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FILMES COMO ESTRATÉGIAS PARA AS AULAS DE EDUCAÇÃO FÍSICA NA ESCOLA

LAS PELÍCULAS COMO ESTRATEGIAS PARA LAS CLASES DE EDUCACIÓN FÍSICA EN LA ESCUELA

Resumo

O presente estudo teve como objetivo analisar contribuições teórico-metodológicas do uso de filmes como estratégia nas aulas de Educação Física. Para isso, a pesquisa caracterizou-se como qualitativa de cunho documental, na qual foram analisados doze filmes. Após as análises, foram identificados temas como racismo, gênero, educação e religiosidade, que serviram para subsidiar as discussões da pesquisa em voga. Nesse sentido, ressaltamos a importância da utilização de filmes como estratégia de ensino durante as aulas de Educação Física, pois estes trazem consigo temas transversais inerentes à realidade dos estudantes, que podem ser problematizados pelos professores.

Palavras-chave
Educação Física e treinamento; Filmes cinematográficos; Ensino.

Resumen

Este estudio tuvo como objetivo analizar los aportes teóricos y metodológicos del uso de películas como estrategia en las clases de Educación Física. Para ello, la investigación se caracterizó como cualitativa de tipo documental, donde se analizaron doce películas. Luego de los análisis, se identificaron temas como racismo, género, educación y religiosidad, los que sirvieron para subsidiar las discusiones de la investigación. En este sentido, destacamos la importancia de utilizar películas como estrategia didáctica durante las clases de Educación Física, ya que traen temas transversales inherentes a la realidad de los estudiantes, los que pueden ser problematizados por los docentes.

Palabras clave
Educación Física y entrenamiento físico; Películas cinematográficas; Enseñanza.

Abstract

This study aimed to analyze the theoretical and methodological contributions of the use of films as a strategy in Physical Education classes. In this view, the research was characterized as qualitative with a documentary nature, in which twelve films were analyzed. After the analyses, themes such as racism, gender, education, and religiosity were identified and used to subsidize the current discussions. In this sense, we emphasize the importance of using films as a teaching strategy during Physical Education classes as they bring about cross-cutting themes which are inherent to the reality of students; thus, enabling teachers to problematize them.

Keywords
Physical Education and training; Motion pictures; Teaching.

1 INTRODUÇÃO

O campo da didática, ao longo dos anos, foi se constituindo como área de conhecimento, chegando à atualidade como uma importante referência para o desenvolvimento das ciências humanas no âmbito educacional.

Sabemos que no âmbito da didática existem decisões que precisam ser tomadas no planejamento e na vivência da prática pedagógica, na intenção de facilitar o processo educacional e, em especial, a aprendizagem dos conteúdos, ainda que diante das dificuldades encontradas. Assim, estratégias metodológicas que contribuam com esta compreensão e ação educativas se configuram como necessidades imprescindíveis para qualificar a aula.

Alguns autores denominam essas necessidades de diferentes formas. Uns nomeiam “procedimentos de ensino” ou “procedimentos didáticos”, e outros, “recursos pedagógicos” ou “meios de ensino”. Mas todos, com o mesmo objetivo, se aproximam ao compreender as estratégias como caminhos traçados pelos professores no processo de ensino-aprendizagem (LIBÂNEO, 1994LIBÂNEO, José Carlos. Didática. São Paulo: Cortez Editora, 1994; LUCKESI, 1994LUCKESI, Cipriano Carlos. Filosofia da Educação. São Paulo: Cortez Editora, 1994.; SANT’ANNA; MENEGOLLA, 2011SANT’ANNA, Ilza Martin; MENEGOLLA, Maximiliano. Didática: aprender a ensinar. São Paulo; Loyola, 2011.; FARIAS et al., 2014FARIAS, Isabel Maria Sabino et al. Didática e Docência: aprendendo a profissão. Brasília: Líber Livros, 2014.).

Essa discussão se faz importante graças à diversidade de necessidades que surgem durante esse processo, no qual o docente, muitas vezes, deve decidir o que melhor será aplicado na realidade dos seus estudantes.

Além disto, essas carências nem sempre serão condizentes com os conteúdos da disciplina e até mesmo com as condições pedagógicas das escolas e dos sujeitos, o que envolve continuamente situações, conteúdos e embates diante de diferentes temas que transversalizam a prática pedagógica e que, por sua vez, fazem parte da vida de professores e estudantes.

Na área da Educação Física Escolar (EFE), Brasil (1998)BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais: terceiro e quarto ciclos: educação física. Brasília, 1998. apresentou como proposições alguns temas que estavam em emergência no momento, os quais revelaram uma discussão atualizada, visto que o acirramento nos debates tratava de temáticas próximas ao nosso cotidiano. De acordo com o referido documento:

A Educação Física dentro da sua especificidade deverá abordar os temas transversais, apontados como temas de urgência para o país como um todo, além de poder tratar outros relacionados às necessidades específicas de cada região. […] com a intenção de ampliar o olhar sobre a prática cotidiana e, ao mesmo tempo, estimular a reflexão para a construção de novas formas de abordagem dos conteúdos (BRASIL, 1998BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais: terceiro e quarto ciclos: educação física. Brasília, 1998., p. 34).

A ênfase desses temas não são os conteúdos da EFE, mas sim assuntos que emergem a partir do contexto das relações sociais no decorrer das aulas (BRASIL, 1998BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais: terceiro e quarto ciclos: educação física. Brasília, 1998.). Assim, à luz do referido documento, entende-se como temas transversais: Ética, Saúde, Pluralidade Cultural, Meio Ambiente, Orientação Sexual, Trabalho e Consumo.

