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MULHERES NO BOXE: NEGOCIAÇÕES DE MASCULINIDADE(S) E FEMINILIDADE(S) NA ACADEMIA

MUJERES EN EL BOXEO: NEGOCIACIONES DE MASCULINIDADE(S) Y FEMINIDADE(S) EN EL GIMNASIO

Resumo:

Buscamos destacar o quanto as noções tradicionais de masculinidade e feminilidade (e heterossexismo) afetam a prática do boxe. Com esse objetivo e por meio de um estudo etnográfico realizado em uma academia, refletimos sobre a participação de mulheres nas aulas de boxe, identificando as diferenças entre a prática de homens e de mulheres. Observamos uma “naturalização” do que tradicionalmente se considera masculino (virilidade, agressividade etc.) e feminino (comedimento, sensibilidade etc.), mas que não por isso deixam de ser reconfigurados. Os resultados foram organizados em três categorias: sobre a prática no espaço da academia; sobre a separação de gênero; e sobre o atravessamento de fronteiras de gênero, que é quando a mulher, por objetivos relacionados à luta, tende a ser masculinizada. Também são tensionados os sentidos atribuídos à prática do boxe, no qual a própria sexualidade das atletas é questionada, demarcando a heterossexualidade como norma.

Palavras-chaves:
Mulheres; Boxe; Masculinidade; Feminilidade

Resumen:

Buscamos destacar hasta qué punto las nociones tradicionales de masculinidad y feminidad (y heterosexismo) afectan la práctica del boxeo. Con ese objetivo y a través de un estudio etnográfico realizado en un gimnasio, reflexionamos sobre la participación de mujeres en las clases de boxeo, identificando las diferencias entre la práctica de hombres y de mujeres. Observamos una “naturalización” de lo que tradicionalmente se considera masculino (virilidad, agresividad, etc.) y femenino (comedimiento, sensibilidad, etc.), sin que por ello dejen de ser reconfigurados. Los resultados fueron organizados en tres categorías: sobre la práctica en el espacio del gimnasio; sobre la separación de género y sobre el cruce de fronteras de género, que es cuando la mujer, por objetivos relacionados a la lucha, tiende a ser masculinizada. También son tensionados los sentidos atribuidos a la práctica del boxeo, en el cual la propia sexualidad de las atletas es cuestionada, enmarcando a la heterosexualidad como norma.

Palabras clave:
Mujeres; Boxeo; Masculinidad; Feminidad

Abstract:

We seek to highlight how traditional notions of masculinity and femininity (and heterosexism) affect the practice of boxing. With this objective and through an ethnographic study carried out in a gym, we reflect on the participation of women in boxing classes, identifying the differences between the practice of men and women. We observed a "naturalization" of what is traditionally considered masculine (virility, aggressiveness, etc.) and feminine (restraint, sensitivity, etc.), but which nevertheless are reconfigured. The results were organized into three categories: on the practice in the space of the gym; on gender separation; and on the crossing of gender boundaries, which is when the woman, due to objectives related to the struggle, tends to be masculinized. The meanings attributed to the practice of boxing are also tensioned, in which the athletes' own sexuality is questioned, demarcating heterosexuality as the norm.

Keywords:
Women; Boxing; Masculinity; Femininity

1 INTRODUÇÃO1 1 O texto é um desdobramento da dissertação do primeiro autor intitulada: Da academia de boxe ao boxe da academia: um estudo etnográfico. Disponível em: https://www.lume.ufrgs.br/handle/10183/48994

Neste artigo buscamos entender as relações entre a prática esportiva do boxe e as conformações de gênero, tendo como referência os Estudos Culturais e Feministas que se aproximam do pós-estruturalismo de Foucault (2002b)FOUCAULT, Michel. História da sexualidade 1: Vontade de saber. São Paulo: Graal, 2002b., nos quais a própria concepção de gênero engloba processos de construção social que ocorrem ao longo da vida dos sujeitos, em interação com diversas circunstâncias em que estes aprendem a tornar-se homens e mulheres de um determinado modo2 2 Gênero é um conceito que remete a todas as formas de construções sociais, culturais e linguísticas implicadas nos processos que operam na diferenciação de homens e mulheres. Nesses processos, incluem-se seus corpos, dotados de sexo e de sexualidade, mas não por isso biologicamente determinados (LOURO, 1999; MEYER; SOARES, 2003; SCOTT, 1995;), de modo que aprendemos a nos tornar homens e mulheres de/em determinada sociedade. Para articular gênero e sexualidade, destacamos que entendemos a sexualidade como os diferentes modos de expressar desejos e prazeres, os quais têm uma dimensão social, já que as maneiras utilizadas pelos sujeitos para se expressar são tanto socialmente aprendidas, quanto codificadas em um contexto em particular. Louro (2004, p. 9), entende que “as identidades de gênero e sexuais são [...] compostas e definidas por relações sociais [...] moldadas pelas redes de poder de uma sociedade”. . Estas aprendizagens, que incluem dimensões sociais e culturais, passam também pelo corpo.

Embora os sujeitos vivam em espaços diferentes, as circunstâncias de cada situação histórica e social promovem diferentes maneiras de ser. Portanto, a cultura inscreve particularidades nos sujeitos (LOURO, 1999LOURO, Guacira Lopes. Corpo educado: pedagogias da sexualidade. Belo Horizonte: Autêntica, 1999.). Ela não só conforma os contextos sociais, como conforma influências em diferentes estágios da vida. Assim, é possível observar diferentes modos de viver e de sentir a feminilidade e a masculinidade (SCOTT, 1995SCOTT, Joan. Gênero: uma categoria útil de análise histórica. Educação & Realidade, v. 20, n. 2, p. 71-99, jul./dez. 1995.; MEYER, 2003MEYER, Dagmar Estermann. Gênero e educação: teoria e política. In: LOURO, Guacira Lopes; NECKEL, Jane Felipe.; GOELLNER, Silvana, Vilodre (organizadoras). Corpo, Gênero e sexualidade: um debate contemporâneo em educação. Petrópolis, RJ: Vozes, 2003. P. 9-27.; GOELLNER, 2007GOELLNER, Silvana Vilodre. Feminismos, mulheres e esportes: questões epistemológicas sobre o fazer historiográfico. Movimento (Porto Alegre), v. 13, n. 2, p. 171-196, 2007.). Pretendemos destacar o quanto as noções tradicionais de masculinidade e feminilidade (bem como o heterossexismo) afetam a prática de boxeadoras em uma academia de Porto Alegre.

Nessa direção, buscamos problematizar a compreensão de uma cultura tradicionalmente masculina associada na prática do boxe e as representações adjacentes. Essa dimensão permite ampliar as análises, refletir, indagar e problematizar o modo como determinados papéis correspondem às mulheres e aos homens produzindo-se como se fossem “desígnios naturais3 3 A utilização das aspas é para tensionar o sentido tradicional que essas palavras carregam. ”. As exigências sociais que se estabelecem através de mecanismos de poder (FOUCAULT, 2002aFOUCAULT, Miguel. Microfísica do poder. Rio de Janeiro: Graal, 2002a.) colocam-se também em diversos espaços do cotidiano, através de comportamentos exigidos ou permitidos para cada lugar. Quais são os processos imbricados na sociedade pelos quais mulheres e homens aprendem no esporte a ser femininos ou masculinos nas academias?

No texto de Wacquant (2002)WACQUANT, Loïc. Corpo e alma: notas etnográficas de um aprendiz de boxe. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2002., trabalho fundamental sobre esportes de combate, encontramos discussões referentes aos significados envolvidos na participação de indivíduos em uma academia de boxe localizada em uma região periférica da cidade de Chicago, EUA. Apesar da relevância desse estudo e de suas análises profícuas e enriquecedoras sobre as lutas, não há uma discussão aprofundada sobre as questões de gênero, já que esse não era o intuito do trabalho. Mesmo que o livro não verse sobre essa ótica - do gênero - a falta de uma problematização nos abre uma lacuna importante de direcionamento teórico do trabalho.

