Acessibilidade / Reportar erro

APRENDIZAGENS EMERGENTES DOS DIFERENTES PAPÉIS DESEMPENHADOS PELOS ALUNOS NO MODELO SPORT EDUCATION

EMERGING LEARNINGS FROM DIFFERENT ROLES PLAYED BY STUDENTS IN THE SPORT EDUCATION MODEL

APRENDIZAJES EMERGENTES DE LOS DIFERENTES PAPELES REALIZADOS POR LOS ALUMNOS EN EL MODELO SPORT EDUCATION

Resumo:

Com o objetivo de analisar os acontecimentos que emergiram da utilização do modelo Sport Education (SE) em uma unidade de ensino dos esportes de invasão, com enfoque nos diferentes papéis desempenhados pelos(as) alunos(as), foi realizada uma pesquisa-ação em um projeto de extensão. O estudo envolveu dois coordenadores, dois professores e uma professora que, em um processo de reflexão e ação, ministraram aulas para 14 crianças de sete a 11 anos. As reuniões foram gravadas e posteriormente transcritas. As aulas foram registradas em diários de campo individuais pelos três professores. Todas essas informações passaram pela análise temática. Os resultados apontaram que o código de condutas e o papel de treinador(a) auxiliaram a direcionar a atenção dos(as) alunos(as) para os objetos da unidade didática, como as atitudes e os conhecimentos tático-técnicos.

Palavras-chave:
Ensino; Esportes; Criança

Abstract:

In order to analyze the events that emerged from the use of the Sport Education (SE) model in an invasion sports teaching unit, focusing on the different roles played by students, an action-research was carried out on an extension project. The study involved two coordinators and three teachers who, in a process of reflection and action, taught 14 children from seven to 11 years old. The meetings were recorded and later transcribed. Classes were recorded in individual field diaries by the three teachers. All this information underwent thematic analysis. The results showed that the code of conduct and the role of coach helped to direct the students' attention to the objects of the didactic unit, such as attitudes and tactical-technical knowledge.

Keywords:
Teaching; Sports; Child

Resumen:

Con el fin de analizar los hechos surgidos de la utilización del modelo de Educación Deportiva (SE) en una unidad docente de deportes de invasión, centrándose en los diferentes roles que desempeñan los estudiantes, se realizó una investigación acción en un proyecto de extensión. En el estudio participaron dos coordinadores y tres profesores que, en un proceso de reflexión y acción, enseñaron a 14 niños de siete a 11 años. Las reuniones fueron grabadas y luego transcritas. Los tres profesores registraron las clases en diarios de campo individuales. Toda esta información se sometió a un análisis temático. Los resultados mostraron que el código de conducta y el rol de entrenador ayudaron a dirigir la atención de los estudiantes hacia los objetos de la unidad didáctica, como las actitudes y los conocimientos táctico-técnicos.

Palabras clave:
Enseñanza; Deportes; Niño

1 INTRODUÇÃO

O esporte é um fenômeno sociocultural com múltiplas manifestações, que envolve diferentes personagens e possibilidades de práticas (GALATTI et al., 2018GALATTI, Larissa Rafaela et al. Esporte Contemporâneo: Perspectivas para a Compreensão do fenômeno. Corpoconsciência, v. 22, n. 3, p. 115-127, 2018.). Durante o seu ensino podem-se explorar as possibilidades de aprendizagem que transcendem o papel do(a) jogador(a).

O Sport Education (SE), ou Modelo de Educação Esportiva, é uma abordagem de ensino com potencial de colaborar para a exploração de novos papéis dentro do esporte, aumentando as possibilidades que os(as) envolvidos(as) com a prática esportiva podem conhecer, vivenciar e aprender.

Proposto por Siedentop (1994)SIEDENTOP, Daryl. Sport Education: quality pe through positive sport experiences. Champaign: Human Kinetics, 1994., o SE foi desenvolvido com o intuito de fornecer significado à aprendizagem, em contraponto à descontextualização do jogo que ocorre nas abordagens tradicionais (MESQUITA; GRAÇA, 2006MESQUITA, Isabel; GRAÇA, Amândio. Modelos de ensino dos jogos desportivos. In: TANI, Go; BENTO, J.O.; PETERSEN, Ricardo (eds.). Pedagogia do desporto. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2006. p. 269-283.). Os principais objetivos do SE são: (1) educar os(as) alunos(as) para serem jogadores(as) competentes; (2) formar alunos(as) letrados(as) e (3) formar alunos(as) entusiastas (SIEDENTOP, 1994SIEDENTOP, Daryl. Sport Education: quality pe through positive sport experiences. Champaign: Human Kinetics, 1994.). Para tanto, o modelo utiliza a competição esportiva como ferramenta educacional e está fundamentado em seis características do esporte institucionalizado: (1) temporada, (2) afiliação, (3) cronograma de jogos, (4) registro de desempenho, (5) festividade e (6) evento culminante (SIEDENTOP, 2002SIEDENTOP, Daryl. Sport education: a retrospective. Journal of Teaching in Physical Education, v. 21, n. 4, p. 409-418, 2002.). Com base nessas características, os(as) alunos(as) têm a oportunidade de desempenhar diferentes papéis presentes no esporte, como o de jogador(a), árbitro(a), treinador(a), torcedor(a) etc. (MESQUITA; GRAÇA, 2006MESQUITA, Isabel; GRAÇA, Amândio. Modelos de ensino dos jogos desportivos. In: TANI, Go; BENTO, J.O.; PETERSEN, Ricardo (eds.). Pedagogia do desporto. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2006. p. 269-283.).

O SE tem sido tema de algumas revisões sistemáticas. Wallhead e O’Sullivan (2005)WALLHEAD, Tristan; O’SULLIVAN, Mary. Sport Education: physical education for the new millennium? Physical Education & Sport Pedagogy, v. 10, n. 2, p. 181-210, 2005. tiveram como objetivo verificar o efeito do SE na aprendizagem dos(as) alunos(as) na Educação Física. Para análise, os autores categorizaram as aprendizagens conforme o conteúdo dos artigos, dividindo-as nas seguintes categorias: habilidades motoras; aspectos físicos; pessoal e social; atitude dos(as) alunos(as) e valores; conhecimento tático e desempenho. Como resultado, eles observaram que o SE cumpre o que propõe e facilita a aprendizagem, promovendo o desenvolvimento social e pessoal, responsabilidade, cooperação, confiança e pode diminuir a exclusão no esporte (WALLHEAD; O’SULLIVAN, 2005WALLHEAD, Tristan; O’SULLIVAN, Mary. Sport Education: physical education for the new millennium? Physical Education & Sport Pedagogy, v. 10, n. 2, p. 181-210, 2005.).