Neste estudo, apresentamos algumas possibilidades de abordar esses temas por meio de filmes, pois, quando estes recursos audiovisuais são utilizados durante as aulas, contribuem “para ampliar o olhar, a percepção, o sentir e o pensar sobre a educação e para promover a ação dos futuros professores” (CHALUH, 2012CHALUH, Laura Noemi. Filmes na formação de futuros professores: educar o olhar. Educação em Revista, v. 28, n.2, p.133-152 , jun. 2012., p. 135).

Segundo Christofoletti (2009)CHRISTOFOLETTI, Rogério. Filmes na sala de aula: recurso didático, abordagem pedagógica ou recreação? Revista Educação, v. 34, n. 3, 2009., a utilização de filmes na escola começou a ser massificado entre as décadas de 1980 e 1990, com a consolidação dos aparelhos videocassetes. Atualmente, devido à amplitude de acessos as plataformas digitais e aos serviços de streaming, o estudante detém outras oportunidades de assistir ao filme proposto pelo professor não se restringindo à sala de aula.

A partir dos estudos de Diniz, Rodrigues e Darido (2012)DINIZ, Irlla Karla dos Santos; RODRIGUES, Heitor de Andrade; DARIDO, Suraya Cristina. Os usos da mídia em aulas de Educação Física escolar: possibilidades e dificuldades. Movimento, v. 18, n. 3, p. 183-202, jul. 2012., acreditamos que as mídias de uma forma geral, impressas ou digitais, têm ocupado um lugar de destaque nos tempos contemporâneos, chegando a serem consideradas revolucionárias na sociedade atual, transformando a forma como as pessoas enxergam e atuam no meio em que vivem. As imagens e os sons influenciam e refletem as relações sociais e, portanto, necessitamos, na escola, criar estratégias didáticas para usufruir de seus aparatos, entre esses os filmes.

Logo, entendemos tais meios como importantes, não somente para a formação de professores, mas para todos os níveis de ensino, sobretudo para a educação básica, como um impulsionador de reações dos espectadores.

Os filmes retratam eventos históricos, biografias ou temas e assuntos sobre os quais, muitas vezes, o espectador não detém conhecimento ou não teve oportunidade de vivenciar e, assim, é possível afirmar que “muito da percepção que temos da história da humanidade talvez esteja irremediavelmente marcada pelo contato que temos/tivemos com as imagens cinematográficas” (DUARTE, 2002DUARTE, Rosalia. Cinema & Educação. Belo Horizonte: Autêntica, 2002., p. 18).

É através das imagens reproduzidas em tela que conseguimos conhecer diferentes lugares, culturas e contextos ou ainda sentir emoções que um fato tenha representado para um indivíduo ou para a sociedade. Desse modo, reconhecemos a capacidade de gerar sensações e aproximações como um dos fatores fundamentais que tornam o uso dos filmes, nas salas de aula, um recurso didático tão significativo.

Coelho e Viana (2010COELHO, Roseana Moreira de Figueiredo; VIANA, Marger da Conceição Ventura. A utilização de filmes em sala de aula: um breve estudo no Instituto de Ciências Exatas e Biológicas da UFOP. Revista da Educação Matemática da UFOP, v. 1, 2010., p. 91) afirmam que os filmes “se inserem mais facilmente na mente do aluno, e o conteúdo do que está se passando na película pode atuar como recurso pedagógico, pois é bastante flexível quanto ao modo de retratar qualquer assunto”. Assim sendo, o estudante pode interpretar o filme como um texto, até mesmo não escrito e transcrevê-lo após as suas interpretações (TEIXEIRA; LOPES, 2006).

Nas aulas de Educação Física, concordamos com Oliveira e Sugayama (2014OLIVEIRA, Sandro José; SUGAYAMA, Soraya. Educação Física escolar - filmes como recurso didático. Cadernos PDE. v. 1. 2014., p. 5), ao enfatizarem que o uso de filmes, nessa disciplina, permite “que os alunos e o professor dialoguem, por outras vias, visto que a linguagem fílmica contribui para a percepção de diferentes temas e contextos”. Dessa maneira, compreendemos que os filmes se configuram como uma excelente estratégia de ensino a ser utilizada nessas aulas.

Para Farias et al. (2014)FARIAS, Isabel Maria Sabino et al. Didática e Docência: aprendendo a profissão. Brasília: Líber Livros, 2014., as estratégias de ensino são como “andaimes didáticos”. Nessa metáfora, as estratégias são comparadas às instalações utilizadas nas edificações que servem para dar suporte aos trabalhadores, no decorrer de uma construção, e também organizar os materiais de trabalho.

Do ponto de vista pedagógico, essas estratégias de ensino servem para que o professor possa se apoiar, na intenção de executar o ato docente durante as aulas, visto que estas se configuram como “atividades, métodos, técnicas e modalidades de ensino selecionadas com o propósito de facilitar a aprendizagem” (SANT’ANNA; MENEGOLLA, 2011SANT’ANNA, Ilza Martin; MENEGOLLA, Maximiliano. Didática: aprender a ensinar. São Paulo; Loyola, 2011., p. 43).

Desta forma, nosso problema de pesquisa indagou: como abordar temas transversais utilizando filmes como estratégia de ensino nas aulas de Educação Física? Assim, nosso objetivo foi analisar contribuições teórico-metodológicas dos filmes como estratégia de ensino nas aulas de Educação Física.

2 MÉTODO

A pesquisa tomou como base a abordagem qualitativa, subsidiada pelo método da hermenêutica-dialética (MINAYO, 2010MINAYO, Maria Cecília de Souza. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. 5. ed. São Paulo: Hucitec-Abrasco, 2010.), e caracterizou-se como documental, consistindo em análises de registros de dados e informações que não alcançaram uma sistematização ou catalogação como forma literária (LUDKE; ANDRÉ, 1986LÜDKE, Menga; ANDRÉ, Marli. Pesquisa em educação: abordagens qualitativas. São Paulo: EPU, 1986.).