Refletindo sobre o que foi exposto, consideramos que a prática esportiva por mulheres era negada e historicamente foi progressivamente liberada (GOELLNER, 2005GOELLNER, Silvana Vilodre. Mulheres e futebol no Brasil: entre sombras e visibilidades. Revista Brasileira de Educação Física e Esporte, v.19, n. 2, p.143-151. abr./jun. 2005.). Artigos como os de Adelman (2003)ADELMAN, Miriam. Mulheres atletas: re-significações da corporalidade feminina. Estudos Feministas, v. 11, n. 2, p. 445-465, jul./dez., 2003. analisam a prática feminina nos esportes do vôlei, basquete e equitação. Além de seus textos, identificamos hoje vários outros que problematizam a articulação da participação feminina em esportes entendidos como masculinos, como skate (FIGUEIRA, 2009FIGUEIRA, Marcia. Skate e mulheres no Brasil: fragmentos de um esporte em construção. Revista Brasileira de Ciências do Esporte, v. 30, n. 3, p. 95-110, 2009.), rugby (ALMEIDA, 2014ALMEIDA, Thaís Rodrigues de. Mulheres no esporte: feminilidades em jogo. In: DORNELLES, Priscila Gomes; WENETZ, Ileana; SCHWENGBER, Maria Simone Vione (orgs.) Educação Física e Gênero: desafios educacionais. Ijuí: Unijuí, 2014. (Coleção Educação Física). p.241-265.), fisiculturismo (JAEGER, 2014JAEGER, Angelita. Relações de Gênero e a medida do músculo no esporte. In: DORNELLES, Priscila Gomes.; WENETZ, Ileana; SCHWENGBER, Maria Simone Vione (orgs.) Educação Física e Gênero: desafios Educacionais. Ijuí: Unijuí, 2014 (Coleção Educação Física). p. 267-289.), futebol feminino (MARTINS, WENETZ, 2020MARTINS, Mariana Zuaneti; WENETZ, Ileana. (org). Futebol de Mulheres no Brasil: desafios para as políticas públicas. Curitiba: CRV, 2020. v.1. (Coleção academia e futebol).). Nas lutas, encontramos o boxe (SILVA; CAVICHILLI; CAPRARO, 2015; CARDOSO et al., 2012CARDOSO, Berta Leni Costa. et al. Mulheres no boxe: Percepções sociais de uma luta sem luvas e fora dos ringues. Motricidade, v. 8, Supl. 2, p. 259-268, 2012.), o boxe feminino e cinema (FERNANDES; MOURÃO, 2014FERNANDES, Vera; MOURÃO, Ludmila Nunes. “Menina de ouro” e a representação de feminilidades plurais. Movimento (Porto Alegre), v. 20, n. 4, p. 1611-1629, 2014.), inserção/permanência de atletas na Federação Rio-Grandense (BERTÉ 2016BERTÉ, Isabela Lisboa. Mulheres no universo cultural do boxe: as questões de gênero que atravessam a inserção e a permanência de atletas no Pugilismo (2003-2016). Dissertação (Mestrado em Ciência do Movimento Humano). Escola de Educação Física, Fisioterapia e Dança, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2016.), a luta olímpica (FERNANDES et al., 2014FERNANDES, Vera Lúcia F.P.; TAVARES, M Marcelo Luís R. S; OLIVEIRA, Ayra Lovisi; MOURÃO, Ludmila Nunes. A produção de feminilidades de atletas de luta olímpica. Revista Portuguesa de Ciências do Desporto, v. 14, n. S1A/S1R, p. 411-420, 2014.), o boxe e as Mixed Martial Arts4 4 Sigla, em inglês, que significa mistura de artes marciais. Assim, os atletas dessa modalidade utilizam elementos de vários esportes de combate (por exemplo, o boxe, o jiu-jítsu e o Muay Thai) e os utilizam na luta. (FERNANDES et al., (2014)FERNANDES, Vera Lúcia F.P.; TAVARES, M Marcelo Luís R. S; OLIVEIRA, Ayra Lovisi; MOURÃO, Ludmila Nunes. A produção de feminilidades de atletas de luta olímpica. Revista Portuguesa de Ciências do Desporto, v. 14, n. S1A/S1R, p. 411-420, 2014., e a participação de atletas transexuais (TURELLI; VAZ, 2011TURELLI, Fabiana Cristina; VAZ, Alexandre Fernandes. Lutadora, pesquisadora: lugares, deslocamentos e desafios em uma prática investigativa. Estudos Feministas, v.19, n. 3, p. 895-910, set./dez, 2011.) e MMA e o debate do próprio campo esportivo (SALVINI, 2017SALVINI, Leila. A luta como “ofício do corpo”: entre a delimitação do subcampo e a construção de um habitus do mixed martial arts em mulheres lutadoras. Tese (Doutorado em Educação Física) - Universidade Federal do Paraná. Curitiba, 2017.). Apesar da recente produção e considerando a paulatina inclusão de mulheres nas lutas (GRESPAN; GOELLNER, 2014GRESPAN, Carla Lisboa; GOELLNER, Silvana Vilodre; Fallon Fox: um corpo queer no octógono. Movimento (Porto Alegre), v. 20, n. 4, p.1265- 1282. out./dez. 2014.), é perceptível que a prática delas tem aumentado, mas com certas restrições, configurando-se com determinados recortes/nuances que ainda precisam ser analisados e aprofundados. Assim, perguntamos: como se conformam as relações de gênero no contexto de uma aula de boxe na academia? Que dificuldades as mulheres encontram para ingressar no boxe? O que se espera das mulheres que praticam o boxe?

2 SOBRE A ETNOGRAFIA, A ACADEMIA E A PRÁTICA DO BOXE

Os questionamentos acima nos conduziram a escolher a etnografia como instrumento metodológico, pela perspectiva antropológica de investigação que oferece voltar-se para a própria sociedade. Hoje, a Antropologia se preocupa em entender a sua própria cultura, relativizando alguns conceitos enraizados no senso comum.

A partir de estudos microscópicos, ela oferece elementos para que o pesquisador se insira no campo de investigação com uma base teórica específica e procure, com base num caso particular, articular seus resultados com grandes debates sobre um determinado tema (GEERTZ, 1989GEERTZ, Clifford. A Interpretação das culturas. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1989.). Neste caso, abordamos os temas gênero e esportes, ou, mais particularmente, nos debruçamos sobre um esporte “dito” masculino praticado por mulheres.

Assim, o estudo etnográfico possibilita a análise “por dentro5 5 Ao sugerir uma análise “por dentro”, nos sustentamos nas ideias de Geertz (1989), que sugere que o trabalho etnográfico oferece condições de perceber idiossincrasias culturais relacionadas ao grupo que possibilitam análises microscópicas e profundas. Ademais, nos apoiamos nas ideias de Magnani (2002), que sustenta que a etnografia é resultante de um aprofundamento do pesquisador no campo de pesquisa e de uma análise que relativize, dialogue e encontre consonâncias e dissonâncias com a sua realidade. ” na procura daquilo que se constitui como particular, relacionando-o com a experiência do investigador de campo, o que permite uma maior proximidade entre esse e os sujeitos integrantes daquele contexto.

Ademais a etnografia consiste em um conjunto de características como saber ver, saber estar com outros e consigo mesmo e retraduzir aquilo que se percebeu, reinterpretando a um terceiro por meio da escrita (WINKIN, 1998WINKIN, Yves. A Nova comunicação: da teoria ao trabalho de campo. Campinas: Papirus, 1998.). Segundo as ideias de Geertz (1989GEERTZ, Clifford. A Interpretação das culturas. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1989., p. 63), o trabalho de articular aquilo que se vivencia no local implica “uma presença do Lá em um texto elaborado Aqui”.

