DISTANCIAMENTO SOCIAL E O ENSINO DE EDUCAÇÃO FÍSICA: ESTRATÉGIAS, TECNOLOGIAS E NOVOS APRENDIZADOS

DISTANCIAMIENTO SOCIAL Y ENSEÑANZA DE EDUCACIÓN FÍSICA: ESTRATEGIAS, TECNOLOGÍAS Y NUEVOS APRENDIZAJES

Resumo

Este dossiê temático reúne uma coletânea de artigos acerca das implicações pedagógicas do ensino de Educação Física (EF) durante a pandemia de COVID-19. A pandemia desafiou professores em todo o mundo a se adaptarem ao distanciamento social e às exigências do ensino remoto. Nosso objetivo nesta edição especial é compartilhar e refletir sobre esses desafios e ver que a questão não se trata apenas do uso de tecnologia, mas também de como professores lidam com as implicações para o ensino de uma disciplina como a EF. As histórias compartilhadas fornecem valiosos insights sobre como os professores se adaptam e aprendem novas estratégias e tecnologias para ensinar EF em tempos de distanciamento social.

Palavras-chave:
Educação Física; Ensino; Distanciamento social; Tecnologia

Resumen

Este dossier temático reúne una colección de artículos sobre las implicaciones pedagógicas de la enseñanza de la Educación Física (EF) durante la pandemia de COVID-19. La pandemia ha desafiado a los profesores de todo el mundo a adaptarse al distanciamiento social y a los requisitos de enseñanza en línea. Nuestro objetivo en esta edición especial es compartir y reflexionar sobre estos desafíos y ver que el problema no se trata solo del uso de la tecnología, sino también de cómo los profesores enfrentan con las implicaciones para enseñar una materia como la EF. Las historias compartidas brindan insights valiosos sobre como los profesores se adaptan y aprenden nuevas estrategias y tecnologías para enseñar EF en tiempos de distanciamiento social.

Palabras clave:
Educación Física; Enseñanza; Distanciamiento social; Tecnología

Abstract

This “Focus Section” brings together a collection of papers that consider the pedagogical implications of teaching Physical Education (PE) during the COVID-19 pandemic. The pandemic has challenged teachers around the globe to adapt to social distancing and teaching online requirements. Our goal in this special edition is to share and reflect together on these challenges and see that the issue is not just about the use of technology, but also about how teachers navigate the implications for teaching a subject like PE. The shared stories provide valuable insights into how teachers adapt and learn new strategies and technologies for teaching PE in times of social distancing.

Keywords:
Physical Education; COVID 19; Physical distancing; Education, distancy

O rápido desenvolvimento das tecnologias da informação no final do último século prenunciou que nossa cultura seria cada vez mais digital. As tecnologias digitais não apenas se integraram a todos a todos os aspectos de nossas vidas modernas, mas também transformaram a maneira como as pessoas trabalham, pensam, interagem e conduzem sua vida cotidiana (MÜHLEISEN, 2018). Por exemplo, as tecnologias digitais são centrais para a forma como nos comunicamos, organizamos reuniões, obtemos notícias e informações, ouvimos música, assistimos filmes e monitoramos nossa própria saúde e atividade física. O principal ponto de interesse aqui não é o alcance e a capacidade das tecnologias propriamente ditas, os quais são impressionantes, mas sim o efeito disruptivo e transformador que elas têm na sociedade, incluindo economia, relações sociais e estruturas políticas que são essenciais à vida cotidiana (LEE, 2020). A educação não está isenta disso. Ela sempre foi um campo que prontamente adotou novas tecnologias e usufruiu de uma ampla gama de ferramentas pedagógicas novas e emergentes (RAJA; NAGASUBRAMANI, 2018). A aceitação e uso de novas tecnologias não dizem respeito apenas a sua disponibilidade, mas também a como tais tecnologias podem ampliar, modificar e redefinir o ensino (HAMILTON; ROSENBERG; AKCAOGLU, 2016). Mesmo em uma disciplina como a Educação Física (EF), onde o foco está nos aspectos vivenciais e corporais do aprendizado, existe um interesse ativo em como novas e emergentes tecnologias irão reconfigurar o ensino e a aprendizagem da área, principalmente devido ao impacto que tais tecnologias também estão tendo nas culturas do movimento humano e da saúde (GARD, 2014; ROBINSON; RANDAL, 2017; WYANT; BAEK, 2019).