Destarte, o estudo tratou os filmes como dados da pesquisa, visto que para Gil (2002GIL, Antonio Carlos. Como elaborar projetos de pesquisa. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2002., p. 88), “o material utilizado nas pesquisas documentais pode aparecer sob os mais diversos formatos, tais como fichas, mapas, […] fotografias, fitas de vídeo1 1 Além das fitas em formato Video Home System (VHS) e dos discos no formato Digital Video Disk (DVD), atualmente também é possível ter acesso a filmes através da distribuição digital de streaming onde se paga uma taxa monetária e se obtém acesso aos seus conteúdos. e discos”.

Conforme Marconi e Lakatos (2003)MARCONI, Marina de Andrade; LAKATOS, Eva Maria; Fundamentos de metodologia científica, São Paulo; Atlas, 2003., a fonte de coleta de dados nesse tipo de pesquisa não se restringe apenas a documentos escritos, podendo também agregar os não escritos que se configuram em dois tipos de fontes: A) as primárias, sendo aquelas feitas no momento em que ocorre o fato ou fenômeno, a exemplo das gravações em fita magnética, fotografias e ilustrações e acrescentamos, aqui, dados digitais como imagens e áudios; e B) as secundárias, que ocorrem depois do fato ou fenômeno, como é o caso dos filmes comerciais, do rádio, do cinema e da televisão.

Como fonte de coleta de dados, utilizamos sites que versam sobre a indústria cinematográfica (AdoroCinema, CinePop e Filmow), tendo sido escolhidos esses três em virtude de fornecerem a opção pela busca a partir das palavras-chave, que no caso da pesquisa foram: Esporte e Educação Física.

De mais a mais, esses sites também disponibilizam informações relevantes para a pesquisa, como o título do filme na sua versão original e no Brasil, a sinopse, a classificação indicativa e o ano do seu lançamento.

Utilizamos os seguintes critérios de inclusão para os filmes: A) ter mais de 80 minutos de duração e, assim, configurar-se como sendo um longa-metragem, conforme a definição do Screen Actors Guild and the American Federation of Television and Radio Artists2 2 Sindicato responsável por garantir vários direitos à indústria do cinema e seus associados. (SAG/AFTRA); B) constar na sinopse do filme a presença do Esporte ou da Educação Física em seu enredo; e C) estar classificado desde livre até não recomendado para menores de 16 anos, seguindo os parâmetros do Manual de Classificação Indicativa do Ministério da Justiça (BRASIL, 2006BRASIL. Ministério da Justiça. Secretaria Nacional de Justiça. Departamento de Justiça, Classificação, Títulos e Qualificação. Manual da nova classificação indicativa. Brasília, DF: Ministério da Justiça, 2006.).

Tais critérios foram adotados no intuito de incluir os filmes que, estrategicamente, dialogassem com temas transversais comumente revelados durante aulas da disciplina curricular Educação Física e, também, por estarem disponíveis para serem trabalhados na escola nos diferentes segmentos de Ensino (Infantil, Fundamental e Médio), respeitando as classificações indicativas para a idade dos estudantes.

Com base nesses critérios, delineamos um marco cronológico de 1980 até 2020 e, assim, foi possível encontrarmos um total de 36 filmes. Contudo, após assistirmos a esse quantitativo, percebemos que muitos abordavam os temas Esporte e Educação Física de forma superficial em seus enredos.

Com isto, definimos como novo critério o potencial pedagógico que cada filme poderia ter para as aulas de Educação Física e, desse modo, chegamos ao número de 12 filmes, conforme podemos observar no Quadro 1.

Quadro 1
Filmes que subsidiaram a pesquisa

Para o tratamento dos dados obtidos, utilizamos a análise categorial por temática, tomando como referência os estudos de Bardin (2011)BARDIN, Laurence. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70, 2011., tendo em vista que, de acordo com Souza Junior, Melo e Santiago (2010SOUZA JUNIOR, Marcilio Barbosa; MELO, Marcelo Soares Tavares; SANTIAGO, Maria Eliete. A análise de conteúdo como forma de tratamento dos dados numa pesquisa qualitativa em Educação Física escolar. Movimento, v. 16, n. 3, p. 31-49, jul./set, 2010., p. 47), ao utilizar essa técnica de análise para o tratamento dos dados, o pesquisador adquire maior “operacionalização e rigorosidade científica na pesquisa qualitativa em Educação Física Escolar”.

No estudo teórico, destacamos as seguintes categorias analíticas: Estratégia de Ensino, Transversalidade e Filmes e, a partir dos 12 filmes selecionados, assistidos e analisados, identificamos que esses podem ajudar nos debates em sala de aula, quando do surgimento dos temas transversais (BRASIL, 1998BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais: terceiro e quarto ciclos: educação física. Brasília, 1998.).

Assim, ganharam destaque quatro temas transversais (Quadro 2), relacionados aos respectivos filmes, que podem estar presentes nas aulas de Educação Física e, de forma estratégica, acreditamos que possam enriquecer o processo de ensino-aprendizagem.

Quadro 2
Filmes e temas transversais

3 RESULTADOS E DISCUSSÕES

Na literatura, são diversos os estudos e debates sobre as possibilidades que o professor possui para planejar, organizar e sistematizar sua prática pedagógica, no que concerne à mediação do conhecimento junto aos estudantes. Nesse processo, os docentes tendem a utilizar algumas estratégias na intenção de facilitar a aprendizagem de um conteúdo e promover reflexões importantes no ato educativo.

Essas estratégias precisam ser escolhidas e apoiadas em critérios que levem em conta a necessidade do público-alvo que lidará com a informação. Por isso é imprescindível a sensibilidade por parte do professor para compreender o contexto social em que os estudantes estão inseridos e as demandas necessárias para a concretização do objetivo. Ademais, é importante que o docente tenha clareza quanto à estratégia que será utilizada durante as aulas.