Nessa direção, foi realizada uma etnografia em uma academia na zona central de Porto Alegre/RS. Foram analisadas 30 visitas a campo e registradas em diários de campo6 6 Entre outubro de 2009 e janeiro de 2010. As aulas observadas eram realizadas à noite e tinham uma hora de duração, perfazendo duas observações por semana. e dez entrevistas7 7 Foram entrevistados oito mulheres e dois homens. O critério de participação nas entrevistas foi ser praticante de boxe há mais de um ano, no intuito de o sujeito ter maior conhecimento do universo pesquisado em relação ao gênero. com pessoas8 8 Os nomes dos sujeitos são fictícios, para preservar a ética em pesquisa. Todos os entrevistados preencheram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. que praticavam o boxe. O local em pauta tem uma trajetória reconhecida na cidade, sendo, por isso, referência entre as academias. Há quinze anos se oferecem aulas para alunos iniciantes, intermediários e avançados, que praticam o boxe juntos, nos mesmos horários. Entre os praticantes há homens e mulheres em turmas mistas. Além disso, a academia oferece aulas da modalidade nos três turnos e registramos uma predominância masculina de oito a 12 pessoas. A participação feminina não superou duas a quatro mulheres por aula, em toda a pesquisa.

Os resultados foram organizados em três grandes categorias, a partir da concepção de desconstrução9 9 A noção de desconstrução é um procedimento utilizado por Derrida, que problematiza a construção permanente e polarizada da oposição binária, como, por exemplo: branco/negro, natureza/cultura, masculino/feminino, etc. Esses polos se opõem e se diferenciam, mas estão em constante relação. Os polos parecem ser rígidos, determinantes e naturais, sendo que o segundo polo sempre deriva do primeiro numa relação de poder em que existe a lógica de dominação-submissão, que parece ser inalterável. A desconstrução dos binarismos de polos opostos permite problematizar a construção de cada polo, observando que cada um deles constitui o polo contrário, “demonstrando que cada um na verdade supõe e contém o outro, evidenciando que cada polo não é único, mas plural, internamente fraturado e dividido” (LOURO, 2001, p.31). da bipolaridade de gênero. Ao desconstruir, afirmamos não haver uma maneira “universal”, “verdadeira” ou “única” de ser mulher ou de ser homem, admitida a possibilidade de haver diferenças.

Antes de apresentar os resultados, é importante ressaltar que essa pesquisa respeitou os critérios éticos. Deste modo, ao iniciar as observações, todos os interlocutores ficaram cientes do processo metodológico. Ademais, o dono da academia autorizou execução do trabalho e todos os nomes foram alterados para respeitar a confidencialidade.

3 SOBRE A PRÁTICA DO BOXE E AS DIFICULDADES NA PARTICIPAÇÃO DAS MULHERES

Atualmente, a prática esportiva deixou de ser negada ao gênero feminino. No fim do século XIX, algumas atividades físicas, como a ginástica, foram liberadas para mulheres, com a ideia de que beneficiavam ou “preparavam” o corpo para a maternidade (GOELLNER, 2003GOELLNER, Silvana Vilodre. Bela, maternal e feminina: imagens da mulher na Revista Educação Physica. Ijuí: Editora Unijuí. 2003.). Segundo Goellner (2005)GOELLNER, Silvana Vilodre. Mulheres e futebol no Brasil: entre sombras e visibilidades. Revista Brasileira de Educação Física e Esporte, v.19, n. 2, p.143-151. abr./jun. 2005., as que antigamente realizavam esportes eram vistas como possuidoras de um comportamento desviante. “A prática esportiva, o cuidado com a aparência, o desnudamento do corpo e o uso de artifícios estéticos […] identificados como impulsionadores da modernização da mulher […]” eram considerados “como de natureza vulgar que a aproximavam do universo da desonra e da prostituição” (GOELLNER, 2005GOELLNER, Silvana Vilodre. Mulheres e futebol no Brasil: entre sombras e visibilidades. Revista Brasileira de Educação Física e Esporte, v.19, n. 2, p.143-151. abr./jun. 2005., p. 145).

Os trabalhos sobre lutas têm apontado na direção de um universo predominantemente masculino e a prática das mulheres nos esportes tem sido tensionada (GOELLNER, 2007GOELLNER, Silvana Vilodre. Feminismos, mulheres e esportes: questões epistemológicas sobre o fazer historiográfico. Movimento (Porto Alegre), v. 13, n. 2, p. 171-196, 2007.; THORPE, MARFELL, 2019THORPE, Holly; MARFELL, Amy. Feminism and the physical cultural studies assemblage: revisiting debates and imagining new directions. Leisure Sciences, v.41, n.1/2. p.17-35, 2019.). A participação de mulheres está relacionada, em alguns desses ambientes, com outros objetivos, como estética e atividade física voltada a cuidados corporais. Diferentemente dos homens, que, na maioria das vezes, têm a luta como um fim (ou seja, estão ali para aprender a lutar), as mulheres, nesses estudos, usam um discurso de prática de lutas como meio para conseguirem boa forma. Ferreti e Knijnik (2007)FERRETI, Marco Antônio de Carvalho; KNIJNIK, Jorge Dorfman. Mulheres podem praticar lutas? Um estudo sobre as representações sociais de lutadoras universitárias. Movimento (Porto Alegre), v. 13, n. 1, p. 57-80, 2007., Mariante Neto (2009)MARIANTE NETO, Flavio Py. Esportes de combate: um panorama sociocultural. Caderno de Educação Física e Esporte, v. 8, n. 14, p. 73-79, 2009., que estudaram discursos de lutadoras de boxe, capoeira e Muay thai, os resumem à ideia de “proteção”, atributos por elas citados para explicar seus objetivos com essas modalidades.

Isso pôde ser observado também no texto de Fernandes, Mourão; Goellner e Grespan (2015), e foi corroborado no universo desse estudo já desde as primeiras observações10 10 Uma aula básica de boxe começa com exercícios de “sombra” em frente ao espelho. Esta atividade reproduz os golpes utilizados no esporte (jabs, diretos, esquivas etc.), mas sem implementos (sacos de pancadas ou aparadores de soco). A intensidade do movimento é baixa, limitando-se ao objetivo de aquecer o corpo e melhorar a técnica. A “corda de pular” também é utilizada nesse momento. A segunda (e mais longa) parte da aula se dá quando os lutadores já estão aquecidos. Normalmente, “calçam” luvas e realizam rounds de dois a três minutos nos sacos de pancada/aparadores. Algumas vezes, simulam lutas (sparring), quando, então, usam capacetes de proteção. Ao final da aula, realizam exercícios de fortalecimento muscular, como abdominais e flexões de braço. . Já desde o início da nossa presença em campo, identificamos - na terceira parte da aula - que a separação das duplas, momento que promove um maior contato físico entre os alunos (o sparring11 11 O sparring é uma simulação de uma luta de boxe. Geralmente essa atividade é realizada com proteções como capacetes e protetores bucais. ), respeitava uma dinâmica de gênero.

Observamos diferentes argumentos em relação à produção de significados acerca das feminilidades/masculinidades. Esse movimento discursivo ora reforça (ao destacar que a academia é de “brutamontes”, mulheres “podem se machucar”, podem fazer enquanto o “objetivo seja emagrecer” e “não fiquem muito fortes”, “são delicadas”, expressões misóginas e estereotipadas que podemos ouvir com frequência), ora questiona a separação entre homens e mulheres na realização de práticas esportivas (ao promover a prática mista ou um treino de alta qualidade inclusive superando os homens, que elas persigam objetivos competitivos etc.), o que nos leva a inferir que o boxe tem implicações com a (re)produção de gênero, o que está implícito nas diferenças de modalidade de realização. Um exemplo empírico dessa discussão é a fala de uma das alunas da academia, que relatou que não faz flexões de braços ao final da aula “para não ficar muito forte”.

Tais diferenças, que refletem significados ou atributos culturais de feminilidade e de masculinidade12 12 Operar com gênero como uma categoria social e relacional permite compreender como tanto a feminilidade quanto a masculinidade são construções relacionais e interdependentes (MEYER, 2003). Assim, pressupõe-se usualmente que a agressividade, a virilidade, a força e a coragem seriam adjetivos diretamente associados à masculinidade; delicadeza, intuição, sensibilidade e medo seriam ligados à feminilidade. Nessa direção, podemos afirmar que os mesmos discursos que permitem que homens sejam narrados como agressivos e inquietos, posicionam as mulheres como passivas e sedentárias e, simultaneamente, concorrem para que o processo seja entendido como natural. Connell (1995) entende que a construção da masculinidade é um processo no qual se esperam determinados comportamentos “apropriados” para os homens. Assim, "os rapazes são pressionados a agir e a sentir dessa forma e a se distanciar do comportamento das mulheres, das garotas e da feminilidade compreendida como o oposto” (CONNELL, 1995, p. 190). , são incorporadas/aprendidas pelos sujeitos, e a partir delas articulam diferentes negociações, rejeições ou aceitações que permeiam as práticas esportivas.