Hastie, Ojeda e Luquin (2011)HASTIE, Peter A.; OJEDA PÉREZ, Diego Martinez de; LUQUIN, Antonio Calderón. A review of research on Sport Education: 2004 to the present. Physical Education & Sport Pedagogy, v. 16, n. 2, p. 103-132, 2011. identificaram novas tendências de pesquisa no SE, agrupando-as em: local de aplicação do SE; nível escolar, esporte foco da pesquisa e metodologia adotada na pesquisa. Dentre essas novas tendências, o presente estudo se encaixa na primeira, uma vez que ele foi realizado no Brasil, um país que não é de língua inglesa, onde predomina o número de publicações sobre o SE. Ambas as revisões identificaram aumento no número de estudos envolvendo o SE e um grande potencial do modelo para facilitar o processo de aprendizagem. Entretanto, é necessário explorar os aspectos que envolvem o esporte como: interação entre gêneros, motivação, níveis de habilidade, treinamento do(a) professor(a) que aplicará o método etc. (HASTIE; OJEDA; LUQUIN, 2011HASTIE, Peter A.; OJEDA PÉREZ, Diego Martinez de; LUQUIN, Antonio Calderón. A review of research on Sport Education: 2004 to the present. Physical Education & Sport Pedagogy, v. 16, n. 2, p. 103-132, 2011.; WALLHEAD; O’SULLIVAN, 2005WALLHEAD, Tristan; O’SULLIVAN, Mary. Sport Education: physical education for the new millennium? Physical Education & Sport Pedagogy, v. 10, n. 2, p. 181-210, 2005.).

Araújo, Mesquita e Hastie (2014)ARAÚJO, Rui; MESQUITA, Isabel; HASTIE, Peter A. Review of the status of learning in research on sport education: future research and practice. Journal of Sports Science and Medicine, v. 13, n. 4, p. 846-858, 2014. investigaram as produções sobre aprendizagem dos(as) alunos(as) quando participavam do SE. Os autores encontraram 23 estudos que focavam em desenvolvimento de habilidades, desenvolvimento tático e aprendizagem em geral, enfatizando que o SE é um modelo robusto, positivo para a aprendizagem e que pode proporcionar experiências ricas para os(as) alunos(as) na Educação Física. Evangelio et al., (2016)EVANGELIO, Carlos et al. Modelo Educación Deportiva Revisión España. Cuadernos de Psicología del Deporte, v. 16, n. 1, p. 307-324, 2016. buscaram produções espanholas sobre o SE, tentando entender o impacto do modelo sobre escolares. O estudo mostrou que os(as) alunos(as) ficam mais motivados(as) e têm uma maior satisfação em participar das aulas de Educação Física quando há o SE. Esse entusiasmo é positivo para que haja melhora nas atitudes e aumento na aprendizagem, principalmente na iniciação esportiva (EVANGELIO et al., 2016EVANGELIO, Carlos et al. Modelo Educación Deportiva Revisión España. Cuadernos de Psicología del Deporte, v. 16, n. 1, p. 307-324, 2016.).

Para além das potencialidades dos modelos, alguns estudos também procuraram compreender o processo, como foi o caso de duas pesquisas brasileiras (VARGAS et al., 2018VARGAS, Tairone Girardon et al. A experiência do sport education nas aulas de educação física: utilizando o modelo de ensino em uma unidade didática de futsal. Movimento, v. 24, n. 3, p. 735-748, 2018. DOI: https://doi.org/10.22456/1982-8918.79628
https://doi.org/10.22456/1982-8918.79628...
; GINCIENE; MATTHIESEN, 2017GINCIENE, Guy; MATTHIESEN, Sara Quenzer. O modelo do sport education no ensino do atletismo na escola. Movimento, v. 23, n. 2, p. 729-742, 2017. DOI: https://doi.org/10.22456/1982-8918.69788
https://doi.org/10.22456/1982-8918.69788...
). Ginciene e Matthiesen (2017)GINCIENE, Guy; MATTHIESEN, Sara Quenzer. O modelo do sport education no ensino do atletismo na escola. Movimento, v. 23, n. 2, p. 729-742, 2017. DOI: https://doi.org/10.22456/1982-8918.69788
https://doi.org/10.22456/1982-8918.69788...
se utilizaram de uma pesquisa-ação para compreender as particularidades do processo de ensino do atletismo em uma escola. Os resultados demonstraram que o modelo possibilitou o ensino por meio das dimensões dos conteúdos. Já Vargas et al. (2018)VARGAS, Tairone Girardon et al. A experiência do sport education nas aulas de educação física: utilizando o modelo de ensino em uma unidade didática de futsal. Movimento, v. 24, n. 3, p. 735-748, 2018. DOI: https://doi.org/10.22456/1982-8918.79628
https://doi.org/10.22456/1982-8918.79628...
, que também se utilizaram da uma pesquisa-ação, observaram vantagens na aprendizagem dos alunos e no planejamento dos(as) professores(as). Apesar disso, Vargas et al. (2018)VARGAS, Tairone Girardon et al. A experiência do sport education nas aulas de educação física: utilizando o modelo de ensino em uma unidade didática de futsal. Movimento, v. 24, n. 3, p. 735-748, 2018. DOI: https://doi.org/10.22456/1982-8918.79628
https://doi.org/10.22456/1982-8918.79628...
também observaram que esse planejamento demanda um trabalho “extra” de professores, que normalmente exigem atividades fora do horário de trabalho.

Embora estudos anteriores evidenciem o impacto do SE sobre o processo de aprendizagem esportiva no contexto escolar, há escassez de pesquisas aplicando o modelo em ambiente de educação não formal. E esse foi um dos aspectos apontados por Vargas et al. (2018)VARGAS, Tairone Girardon et al. A experiência do sport education nas aulas de educação física: utilizando o modelo de ensino em uma unidade didática de futsal. Movimento, v. 24, n. 3, p. 735-748, 2018. DOI: https://doi.org/10.22456/1982-8918.79628
https://doi.org/10.22456/1982-8918.79628...
para novos estudos sobre o tema.

Nesse sentido, o presente estudo teve como objetivo analisar os acontecimentos que emergiram da utilização do modelo Sport Education (SE) em uma unidade de ensino dos esportes de invasão, com enfoque nos diferentes papéis desempenhados pelos(as) alunos(as).

2 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

O estudo aconteceu em um projeto de extensão gratuito desenvolvido na Escola de Educação Física, Fisioterapia e Dança (ESEFID) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), cujo propósito era proporcionar uma iniciação esportiva diversificada, por meio de abordagens contemporâneas. A pesquisa foi aprovada pelo comitê de ética e pesquisa da UFRGS e realizada com o consentimento de todos(as) os(as) participantes(as) e seus responsáveis legais.