No caso da exibição dos filmes, Coelho e Viana (2010COELHO, Roseana Moreira de Figueiredo; VIANA, Marger da Conceição Ventura. A utilização de filmes em sala de aula: um breve estudo no Instituto de Ciências Exatas e Biológicas da UFOP. Revista da Educação Matemática da UFOP, v. 1, 2010., p. 94) afirmam que:

O cinema é um forte aliado, pois existem várias películas que tratam de praticamente todos esses comportamentos da sociedade, dentre eles violência, preconceitos, homossexualidade, diferenças de classes, discriminação racial, pobreza, diferentes culturas, religião, etc. Sendo assim, filmes são ricos em temas de debates de cunho social e de viabilidade de transformação.

Desta forma, na interação com os estudantes, o professor tem a possibilidade de realçar a importância de uma reflexão cultural em que o contexto escolar está vinculado, haja vista que um filme tem o poder de nos envolver em seu enredo e refletir sobre os acontecimentos da nossa vida cotidiana.

Nesse sentido, reconhecemos a oportunidade de discutir e refletir sobre questões relativas a problemas sociais, pois essas temáticas aparecem em inúmeros filmes e encontram no contexto da Educação Física algumas possibilidades para a sua reflexão pedagógica associada a conteúdos específicos.

Em filmes como Duelo de Titãs (2000) e Invictus (2009), que apresentam histórias centradas em modalidades esportivas coletivas, como o futebol americano e o rúgbi, respectivamente, é possível notar como o Esporte tornou-se um meio para lidar com conflitos e possibilidades étnicas, inclusive com propensão a unificar brancos e negros no intuito de alcançarem um objetivo comum.

No entanto, para que isto acontecesse efetivamente, os personagens tiveram que solucionar questões como a indiferença, o preconceito e a antipatia durante o processo:

Hoje, jogamos contra Hayfield. Como todas as outras escolas na associação, eles são brancos. Não têm que se preocupar com a raça, nós temos. Mas por isso mesmo somos melhores. Eu vou dizer uma coisa, não deixem nada e nem ninguém nos desunir (DUELO DE TITÃS, 2000DUELO de Titãs. Direção: Boaz Yakin. Walt Disney Pictures. Estados Unidos. 2000. 1 DVD (113 min.)., 47 min. 28 seg.).

Todos os brancos torcem pela África do Sul. Todos os negros torcem pela Inglaterra. [...] Acredito que deveríamos restaurar o time de rúgbi Springboks. Essa é a hora de reconstruirmos a nossa nação, utilizando cada tijolo possível (INVICTUS, 2009INVICTUS. Direção: Clint Eastwood. Warner Bros. Pictures. Estados Unidos. 2009. 1 DVD (133 min.)., 23 min. 03 seg.).

De acordo com Santos (2005)SANTOS, Isabel Aparecida. A responsabilidade da escola na eliminação do preconceito racial: alguns caminhos. In: CAVALLEIRO, Eliane (org.). Racismo e anti-racismo na educação: repensando nossa escola. São Paulo: Summus, 2005., o termo preconceito serve para designar qualquer opinião ou conceito formulado antecipadamente sobre algo ou alguém. Logo, alguns historiadores indicam que o preconceito está presente na história da humanidade desde a Antiguidade, enquanto o racismo surge apenas por volta do século XV, em decorrência da expansão dos europeus por territórios anteriormente desconhecidos e da sua imposição cultural perante os habitantes dessas terras (MUNANGA, 1999MUNANGA, Kabengele. Rediscutindo a mestiçagem no Brasil. Petrópolis: Vozes, 1999.).

Nas aulas de Educação Física, questões como o racismo e o preconceito tendem a ser temas recorrentes, e, nessa direção, Rangel (2006)RANGEL, Irene Conceição Andrade. Racismo, preconceito e exclusão: um olhar a partir da Educação Física escolar. Revista Motriz, v. 12, n. 1, p. 73-76, jan./abr., 2006. afirma que a própria escola configura-se como um ambiente onde algumas atitudes racistas e preconceituosas emergem, seja de maneira consciente ou inconsciente, na relação entre alunos, professores, funcionários e, até mesmo, entre os pais.

Os filmes abordados de forma crítica (BRASIL, 1998BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais: terceiro e quarto ciclos: educação física. Brasília, 1998.) abrem possibilidades de se trazer à tona, de forma mais explícita, posições e valores que, por vezes, estão camuflados ou adormecidos em nossa sensibilidade, racionalidade e história.

Para Pires (2003)PIRES, Giovani de Lorenzi. A pesquisa em educação física e mídia nas ciências do esporte: um possível estado atual da arte. Movimento, v. 9, n. 1, p. 9-22, mai. 2003., à medida que os trabalhos de abordagem teórica crítico-reflexiva sobre as relações entre mídia e Educação Física se ampliam, estudos que formulam e experimentam propostas metodológicas de trato pedagógico sobre o tema se fazem necessários. Defendemos que essa ampliação poderá ser ferramenta de luta importantíssima para o enfrentamento dos preconceitos.

Com o tratamento pedagógico dos filmes é possível problematizarmos e compreendermos estigmas consagrados e fossilizados como verdades que se sobrepõem a sentimentos, razões e histórias outras e diversas e, ainda, construirmos novas percepções, desnaturalizando pontos de vista e estigmas depreciativos ao outro.

Rangel (2006RANGEL, Irene Conceição Andrade. Racismo, preconceito e exclusão: um olhar a partir da Educação Física escolar. Revista Motriz, v. 12, n. 1, p. 73-76, jan./abr., 2006., p. 75) afirma que “uma possibilidade singular da Educação Física é valorizar os esportistas, ginastas e dançarinos negros”. Porém, vale também questionarmos, nas nossas aulas, as razões que nos levaram a preterir algumas etnias em detrimento da valorização de outras.