Também pudemos observar, de parte das mulheres, alguma dificuldade em participar das aulas de boxe. Isto foi materializado na entrevista com Aline, aluna iniciante, que relata a vontade, já há bastante tempo, de fazer a atividade e ter enfrentado um estranhamento inicial em razão da família não querer que ela participasse dessa prática:

As pessoas estranham muito, todo mundo acha, porque eu sou pequenininha, né? Dizem que eu sou muito delicada para fazer boxe, que boxe é agressivo. Meu pai é o mais apavorado, quando eu disse que ia fazer boxe, ele se apavorou, ele quase enfartou (risos). […] Mas o problema mesmo foi meu pai, ele ficou horrorizado, disse ‘como assim?’ ‘Minha filhinha fazendo boxe?’, ‘mas é perigoso’, ‘tu vai te machucar, vai machucar o braço, vai machucar a mão, vão te bater’ (ENTREVISTA, 02/04/2010).

Apesar de querer praticar boxe, Aline se vê de alguma forma intimidada pelas pessoas que a rodeiam, como seu pai, que enxerga o esporte como violento, não cabendo a uma mulher desenvolver características que, possivelmente, acarretarão danos físicos compreendendo uma lógica da feminilidade como “sexo frágil”.

Assim, o estranhamento do pai em relação à participação da filha nas aulas de boxe pouco se assemelha ao “mundo masculino” que regula o universo simbólico do boxe. Wacquant (2002)WACQUANT, Loïc. Corpo e alma: notas etnográficas de um aprendiz de boxe. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2002. mostra como os homens são estimulados a praticar a luta e percebe-se que “boxe é coisa de homem”, no sentido da internalização de um critério de masculinidade, distante da visão hegemônica de feminilidade. Portanto, se na obra citada os indivíduos são estimulados a participar da academia, incluindo mostrar suas “marcas de guerra” (WACQUANT, 2002WACQUANT, Loïc. Corpo e alma: notas etnográficas de um aprendiz de boxe. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2002., p. 67) como sinais de bravura e honra, no local da pesquisa, as mulheres são percebidas como estranhas em um mundo a elas hostil. A inserção das mulheres se dá, preponderantemente, por outras modalidades na academia, como a ginástica e a dança. Raramente as mulheres já entram nas aulas de boxe. Quando entram, vindo de outra modalidade, não há uma hostilização por parte dos homens, entretanto, eles entendem que elas estão ali por questões estéticas, e não para lutar ou desenvolver o “olho de tigre13 13 Esse termo será desenvolvido a posteriori. ”.

As dificuldades de participação foram relatadas também por atletas profissionais que narram desde comentários desconfiados, ou até proibitivos, pela possibilidade de se machucarem, embora admitam que, se houver persistência por parte das lutadoras, passarão a ser acompanhadas e apoiadas por familiares e amigos (SILVA; CAVICHIOLLI; CAPRARO, 2015SILVA, Bruna Bárbara Proença Oliveira; CAVICHIOLLI, Fernando Renato; CAPRARO, André Mendes. Adesão e permanência de mulheres no boxe em Curitiba-PR. Motrivivência, v. 27, n. 45, p. 124-137, set. 2015.; CARDOSO et al., 2012CARDOSO, Berta Leni Costa. et al. Mulheres no boxe: Percepções sociais de uma luta sem luvas e fora dos ringues. Motricidade, v. 8, Supl. 2, p. 259-268, 2012.). Resultados semelhantes sobre a possibilidade de se machucar foram problematizados por Cardoso e colaboradores (2012) e Cardoso, Sampaio, Mara e Silva (2015)CARDOSO, Berta Leni Costa; SAMPAIO, Tânia Mara Vieira; SILVA, Doiara Santos dos. Dimensões socioculturais do boxe: percepção e trajetória de mulheres atletas. Movimento (Porto Alegre), v. 21, n.1, p.139-153, jan./mar. 2015..

4 SEPARAÇÃO POR GÊNERO

Para aprofundar as análises de gênero, criticam-se, nesse ponto, noções essencialistas de homem/mulher e de masculinidade/feminilidade ou, ainda, a ideia de uma representação única sobre o feminino, como foi destacado por Fernandes, Mourão; Goellner e Grespan (2015) e Berté (2016)BERTÉ, Isabela Lisboa. Mulheres no universo cultural do boxe: as questões de gênero que atravessam a inserção e a permanência de atletas no Pugilismo (2003-2016). Dissertação (Mestrado em Ciência do Movimento Humano). Escola de Educação Física, Fisioterapia e Dança, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2016.. O gênero, como categoria relacional, nos permite argumentar que os mesmos discursos que possibilitam que as mulheres sejam encaradas como desprovidas de agressividade, de força, de um desejo de competição ou de certa “adrenalina”, ao mesmo tempo encaram os homens como “naturalmente” dotados dessas características. Não se questiona sua capacidade corporal; quanto às mulheres, delas se espera que se aproximem o quanto mais possível desses requisitos, considerados “parte da prática/luta”.

Entendemos que a masculinidade e a feminilidade operam em polos diferentes e contrapostos. Diferentes discursos reforçam a separação entre homens e mulheres nas aulas observadas, o que tem chamado a atenção de Raquel (aluna) ao fazer referência à academia estudada (que oferece outras atividades e proporciona a separação de duplas). Em sua opinião, este fato distingue a referida academia dos locais tradicionais de treinamento, considerando que as outras são, segundo as mulheres ao se referir aos homens, “academias cheias de brutamontes14 14 Os “brutamontes” seriam os representantes do conceito de “masculinidade padrão”, indivíduos que apresentam pouco ou nenhum apreço pela participação das mulheres nas lutas. ” (ENTREVISTA, 15/03/2010).

Nessa direção, é possível analisar como as mulheres praticantes de boxe se inserem em processos de aprendizagem de gênero no espaço da academia e que significados atribuídos ao gênero são negociados. Retomamos a relação de poder (FOUCAULT, 2002aFOUCAULT, Miguel. Microfísica do poder. Rio de Janeiro: Graal, 2002a.) confirmando ser ela de natureza relacional, não existindo a priori, portanto, uma relação dominante/professor ou colega/homem, mas o estabelecimento de um binômio que classifica a relação em dominada/aluna ou colega/mulher, e que esses significados são negociados durante a prática.

Tais relações podem ou não ser “suspensas”, como relatam Tunelli e Vaz (2011), partindo de uma negociação que é refeita diariamente. Entende-se que a mulher lutadora pode tanto reforçar a separação quanto tensioná-la pelos mecanismos de resistência/poder utilizados em relação a discursos que são legitimados ou não cotidianamente.

Para evidenciar esse movimento analítico, enfatizamos a possibilidade de assistir à atuação/interferência do gênero não só durante a prática de pesquisa, mas também na própria produção do conhecimento. Isto foi registrado por Tunelli e Vaz (2011), ao observarem uma mudança de comportamento de uma lutadora de caratê que, ao começar a pesquisar, provocou também um deslocamento da sua posição e legitimidade no grupo. Ao mudar de lutadora à mulher pesquisadora, provocou algumas novas reações de incômodo por parte dos investigados, ou “uma escalada de agressividade e chauvinismo - também expressão de defesa e demarcação de território - correspondendo […] à pesquisadora, uma vez quase que ‘suspensa’ sua condição de lutadora” (TUNELLI; VAZ, 2011, p. 897). Desafiada por comportamentos sexistas e pela autoridade ilimitada do sensei15 15 Esse termo se refere ao professor ou ao mestre nas lutas de origem oriental. sobre ela, a situação só foi superada quando a mulher voltou a se posicionar como lutadora. Este seu recuo à condição de lutadora teve o efeito de suspender os desafios por parte dos colegas.