Até onde se sabe, a primeira revisão sistemática acerca de tecnologia na literatura de EF foi uma edição especial na revista de cinesiologia Quest em 1997 (ver MARTENS, 1997), com destaque a tecnologia instrucional, acesso à informação na Internet, usos da tecnologia em biomecânica e comportamento motor, entre outros temas. Entretanto, foi somente após a virada do século que a ideia de que a tecnologia poderia mudar a maneira pela qual a EF era ensinada surgiu. Por exemplo, ao contemplar o que a EF poderia ser na era digital, Fernández-Balboa (2003) sugeriu:

[…] a Educação Física poderia ser ministrada em casa. Imagine que professores de Educação Física poderiam elaborar programas individualizados e os distribuir aos estudantes via Internet, incluindo texto ilustrativo, som e imagem. Imagine que adultos de todas as idades e ambos os gêneros possam baixar programas de exercícios para fazer em casa ou no trabalho. (FERNÁNDEZ-BALBOA, 2003, p.110).

Foi quase duas décadas depois que a ideia de a EF ser ministrada em casa pela Internet tornou-se uma realidade, com a pandemia de coronavírus trazendo uma ruptura extraordinária às redes de ensino em todo o mundo. À medida em que as taxas de infecção cresciam a um ritmo alarmante, lockdown e medidas de distanciamento social foram introduzidos, levando ao fechamento de escolas e instalações de ensino superior em muitos países ao redor do globo (VAN-LANCKER; PAROLIN, 2020; POKHREL; CHHETRI, 2021). As redes de ensino e os professores foram forçados a uma rápida transição do ensino presencial para formas de ensino remoto, on-line ou virtual. Essa resposta rápida e reativa levou a uma variedade de questões tais como acessibilidade, competência, igualdade e viabilidade de dispositivos e de conectividade (MURGATROTD, 2020). Incluído nisso estava o impacto em disciplinas como a EF, que aprendem através de contextos práticos de forma interdependente, colaborativa e cinestésica. Repentinamente, os professores foram confrontados pela realidade de que a EF seria agora ensinada pela Internet.

Isso não significa que não havia um debate ativo sobre o papel e uso de tecnologias digitais na EF antes da pandemia. Por exemplo, havia um interesse crescente em como professores e formadores de professores de EF estavam utilizando tecnologia (por exemplo, JUNIU, 2006; KONUKMAN, 2015; THOMAS; STRATTON, 2006), que barreiras e facilitadores impactavam o uso de tecnologias digitais em EF (por exemplo, BODSWORTH; GOODYEAR, 2017; BURNE; OVENS; PHILPOT, 2018) e como a tecnologia poderia ser usada para aumentar o engajamento dos estudantes (por exemplo, CASEY; JONES, 2012; KOEKOEK; VAN HILVOORDE, 2018). Houve também uma crítica de como isso restringiu a possibilidade para uma pedagogia crítica (por exemplo, LUGUETTI et al., 2022) e mensagens críticas construtivas sobre comportamentos relacionados à saúde nas mídias sociais (GOODYEAR; ARMOUR; WOOD, 2019). Além disso, houve a preocupação em que os currículos de EF não estariam acompanhando o impacto das mídias e tecnologias e que isso estaria limitando o potencial da EF em permitir aos estudantes tomarem decisões críticas e informadas sobre suas necessidades de saúde e de atividade física (ARAÚJO; KNIJNIK; OVENS, 2021).

O interessante nessas pesquisas pré-pandemia é que, embora o valor e a necessidade de um nível de proficiência no uso de tecnologias digitais tenham sido discutidos por vários estudos (ver, por exemplo, BAERT, 2011; JUNIU; SHONFELD; GANOT, 2013; GIBBONE; MERCIER, 2014; JONES; BAIEK; WYANT, 2017; BAEK et al., 2018), muito pouca atenção foi dada a isso nas diretrizes curriculares para formação de professores de EF. Isso foi especialmente verdade no tocante a competências e conhecimento acerca de tecnologias digitais que novos professores necessitariam utilizar em seu ensino (ARAÚJO; CARVALHO; OVENS; KNIJNIK, 2021). Como resultado, a mudança para um ambiente remoto on-line desafiou os professores a repensarem seus conteúdos e seu ensino de maneiras para as quais eles não foram preparados nem educados (CRUICKSHANK; PILL; MAINSBRIDGE, 2021; STIRRUP, et al., 2020; GODBER; ATKINS, 2020; CENTEIO et al., 2021; VAREA; GONZÁLEZ-CALVO; GARCÍA-MONGE, 2022).