Foram participantes da pesquisa: dois coordenadores do projeto (docentes da universidade e líderes do grupo de pesquisa, com papel ativo nos momentos de planejamento); três professores (estudantes da ESEFID no momento do estudo, sendo dois alunos de graduação em Educação Física e uma aluna de mestrado em Ciências do Movimento Humano e 14 crianças (inscritas voluntariamente no projeto, com idades entre sete e 11 anos). Os nomes dos sujeitos envolvidos neste estudo foram alterados por nomes fictícios. As aulas foram ministradas durante 31 encontros, que aconteceram regularmente duas vezes na semana por 1h30min.

2.1 PESQUISA-AÇÃO

O estudo foi desenvolvido por meio de uma pesquisa-ação prática, que tem por objetivo desenhar o processo de ensino (KEMMIS, 2009KEMMIS, Stephen. Action research as a practice-based practice. Educational Action Research, v. 17, n. 3, p. 463-474, 2009.; TRIPP, 2005TRIPP, David. Pesquisa-ação: uma introdução metodológica. Educação e Pesquisa, v. 31, n. 3, p. 443-466, 2005.) e produzir conhecimentos sobre a prática (GUBACS-COLLINS, 2007GUBACS-COLLINS, Klara. Implementing a tactical approach through action research. Physical Education & Sport Pedagogy, v. 12, n. 2, p. 105-126, 2007.) em um processo contínuo de ação e reflexão. Foram realizadas reflexões críticas após cada aula em reuniões entre coordenadores e professores. Essas reflexões eram oriundas de percepções descritas em diários de campo individuais pelos professores e coordenadores presentes na aula ministrada. A partir dessas observações, foi feita uma reorganização das aulas seguintes, visando alcançar os objetivos de ensino, conforme detalhado adiante.

2.1.1 Organização do estudo

O estudo foi organizado nos seguintes momentos (Quadro 1): (a) análise diagnóstica por meio de vídeo; (b) planejamento das unidades didáticas; (c) implementação da unidade didática mista em 12 aulas; (d) implementação da unidade didática de invasão em 19 aulas; (e) reflexão entre os professores sobre a ação, de forma cíclica, a cada duas aulas ministradas.

Assim, inicialmente foram gravados jogos dos(as) alunos(as) do projeto em situações de 3x3. Posteriormente, os professores e coordenadores se reuniram para analisar os vídeos/jogos e estabelecer os objetivos de ensino da unidade didática, assim como a elaboração das primeiras aulas. Os professores e a professora do projeto ministraram as aulas, que ocorriam duas vezes por semana e anotavam suas percepções sobre as aulas e as reações dos(as) alunos(as) em diários de campo individuais. Além disso, toda semana era realizada uma reunião entre os professores, a professora e os coordenadores do projeto para refletirem e discutirem sobre as observações realizadas nas aulas anteriores. Nestes momentos as aulas posteriores também eram ajustadas a fim de atender às decisões tomadas coletivamente.

Quadro 1
Planejamento e implementação da unidade didática de invasão

2.2 ORGANIZAÇÃO E IMPLEMENTAÇÃO DO SE

O grupo de pesquisa já havia utilizado o SE em uma unidade didática anterior de esportes de rede/parede em que parte das crianças desta pesquisa participou. Assim, eles já tinham experiência com SE. Durante a unidade didática de invasão, a última atividade da aula era o Sport Education, com o jogo do “campeonato”, cujas regras eram variadas e seguiam os objetivos de cada aula, podendo ser jogado com as mãos, pés, diferentes alvos etc.

Na primeira etapa deste estudo foi realizado um diagnóstico (BORGES et al., 2017BORGES, Robson Machado et al. Possibilidades de realização do diagnóstico no ensino dos esportes: uma pesquisa-ação com professores de Educação Física. Motrivivência, v. 29, n. 50, p. 104-122, 2017.) durante as aulas mistas (compostas por atividades na lógica dos esportes de rede/parede e invasão, como transição aos conteúdos dos semestres), a fim de conhecer as habilidades e dificuldades dos(as) alunos(as). A análise foi vista e discutida entre os coordenadores e professores. Essa ação permitiu que o desenho do conteúdo a ser ensinado atendesse às necessidades de aprendizagem dos(as) participantes.

A partir disso, os 14 alunos foram sorteados, durante a aula, em três equipes. Para equilibrar os times, três alunos(as) foram escolhidos pelos professores para ficarem em cada equipe. Após o sorteio, os(as) alunos(as) reuniram-se dentro dos grupos e elegeram o(a) capitão/capitã, os nomes e as cores de suas equipes.

A pontuação do campeonato foi computada em pontos corridos, para estimular um tempo maior de jogo e evitar a desmotivação em caso de eliminação. Além disso, os jogos foram disputados em espaço reduzido e em formato 3x3. Essa estratégia buscou oferecer mais oportunidades de participação a todos(as) (GARGANTA, 2002GARGANTA, Júlio. Competências no ensino e treino de jovens futebolistas. Revista Digital-Buenos Aires, v. 8, n. 45, p. 1-3, feb. 2002. Disponível em: https://www.efdeportes.com/efd45/ensino.htm Acesso em: 28 fev. 2022.
https://www.efdeportes.com/efd45/ensino....
). Durante o campeonato as crianças desempenharam papel de jogadores(as), analistas de desempenho, treinadores(as) e árbitros(as). As equipes tinham 5 minutos antes do jogo para se organizarem e decidirem os papéis do dia. O jogo era disputado em 10 minutos e ao completar 5 minutos os(as) jogadores(as) que estavam na reserva entravam. (Quadro 2).

Quadro 2
Formato dos Jogos do Sport Education

2.3 PRODUÇÃO DE INFORMAÇÕES E ANÁLISE TEMÁTICA

As informações foram produzidas de forma contínua durante a realização do estudo. As reuniões entre os professores foram gravadas e transcritas em 133 páginas. Além disso, os três professores mantiveram, durante todo o processo, um diário de campo individual, preenchido ao final de cada aula, somando 45 páginas.

Para a análise dessas informações utilizou-se a análise temática (SMITH; SPARKES, 2016SMITH, Brett; SPARKES, Andrew C. Routledge handbook of qualitative research in sport and exercise. New York: Routledge, 2016.), realizada por dois professores, os quais seguiram um processo de seis etapas: 1) imersão nos dados, com leituras exaustivas do material; 2) foram gerados 691 códigos iniciais; 3) os códigos similares foram aproximados para gerar temas; 4) os avaliadores passaram por um teste de confiabilidade (LIMA, 2013LIMA, Jorge Ávila de. Por uma análise de conteúdo mais fiável. Revista Portuguesa de Pedagogia, v. 47, n. 1, p. 7-29, 2013.), analisando separadamente 23% dos trechos referentes a cada categoria, obtendo valor de Kappa 0,82, interpretado como “quase-perfeito” (LANDIS; KOCH, 1977LANDIS, J. Richard; KOCH, Gary G. The measurement of observer agreement for categorical data. Biometrics, v. 33, n. 1, p. 159-174, 1977.; VIERA; GARRETT, 2005VIERA, Anthony J.; GARRETT, Joanne M. Understanding interobserver agreement: the kappa statistic. Family Medicine, v. 37, n. 5, p. 360-363, 2005.); 5) houve a definição e renomeação dos temas; 6) escreveu-se o relatório. Após essas etapas, encontraram-se seis categorias de temas, uma das quais denominada Sport Education. Dado o objetivo deste estudo, apenas esse tema será abordado.

