem e atualizam saberes que as constituem como tal, um movimento que dá a ver a experiência vivida e o conhecimento apropriado em seus processos de profissionalização13 13 Não foram identificados - nas imagens e vídeos postados pelas atletas - apoio dos clubes no treinamento das jogadoras. .

Entendido como o um conjunto de conhecimentos, aptidões e competências, os saberes colocados em operação pelas atletas não se limitam aos das práticas corporais - “saberes técnicos, táticos e estéticos expressos pelo saber fazer” (LAZZAROTTI FILHO; SILVA; PIRES, 2013LAZZAROTTI FILHO, Ari; SILVA, Ana Márcia; PIRES, Giovani de Lorenzi. Saberes e práticas corporais na formação de professores de Educação Física na modalidade a distância. Revista Brasileira de Ciência do Esporte, v. 35, n. 3, p. 701-715, set. 2013. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-32892013000300013&lng=en&nrm=iso. Acesso em: 24 nov. 2020. DOI: https://doi.org/10.1590/S0101-32892013000300013.
http://www.scielo.br/scielo.php?script=s...
, p. 702), dizem respeito a um conjunto de conhecimentos sobre o futebol, provenientes de diversos campos como os da fisiologia e da biomecânica, da nutrição, entre outros, que se acomodam às percepções corporais sobre a execução e performance que cada atleta tem do seu próprio desempenho14 14 Um conjunto de autores tem se dedicado a pensar os saberes referentes às práticas corporais e como se relacionam nos processos de ensino-aprendizagem. A exemplo disso: Lazzarotti Filho, Silva e Pires, (2013) propõem a denominação Saberes das Práticas Corporais, Saberes sobre as práticas corporais e Saberes pedagógicos desenvolvidos sobre/a partir das práticas corporais. Pinto e Vaz (2009) propõem um esquema de registro de saberes vinculados à Educação Física, qual seja: saber/fazer; saber sobre o saber fazer e o processo de secundarização, entendido como: “um exercício permanente de reflexão e de compreensão do que e como se faz na escola. Este terceiro registro implica uma reflexão crítica sobre as práticas corporais, algo que possa permitir ao aluno localizar-se perante elas, vindo a saber o que significam para as diferentes sociedades, grupos, para si mesmo como localizado numa história e portador de uma memória” (p.266). González e Bracht (2012) propõe a denominação “saberes para praticar” enquanto construção e apropriação de um conjunto de experiências sobre/nas especificidades de cada prática corporal. Saberes corporais, pare esses autores, envolvem as dimensões técnicas, táticas e volitivas do desempenho físicos relacionado à prática. .

Assim, o conhecimento que essas mulheres acionam diz respeito à experiência vivida, à compreensão da resposta corporal a partir do exercício, da rotina de descanso e de alimentação. São saberes inscritos nos corpos e na história vivida dessas mulheres, mobilizados e colocados em operações. Esse processo pode ser tomado como um tipo de saber que se constrói na experiência direta do trabalho, cujas demandas configuram-se como estímulos para acionar e colocar em funcionamento diferentes princípios, conjugando limites e possibilidades num tipo de inventividade que só se torna possível mediante o domínio do fazer profissional (TARDIF; RAYMOND, 2000TARDIF, Maurice; RAYMOND, Danielle. Saberes, tempo e aprendizagem do trabalho no magistério. Educação e Sociedade, v. 21, n. 73, p. 209-244, dez. 2000. Disponível em: https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-73302000000400013&lng=pt&tlng=pt. Acesso em: 24 nov. 2020. DOI: https://doi.org/10.1590/S0101-73302000000400013.
https://www.scielo.br/scielo.php?script=...
; SILVEIRA, 2019SILVEIRA, Catarina da Cunha. Bom senso como prática docente na Educação Infantil. Tese (Doutorado) Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Faculdade de Educação. Programa de Pós-Graduação em Educação. Porto Alegre: 2019.).