Salvini (2017)SALVINI, Leila. A luta como “ofício do corpo”: entre a delimitação do subcampo e a construção de um habitus do mixed martial arts em mulheres lutadoras. Tese (Doutorado em Educação Física) - Universidade Federal do Paraná. Curitiba, 2017. pesquisou mulheres profissionais com o objetivo de analisar as estratégias de funcionamento do subcampo do MMA frente ao campo esportivo a partir da posição que as mulheres lutadoras ocupam nessa estrutura. A autora, afirma que “[…] tanto o subcampo do MMA é dominado frente ao campo esportivo, quanto as mulheres são dominadas no interior do subcampo do MMA o que resulta em uma dupla dominação às lutadoras de MMA” (SALVINI, 2017SALVINI, Leila. A luta como “ofício do corpo”: entre a delimitação do subcampo e a construção de um habitus do mixed martial arts em mulheres lutadoras. Tese (Doutorado em Educação Física) - Universidade Federal do Paraná. Curitiba, 2017., p. 245). Embora não se reconheça certa abertura nem a possibilidade futura de subversão e resistências.

Apesar de o nosso estudo evidenciar a possibilidade de que esse espaço esportivo venha se “abrindo” às mulheres, algumas observações reforçam a separação dessa prática por conta do gênero. A simples presença de mulheres nas aulas não é suficiente para evidenciar uma aceitação por parte dos frequentadores da academia (BERTÉ, 2016BERTÉ, Isabela Lisboa. Mulheres no universo cultural do boxe: as questões de gênero que atravessam a inserção e a permanência de atletas no Pugilismo (2003-2016). Dissertação (Mestrado em Ciência do Movimento Humano). Escola de Educação Física, Fisioterapia e Dança, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2016.). De acordo com alguns registros, mostram-se resistentes quando o assunto em questão é tratado. Um exemplo disso é uma conversa por nós registrada entre uma aluna de boxe da academia e uma nova aluna da musculação do mesmo local. Elas falavam sobre as aulas de boxe:

O pesquisador relata: chego para dar aula às 21h. Nesse dia não iria dar aula, porém Ricardo me telefonou para que eu o substituísse. Encontro-me com Renata na recepção e digo que serei eu que darei aula hoje. Ela conversa com uma aluna nova de musculação sobre a prática do boxe. Segue entre elas o seguinte diálogo:

Renata: Vem fazer boxe um dia, é tri bom. Gasta bastante caloria.

Ana: Mas não se machuca?

Renata: Não, os guris é que se batem (risos)

Ana: Eu não posso ficar de olho roxo (risos)

Renata: Nem te preocupa, eu faço isso há dois anos e nunca me machuquei.

Ana: Vou experimentar um dia.

Interrompo o diálogo entre as duas e pergunto: ‘Porque não faz hoje?’. Ela me responde: ‘Hoje não, vou ficar só olhando’.

Ao final da aula, perguntou para Ana o que ela havia achado da aula e ela me responde: ‘É puxado, mas muito agressivo, vou continuar na musculação’ (D.C, 28/11/2009).

Como se pode verificar pelo aspecto relacional do conceito de gênero, as mulheres também utilizam diferentes argumentos que reforçam a agressividade dos homens e a delicadeza nas mulheres. Em outros momentos, podemos mapear uma negociação ou conflitualidade nesse reforço quando essas atribuições entram em disputa ou negociação.

5 ATRAVESSAMENTOS DAS FRONTEIRAS DE GÊNERO E DE SEXUALIDADE

Os atravessamentos de fronteiras de gênero e sexualidade acontecem quando há tensionamento entre o que é entendido como correspondente ao feminino/masculino. Essa transgressão ocorre quando homens ou mulheres se aproximam de uma atividade considerada do outro gênero. Por exemplo, quando uma mulher se propõe a praticar o boxe ou um homem decide praticar o balé.

O que nós chamamos de atravessamento nos permite um movimento de análise sobre a conflitualidade das fronteiras do gênero, tensionamentos que podem ser mapeados, por exemplo, quando uma mulher realiza uma prática esportiva ainda considerada masculina. Raquel (aluna), ao ser perguntada sobre como foi sua entrada no boxe e por qual motivo não começou a frequentar a aula dessa modalidade anteriormente, respondeu:

Eu achava que eu ia ficar muito mais perdida assim, que era um esporte realmente mais masculino, não sei se é porque eu ouvi sempre do meu pai: ‘Aí, como é que tu vai fazer boxe?’. Sabe, tanto é que eu tenho um saco assim há uns dez, onze anos eu tinha o tal do saco em casa e tipo eu nunca comecei uma aula assim, eu fiz meu ex-namorado começar a lutar, daí ele me ensinou (risos) algumas coisas, mas eu mesmo não fui pra aula (risos). Claro, não é que eu tenha feito ele lutar, mas eu incentivei ele a lutar pra ele me ensinar. E lá na minha cidade não tinha boxe, mas quando eu cheguei aqui, tive vontade de fazer, mas não tinha coragem. Eu via lutas e filmes e achava que era um esporte violento, agressivo, que só homem fazia (ENTREVISTA, 15/05/2010).

Conforme o relato, a aluna teve dificuldade em ingressar nas aulas de boxe, ao ponto de incentivar seu namorado a lutar para que ele pudesse lhe ensinar como aplicar alguns golpes. Mesmo sem conhecer uma academia, sua visão era a de um esporte violento e masculino, construído pelo cinema (FERNANDES; MOURÃO, 2014FERNANDES, Vera; MOURÃO, Ludmila Nunes. “Menina de ouro” e a representação de feminilidades plurais. Movimento (Porto Alegre), v. 20, n. 4, p. 1611-1629, 2014.) e pela visão da sua família. Esse conjunto de representações se refletiu em insegurança em começar a frequentar uma academia de boxe. Por outro lado, seu namorado parece ter mais autonomia em frequentá-la, já que dos homens se esperam características que vão ao encontro da representação desse esporte, que é contundente e referido como “agressivo” porque “só homem fazia”.

Isto pode ser observado no contexto analisado: a discussão do que seja “coisa de homem” e do que seja “coisa de mulher” toma destaque e é efetivamente aplicada à prática do boxe. Sobre isso, Almeida (1996)ALMEIDA, Miguel Vale de. Gênero, Masculinidade e Poder: revendo um caso do sul de Portugal. In: Anuário Antropológico/95. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro. 1996. p.161-189. entende que a masculinidade é fenômeno discursivo, implicada em um campo de disputa e negociação de condutas, regras e comportamentos sociais vivenciados pelos sujeitos. O autor destaca que o princípio organizador é a masculinidade hegemônica, como “modelo cultural ideal que, não sendo atingível - na prática e de forma consistente e inalterada - por nenhum homem, exerce sobre todos os homens e sobre as mulheres um efeito controlador” (ALMEIDA, 1996ALMEIDA, Miguel Vale de. Gênero, Masculinidade e Poder: revendo um caso do sul de Portugal. In: Anuário Antropológico/95. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro. 1996. p.161-189., p.163).

No caso da aluna, o esporte parece pronto, conceituado: é violento e masculino, um meio restrito, fechado e direcionado à agressão e à virilidade, que são “coisas de homem”. O estranhamento não está relacionado ao esporte, mas ao fato de uma mulher querer praticar boxe, pois o que se espera dela não condiz com esse espaço esportivo.

Em relação ao ambiente da academia, destacamos o fato de ela já promover de alguma maneira essa participação. Conforme foi observado por Mariante Neto, Myskiw e Stigger Neto (2012)MARIANTE NETO, Flavio Py; MYSKIW, Mauro; STIGGER, Marco. Entre a academia de boxe e o boxe da academia: um estudo etnográfico. Movimento (Porto Alegre), v. 18, n. 1, p. 103-123, 2012., o boxe, segundo a análise de Wacquant, por um lado, já possui algumas características em comum: o esporte estaria relacionado a uma ascensão social ou status. Como única prática no espaço e serem os praticantes aspirantes ao boxe profissional, o espaço é caracterizado como predominantemente masculino e o corpo é compreendido como uma ferramenta exigindo-se do grupo determinado tipo de características. Por outro lado, o boxe praticado nas academias seria um esporte tipo lazer, um meio afinado com forma física. Portanto, o boxe praticado em academias modifica uma lógica apresentada em outros trabalhos.