3 RESULTADOS

Durante a aplicação do Sport Education, além do papel de jogadores(as), foram priorizados quatro outros papéis. Eles estão sintetizados no Quadro 3 (SIEDENTOP, 1994SIEDENTOP, Daryl. Sport Education: quality pe through positive sport experiences. Champaign: Human Kinetics, 1994.):

Quadro 3
Papéis no Sport Education

A partir das informações dos diários de campo e dos registros das reuniões com os coordenadores do projeto, foram elencadas três categorias de aprendizagem associadas a algumas das funções desempenhadas pelos(as) alunos(as), conforme exposto a seguir.

3.1 O CÓDIGO DE CONDUTA COMO ELEMENTO AUXILIAR NA REFLEXÃO DO COMPORTAMENTO

Na oitava reunião da unidade didática do semestre anterior, os professores perceberam alguns problemas de convivência: “eu vi que a Bruna saiu da aula […] e a mãe dela […] disse que o Luan estava incomodando” (Professor D - Reunião). Em relação a outros meninos: “eles atrapalham a aula, sabe, e já veio relatos das meninas dizendo que não querem fazer dupla com o Carlos, […] com o Antônio, porque elas sabem que o jogo não vai acontecer direito, porque o Carlos vai ficar incomodando, jogando a bola longe” (Professora C - Reunião).

Diante das reflexões geradas entre professores e coordenadores, durante uma das reuniões, o grupo julgou ser necessário intervir, e foi sugerida a elaboração coletiva de um código de conduta, como pode ser observado nessa fala de um dos coordenadores: “[construir] junto com eles, de forma coletiva: [perguntar aos alunos] o que vocês acham que pode ser feito aqui? O que pode ser feito na aula e o que não pode?” (Coordenador G - Reunião).

Para incentivá-los(as) na escolha das regras, os professores propuseram a primeira, que não poderia chutar a bola para longe propositalmente. A partir disso, diversas outras sugestões dos(as) alunos(as) surgiram para compor o fair play, como não poder sair da aula sem a autorização do(a) professor(a), trombar de maneira faltosa e gritar com os(as) colegas. Por fim, após comum acordo, os seguintes critérios entraram para o código de conduta: “1) Não chutar/jogar a bola para longe com intenção de atrapalhar a aula ou atrasar o adversário; 2) Respeitar o adversário; 3) Não ultrapassar o limite de três faltas; 4) O time que tiver o maior número de jogadores(as) presentes ganha um ponto extra” (Professora C - Diário).

Vale destacar que os itens foram sugeridos pelos(as) próprios(as) alunos(as). E esse parece ter sido um dos momentos mais relevantes do processo, não somente por ser mais significativo, mas por proporcionar um momento ao longo da unidade para que os(as) alunos(as) pudessem refletir sobre o que achavam adequado ou menos adequado.

A partir dessas regras, a seguinte pontuação foi combinada: cada equipe iniciava o jogo com 5 pontos equivalentes às regras do código de conduta, se houvesse infração de alguma das normas dentro da partida, ocorria uma penalização com a perda de 1 ponto por norma infringida. Ao final do jogo a equipe somava a quantidade de pontos que restavam ao seu placar do jogo.

A estratégia do fair play parece ter sido assertiva. Embora os(as) alunos(as) não tivessem um comportamento faltoso, era comum gritos com os(as) companheiros(as) e com os(as) adversários(as). Depois da implementação do código de conduta, entretanto, a percepção dos professores e da professora foi a de que essas ações diminuíram, fazendo com que a perda de pontos fosse menor. Em um único caso de infração, poucos(as) alunos(as) gritaram para atrapalhar os(as) adversários(as) e tentar recuperar a posse da bola, resultando em perda de pontos. “Na roda final, expliquei o motivo das punições sofridas pelas equipes e enfatizei que respeitar as regras também faz parte do esporte e que é parte importante da competição, foram regras que eles mesmos estabeleceram” (Professor D - Diário).

Considerando que apenas nessa aula, já na fase final da unidade didática, houve infração do código de conduta, a percepção dos professores foi de que as ações conflituosas pareciam ter diminuído. Jogar a bola para longe sem motivo era uma atitude frequente e com o passar do tempo foi desaparecendo, até não constar mais nas observações dos professores. O número de faltas foi quase inexistente e o tom de voz com colegas passou a ser mais respeitoso. Outro aspecto positivo do fair play parece ter sido o comprometimento com as aulas, por meio da cobrança dos(as) companheiros(as) da própria equipe pela presença dos(as) colegas, uma vez que essa ação gerava pontos para eles(as).

Não podemos afirmar se houve ou não uma mudança de comportamento dos(as) alunos(as), sobretudo se eles(as) vão seguir com essas atitudes fora do contexto das aulas. Algumas ações também parecem ter ocorrido mais pela preocupação com a pontuação da equipe do que por uma mudança de valores e atitudes. No entanto, as decisões tomadas entre professores e coordenadores durante as reuniões - e implementadas ao longo da unidade didática - parecem ter feito os(as) alunos(as) pensarem em algumas de suas atitudes, em especial quando decidiram e construíram o código segundo suas próprias inquietações.

3.2 A APRENDIZAGEM DOS ASPECTOS TÁTICOS-TÉCNICOS NO PAPEL DE TREINADOR(A)

No papel de treinador(a) foi possível notar uma evolução na atuação das crianças. Em seu diário de campo, o Professor D fez o seguinte relato: “Nessa aula [...] os treinadores reuniram as equipes antes do jogo para dar dicas sobre as ações que deveriam ser realizadas. Foi muito interessante observar eles conversando com os colegas, realmente passavam orientações para o jogo. Alguns alunos se sentiram mais à vontade do que no primeiro dia e falavam com os colegas no decorrer do jogo, tentando corrigir a equipe” (Professor D - Diário).