Nesse contexto, a utilização de filmes nas aulas mostra-se como uma excelente estratégia pedagógica, haja vista a sua capacidade de ilustrarem para os estudantes acontecimentos e feitos, desses atletas e figuras, que marcaram a história da humanidade.

Diante disto, problematizar filmes como Ali (2001) e Raça (2016) mostra-se uma alternativa relevante, uma vez que o primeiro retrata a vida daquele que é considerado por muitos como o maior boxeador de todos os tempos, enquanto o segundo ilustra a trajetória do velocista Jesse Owens e sua icônica participação nos Jogos Olímpicos de 1936, em Berlim, em pleno regime nazista de Adolf Hitler.

Não posso deixar você recuperar o fôlego, e você deve saber disso, você quer o título? Você quer o cinturão dos pesos pesados? Nariz, mandíbula, cara quebradas, você está pronto pra isso? É o que você quer? Porque está diante do homem que prefere morrer do que deixar você ganhar (ALI, 2001ALI. Direção: Michael Mann. Estados Unidos. 2001. 1 DVD (157 min.)., 2h. 25 min. 38seg.).

Jesse, você é o melhor. Você tem a chance de acertar um golpe bem forte. Eu sei que isso pode soar hipócrita para qualquer americano falar sobre intolerância racial em outros países, mas essa é a razão principal para não irmos a esses Jogos, temos uma chance aqui de mostrar nossa solidariedade com as pessoas oprimidas da Alemanha. Podemos fazer quem está no poder ter ciência de suas obrigações morais para lutar contra as injustiças que nós negros sofremos em casa (RAÇA, 2016RAÇA. Direção: Stephen Hopkins. Entertainment One Films. Canadá. 2016. 1 DVD. (135 min.)., 1h. 01 min. 19 seg.).

Ao abordar esses filmes e até mesmo outras formatações midiáticas, como estratégia em sala de aula, o professor é capaz de trabalhar os conteúdos específicos e suas transversalidades com as questões sociais mais amplas e explorar diversos temas relacionados.

Todavia, sem deixar de reconhecer a importância da pesquisa sobre a mídia, julga-se ser fundamental que os estudos realizados no âmbito da Educação Física orientem-se na investigação das relações das nossas temáticas específicas com a mídia na - e a partir da - Educação Física, a fim de que possam vir a subsidiar o desenvolvimento de práticas pedagógicas emancipatórias, especialmente no âmbito escolar (PIRES et al., 2008PIRES, Giovani de Lorenzi et al. A pesquisa em educação física e mídia: pioneirismo, contribuições, e críticas ao "grupo de Santa Maria". Movimento, v. 14, n. 3, p. 33-52, nov. 2008., p. 49).

Por outro lado, também se faz necessário o uso de procedimentos e situações que possam tirar a temática do limbo ou do invisível, como também nos levar a tomar consciência dos fatos e valores das descriminações sociais e buscarmos a superação dos estereótipos que pretendem aplicar supremacias pejorativas.

Tal constatação dar-se-á em virtude do caráter lúdico e cativante imbricado aos filmes que tornam a sua utilização imprescindível por várias disciplinas (CHRISTOFOLETTI, 2009CHRISTOFOLETTI, Rogério. Filmes na sala de aula: recurso didático, abordagem pedagógica ou recreação? Revista Educação, v. 34, n. 3, 2009.; MESSIAS; BEZERRA, 2018MESSIAS, Renata Michele; BEZERRA, Josué Alencar. Cinema e Geografia: o filme como instrumento didático no ensino de Geografia. Revista de Geografia, v. 35, n. 3, 2018.).

O uso de filmes em sala de aula pode tornar as aulas dinâmicas e o cotidiano escolar passa a ser menos cansativo para professores e alunos. Outro ponto importante é que filmes tornam os alunos mais interessados, pelo fato de a aula ‘fugir’ do comum, mas sempre relacionada ao conteúdo programático da disciplina (COELHO; VIANA, 2010, p. 92).

Em seguida, outro tema transversal sugerido se encontra relacionado às questões de gênero. Para Sousa e Altmann (1999)SOUSA, Eustáquia Salvadora de; ALTMANN, Helena. Meninos e meninas: expectativas corporais e implicações na educação física escolar. Caderno CEDES, v. 19, n. 48, p. 52-68. 1999., tais questões são uma temática recorrente nas aulas de Educação Física, visto que, no contexto escolar, torna-se comum a presença de práticas corporais que enaltecem uma suposta superioridade dos meninos em relação às meninas, o que contribui para a perpetuação de várias problemáticas sociais advindas de uma visão patriarcal de sociedade.

Tais constatações mostram-nos que a separação de meninos e meninas nas aulas de educação física desconsidera a articulação do gênero com outras categorias, a existência de conflitos, exclusões e diferenças entre pessoas do mesmo sexo, além de impossibilitar qualquer forma de relação entre meninos e meninas (SOUSA; ALTMANN, 1999, p. 56).

A superioridade suposta ou imposta, diante da história das oportunidades ou dos tolhimentos, precisa ser desnudada, pois só o fato de enaltecer ou menosprezar, uma dita superioridade já demonstra que existe uma inferioridade naturalizada.

A partir disto, entendemos que abordar filmes como Billy Elliot (2000BILLY Elliot. Direção: Stephen Daldry. Universal Studios. Reino Unido. 2000. 1 DVD (111 min.).) e Menina de Ouro (2004) contribui para contextualizar a temática do gênero nas aulas de Educação Física e, consequentemente, problematizá-la.

No tocante a este assunto, Christofoletti (2009CHRISTOFOLETTI, Rogério. Filmes na sala de aula: recurso didático, abordagem pedagógica ou recreação? Revista Educação, v. 34, n. 3, 2009., p. 606) realça “o potencial de alguns filmes como agentes mediadores na desnaturalização de questões relacionadas ao gênero e à sexualidade”.