Dessa maneira, a zagueira Érika faz uso do que aparenta ser uma garagem como espaço onde produz e distribui equipamentos para o treinamento resistido. Utilizando sacos de tecido, garrafas e sacolas plásticas preenchidos com materiais pesados, Erika executa uma sequência de exercícios que estimulam diferentes grupos musculares. Em outra postagem, em meio à rotina de treinamento e às demandas do próprio corpo, Erika constrói um banco extensor15 15 A cadeira extensora é um aparelho que demanda a extensão da articulação do joelho por meio da contração do quadríceps. a partir de um conjunto de materiais alternativos.

Figura 5
Treinamento com um banco extensor.

Com uma cadeira apoiada sobre uma poltrona, a atleta do Corinthians usa uma faixa elástica como instrumento de resistência ao movimento de contração do quadríceps. Em associação ao exercício, adota um esfigmomanômetro16 16 Aparelho utilizado para auferir a pressão arterial. para obstruir parcialmente o fluxo sanguíneo e, com isso, potencializar o processo de hipertrofia muscular17 17 O treinamento com oclusão vascular consiste em uma técnica que associa exercício de resistência de baixa intensidade à restrição do fluxo sanguíneo para os músculos, gerando como resultado o aumento de massa muscular e força semelhantes ao treinamento resistido de alta intensidade (PATTERSON, et al., 2019). De acordo com Sato (2005) essa técnica foi sistematizada a partir de meados dos anos 1996; nos últimos 15 anos, uma profusão de pesquisas têm se dedicado a investigar seus fundamentos e efeitos. (Figura 5).

Uma vez mobilizados e postos em operação para responder às demandas de treinamento em tempos de pandemia, esses saberes, tornados públicos no Instagram, são divulgados e colocados em circulação pela rede social. Dessa forma, em 26 de março, por meio de um vídeo de duração de 28 segundos, a meio-campista Andressa (andressaalves9oficial) se vincula a uma campanha patrocinada pela Nike que incentiva as pessoas a realizarem treinos em casa. Erika, de forma semelhante, no dia 2 de abril, produz um vídeo de 4 minutos e 31 segundos, indicando sequência de exercícios e padrões de execução dos movimentos. Em 13 de abril, Aline Reis dá algumas ideias para goleiras e goleiros que necessitam treinar a especificidade de suas funções em espaços adaptados.

Entre saberes acionados, construídos e divulgados pelo Instagram, em meio aos cenários que compõem suas postagens na rede social, as atletas produzem a si mesmas por meio dessas narrativas que, além de contarem uma história dos treinamentos em momento de pandemia, lhes dá certa direção e coerência (LARROSA, 2004LARROSA, Jorge. Notas sobre a narrativa e a identidade. In: ABRAHÃO, Maria Helena Menna Barreto. A aventura (auto)biográfica: teoria & empiria. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2004. p. 11-22.). O futebol emerge nessas narrativas como elemento constituinte dessas mulheres que, ao mesmo tempo que se dedicam aos treinos físicos, manifestam saudades da bola e do jogo com as companheiras de equipe. Nas postagens das atletas, são recorrentes frases e hashtags como: “que saudades que eu estava de você” #primeirotreino (@oficial_formiga, 29 de junho) “Se saia, corona. Porfa. #SaudadesDoMeuSantosFc (@tayla.92, 28 de abril de 2020); “So happy to be back training, safely of course!” (@martavsilva10, 11 de maio de 2020) “Saudades de pedir para minha amiga dar uma segurada na reclamação” (@crisrozeira, 18 de maio de 2020).