Assumir a função de treinador(a) foi parte importante no processo de aprendizado. Ao se dirigirem aos(às) colegas que estavam em quadra, os(as) treinadores(as) utilizavam conceitos que eram trabalhados durante as atividades em aula, demonstrando haver assimilado o conteúdo ensinado: “o papel de treinador foi de bastante utilidade, conseguimos estimular os alunos a verbalizar dicas para os colegas, observando que os mesmos quando jogando não repetiam os erros que tinham comentado sobre as ações dos colegas” (Professor D - Diário). Alguns(mas) alunos(as), inclusive, participavam melhor como treinadores(as) do que como jogadores(as): “Renato atuou bem melhor fora de quadra, desempenhou o papel de um treinador, dando orientações aos colegas que estavam jogando” (Professor D - Diário).

Ao realizar o diagnóstico inicial, professores e coordenadores elencaram alguns aspectos táticos que seriam o foco do aprendizado durante a unidade didática que seria desenvolvida: a ação do(a) Atacante Sem a Posse da Bola (ASPB), enfatizando a criação de linhas de passe adequadas para dar seguimento ao jogo e a ação do(a) Defensor(a) do Atacante Sem a Posse de Bola (DASPB). Para auxiliar a aprendizagem desses conteúdos, o grupo entendeu que o papel de treinador(a) poderia ser um recurso auxiliar, como parece ter sido: “os alunos treinadores chamaram a atenção para a troca de passes, estava faltando passar mais a bola e os ASPB aproximarem do ACPB para receber. Também falaram sobre a marcação, que falhou ao ficar concentrada no ACPB, deixando livres os outros jogadores” (Professor D - Diário). A análise correta do que deveria ser feito no jogo e a verbalização disso é parte do processo de aprendizagem das ações táticas.

Cada aluno(a) adotava uma postura particular ao ser o(a) treinador(a) da equipe. Alguns(mas) ficavam à beira da quadra gritando e dando orientações para os(as) colegas de equipe; outros(as) anotavam as observações e esperavam a pausa para dar instruções para os(as) colegas. Alguns(mas) alunos(as), inclusive, iam além dos conteúdos específicos das aulas: “O negócio do Renato é muito interessante, de ele ensinar o gesto técnico, que a gente nunca falou - quer dizer, de vez em quando a gente fala com o pé, mas bem pouco - e ele foi lá e mostrou pra ela (Ana), com a sola do pé, o que ela tinha que fazer” (Professora C - Reunião).

Em outro momento, uma das treinadoras estava com o celular na mão. Quando o professor chamou a atenção dela, a aluna disse que estava fazendo anotações para passar aos colegas. A aprendizagem do papel de treinador(a) parece ter transcendido a aprendizagem tática e técnica, ao passo que os(as) alunos(as) passaram a compreender o papel e a atuação do(a) treinador(a) esportivo no decorrer de um jogo. Além disso, um dos aspectos mais valorosos dessa estratégia parece ter sido o de direcionar a atenção dos(as) alunos(as) para os objetivos de aprendizagem estipulados. Sem que os professores tivessem que reforçar, os(as) alunos(as) incorporaram o papel, observaram e analisaram os(as) colegas.

3.3 A LIDERANÇA POSITIVA INFLUENCIADA PELO PAPEL DE TREINADOR(A)

No início das aulas da unidade didática mista, já era possível perceber alguns conflitos entre os(as) alunos(as). Quando os mais habilidosos, que eram irmãos, faltaram, uma das crianças disse que não gostava de um deles: “muito mandão, [...] fica falando para a gente se posicionar ali, para ir para lá. Depois que ela disse isso, outras crianças começaram a concordar” (Professora C - Diário). O fato foi aprofundado na reunião subsequente: “Professor D: é que eles gostam de estratégia, daí eles querem que todo mundo se envolva na estratégia que eles pensaram. [...] por isso que eles falam: eu vou atacar, fulano vai defender”. Coordenador G: "Uma outra questão é a gente colocar mais intencionalmente no nosso ensino como lidar com essas diferenças. [...] a executar uma boa liderança, não mandar nos colegas. Se fala que é muito legal o SE porque eles assumem os papéis de liderança, mas é preciso saber liderar também, que não é fácil”.

No dia do sorteio das equipes para o SE uma das alunas ficou torcendo para não ficar no time dos mais habilidosos: “A Yasmin ficava o tempo todo falando que não queria ficar no time deles, aí a Bruna caiu no time do Fabio. Pediu para trocar, mas eu falei que não dava. Falei: “Vocês viram, a gente sorteou tudo na frente de vocês e não tem como trocar. Vão conviver uns com os outros agora’” (Professor D - Reunião). A atuação pedagógica dos professores para gerir o aspecto da liderança também foi debatido: “Eu acho que assim, está aqui já o SE, […] é necessário a gente pensar em uma estrutura de aula que eles comecem a conviver no time deles para […] criar um sentimento de identidade e pertencimento ao grupo e aí a gente ir pontuando na hora que eles estiverem trabalhando nos grupos: ó essa atividade é o treino do seu time, vocês vão treinar naquela parte da quadra. Aí eles […] vão ter que se ajudar e aí vocês vão passando meio que mediando. Quando eles tiverem na vez de mediar talvez fique mais clara essa ação de um querer mandar no outro. E aí é a nossa vez de chegar lá e […] conversar. Pode até falar individualmente se quiser. Deixa a atividade rolando, chama, fala: você acha que você está sendo um bom líder? Eu estou vendo que você é uma pessoa que pode ajudar muito, mas você está dando muita ordem para eles, eles estão ficando perdidos. Você tem uma capacidade de ser um treinador melhor. Aí tem que mostrar para eles que eles têm capacidade, que eles entendem o jogo, mas eles têm que liderar de uma forma diferente” (Coordenador G - Reunião).

As ações mediadoras dos conflitos com os(as) alunos(as) passaram, então, a receber novo destaque, por meio de uma ação pedagógica intencional e reflexiva: “Antes de começar a aula eu vi o Gustavo falando para a Ana: você vai ficar aqui, fulana lá etc., em um tom de voz alto. Eu cheguei e falei: Ana, você gostou do jeito que o Gustavo passou as informações? E ela disse: não. Então eu expliquei para ele que os colegas não gostam de serem mandados assim, que ele tem uma capacidade de ser treinador, mas que o treinador não grita e manda nos jogadores, o treinador conversa e explica. Pedi para ele explicar as ideias dele, de posicionamento, sem gritar e conversando com os colegas. Depois que ele explicou perguntei para Ana: E agora, achou melhor o jeito que o Gustavo explicou a ideia dele? E ela disse que sim” (Professora C - Diário).

Esse último exemplo representa bem o valor da estratégia. O fato de atuar como treinador ou treinadora não necessariamente garante reflexões ou mudanças de comportamento. No entanto, esse papel possibilitou que os professores interviessem e provocassem pequenos debates e reflexões sobre as atitudes dos(as) alunos(as). Assim, o ponto central das estratégias dos papéis, inspiradas no SE, parecem ser a de proporcionar situações que gerem reflexão sobre atitudes e não necessariamente a mudança de comportamento.