De acordo com Goellner (2010)GOELLNER, Silvana Vilodre. A Educação dos corpos, dos gêneros e das sexualidades e o reconhecimento da diversidade. Cadernos de Formação RBCE, v.1, p. 71-83, 2010., ao longo da história, os meninos têm sido comumente direcionados para as atividades públicas, enquanto as meninas são direcionadas para aquelas de cunho privado. Poderíamos dizer ainda de outras tentativas de encaixes de meninos e meninas diante de outras binaridades e oposições lineares e superficiais, tal como ser extrospectivos e introspectivas, usar de espaços outdoor e espaços indoor, ou adequar-se melhor a situações expansivas e retraídas, ou possuir por natureza força física bruta ou delicadeza sutil.

Nas aulas de Educação Física, os meninos geralmente detiveram o direito de vivenciar as práticas corporais que exigiam um maior esforço físico-expansivo e outdoor, como: o futebol, o rúgbi, o basquete e as lutas. Em contrapartida, as meninas eram comumente relegadas às práticas pautadas pela suavidade e destreza dos gestos retraídos e indoor, a exemplo das danças e das artes (SOUSA; ALTMANN, 1999; GOELLNER, 2010GOELLNER, Silvana Vilodre. A Educação dos corpos, dos gêneros e das sexualidades e o reconhecimento da diversidade. Cadernos de Formação RBCE, v.1, p. 71-83, 2010.).

Nesse contexto, podemos observar no filme Menina de Ouro (2004) a resistência do treinador em ensinar boxe para a personagem principal apenas pelo fato de ser mulher. Já em Billy Elliot (2000BILLY Elliot. Direção: Stephen Daldry. Universal Studios. Reino Unido. 2000. 1 DVD (111 min.).), ocorre justamente o inverso, com o personagem-título sofrendo preconceito por optar pela prática do balé ao invés do boxe. Ou seja, os dois filmes expõem algumas das principais problemáticas inerentes às questões de gênero, como o preconceito, o sexismo, o machismo, a homofobia, entre outras.

Balé? […] Não para meninos. Meninos jogam futebol, lutam boxe, ou luta livre. Não essa frescura de balé (BILLY ELLIOT, 2000BILLY Elliot. Direção: Stephen Daldry. Universal Studios. Reino Unido. 2000. 1 DVD (111 min.)., 26 min. 43. seg.).

Não me chame de treinador, está perdendo seu tempo, já disse que não treino mulheres. […] Não questione e tentarei me esquecer de que você é uma garota (MENINA DE OURO 2004MENINA de Ouro. Direção: Clint Eastwood. Warner Bros. Pictures. Estados Unidos. 2004. 1 DVD (132 min.)., 11 min. 38 seg.).

Com base em Teixeira e Lopes (2006)TEIXEIRA, Inês Assunção Castro; LOPES, José Sousa Miguel. A diversidade cultural vai ao cinema. Belo Horizonte: Autêntica, 2006., entendemos que os estudantes podem ser problematizados a analisarem esses filmes como textos, pois se configuram como a materialização de um roteiro previamente elaborado, que pode ser adaptado de alguma obra existente ou ser de cunho original.

Por muito tempo, a escola privilegiou o uso da língua escrita, mas a atualidade requer imagens, pois hoje o mundo é da imagem. A invasão da imagem mostra que o estímulo visual se sobrepõe no processo de ensino/aprendizagem, pois a cultura contemporânea é visual. O aluno é estimulado pelas histórias em quadrinhos, videogames, videoclips, telenovelas, cinema, jogos variados, inclusive do computador, todos com apelos às imagens (COELHO; VIANA, 2010, p. 3).

Em relação ao tema transversal educação, destacamos as nossas análises sobre os filmes Coach Carter - Treino para a Vida (2005), A Gangue está em Campo (2006), Um Sonho Possível (2009) e Rainha de Katwe (2016).

O primeiro versa sobre a história de um treinador de basquete escolar que, por meio do seu método de trabalho, conseguiu transformar a realidade dos seus atletas e da comunidade em torno da escola. O segundo, baseado em fatos reais, retrata a iniciativa de um funcionário de um centro de detenção para jovens infratores em recuperá-los através do futebol americano, ensinando-lhes valores imprescindíveis para as suas vidas.

O terceiro e o quarto, também baseados em fatos reais, retratam, respectivamente, a história de uma família que ajuda um jovem negro a tornar-se um astro do futebol americano obtendo boas notas para a faculdade, e a trajetória da jovem ugandense Phiona Mutesi, que teve a sua vida transformada por meio do xadrez e a intervenção de um professor que reconheceu o seu potencial para a prática desse esporte.

Todos esses filmes evidenciam questões sociais como a criminalidade, a prostituição, a pobreza e a evasão escolar em seus roteiros. Além disso, ambos também apresentam o esporte como um meio para educar os jovens e, assim, possibilitar que sejam agentes reconhecedores e transformadores da sua própria realidade.

[...] Vocês jogaram como campeões. Não desistiram nunca. E campeões levantam a cabeça. O que conseguiram vai além de ganhar ou perder, ou do que vai estar escrito na primeira página da seção de esportes amanhã. Vocês conseguiram algo que algumas pessoas levam a vida toda tentando encontrar. O que conseguiram foi aquela vitória inalcançável. E, senhores, eu estou tão orgulhoso de vocês... Eu vim ensinar garotos, e vocês se tornaram homens. E por isso, agradeço a vocês...(COACH CARTER - TREINO PARA A VIDA, 2005COACH Carter - treino para a vida. Direção: Thomas Carter. Estados Unidos. 2005. 1 DVD (136 min.)., 2h. 07 min. 65seg.)