As postagens no Instagram evidenciam que o futebol está além de uma prática corporal que dominam e apreciam, pois se constitui elemento cuja apropriação e acúmulo de saberes transcendem no sentido da construção de suas identidades (PINTO; VAZ, 2009PINTO, Fábio; VAZ, Alexandre. Sobre a relação entre saberes e práticas corporais: notas para a investigação empírica do fracasso em aulas de educação física. Educação e Realidade, v. 34, p. 261-275, 2009.), constituindo o que Tardiff e Raymond chamam de “saber-ser” (2000TARDIF, Maurice; RAYMOND, Danielle. Saberes, tempo e aprendizagem do trabalho no magistério. Educação e Sociedade, v. 21, n. 73, p. 209-244, dez. 2000. Disponível em: https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-73302000000400013&lng=pt&tlng=pt. Acesso em: 24 nov. 2020. DOI: https://doi.org/10.1590/S0101-73302000000400013.
https://www.scielo.br/scielo.php?script=...
). Como é possível ver na (re)organização de seus lares, no regramento de suas rotinas e na produção de corpos, o futebol torna-se um constitutivo de quem são, eixo a partir do qual essas mulheres constroem redes de apoios para exercício da função de atletas. Nesse processo, a família, as companheiras e os antigos colegas de futebol de rua são mobilizados(as) junto com patrocinadores e apoiadores em geral - uma competência construída por essas mulheres e que também pode ser compreendida como elementos que têm agência em suas narrativas. Nesse cenário construído pelas convocadas da seleção, os sentidos atribuídos ao suor, à fadiga muscular e ao cansaço físico tornam-se uma recompensa, como a materialização do trabalho feito.

Num processo que produz narrativas dos treinos e de si, enquanto atletas de futebol, as postagens do Instagram ensinam sobre exercícios e treinamentos, evidenciam um conjunto de saberes acionados e colocados em execução para garantir, mesmo que de forma remota, o exercício da função de jogadoras profissionais. No conjunto das postagens das convocadas para a seleção, foi possível perceber seus saberes mobilizados e adaptados na prática cotidiana, como recurso capaz de resolver os problemas das atletas em exercício e para dar sentido às situações de trabalho que lhes são próprias. Entre imagens, vídeos e textos que falam sobre o cotidiano do treinamento em condição de suspensão da “normalidade” da vida, as mulheres da seleção dão a ver modos de ser e se portar como atletas profissionais, evidenciam o quanto a bola, o jogo e as companheiras de equipe são constitutivos de quem elas se tornaram.

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

As postagens das atletas da seleção de futebol no Instagram visibilizaram um cotidiano atravessado pelo isolamento social, produzindo narrativas marcadas pela agência de um conjunto de elementos que produziram e modificaram as condições de treinamento dessas mulheres. As incertezas de um tempo de pandemia parecem ter colocado em ação tanto a necessidade do autocuidado, entendido como distanciamento social, quanto o imperativo do corpo treinado, uma vez que o retorno aos jogos era uma possibilidade premente.

Ao longo desta investigação, pudemos apreender que as sessões de treinamento produzidas e compartilhadas por essas atletas evidenciaram o borramento de fronteiras entre a vida pública e a vida privada e novos contornos na institucionalização do tempo, fenômenos que, embora já viessem sendo anunciados por autores como Latour (2011LATOUR, Bruno. Jamais fomos modernos: ensaios de antropologia simétrica. 2. ed. Tradução Carlos Irineu da Costa. Rio de Janeiro: Editora 34, 2011.), tomam particular relevo devido à Covid-19 e às demandas de condição física, técnica, estética e política de mulheres atletas. Nesse processo, convocam familiares, amigas(os), companheiras e esposas para auxiliarem em suas sessões de treinamento cuja viabilidade se deu pela capacidade de acionarem e colocarem em operação um conjunto de saberes forjados em seus percursos de profissionalização. Deram visibilidade a patrocinadores, produziram a gestão dos seus corpos, lançaram mão de inventividades, atribuíram novos sentidos a velhos objetos, transformaram suas casas, apartamentos, condomínios, pátios e ruas em centros de treinamento onde testam possibilidades e fazem circular saberes produzidos e reafirmados no seu cotidiano profissional.

Enfim, se a pandemia de Covid-19 suspendeu ou alterou atividades laborais em todos os continentes, reverberou no Instagram das convocadas da seleção brasileira de futebol a ideia de que, mesmo na desordem produzida, as atletas precisavam treinar como condição para se reafirmarem no futebol, espaço conquistado por lutas políticas e pela performance de seus corpos. Os “atos biográficos” produzidos por elas sobre seus treinamentos nos possibilitaram refletir sobre atos estéticos, éticos e políticos que compõem o futebol de mulheres. Esse empreendimento nos provoca a pensar que cotidianamente construíram e estão construindo “atos de visibilidades” para um futebol que em outros momentos foram invisibilizados no chamado “país do futebol”.