4 DISCUSSÃO

Neste estudo centramos as análises nos papéis desenvolvidos pelos(as) alunos(as) dentro de uma competição, conforme proposição do SE (HASTIE et al., 2013HASTIE, Peter A. et al. The development of skill and knowledge during a sport education season of track and field athletics. Research Quarterly for Exercise and Sport, v. 84, n. 3, p. 336-344, 2013.0270-1367.; SIEDENTOP, 1994SIEDENTOP, Daryl. Sport Education: quality pe through positive sport experiences. Champaign: Human Kinetics, 1994.). Essa estratégia pode contribuir para provocar reflexões sobre as atitudes e comportamentos dos(as) alunos(as), para o aprendizado dos princípios táticos das modalidades e para enaltecer outros papéis profissionais que estão envolvidos em um evento esportivo (GONZÁLEZ, 2017GONZÁLEZ, Fernando Jaime. O ensino dos esportes. In: GONZÁLEZ, Fernando Jaime; DARIDO, Suraya Cristina; OLIVEIRA, Amauri Aparecido Bássoli de (orgs.). Esportes de invasão: basquetebol, futebol, futsal, handebol, ulti mate frisbee. Maringá: EDUEM, 2017. p. 29-60.).

Foi a partir das reuniões para planejamento, reflexão e reorganização das aulas que os diferentes papéis foram sendo inseridos, sustentados em uma prática pedagógica intencional e reflexiva: "[…] o professor não pode desistir do aluno; há que insistir, ouvir, refazer, fazer de outro jeito; acompanhar a lógica do aluno; descobrir e compreender as relações que esse aluno estabelece com o saber; mudar o enfoque didático" (FRANCO, 2016FRANCO, Maria Amélia do Rosario Santoro. Prática pedagógica e docência: um olhar a partir da epistemologia do conceito. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, v. 97, n. 247, p. 534-551, 2016., p. 544). Assim, para que cada um dos papéis pudesse ser vivenciado por todos(as) os(as) participantes, evitando a eliminação precoce de alguma equipe, o campeonato foi organizado em pontos corridos, já que um dos objetivos do SE, segundo Siedentop (1994)SIEDENTOP, Daryl. Sport Education: quality pe through positive sport experiences. Champaign: Human Kinetics, 1994., é justamente aumentar a motivação, a participação e o envolvimento dos(as) alunos(as) com o esporte.

O objetivo de pontuar o jogo limpo veio ao encontro da proposta de Siedentop (1994)SIEDENTOP, Daryl. Sport Education: quality pe through positive sport experiences. Champaign: Human Kinetics, 1994. para o SE, uma vez que ele projetou o modelo para focar na cooperação entre os(as) participantes, dividindo a responsabilidade pelos deveres da equipe e exaltando a participação no esporte de todos(as), de uma forma justa. A escolha do código de conduta que guiaria o fair play em conjunto corrobora a afirmação de Reverdito et al. (2008)REVERDITO, Riller Silva et al. Competições escolares: reflexão e ação em Pedagogia do Esporte para fazer a diferença na escola. Pensar a Prática, v. 11, n. 1, p. 37-45, 2008., que defendem a participação ativa dos(as) alunos(as) na organização do SE, favorecendo o comprometimento deles com a proposta.

Outro importante papel que foi explorado durante a implementação do SE foi o de treinador(a). Farias et al. (2018)FARIAS, Cláudio et al. Mediating peer teaching for learning games: an action research intervention across three consecutive sport education seasons. Research Quarterly for Exercise and Sport, v. 89, n. 1, p. 91-102, 2018., ao analisarem o papel de treinador(a) desempenhado pelos(as) alunos(as) em uma temporada do SE, chegaram à conclusão de que os(as) alunos(as) conseguiram, com sucesso, fornecer instruções que contribuíram para o desenvolvimento tático e a melhora do jogo. Além do potencial aprendizado tático que essa ação permite, há a possibilidade de desenvolvimento da competência de liderança, que é essencial também para o esporte e para a vida.

Vargas et al. (2018)VARGAS, Tairone Girardon et al. A experiência do sport education nas aulas de educação física: utilizando o modelo de ensino em uma unidade didática de futsal. Movimento, v. 24, n. 3, p. 735-748, 2018. DOI: https://doi.org/10.22456/1982-8918.79628
https://doi.org/10.22456/1982-8918.79628...
ressaltam que o SE pode ser vantajoso para os(as) alunos(as), por ser uma alternativa ao ensino tradicional do esporte. Ao desempenharem as diferentes funções, os(as) aprendizes podem aplicar o conhecimento adquirido nas atividades da aula de forma direta, despertando um interesse maior pelo esporte, uma vez que oportuniza também aos(às) alunos(as) menos habilidosos(as) uma possibilidade de intervir no jogo, mesmo que não seja como jogador(a).

No estudo de Mesquita et al. (2015)MESQUITA, Isabel et al. Representação dos alunos e professora acerca do valor educativo do Modelo de Educação Desportiva numa unidade didática de Atletismo. Motricidade, v. 12, n. 1, p. 4-11, 2015. os(as) alunos(as) relataram que sua motivação para aprender aumentou ao serem treinados pelos(as) colegas. Apesar de parecer estranho no início, a turma acabou se acostumando com a estratégia desenvolvida, inclusive afirmando que a conduta dos(as) treinadores(as) foi muito positiva ao orientá-los(as) durante os jogos. Dessa forma, há maior possibilidade de desenvolver um entendimento tático consistente do jogo, tanto por parte dos(as) alunos(as) que inicialmente tenham dificuldade quanto por aqueles(as) que aprendem com mais facilidade.

Foi possível destacar alguns aspectos que chamaram atenção a partir do papel de treinador(a) exercido pelos(as) alunos(as) de nosso estudo. O primeiro deles foi a colaboração que ocorreu entre os membros das equipes. Na posição de líder, os(as) alunos(as) puderam orientar os(as) colegas que jogavam, auxiliando aqueles(as) que tinham maior dificuldade, em vez de apenas reclamar dos erros.

Araújo et al. (2017)ARAÚJO, Rui Manuel Flores et al. The evolution of student-coach’s pedagogical content knowledge in a combined use of sport education and the step-game-approach model. Physical Education and Sport Pedagogy, v. 22, n. 5, p. 518-535, 2017. realizaram uma intervenção onde implementaram o SE de forma híbrida em três temporadas na modalidade vôlei e observaram que a capacidade dos(as) treinadores(as) de fornecer feedback foi melhorando durante o trabalho. Após algum tempo, conseguiam identificar com mais precisão os erros e aprimoraram as explicações referentes às ações tático-técnicas que deveriam ser corrigidas. Desempenhando essa função, eles(as) contribuíram para a evolução dos(as) companheiros(as) sem gerar conflitos, e, consequentemente, trabalharam para o êxito da equipe.