[...] Eles não são tão bons, cara. Nós somos melhores. E isso significa muito mais para nós. Sabia? Quando tudo começou, cara...o treinador disse que seríamos vencedores. Eu não queria me meter nisso. Mas, então...fizemos um time. Mostramos algo às pessoas. Nós mudamos. Não somos mais perdedores. Tudo que temos de fazer é ir lá e mostrar e eles mais uma vez (A GANGUE ESTÁ EM CAMPO, 2006A GANGUE está em campo. Direção: Phil Joanou. Sony Pictures. Estados Unidos. 2006. 1 DVD (120 min.)., 1h. 82min. 83 seg.).

O senhor disse que o seu projeto iria fortalecer o caráter da minha filha. Desde que levou ela para o tal de Sudão, ela se recusa fazer os seus deveres. Eu sou a mãe dela. Ela devia fazer o que eu mando, ela acredita que o seu jogo vai resolver todos os problemas da vida (RAINHA DE KATWE, 2016RAINHA de Katwe. Direção: Mira Nair. Walt Disney Pictures. Estados Unidos. 2016. 1 DVD (124 min.)., 115 min. 30 segs. [...] 116 min. 53 seg.).

[...] Eu olho e vejo branco para todos os lados. Paredes brancas, chãos brancos e muita gente branca. Os professores não sabem que eu não tenho a menor ideia do que eles estão falando. Não quero ouvir ninguém, especialmente, os professores. Eles me dão lição de casa e esperam que eu faça, nunca fiz dever de casa na minha vida (UM SONHO POSSÍVEL, 2009UM SONHO Possível. Direção: John Lee Hancock. Warner Bros. Pictures. Estados Unidos. 2009. 1 DVD (129 min.)., 13 min.55 seg.).

Nas aulas de Educação Física, esses filmes podem ser utilizados em diversas ocasiões, visto que uma das características da utilização dessa estratégia é que, metodologicamente, o conteúdo pode ser refletido pelos professores e também pelos estudantes e, com isso, contribuir para que seja realizado um debate coletivo sobre o tema em questão (CHRISTOFOLETTI, 2009CHRISTOFOLETTI, Rogério. Filmes na sala de aula: recurso didático, abordagem pedagógica ou recreação? Revista Educação, v. 34, n. 3, 2009.; MESSIAS; BEZERRA, 2018MESSIAS, Renata Michele; BEZERRA, Josué Alencar. Cinema e Geografia: o filme como instrumento didático no ensino de Geografia. Revista de Geografia, v. 35, n. 3, 2018.).

Desta maneira, compreendemos que inúmeras reflexões podem surgir no decorrer das aulas, onde o próprio conteúdo pode estar relacionado com a história de vida de cada estudante e, assim, despertar a sensibilidade dos demais e a consciência de si para essas situações. Logo, entende-se que os professores podem através desses filmes trabalhar com:

A realidade vivida pelos alunos, pela família, pelos professores e pela comunidade, resgatando na escola um ensino com a realidade. Instaurando-se, portanto, uma nova dimensão pedagógica, sendo possível através da experiência de vida dos estudantes, introduzi-lo na compreensão do mundo e das coisas feitas pelo homem, educando-os para a responsabilidade social e política (MELO, 2003, p. 28).

Sobre o último tema transversal, a religiosidade, evidenciamos, por meio de filmes como Carruagens de Fogo (1981) e Desafiando Gigantes (2006DESAFIANDO Gigantes. Direção: Alex Kendrick. Sony Pictures. Estados Unidos. 2006. 1 DVD (111 min.).), a possibilidade de abordá-lo nas aulas de Educação Física.

O primeiro filme relata a história verídica dos atletas Eric Liddell e Harold Abrahams durante as Olimpíadas de Paris, em 1924, onde Liddell, um missionário escocês que corre em devoção a Deus, desiste de competir em uma das principais provas do atletismo em razão da sua religiosidade.

Já o segundo filme retrata a história de um treinador de futebol americano que tem a difícil tarefa de treinar um time escolar desmotivado e que no processo buscou, por meio da fé, trazer-lhes a motivação necessária para levá-los à vitória:

Eu acredito que Deus me criou com um objetivo. Ele também me fez veloz. E quando eu corro, eu o sinto satisfeito (CARRUAGENS DE FOGO, 1981CARRUAGENS de Fogo. Direção: Hugh Hudson. 20th Century Fox. Reino Unido. 1981. 1 DVD (123 min.)., 1h. 54 min. 25 seg.).

Eu vim apresentar uma nova filosofia de equipe. Acho que o futebol é apenas uma ferramenta para orarmos a Deus. Ele se importa com o seu coração. Se puder levar sua fé ao campo, então Deus se importará, porque Ele se importará com você. É por isso que estamos aqui. Temos que honrá-lo em nossos relacionamentos, em nosso respeito à autoridade, na sala de aula. Quero que Deus abençoe tanto esta equipe que as pessoas falem sobre Sua obra, mas teremos que fazer o melhor em tudo (DESAFIANDO GIGANTES, 2006DESAFIANDO Gigantes. Direção: Alex Kendrick. Sony Pictures. Estados Unidos. 2006. 1 DVD (111 min.)., 43 min. 49seg.)

Segundo Rigoni e Daolio (2014)RIGONI, Ana Carolina Capellini; DAOLIO, Jocimar. Corpos na escola: reflexões sobre Educação Física e religião. Movimento, v. 20, n. 3, p. 875-894, jul./set. de 2014., a relação entre a religião e alguns conteúdos da Educação Física tem, historicamente, ocasionado conflitos no ambiente escolar. Percebe-se que durante a prática de determinados conhecimentos como a dança, as lutas, a ginástica, entre outros, encontra-se certa resistência de alguns estudantes pelo receio de infringir alguma norma que esteja ligada à sua religiosidade.