Embora o boxe faça parte de um conjunto de atividades praticadas por homens e mulheres, os discursos dos alunos sobre o corpo envolvem diferentes significados, como saúde, estética e forma física. Por sua natureza, também admite uma heterogeneidade de sentidos e significados à prática. Estas observações de Silva, Cavichiolli e Capraro (2015)SILVA, Bruna Bárbara Proença Oliveira; CAVICHIOLLI, Fernando Renato; CAPRARO, André Mendes. Adesão e permanência de mulheres no boxe em Curitiba-PR. Motrivivência, v. 27, n. 45, p. 124-137, set. 2015. apontaram uma grande convergência com o boxe que se pratica nas academias de Curitiba, destacando-se que “isso mostra que a inserção de mulheres revela um movimento de ressignificação e adaptação do boxe a esses novos sujeitos praticantes” (SILVA; CAVICHIOLLI; CAPRARO, 2015SILVA, Bruna Bárbara Proença Oliveira; CAVICHIOLLI, Fernando Renato; CAPRARO, André Mendes. Adesão e permanência de mulheres no boxe em Curitiba-PR. Motrivivência, v. 27, n. 45, p. 124-137, set. 2015., p. 133).

Apesar de haver um crescente aumento na participação, as implicações da prática do boxe são diferentes para as mulheres, como destaca Nunes (2004)NUNES, Claudio Ricardo Freitas. Corpos na arena: um olhar etnográfico sobre a prática das artes marciais combinadas. Dissertação (Mestrado em Ciência do Movimento Humano) - Escola de Educação Física, Fisioterapia e Dança, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2004.. Para os lutadores de MMA, as marcas corporais representam prestígio nas academias pesquisadas. Tais marcas corporais, e mesmo sinais como hipertrofia muscular ou algum machucado, resultado de disputas (até motivo de exibição no caso dos homens), parecem não ser bem vistas no caso das mulheres, de quem se espera um padrão de comportamento marcado pelo cuidado ou, como afirma Goellner (2003)GOELLNER, Silvana Vilodre. Bela, maternal e feminina: imagens da mulher na Revista Educação Physica. Ijuí: Editora Unijuí. 2003., por um temor à masculinização.

Ditos sentidos atravessam e configuram uma ampla conceituação de feminilidade. Fernandes, Mourão, Goellner e Grespan (2015) tiveram como objetivo analisar as feminilidades de lutadoras profissionais (nesse caso, boxe e artes marciais mistas) de grande representatividade no país16 16 Neste caso, as falas são de duas atletas que representaram o boxe olímpico nos Jogos de Londres. O boxe olímpico diferencia-se do boxe profissional por não ter a finalidade dos nocautes. O objetivo é somar pontos através da aplicação de golpes sobre a linha da cintura. . As autoras observaram uma diversidade de significados, pois, enquanto para uma atleta a feminilidade é associada ao fato de ser mulher e “ser feminina é você ter sua vaidade, é você se sentir e se achar mulher, independentemente de qualquer coisa e só” (FERNANDES, et al., (2015FERNANDES, Vera.; MOURÃO, Ludmila Nunes; GOELLNER, Silvana Vilodre; GRESPAN, Carla Lisboa. Mulheres em combate: Representações de feminilidades em lutadoras de boxe e MMA. Revista da Educação Física (UEM. Online), v. 26, n. 3, p. 367-376, 2015., p. 373), para outra “o esporte, seja qual for, pode comprometer a expressão da feminilidade normatizada, sendo responsabilidade da própria atleta cuidar para que isso não aconteça” (FERNANDES, et al., 2015FERNANDES, Vera.; MOURÃO, Ludmila Nunes; GOELLNER, Silvana Vilodre; GRESPAN, Carla Lisboa. Mulheres em combate: Representações de feminilidades em lutadoras de boxe e MMA. Revista da Educação Física (UEM. Online), v. 26, n. 3, p. 367-376, 2015., p. 373).

Deste modo, podemos destacar como existem mecanismos sociais e também culturais que colaboram para uma manutenção de uma matriz de inteligibilidade de gênero (BUTLER, 2017BUTLER, Judith. Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2017.). Assim, através de discursos normativos, institui como natural, normal, fixo, inquestionável a articulação linear entre corpo biológico, gênero e desejo sexual. Esse movimento discursivo, que coloca sob suspeita a sexualidade das mulheres boxeadoras, tensiona a matriz de inteligibilidade de gênero (BUTLER, 2017BUTLER, Judith. Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2017.), pois tensiona o borramento das fronteiras feminino/masculino. Ratificando essas ideias, Louro (2004)LOURO, Guacira Lopes. Um corpo estranho: Ensaios sobre sexualidade e teoria queer. Belo Horizonte: Autêntica, 2004. confirma a premissa de que a determinado sexo - no sentido de características biológicas - corresponde um determinado gênero, e este, por sua vez, indicaria um desejo. Assim, uma pessoa com corpo de mulher seria feminina e desejaria ter relações sexuais com homens. Essa sequência permite uma continuidade entre sexo-gênero-sexualidade, que opera reafirmando e repetindo a norma, baseada na lógica binária masculino/feminino e de que o corpo é identificado como de macho ou de fêmea.

Nessa direção, espera-se que homens e mulheres sejam definidos de uma única maneira e que os desejos e as maneiras de viver a sexualidade possuam uma coerência interna sustentada numa heterossexualidade compulsória. Partindo do pressuposto de que a sexualidade também organiza o social, podemos afirmar que ela também afeta a prática do boxe. Assim, é possível verificar como, a partir dessas práticas, diversas estratégias são utilizadas para fortalecer determinada forma de sexualidade, representada como “normal”: as masculinidades e feminilidades heterossexuais.

A academia constitui um espaço em que as mulheres ainda sofrem discriminações que dificultam sua inserção nesse ambiente, reduzindo a sua participação nas aulas. Considerando a articulação entre gênero e sexualidade, temos o relato de Renata: “Minha mãe fala que eu nunca vou arrumar marido porque eu faço boxe”. Nesse exemplo, pode-se observar como a realização de um esporte entendido como tradicionalmente de homem pode interferir na vida pessoal de uma mulher que terá, de acordo com o depoimento, dificuldades para “arrumar marido”. Aqui podemos observar como a suspeita recai sobre a sexualidade. Resultados análogos foram observados em outros estudos, como o de Cardoso et al. (2012CARDOSO, Berta Leni Costa. et al. Mulheres no boxe: Percepções sociais de uma luta sem luvas e fora dos ringues. Motricidade, v. 8, Supl. 2, p. 259-268, 2012., p. 261) que, ao pesquisarem a prática do boxe por atletas femininas, ouviram de uma delas que “muitas vezes elas têm sua sexualidade questionada, uma vez que, devido a se envolverem com um esporte que exige força e golpes, são tachadas como ‘lésbicas’” .

Mas essa ordem pode ser desafiada, transformada e, inclusive, subvertida. Para mantê-la, precisam ser realizados diversos investimentos, “continuados e repetidos”, assim como não se devem poupar “esforços para defendê-la [...], pois dita sequência não é natural, nem segura” (LOURO, 2004LOURO, Guacira Lopes. Um corpo estranho: Ensaios sobre sexualidade e teoria queer. Belo Horizonte: Autêntica, 2004., p. 81). De alguma maneira aqui destacamos práticas corporais dissonantes ou inclusive corpos abjetos pois escapam daquilo que é esperado para gestos ou práticas esportivas tradicionais.17 17 Para aprofundar as definições de práticas dissonantes ou corpos dissonantes ou abjetos, ver (BUTLER, 2017; CAMARGO, 2016).

Com a finalidade de visualizar como essa lógica opera, citamos, inicialmente, um exemplo sobre a força feminina e sua relação com a forma corporal.18 18 Aqui, nos referimos ao exemplo da página sete, em que uma das interlocutoras relata que não faz flexões de braço para “não ficar muito forte”. Embora hoje a sociedade não se surpreenda com a força feminina e a inserção das mulheres nos esportes, o aumento do número dessas participantes não significa, necessariamente, que elas escapem do estereótipo de “mulher masculinizada” e, mais ainda, de “mulher que tem desejo sexual por mulheres”.