A aplicação do SE contribuiu, portanto, para que o objetivo proposto pela Unidade Didática fosse atingido. Esse achado nos mostra que o SE pode cooperar para um ensino mais amplo do esporte, mesmo em um processo de educação não formal, fomentando a aprendizagem de diferentes papéis.

No entanto, é importante ressaltar que a utilização do modelo, ao longo dessa unidade didática de pesquisa, não aconteceu por simples reprodução integral da proposta original. Algumas características foram utilizadas ao longo do processo de ensino-aprendizagem a fim de tentar resolver “problemas” que encontrávamos durante nossa prática. Assim, o código de conduta foi uma estratégia para fazer os(as) alunos(as) refletirem sobre suas atitudes (GINCIENE; MATTHIESEN, 2017GINCIENE, Guy; MATTHIESEN, Sara Quenzer. O modelo do sport education no ensino do atletismo na escola. Movimento, v. 23, n. 2, p. 729-742, 2017. DOI: https://doi.org/10.22456/1982-8918.69788
https://doi.org/10.22456/1982-8918.69788...
, 2018GINCIENE, Guy; MATTHIESEN, Sara Quenzer. Estratégias para o ensino dos valores em aulas de Educação Física. Pensar a Prática, v. 21, n. 1, p. 156-167, 2018.). Porém, esse aspecto não foi exclusivo do modelo, mas sim das intervenções dos professores e da professora, que por sua vez foram guiadas pelas discussões e reflexões estabelecidos durante as reuniões de grupo.

O papel de treinador(a) também. Este papel, por si só, não tem como garantir alguma aprendizagem, mas as ações pedagógicas, que solicitaram aos(as) alunos(as) observarem os(as) colegas, puderam direcionar as atenções para esses aspectos. A reflexão sobre a atitude de liderança impositiva também não foi fruto exclusivo da vivência do papel, mas sim do debate que a Professora C proporcionou. Vale destacar dois aspectos nessa questão: o primeiro é que as reflexões que ocorriam durante as reuniões (oportunizadas pela pesquisa-ação) certamente contribuíram para que a atenção dos professores e da professora estivessem voltadas para essas condutas; o segundo foi a atitude da Professora C, que, ao observar um problema de atitude, procurou mediá-lo e provocar um debate e reflexão sobre a atitude negativa e impositiva de um dos alunos.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao longo da pesquisa conseguimos observar que algumas características do SE - como o código de condutas (fair-play) e o papel de treinador(a) - auxiliaram a direcionar a atenção dos(as) alunos(as) para os objetivos de ensino da unidade didática, como as atitudes e os conhecimentos tático-técnicos. Esse exercício foi fundamental para o alcance dos objetivos propostos para a unidade didática, uma vez que os problemas de comportamento anteriormente observados puderam ser debatidos e refletidos junto aos(às) alunos(as) por meio da elaboração do código de condutas e do papel de treinador(a). O papel de treinador(a) auxiliou a direcionar a atenção dos(as) alunos(as) nos aspectos tático-técnicos que desejávamos ensinar, assim como também proporcionou que eles(as) refletissem sobre suas ações e as dos(as) colegas. Além disso, ao terem a chance de ficar à frente de sua equipe como treinadores(as), os(as) alunos(as) desenvolveram uma liderança junto aos(às) colegas, aprimorando o modo como poderiam auxiliar o entendimento dos(as) companheiros(as) e fortalecendo o seu relacionamento dentro das aulas.

Cabe ressaltar que para ensinar cada um dos papéis foi necessário o olhar atento dos professores, já que foi por meio das suas percepções e constantes reflexões sobre a prática que as estratégias foram traçadas para que se pudesse alcançar o resultado final da aprendizagem. Hall e Gray (2016)HALL, Edward Thomas; GRAY, Shirley. Reflecting on reflective practice: a coach’s action research narratives. Qualitative Research in Sport, Exercise and Health v. 8, n. 4, p. 365-379, 2016. DOI: https://doi.org/10.1080/2159676X.2016.1160950
https://doi.org/10.1080/2159676X.2016.11...
nos lembram que a reflexão é um compromisso que se assume para melhorar a própria prática utilizando experiências que advêm dela. Paralelamente, o SE possui um importante potencial, cujo alcance perpassa por uma prática pedagógica intencional, atenta, reflexiva e crítica. Um bom planejamento e a capacidade de mediar conflitos e situações de aprendizagem são fundamentais aos professores, sempre mantendo os(as) alunos(as) no centro do processo de ensino e aprendizagem.

Apesar dos esforços para inserir os(as) alunos(as) no centro do processo, percebemos que não tivemos nenhuma estratégia sistematizada para dar mais voz aos(às) alunos(as). Em alguns momentos essas conversas aconteceram. E foi justamente por elas que percebemos alguns conflitos que surgiram ao longo da unidade didática. No entanto, entendemos que, para uma próxima implementação, seria interessante uma estratégia sistematizada para escutar os(as) alunos(as) e tentar compreender os sentimentos e necessidades deles(as). Ao mesmo tempo, uma pesquisa-ação emancipatória, a qual faria com que as vozes dos(as) alunos(as) contribuíssem para as modificações do processo de ensino-aprendizagem, pode ser uma alternativa pertinente e relevante para futuros estudos.

  • FINANCIAMENTO
    O artigo é parte do projeto de pesquisa do orientador (quarto autor do artigo) e recebeu financiamento pelos seguintes editais: Edital Fapergs 04/2019 - Auxílio Recém Doutor- Ard: 19/2551-0001287-0; Faurgs/Propesq/Edital 001/2019: 4619-1. A primeira autora recebeu auxílio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001 - n. Processo: 88887.482643/2020-00. O segundo autor recebeu apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001 - n. Processo: 88887.597200/2021-00
  • *
    Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Escola de Educação Física, Fisioterapia e Dança, Porto Alegre, RS, Brasil.

ÉTICA DE PESQUISA

O projeto foi encaminhado e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) sob protocolo n.: 10347119.5.0000.5347.

