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“É TUDO UMA QUESTÃO DE ESTILO”: OS DESAFIOS E AS EXPERIÊNCIAS ESTÉTICAS DOS HOMENS NA GINÁSTICA RÍTMICA

“IT'S ALL ABOUT STYLE”: THE CHALLENGES AND AESTHETIC EXPERIENCES OF MEN IN RHYTHMIC GYMNASTICS

“TODO ES UNA CUESTIÓN DE ESTILO”: LOS DESAFÍOS Y EXPERIENCIAS ESTÉTICAS DE LOS HOMBRES EN LA GIMNASIA RÍTMICA

Resumo

A Ginástica Rítmica (GR) é uma modalidade que foi criada especificamente para mulheres. Desde 2005 percebemos a inserção de homens em competições de GR, principalmente em países europeus. Realizamos esta pesquisa para compreender a relação entre um esporte criado para mulheres, cuja dominância ainda é delas, e a aparição de homens praticantes. Entrevistamos 15 participantes, entre homens e mulheres, envolvidos com a modalidade e procedemos à Análise Temática (AT) para o tratamento e análise dos dados obtidos. Aferimos que os homens têm pouca representatividade na prática mesmo em países que apoiam o esporte, e sua inclusão em competições oficiais, bem como o futuro de atletas que têm potencial para seguir carreira, depende da Federação Internacional de Ginástica. A relação entre a música da série, figurino e estilos de movimentos escolhidos deve superar as ideias de masculinidade e feminilidade e abranger o potencial que cada corpo tem disponível para a prática da GR.

Palavras-chave:
Ginástica Rítmica; Gênero; Esportes.

Abstract

Rhythmic Gymnastics (RG) is a sport created specifically for women. Since 2005 we have noticed the insertion of men in RG competitions, mainly in European countries. We carried out this research to understand this relationship between a sport created for women, whose dominance is still theirs, and the appearance of men who practice GR. We interviewed 15 participants among men and women involved with the sport and proceeded to the Thematic Analysis (TA) for the treatment and analysis of the data obtained. We found that men have little representation in practice even in countries that support the sport and their inclusion in official competitions, as well as the future of athletes who have the potential to pursue a career, depends on the FIG. The relationship between the series’ music, costumes and chosen movement styles must overcome the ideas of masculinity and femininity and encompass the potential that each body has available for the practice of RG.

Keywords:
Rhythmic Gymnastics; Gender; Sports.

Resumen

La Gimnasia Rítmica (GR) es una modalidad deportiva que fue creada específicamente para mujeres. Desde 2005, notamos la inserción de hombres en competiciones de GR, principalmente en países europeos. Realizamos esta investigación para comprender esta relación entre un deporte creado para mujeres, cuyo dominio sigue siendo suyo, y la aparición de hombres practicantes. Entrevistamos a 15 participantes entre hombres y mujeres involucrados en este deporte y se procedió al Análisis Temático (AT) para el tratamiento y análisis de los datos obtenidos. Encontramos que los hombres tienen poca representación en esta modalidad, incluso en países que apoyan el deporte y su inclusión en competiciones oficiales, y también que el futuro de deportistas que tienen potencial para seguir una carrera depende de la FIG. La relación entre la música, el vestuario y los estilos de movimiento elegidos para la serie debe superar las ideas de masculinidad y feminidad y abarcar el potencial que cada cuerpo tiene disponible para la práctica de la GR.

Palabras clave:
Gimnasia Rítmica; Género; Deportes.

1 INTRODUÇÃO1 1 O artigo é parte de uma futura tese, que ainda deverá ser defendida e publicada no Repositório da Universidade Estadual de Campinas, em 2022.

A Ginástica Rítmica (GR) é uma modalidade que foi criada especificamente para mulheres e apresenta características que são muito valorizadas como femininas (BOAVENTURA, VAZ, 2020BOAVENTURA, Patrícia Luiza Bremer; VAZ, Alexandre Fernandes. Corpos femininos em debate: ser Mulher na ginástica rítmica. Movimento, v. 26, p. e26005, 2020.). Essas características foram reconhecidas, por muitos anos, como formas de ressaltar o que se consideraria feminino nessa modalidade. Para quebrar esse paradigma, o início do século XXI marca a efetiva popularização de homens nesse esporte de nicho específico, regulado e regulamentado pela Federação Internacional de Ginástica (FIG).