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  • FINANCIAMENTO

    O presente trabalho integra o Programa Academia & Futebol e foi realizado com apoio financeiro da Secretaria Nacional de Futebol e Defesa dos Direitos do Torcedor, Secretaria Especial do Esporte, Ministério da Cidadania, Governo Federal.
  • 1
    A ideia de “Teatro da Memória” ajuda a deslocar o foco do que seria a “realidade” dessas atletas, para os sentidos produzidos e postos em circulação por um conjunto de mulheres profissionais de futebol acerca de suas vidas.
  • 2
    A narrativa de si pode ser produzida tanto a partir de uma série de vídeos ou imagens quanto do efeito de uma única fotografia (ROMNEY; JOHNSON, 2018).
  • 3
    Refere-se a um conjunto de mecanismos que articulados às relações de saber-poder são capazes de produzir a compreensão do que é verdadeiro em determinado contexto. O que está em jogo nos efeitos de verdade é sua efetividade em mobilizar práticas discursivas e não discursivas que produzem o que uma dada sociedade assume e faz ver como verdadeiros (SILVA, T., 2000).
  • 4
    Esse conceito integra a chamada Actor-Network-Theory (ANT) proposta inicialmente por Bruno Latour, Michel Callon e John Law no final de 1980 e que sumariamente entende o social como “um estado de coisas estável, a um conjunto de associações” (LATOUR, 2012, p. 17) as quais são mantidas ou modificadas conforme as relações estabelecidas. Nesse sentido, a agência de um elemento não é dada, mas sim construída na relação com outros elementos e relacionada com a capacidade de manter ou modificar o social que coproduz. Esse termo pode ser utilizado tanto para humanos quanto para não humanos, porque ambos podem assumir a capacidade de modificar alguma ação.
  • 5
    Importa destacar que para capturar as imagens dos perfis públicos do Instagram, recorremos à lei Nº 9.610 de 1998, que dispõe sobre os Direitos Autorais (BRASIL, 1998), cujo texto explicita que as informações lotadas em espaços públicos podem ser livremente utilizadas. Ao mesmo tempo, nós nos amparamos na Resolução 510 de 2016 do Conselho Nacional de Saúde (BRASIL, 2016), a qual afirma que estão desobrigadas do Comitê de Ética em Pesquisa e da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa investigações que usem informações de acesso e domínio público.
  • 6
    Lista oficial da convocação, realizada pela técnica Pia Sundhage, em 18 de fevereiro de 2020. Disponível em: https://www.cbf.com.br/selecao-brasileira/noticias/selecao-feminina/pia-sundhage-convoca-selecao-feminina-para-disputa-do-torneio-franca. Acesso em: 05 de outubro de 2020. No dia 02 de setembro de 2020, houve uma nova convocação, realizada pela técnica da Seleção Brasileira de Futebol Feminino, convocando para os treinos apenas atletas que estão jogando em equipes brasileiras. Contudo, não utilizamos esta listagem para este trabalho.
  • 7
    Disponível em: https://www.ludopedio.com.br/arquibancada/nos-convidamos-a-cbf-a-trazer-reformas-de-igualdade-de-genero-para-o-brasil/.
  • 8
    Decreto-Lei 3.199 de 14 de abril de 1941 instituía que: “às mulheres não se permitirá a prática de desportos incompatíveis com as condições de sua natureza devendo, para este efeito, o Conselho Nacional de Desportos (CND) baixar as necessárias instruções às entidades desportivas do país” (BRASIL, 1941, s/p.). De acordo com Salvini e Marchi Júnior (2013), o decreto foi revogado em 1975 pela lei 6251/75.
  • 9
    Num levantamento breve é possível destacar títulos como: Hexacampeonato da Copa América 1991, 1995, 1998, 2003, 2010, 2014, 2018; Vice-campeonato nos Jogos Olímpicos de Pequim em 2008; Campeãs dos Jogos Pan-americanos, 2007; Vice-campeonato na Copa do Mundo de 2007.
  • 10
    Foram vetadas atletas de cabeça raspada e com mais de 23 anos (KNIJNIK & VASCONCELLOS, 2003).