A modernidade nas sociedades ocidentais trouxe consigo a valorização e o empoderamento do indivíduo. A religião deixou de ser o componente da origem do poder terreno e, lentamente, cedeu espaço para que o Estado se distanciasse das religiões. Temas como o ensino religioso nas escolas, o crescimento de grupos religiosos minoritários, a laicização e secularização, são exemplos de discussões que vêm permeando o contexto educacional brasileiro, algumas das quais, inclusive, têm se salientado na disciplina Educação Física, como, por exemplo, as relações entre corpo, religião e folclore (SILVA; FIGUEIREDO, 2009SILVA, José Edmilson; FIGUEIREDO, Carlos Alberto. Educação Física, Folclore e Religião: relações e Interferências. Revista de Educação Física UEM, Maringá, v. 20, n. 4, p. 555-567, 2009., p. 9).

Esse embate entre a religião e as práticas corporais ganhou uma força especial no período da Idade Média, quando atividades que envolviam a movimentação corporal, como dançar e exercitar-se, estariam relacionadas ao profano e ao proibido. Atualmente, a resistência a essas práticas torna-se mais evidente entre o público feminino, principalmente, pela utilização de roupas que dificultam uma maior liberdade de movimentos, como saias mais longas (RIGONI; DAOLIO, 2014).

Nesse âmbito, entendemos que apresentar filmes como Carruagens de Fogo (1981) e Desafiando Gigantes (2006DESAFIANDO Gigantes. Direção: Alex Kendrick. Sony Pictures. Estados Unidos. 2006. 1 DVD (111 min.).) nas aulas contribui para a discussão sobre o tema e a superação desses conflitos, uma vez que o professor pode relacionar a realidade apresentada nos longas-metragens com o próprio cotidiano dos estudantes. Salientamos, ainda, que essa aproximação com a realidade do sujeito não deva ser realizada de forma despretensiosa, mas sim que esteja direcionada para a reflexão do tema e sua eventual superação.

Enfim, a análise desses 12 filmes, como estratégias de ensino, além de nos propiciar uma reflexão acerca da abordagem da transversalidade de temas nos conteúdos específicos da Educação Física, aponta a importância dos estudos e experimentações em torno da relação mídia e Educação Física. Inclusive também sendo possível refletirmos sobre o papel da indústria audiovisual para o avanço tecnológico dos filmes e a sua inserção no processo educativo atual.

Em estudo bibliométrico, Cândido et al. (2021)CÂNDIDO, Cássia Marques et al. Educação Física e mídia: estudo bibliométrico na Web of Science de 1945-2019. Movimento, v. 27, p. e27024, abr. 2021. conseguem mapear que “recurso didático” é a segunda maior maneira das mídias serem tangenciadas pela Educação Física, inclusive neste momento de aplicação de medidas de biossegurança relacionadas à covid-19. Supomos até que os filmes podem ter sido uma estratégia de ensino muito utilizada neste momento pandêmico.

As comunicações, as tecnologias e os veículos midiáticos são cada vez mais dominantes e influenciadores das relações sociais na atualidade, tal como expressam as interações interpessoais e até institucionais. Na escola e, portanto, na Educação Física, os estudos midiáticos se tornam cada vez mais importantes.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em relação à prática pedagógica, cabe ao professor empregar, em sua atividade docente, estratégias e recursos que venham a contribuir para a socialização dos conhecimentos inerentes à disciplina.

Dentre essas estratégias, reconhecemos a utilização de filmes, que, debatendo temas transversais articulados a temáticas de conteúdos específicos, surgem como importante forma para estudantes e professores lidarem com questões e assuntos inerentes à sociedade, desde as épocas mais antigas até a atualidade, tais como o racismo, as questões de gênero, a educação e a religiosidade.

Assim, ao assistirmos aos filmes selecionados, percebemos que temas transversais podem ser representativos para os espectadores, seja na condição docente ou discente, seja retratando um acontecimento verídico ou apresentando uma biografia ou, ainda, mostrando-nos histórias fictícias que nos trazem importantes reflexões sobre vários temas presentes no contexto em que vivemos.

Com isso, entendemos que tratar esses temas, a partir da perspectiva dos filmes nas aulas de Educação Física, apresentou-se bastante enriquecedor, visto que tal estratégia pode contribuir, significativamente, para despertar nos estudantes uma reflexão crítica acerca dos problemas sociais que os permeiam.

  • 1
    Além das fitas em formato Video Home System (VHS) e dos discos no formato Digital Video Disk (DVD), atualmente também é possível ter acesso a filmes através da distribuição digital de streaming onde se paga uma taxa monetária e se obtém acesso aos seus conteúdos.
  • 2
    Sindicato responsável por garantir vários direitos à indústria do cinema e seus associados.
  • FINANCIAMENTO
    O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES)

RESPONSABILIDADE EDITORIAL

Alex Branco Fraga *, Elisandro Schultz Wittizorecki *, Mauro Myskiw *, Raquel da Silveira *

* Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Escola de Educação Física, Fisioterapia e Dança, Porto Alegre, RS, Brasil.

REFERÊNCIAS

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  • A GANGUE está em campo. Direção: Phil Joanou. Sony Pictures. Estados Unidos. 2006. 1 DVD (120 min.).
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  • CÂNDIDO, Cássia Marques et al Educação Física e mídia: estudo bibliométrico na Web of Science de 1945-2019. Movimento, v. 27, p. e27024, abr. 2021.
  • CARRUAGENS de Fogo. Direção: Hugh Hudson. 20th Century Fox. Reino Unido. 1981. 1 DVD (123 min.).
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  • CHRISTOFOLETTI, Rogério. Filmes na sala de aula: recurso didático, abordagem pedagógica ou recreação? Revista Educação, v. 34, n. 3, 2009.
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  • DESAFIANDO Gigantes. Direção: Alex Kendrick. Sony Pictures. Estados Unidos. 2006. 1 DVD (111 min.).
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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    11 Nov 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    18 Ago 2021
  • Aceito
    02 Mar 2022
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