Nosso objetivo ao compilar esta edição especial foi retornar à discussão sobre o papel e uso de tecnologias digitais em EF ao refletir acerca das implicações pedagógicas do ensino remoto de EF. Acreditamos que seja importante questionar o que precisa ser aprendido a partir das experiências de professores e estudantes de EF em situações de distanciamento social forçado. Nossa abordagem foi convidar colegas de diferentes países para compartilharem suas experiências de ensino de EF durante a pandemia de coronavírus e explorar a ideia de que o ato de mover a EF para um modo on-line de ensino representa uma mudança de paradigma tanto na natureza da disciplina quanto na forma como ela é ensinada. Como dissemos no início desta introdução, o ponto chave de qualquer discussão sobre transformação social não é o alcance ou número de tecnologias digitais em uso, mas sim o efeito transformativo que elas têm sobre uma prática educacional como a EF.

É importante ressaltar a relevância das diferenças nos ambientes culturais e linguísticos nesta edição especial. Cada artigo representa um contexto nacional e educacional distinto. Os artigos também apresentam autores atuando em ambientes de língua inglesa e de língua portuguesa. Nossa experiência nos ensinou o quão difícil é representar complexas ideias, conceitos e visões de mundo em diferentes idiomas. Por esse motivo, permitimos aos autores escreverem no idioma que preferissem e, em seguida, solicitamos a colegas que traduzissem cada artigo. Nesse processo, é difícil preservar a fluência e perspectiva acadêmica dos autores e nos desculpamos de antemão por erros metodológicos ou de edição que possam aparecer em cada artigo traduzido. Dada essa ressalva, estamos orgulhosos de como a coletânea de artigos fornece valiosos insights em como professores se adaptam a e aprendem novas estratégias e tecnologias para o ensino de EF em tempos de distanciamento social.

Em seu artigo, Tim Fletcher, do Canadá, e Mats Hordvik, da Noruega, discutem os resultados de um autoestudo colaborativo (S-STEP) no qual Mats experimenta diferentes abordagens e plataformas de aprendizagem em seu programa de formação de professores de EF nos anos anteriores à pandemia. Para ajudar a fornecer uma maneira de ilustrar como abordagens combinadas podem ser pensadas e implementadas, eles utilizam a metáfora da miscibilidade. Sua análise mostrou que o curso combinado de formação de professores de EF não foi concebido ou implementado de uma forma que efetivamente utilizasse componentes presenciais e on-line. Isso significa que oportunidades foram perdidas em oferecer experiências educativas de um formato para moldar experiências no outro.

Da Nova Zelândia, Carlos Kucera, Alan Ovens e Blake Bennett, com uma colaboradora brasileira, Ana Lisa Gomes, também usam uma metodologia de autoestudo para refletir sobre as experiências de Carlos em ter de adaptar, planejar e ensinar aulas de EF enquanto lidava com as exigências de distanciamento social e fechamento de escolas. Abordando temas como a natureza da EF, estratégias pedagógicas e conteúdos ministrados, os autores refletem sobre a coerência entre crenças, pressupostos, abordagens teóricas e práticas docentes.

Em um terceiro projeto colaborativo de autoestudo, as práticas de formação de professores de dois professores universitários brasileiros, Luciana Venâncio e Luiz Sanches, se envolvem com Bernard Charlot, da França, e Cheryl Craig, dos EUA, enquanto amigos críticos para examinarem como suas relações pedagógicas tornaram-se mediadas de forma síncrona e assíncrona por meio de plataformas on-line durante a pandemia. Suas reflexões concentraram-se em como essa reconfiguração da situação de ensino restringiu as experiências relacionadas ao movimento na EF, afetando a incorporação do conhecimento por parte dos estudantes como “corpo-sujeito”.

O quarto autoestudo, escrito por Rod Philpot, Alan Ovens e Blake Bennet, relata seu projeto de questionar, problematizar e expandir seus pressupostos de ensino e explorar formas de adaptar e evoluir suas pedagogias com a proliferação das tecnologias digitais e mídias sociais. Eles descrevem e problematizam suas experiências de ensino remoto emergencial em um curso de Graduação e identificam alguns pressupostos chave que sustentam suas práticas enquanto professores no mundo digital, incluindo o sentimento de se tornarem novamente professores neófitos.