REFERÊNCIAS

  • ARAÚJO, Rui Manuel Flores et al. The evolution of student-coach’s pedagogical content knowledge in a combined use of sport education and the step-game-approach model. Physical Education and Sport Pedagogy, v. 22, n. 5, p. 518-535, 2017.
  • ARAÚJO, Rui; MESQUITA, Isabel; HASTIE, Peter A. Review of the status of learning in research on sport education: future research and practice. Journal of Sports Science and Medicine, v. 13, n. 4, p. 846-858, 2014.
  • BORGES, Robson Machado et al. Possibilidades de realização do diagnóstico no ensino dos esportes: uma pesquisa-ação com professores de Educação Física. Motrivivência, v. 29, n. 50, p. 104-122, 2017.
  • EVANGELIO, Carlos et al. Modelo Educación Deportiva Revisión España. Cuadernos de Psicología del Deporte, v. 16, n. 1, p. 307-324, 2016.
  • FARIAS, Cláudio et al. Mediating peer teaching for learning games: an action research intervention across three consecutive sport education seasons. Research Quarterly for Exercise and Sport, v. 89, n. 1, p. 91-102, 2018.
  • FRANCO, Maria Amélia do Rosario Santoro. Prática pedagógica e docência: um olhar a partir da epistemologia do conceito. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, v. 97, n. 247, p. 534-551, 2016.
  • GALATTI, Larissa Rafaela et al. Esporte Contemporâneo: Perspectivas para a Compreensão do fenômeno. Corpoconsciência, v. 22, n. 3, p. 115-127, 2018.
  • GARGANTA, Júlio. Competências no ensino e treino de jovens futebolistas. Revista Digital-Buenos Aires, v. 8, n. 45, p. 1-3, feb. 2002. Disponível em: https://www.efdeportes.com/efd45/ensino.htm Acesso em: 28 fev. 2022.
    » https://www.efdeportes.com/efd45/ensino.htm
  • GINCIENE, Guy; MATTHIESEN, Sara Quenzer. Estratégias para o ensino dos valores em aulas de Educação Física. Pensar a Prática, v. 21, n. 1, p. 156-167, 2018.
  • GINCIENE, Guy; MATTHIESEN, Sara Quenzer. O modelo do sport education no ensino do atletismo na escola. Movimento, v. 23, n. 2, p. 729-742, 2017. DOI: https://doi.org/10.22456/1982-8918.69788
    » https://doi.org/10.22456/1982-8918.69788
  • GONZÁLEZ, Fernando Jaime. O ensino dos esportes. In: GONZÁLEZ, Fernando Jaime; DARIDO, Suraya Cristina; OLIVEIRA, Amauri Aparecido Bássoli de (orgs.). Esportes de invasão: basquetebol, futebol, futsal, handebol, ulti mate frisbee. Maringá: EDUEM, 2017. p. 29-60.
  • GUBACS-COLLINS, Klara. Implementing a tactical approach through action research. Physical Education & Sport Pedagogy, v. 12, n. 2, p. 105-126, 2007.
  • HALL, Edward Thomas; GRAY, Shirley. Reflecting on reflective practice: a coach’s action research narratives. Qualitative Research in Sport, Exercise and Health v. 8, n. 4, p. 365-379, 2016. DOI: https://doi.org/10.1080/2159676X.2016.1160950
    » https://doi.org/10.1080/2159676X.2016.1160950
  • HASTIE, Peter A. et al. The development of skill and knowledge during a sport education season of track and field athletics. Research Quarterly for Exercise and Sport, v. 84, n. 3, p. 336-344, 2013.0270-1367.
  • HASTIE, Peter A.; OJEDA PÉREZ, Diego Martinez de; LUQUIN, Antonio Calderón. A review of research on Sport Education: 2004 to the present. Physical Education & Sport Pedagogy, v. 16, n. 2, p. 103-132, 2011.
  • KEMMIS, Stephen. Action research as a practice-based practice. Educational Action Research, v. 17, n. 3, p. 463-474, 2009.
  • LANDIS, J. Richard; KOCH, Gary G. The measurement of observer agreement for categorical data. Biometrics, v. 33, n. 1, p. 159-174, 1977.
  • LIMA, Jorge Ávila de. Por uma análise de conteúdo mais fiável. Revista Portuguesa de Pedagogia, v. 47, n. 1, p. 7-29, 2013.
  • MESQUITA, Isabel et al. Representação dos alunos e professora acerca do valor educativo do Modelo de Educação Desportiva numa unidade didática de Atletismo. Motricidade, v. 12, n. 1, p. 4-11, 2015.
  • MESQUITA, Isabel; GRAÇA, Amândio. Modelos de ensino dos jogos desportivos. In: TANI, Go; BENTO, J.O.; PETERSEN, Ricardo (eds.). Pedagogia do desporto Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2006. p. 269-283.
  • REVERDITO, Riller Silva et al. Competições escolares: reflexão e ação em Pedagogia do Esporte para fazer a diferença na escola. Pensar a Prática, v. 11, n. 1, p. 37-45, 2008.
  • SIEDENTOP, Daryl. Sport education: a retrospective. Journal of Teaching in Physical Education, v. 21, n. 4, p. 409-418, 2002.
  • SIEDENTOP, Daryl. Sport Education: quality pe through positive sport experiences. Champaign: Human Kinetics, 1994.
  • SMITH, Brett; SPARKES, Andrew C. Routledge handbook of qualitative research in sport and exercise New York: Routledge, 2016.
  • TRIPP, David. Pesquisa-ação: uma introdução metodológica. Educação e Pesquisa, v. 31, n. 3, p. 443-466, 2005.
  • VARGAS, Tairone Girardon et al. A experiência do sport education nas aulas de educação física: utilizando o modelo de ensino em uma unidade didática de futsal. Movimento, v. 24, n. 3, p. 735-748, 2018. DOI: https://doi.org/10.22456/1982-8918.79628
    » https://doi.org/10.22456/1982-8918.79628
  • VIERA, Anthony J.; GARRETT, Joanne M. Understanding interobserver agreement: the kappa statistic. Family Medicine, v. 37, n. 5, p. 360-363, 2005.
  • WALLHEAD, Tristan; O’SULLIVAN, Mary. Sport Education: physical education for the new millennium? Physical Education & Sport Pedagogy, v. 10, n. 2, p. 181-210, 2005.

Editado por

RESPONSABILIDADE EDITORIAL
Alex Branco Fraga * * Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Escola de Educação Física, Fisioterapia e Dança, Porto Alegre, RS, Brasil. , Elisandro Schultz Wittizorecki * * Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Escola de Educação Física, Fisioterapia e Dança, Porto Alegre, RS, Brasil. , Mauro Myskiw * * Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Escola de Educação Física, Fisioterapia e Dança, Porto Alegre, RS, Brasil. , Raquel da Silveira * * Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Escola de Educação Física, Fisioterapia e Dança, Porto Alegre, RS, Brasil.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    08 Abr 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    19 Maio 2021
  • Aceito
    21 Fev 2022
Universidade Federal do Rio Grande do Sul Rua Felizardo, 750 Jardim Botânico, CEP: 90690-200, RS - Porto Alegre, (51) 3308 5814 - Porto Alegre - RS - Brazil
E-mail: movimento@ufrgs.br