Como já referimos, na academia estudada o espaço é dividido segundo o gênero (aqui o espaço reforça o sentido tradicional: mulheres espaços da sala de ginástica e vestiários específicos). Em nossas observações, não localizamos nenhuma lutadora de boxe, ou seja, uma mulher com objetivos de combate, que buscasse profissionalização ou mesmo lutar de forma amadora, mas com fins competitivos19 19 Em atletas aprofundar em (BERTÉ, 2016). . Também não encontramos homens que se propusessem a esses fins. Mesmo assim, percebemos que mulheres e homens não compartilham dos mesmos objetivos na prática do boxe.

Como é o boxe reapropriado para/pelas mulheres? A explicação dada para explicar os benefícios da luta é direcionada aos “cuidados com o corpo”, não para “a luta”. O uso desse esporte assume, neste caso, outro significado. Confirmando a entrevista de Ricardo, Vítor (aluno) conta o que pensa sobre a participação das mulheres em sala de aula: “Eu acho que elas fazem mais pelo preparo físico, né. Pro físico em si, para ficar em forma. Não para objetivar uma luta ou mesmo para se defender; acho que lutar nem passa pela cabeça delas” (ENTREVISTA, 20/06/2010).

Nesta fala, observa-se que o objetivo da mulher na aula é cuidar do corpo, não cabendo a ela lutar. Esse discurso está presente também no depoimento de Ricardo, que, sobre suas alunas lutarem, discorre:

A maioria que está aqui está pela atividade física, eu já tive algumas que queriam lutar, mas eu tento meio que desmotivar elas pra lutar, eu acho que elas meio que se enganam um pouquinho porque no treino, elas treinam bem […] elas batem forte, eu tenho que me cuidar que elas batem forte, sabem como bater, eu acho que, por outro lado, pra entrar no ringue, competitivamente, já é outra mentalidade, a mulher ia se machucar e depois ia desistir (ENTREVISTA, 06/05/2010).

Nessa fala, podemos ver como o próprio professor não estimula a luta profissional porque, para isso, elas precisam ter “outra mentalidade” ou elas podem “se machucar”, pois são elas “que se enganam” e assim desistir. Aqui vemos a matriz da inteligibilidade (BUTLER, 2017BUTLER, Judith. Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2017.) operando no sentido de reiterar que as mulheres, embora batam forte e queiram competir, se enganam em ter outros objetivos que vão além do treino do dia a dia e do cuidado da forma física.

É com base nessa diferenciação entre luta competitiva e o fitness que se admite para as mulheres um lugar nas aulas de boxe. De acordo com vários depoimentos, elas estariam ali para fazer uma atividade física. A expectativa é em torno de uma preocupação estética e elas enfrentariam, provavelmente, resistências por parte de colegas e professores se apresentassem alguma agressividade ou vontade de lutar e competir no esporte.

Este entendimento cabe no que Adelman (2003)ADELMAN, Miriam. Mulheres atletas: re-significações da corporalidade feminina. Estudos Feministas, v. 11, n. 2, p. 445-465, jul./dez., 2003. chamou de “estética da limitação”, e confirma a ideia de que o boxe continua sendo uma prática que pode “comprometer” a feminilidade da mulher, pois a busca de uma feminilidade pode ser aplicada tanto ao comportamento quanto ao corpo feminino, sendo negociada por aceitação e restrições de diversos elementos/aspectos. Por exemplo, as mulheres podem realizar a prática esportiva e ser fortes embora sempre femininas. Aqui opera uma restrição ou limitação, na qual a participação esportiva pode se tornar uma forma de resistência se ela tensiona aqueles sentidos esperados para o comportamento/ corpo feminino.

Caracterizando essa resistência, ou “o que se espera de uma mulher nas aulas de boxe”, temos o depoimento de Rodrigo sobre o tema:

Eu acho indicada a participação da mulher no boxe, eu só acho que, e aí vai um pouquinho de machismo, eu não tenho muito gosto pela mulher que se torna, vamos dizer assim, ‘uma fera’ do boxe, ou a mulher que tem o ‘olho de tigre’; a mulher não tem que ter o olho de tigre. O olho de tigre é uma agressividade inata a determinadas pessoas, né. Algo que demonstra que elas foram ou não feitas especificamente pro boxe. Na minha forma de ver, mulher com olho de tigre, e aí acho que vai um pouco de machismo, eu não acho muito legal (ENTREVISTA, 10/05/2010).

Nessa fala, podemos perceber como o próprio entrevistado reconhece a sua dificuldade em aceitar que a mulher realize o boxe com fins competitivos, em aceitar que ela se torne profissional e que tenha “olho de tigre”. O termo “olho de tigre” é comumente usado em ambientes de luta e serviu, no caso desta pesquisa, para representar o contrário do que se espera das mulheres, inclusive das que praticam boxe. O “olho de tigre” representa a agressividade, a masculinidade, um desejo de nocautear o adversário, características daqueles que o possuem e que seriam dotados de um desejo “natural” para as lutas, ou seja, uma mulher que mantenha sua prática do boxe dentro da fronteira da feminilidade tradicional.

6 CONCLUSÃO

Após as reflexões apresentadas, cabe a nós compreender que essa relação entre boxe e gênero é tensionada, na medida em que dita relação se configura de maneira tortuosa, pouco linear e cheia de conceitos e padrões que distanciam a prática das lutas das mulheres. Chamamos a atenção, também, para a pouca, mas profícua, produção acadêmica direcionada ao tema.

Ao entrar na academia, percebemos que a participação das mulheres estava balizada em acordos tácitos, próprios daquele contexto, que colocavam a mulher em um lugar diferente dos homens. Esta afirmação se materializava na atuação durante as aulas. Percebemos que as praticantes encontravam dificuldades para se inserir nas aulas de boxe. Reconhecemos a existência de uma barreira social, materializada em discursos e atitudes representados pelo desconforto dessas mulheres em relação à luta. Assim, o boxe se reafirma no cotidiano dessa academia e se materializa nas observações realizadas como “esporte de homem”.

O que se espera dessas mulheres? Podemos dizer que nessa academia espera-se que elas não deixem de ser femininas (no sentido do “feminino hegemônico”). Esta afirmação permite um aprofundamento reflexivo, pois podemos pensar nos atributos característicos delas. Deixar de ser feminina seria assumir uma postura de agressividade e de combate típica dos homens. O “olho de tigre”, como afirmou um de nossos interlocutores, não corresponderia à maneira de uma mulher se comportar em um treinamento, e mesmo “na sociedade”. Delas se espera um tom mais brando, e que para elas o boxe seja apenas um meio - e não um fim - para conseguir boa forma. Questões como autodefesa ou combate passam longe do que se configura como a “boa maneira” de uma mulher se comportar.

É possível afirmar que as mulheres transgridem uma norma de gênero ao cruzar a fronteira estabelecida no universo do boxe e, simultaneamente, mantêm alguns atributos de gênero e de sexualidade em funcionamento. Além de enfrentar resistências para ingressar na prática do boxe, as praticantes dessa modalidade ainda precisam provar que não deixaram de ser femininas nem heterossexuais.