  • 11
    A partir de outros contextos, pesquisadores como Geurin-Eagleman; Burch (2016) e Pegoraro; Comeau; Frederick (2017) dão pistas sobre os usos estratégicos que mulheres atletas fazem de redes sociais como o Instagram. Geurin-Eagleman; Burch (2016), por exemplo, analisou postagens de atletas olímpicas como uma ferramenta para produzir uma marca pessoal por meio fotografias pessoais e em ambientes privados, uma estratégia bastante diferente do modo como os atletas do sexo masculino fazem uso dessa rede social. Pegoraro; Comeau; Frederick (2017), ao analisarem o engajamento associado às hashtags #SheBelieves e #FIFAWWC de atletas da seleção estadunidense de futebol no durante a FIFA Women’s World Cup em 2015, apontam que as atletas privilegiam a representação da sua competência atlética, desafiando estereótipos de gênero no esporte e posicionando as redes sociais como um espaço convidativo para exibir mulheres atletas em ação.
  • 12
    Cristiane Roseira é a maior artilheira em Jogos Olímpicos entre homens e mulheres, marcou 14 gols durante as quatro edições (2004, 2008, 2012 e 2016) de que participou.
  • 13
    Não foram identificados - nas imagens e vídeos postados pelas atletas - apoio dos clubes no treinamento das jogadoras.
  • 14
    Um conjunto de autores tem se dedicado a pensar os saberes referentes às práticas corporais e como se relacionam nos processos de ensino-aprendizagem. A exemplo disso: Lazzarotti Filho, Silva e Pires, (2013) propõem a denominação Saberes das Práticas Corporais, Saberes sobre as práticas corporais e Saberes pedagógicos desenvolvidos sobre/a partir das práticas corporais. Pinto e Vaz (2009) propõem um esquema de registro de saberes vinculados à Educação Física, qual seja: saber/fazer; saber sobre o saber fazer e o processo de secundarização, entendido como: “um exercício permanente de reflexão e de compreensão do que e como se faz na escola. Este terceiro registro implica uma reflexão crítica sobre as práticas corporais, algo que possa permitir ao aluno localizar-se perante elas, vindo a saber o que significam para as diferentes sociedades, grupos, para si mesmo como localizado numa história e portador de uma memória” (p.266). González e Bracht (2012) propõe a denominação “saberes para praticar” enquanto construção e apropriação de um conjunto de experiências sobre/nas especificidades de cada prática corporal. Saberes corporais, pare esses autores, envolvem as dimensões técnicas, táticas e volitivas do desempenho físicos relacionado à prática.
  • 15
    A cadeira extensora é um aparelho que demanda a extensão da articulação do joelho por meio da contração do quadríceps.
  • 16
    Aparelho utilizado para auferir a pressão arterial.
  • 17
    O treinamento com oclusão vascular consiste em uma técnica que associa exercício de resistência de baixa intensidade à restrição do fluxo sanguíneo para os músculos, gerando como resultado o aumento de massa muscular e força semelhantes ao treinamento resistido de alta intensidade (PATTERSON, et al., 2019). De acordo com Sato (2005) essa técnica foi sistematizada a partir de meados dos anos 1996; nos últimos 15 anos, uma profusão de pesquisas têm se dedicado a investigar seus fundamentos e efeitos.

Editado por

RESPONSABILIBADE EDITORIAL

Alex Branco Fraga*, Elisandro Schultz Wittizorecki*, Ivone Job*, Mauro Myskiw*, Silvana Vilodre Goellner*
*Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Escola de Educação Física, Fisioterapia e Dança, Porto Alegre, RS, Brasil

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    08 Mar 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    22 Dez 2020
  • Aceito
    15 Jan 2021
  • Publicado
    26 Jan 2021
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