Utilizando uma abordagem narrativa, Leilane Shamara, Márcio Oliveira, Alan Queiroz e Allyson Carvalho descrevem, debatem e refletem sobre a experiência de uma professora na rede pública de ensino no Nordeste do Brasil em ensino remoto. Inspirados em casos pedagógicos, eles utilizam uma narrativa fornecida por uma professora para servir de ponto de partida para iniciar uma conversa entre pares que buscam entender as nuances do ensino remoto para pensar sobre o que a EF poderia aprender com período de pandemia.

Escrevendo a partir do contexto espanhol, Victor Amar examina a narrativa de uma jovem estudante-professora cuja vida cotidiana, participação em esportes e aprendizagem mudaram de forma significativa com o início das exigências de distanciamento social postas pelo governo em seu país. Através de entrevistas semiestruturadas que estimularam um diálogo aberto e fluido, Victor apresenta a opinião de Pao sobre sua formação docente, valores e estilo de vida em tempos de pandemia. Os resultados nos retratam a tecnologia como um incentivo para mudança e aperfeiçoamento do professor, para sua autoformação.

Do Reino Unido, Zac Parris, Lorraine Cale, Jo Harris e Ashley Casey focam no uso de mídias sociais pelos professores para ensinarem o conhecimento de atividade física para saúde nos estágios iniciais da pandemia de COVID-19. Com base na pesquisa apreciativa e utilizando uma metodologia de teoria fundamentada em dados (Grounded Theory), eles descrevem o uso inicial de desafios e competições em casa antes de se concentrarem novamente em pedagogias mais focadas na manutenção/melhoria da saúde e do bem-estar. Sua pesquisa destaca três desafios principais inerentes ao uso de espaços digitais para o ensino de EF.

De maneira geral, acreditamos que a coletânea de artigos provê uma série de snapshots úteis de como a mudança para o on-line teve consequências a curto e longo prazo para uma disciplina tão dependente de interação e de movimento como a EF. Coletivamente, as histórias compartilhadas fornecem valiosos insights sobre a paixão e dedicação de professores de EF ao redor do globo e sua resiliência, inovação e capacidade de adaptação quando forçados a ensinarem de uma forma diferente. Aplaudimos o trabalho dos professores nos últimos dois anos, diante de tais dificuldades. Ao mesmo tempo, esperamos que as metodologias utilizadas pelos nossos autores colaboradores mostrem o valor de se trabalhar mais próximo aos professores para se envolver em processos de investigação reflexivos e críticos, de modo que o foco não esteja apenas na aceitação e uso de tecnologias digitais, mas também em como tais tecnologias mediam e transformam o que a EF se torna em ambientes on-line, socialmente distantes e virtuais. O propósito deve ser sempre apoiar os professores para que sejam criativos, inovadores e inclusivos ao passo em que eles buscam por soluções para garantir que a EF de alta qualidade permaneça como seu objetivo.

Concluindo, agradecemos aos nossos revisores e tradutores que voluntariamente disponibilizaram seu tempo e compartilharam sua experiência para orientar a escrita de cada artigo. Em particular, gostaríamos de agradecer a Carlos Kucera, Luiz Sanchez-Neto e Everton Cavalcante por assumirem a difícil e complicada tarefa de traduzirem os artigos mesmo com suas ocupadas cargas de trabalho. Também queremos agradecer a Dawn Garbett por seu olhar de edição crítico, ajudando no processo de revisão e fornecendo um feedback valioso aos autores. Finalmente, agradecemos aos editores da revista Movimento por sua disposição em apoiar esta edição especial e por sua paciência em definir datas de submissão realistas. Esta edição especial é verdadeiramente um esforço coletivo de muitas pessoas.

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• FINANCIAMENTO

  O presente trabalho foi realizado sem o apoio de fontes financiadoras.

Editado por

RESPONSABILIDADE EDITORIAL

Alex Branco Fraga*, Elisandro Schultz Wittizorecki*, Ivone Job*, Mauro Myskiw*, Raquel da Silveira*

*Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Escola de Educação Física, Fisioterapia e Dança, Porto Alegre, RS, Brasil.

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  06 Maio 2022
• Data do Fascículo
  2022

Histórico

• Recebido
  26 Fev 2022
• Aceito
  02 Mar 2022
• Publicado
  09 Abr 2022