  • 1
    O texto é um desdobramento da dissertação do primeiro autor intitulada: Da academia de boxe ao boxe da academia: um estudo etnográfico. Disponível em: https://www.lume.ufrgs.br/handle/10183/48994
  • 2
    Gênero é um conceito que remete a todas as formas de construções sociais, culturais e linguísticas implicadas nos processos que operam na diferenciação de homens e mulheres. Nesses processos, incluem-se seus corpos, dotados de sexo e de sexualidade, mas não por isso biologicamente determinados (LOURO, 1999LOURO, Guacira Lopes. Corpo educado: pedagogias da sexualidade. Belo Horizonte: Autêntica, 1999.; MEYER; SOARES, 2003; SCOTT, 1995SCOTT, Joan. Gênero: uma categoria útil de análise histórica. Educação & Realidade, v. 20, n. 2, p. 71-99, jul./dez. 1995.;), de modo que aprendemos a nos tornar homens e mulheres de/em determinada sociedade. Para articular gênero e sexualidade, destacamos que entendemos a sexualidade como os diferentes modos de expressar desejos e prazeres, os quais têm uma dimensão social, já que as maneiras utilizadas pelos sujeitos para se expressar são tanto socialmente aprendidas, quanto codificadas em um contexto em particular. Louro (2004LOURO, Guacira Lopes. Um corpo estranho: Ensaios sobre sexualidade e teoria queer. Belo Horizonte: Autêntica, 2004., p. 9), entende que “as identidades de gênero e sexuais são [...] compostas e definidas por relações sociais [...] moldadas pelas redes de poder de uma sociedade”.
  • 3
    A utilização das aspas é para tensionar o sentido tradicional que essas palavras carregam.
  • 4
    Sigla, em inglês, que significa mistura de artes marciais. Assim, os atletas dessa modalidade utilizam elementos de vários esportes de combate (por exemplo, o boxe, o jiu-jítsu e o Muay Thai) e os utilizam na luta.
  • 5
    Ao sugerir uma análise “por dentro”, nos sustentamos nas ideias de Geertz (1989)GEERTZ, Clifford. A Interpretação das culturas. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1989., que sugere que o trabalho etnográfico oferece condições de perceber idiossincrasias culturais relacionadas ao grupo que possibilitam análises microscópicas e profundas. Ademais, nos apoiamos nas ideias de Magnani (2002)MAGNANI José Guilherme Cantor. De perto e de dentro: notas para uma etnografia urbana. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 17, n. 49, p. 11-29, 2002., que sustenta que a etnografia é resultante de um aprofundamento do pesquisador no campo de pesquisa e de uma análise que relativize, dialogue e encontre consonâncias e dissonâncias com a sua realidade.
  • 6
    Entre outubro de 2009 e janeiro de 2010. As aulas observadas eram realizadas à noite e tinham uma hora de duração, perfazendo duas observações por semana.
  • 7
    Foram entrevistados oito mulheres e dois homens. O critério de participação nas entrevistas foi ser praticante de boxe há mais de um ano, no intuito de o sujeito ter maior conhecimento do universo pesquisado em relação ao gênero.
  • 8
    Os nomes dos sujeitos são fictícios, para preservar a ética em pesquisa. Todos os entrevistados preencheram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.
  • 9
    A noção de desconstrução é um procedimento utilizado por Derrida, que problematiza a construção permanente e polarizada da oposição binária, como, por exemplo: branco/negro, natureza/cultura, masculino/feminino, etc. Esses polos se opõem e se diferenciam, mas estão em constante relação. Os polos parecem ser rígidos, determinantes e naturais, sendo que o segundo polo sempre deriva do primeiro numa relação de poder em que existe a lógica de dominação-submissão, que parece ser inalterável. A desconstrução dos binarismos de polos opostos permite problematizar a construção de cada polo, observando que cada um deles constitui o polo contrário, “demonstrando que cada um na verdade supõe e contém o outro, evidenciando que cada polo não é único, mas plural, internamente fraturado e dividido” (LOURO, 2001LOURO, Guacira Lopes. Gênero, sexualidade e educação: uma perspectiva pós-estruturalista. 4. ed. Petrópolis: Vozes. 2001., p.31).
  • 10
    Uma aula básica de boxe começa com exercícios de “sombra” em frente ao espelho. Esta atividade reproduz os golpes utilizados no esporte (jabs, diretos, esquivas etc.), mas sem implementos (sacos de pancadas ou aparadores de soco). A intensidade do movimento é baixa, limitando-se ao objetivo de aquecer o corpo e melhorar a técnica. A “corda de pular” também é utilizada nesse momento. A segunda (e mais longa) parte da aula se dá quando os lutadores já estão aquecidos. Normalmente, “calçam” luvas e realizam rounds de dois a três minutos nos sacos de pancada/aparadores. Algumas vezes, simulam lutas (sparring), quando, então, usam capacetes de proteção. Ao final da aula, realizam exercícios de fortalecimento muscular, como abdominais e flexões de braço.
  • 11
    O sparring é uma simulação de uma luta de boxe. Geralmente essa atividade é realizada com proteções como capacetes e protetores bucais.
  • 12
    Operar com gênero como uma categoria social e relacional permite compreender como tanto a feminilidade quanto a masculinidade são construções relacionais e interdependentes (MEYER, 2003MEYER, Dagmar Estermann. Gênero e educação: teoria e política. In: LOURO, Guacira Lopes; NECKEL, Jane Felipe.; GOELLNER, Silvana, Vilodre (organizadoras). Corpo, Gênero e sexualidade: um debate contemporâneo em educação. Petrópolis, RJ: Vozes, 2003. P. 9-27.). Assim, pressupõe-se usualmente que a agressividade, a virilidade, a força e a coragem seriam adjetivos diretamente associados à masculinidade; delicadeza, intuição, sensibilidade e medo seriam ligados à feminilidade. Nessa direção, podemos afirmar que os mesmos discursos que permitem que homens sejam narrados como agressivos e inquietos, posicionam as mulheres como passivas e sedentárias e, simultaneamente, concorrem para que o processo seja entendido como natural. Connell (1995)CONNELL, Robert W. Políticas de masculinidade. Educação & Realidade, v. 20, n. 2, p. 185-206, jul./dez. 1995. entende que a construção da masculinidade é um processo no qual se esperam determinados comportamentos “apropriados” para os homens. Assim, "os rapazes são pressionados a agir e a sentir dessa forma e a se distanciar do comportamento das mulheres, das garotas e da feminilidade compreendida como o oposto” (CONNELL, 1995CONNELL, Robert W. Políticas de masculinidade. Educação & Realidade, v. 20, n. 2, p. 185-206, jul./dez. 1995., p. 190).
  • 13
    Esse termo será desenvolvido a posteriori.
  • 14
    Os “brutamontes” seriam os representantes do conceito de “masculinidade padrão”, indivíduos que apresentam pouco ou nenhum apreço pela participação das mulheres nas lutas.
  • 15
    Esse termo se refere ao professor ou ao mestre nas lutas de origem oriental.
  • 16
    Neste caso, as falas são de duas atletas que representaram o boxe olímpico nos Jogos de Londres. O boxe olímpico diferencia-se do boxe profissional por não ter a finalidade dos nocautes. O objetivo é somar pontos através da aplicação de golpes sobre a linha da cintura.
  • 17
    Para aprofundar as definições de práticas dissonantes ou corpos dissonantes ou abjetos, ver (BUTLER, 2017BUTLER, Judith. Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2017.; CAMARGO, 2016CAMARGO, Wagner Xavier. Dilemas insurgentes no esporte: as práticas esportivas dissonantes. Movimento (Porto Alegre), v. 22, n. 4, p. 1337-1350, out./dez. de 2016.).
  • 18
    Aqui, nos referimos ao exemplo da página sete, em que uma das interlocutoras relata que não faz flexões de braço para “não ficar muito forte”.
  • 19
    Em atletas aprofundar em (BERTÉ, 2016BERTÉ, Isabela Lisboa. Mulheres no universo cultural do boxe: as questões de gênero que atravessam a inserção e a permanência de atletas no Pugilismo (2003-2016). Dissertação (Mestrado em Ciência do Movimento Humano). Escola de Educação Física, Fisioterapia e Dança, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2016.).
  • FINANCIAMENTO
    O presente trabalho foi realizado sem o apoio de fontes financiadoras.
  • *
    Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Escola de Educação Física, Fisioterapia e Dança, Porto Alegre, RS, Brasil.

ÉTICA DE PESQUISA

A pesquisa seguiu os protocolos vigentes nas Resoluções 466/12 e 510/2016 do Conselho Nacional de Saúde do Brasil.

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Editado por

RESPONSABILIDADE EDITORIAL
Alex Branco Fraga * * Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Escola de Educação Física, Fisioterapia e Dança, Porto Alegre, RS, Brasil. , Elisandro Schultz Wittizorecki * * Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Escola de Educação Física, Fisioterapia e Dança, Porto Alegre, RS, Brasil. , Mauro Myskiw * * Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Escola de Educação Física, Fisioterapia e Dança, Porto Alegre, RS, Brasil. , Raquel da Silveira * * Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Escola de Educação Física, Fisioterapia e Dança, Porto Alegre, RS, Brasil.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    08 Abr 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    24 Fev 2021
  • Aceito
    07 Jan 2022
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