Desde 2005 observamos a movimentação a favor da inserção de homens no contexto competitivo da GR, principalmente na Espanha, onde a competição de homens nesse esporte se consolidou primeiro (VAZQUÉZ PARDAL, 2014VÁZQUEZ PARDAL, Rodrigo. Participación masculina en deportes tradicionais femininos: o caso da ximnasia rítmica. Un home nun deporte feminino: experiencia persoal. In: CICLO DE CONFERENCIAS XÉNERO, ACTIVIDADE FÍSICA E DEPORTE (2013-2014), 4, Coruña, 2014. Coruña: Universidade da Coruña, 2014. p. 29-36.). Temos conhecimento da GR praticada por homens no Japão inicialmente, mas também na Rússia e Canadá, com um estilo mais acrobático, cuja discussão não será objeto deste artigo (KAMBERIDOU et al., 2009KAMBERIDOU, Irene; TSOPANI, Despina; DALLAS, George; PATSANTARAS, Nikolaos. A Question of Identity and Equality in Sports: Men's Participation in Men's Rhythmic Gymnastics. Nebula, v. 6, n. 4, 2009.).

Inicialmente, os atletas homens participavam das competições tendo as mulheres como adversárias, e subiam juntos no pódio, o que causou grande dificuldade de aceitação (VAZQUÉZ PARDAL, 2014VÁZQUEZ PARDAL, Rodrigo. Participación masculina en deportes tradicionais femininos: o caso da ximnasia rítmica. Un home nun deporte feminino: experiencia persoal. In: CICLO DE CONFERENCIAS XÉNERO, ACTIVIDADE FÍSICA E DEPORTE (2013-2014), 4, Coruña, 2014. Coruña: Universidade da Coruña, 2014. p. 29-36.). Segundo o autor, em meados de 2009, a FIG negou apoio à prática do esporte por homens, o que levou a Real Federação Espanhola de Ginastica (RFEG) a retirar, também, o apoio dessa prática.

Por meio de diversas manifestações de atletas, treinadores, árbitros e familiares envolvidos com a luta dos atletas por esse espaço, a RFEG voltou atrás e permitiu a participação de homens em uma categoria própria. A competição principal ocorre paralelamente às competições oficiais da FIG no país. Em 2009, contavam com pelo menos seis atletas homens e, atualmente, somam mais de 70 (RFEG, 2021).

Com a popularização em crescimento e a aparição de dezenas de ginastas homens ao redor do mundo, estudos acadêmicos trouxeram à tona alguns desafios para que os homens não só escolhessem a GR como prática, mas também pudessem permanecer nela, além de abordar a importância das relações interpessoais dos atletas dentro e fora de seu círculo familiar. Assim, iniciamos esta pesquisa, para compreender em campo essa relação entre um esporte criado para mulheres e cuja dominância ainda é delas (atletas, treinadoras, árbitras e gestoras) e a aparição de homens praticantes.

2 CAMINHOS METODOLÓGICOS

Como ponto de partida, realizamos uma revisão bibliográfica sistemática (SAMPAIO; MANCINI, 2007SAMPAIO, Rosana Ferreira; MANCINI, Marisa Cotta. Estudos de revisão sistemática: um guia para síntese criteriosa da evidência científica. Revista Brasileira de Fisioterapia, v. 11, n. 1, p. 83-39, 2007.) que abrangeu fontes de produções acadêmicas relacionadas à GR para homens. A seleção dos trabalhos acadêmicos pautou-se na pertinência do conteúdo, principalmente, visando à visualização e compreensão das questões ora estudadas.

Para proceder à análise mais aprofundada da GR para homens em seus diferentes locais e culturas de prática, optamos pela entrevista semiestruturada (TRIVIÑOS, NETO, 2010TRIVIÑOS, Augusto N. S.; MOLINA NETO, Vicente (org.) A pesquisa qualitativa na Educação Física: alternativas metodológicas. 3. ed. Porto Alegre: Sulina, 2010.). Segundo os autores, o recurso permite criar um vínculo diferenciado entre o entrevistado e o entrevistador, para que haja maior profundidade nas perguntas e respostas, seguindo-se um roteiro norteador previamente elaborado para cada participante.

Assim, entrevistamos atletas, ex-atletas, acadêmicos, árbitros, gestores e treinadores envolvidos com a modalidade em diversos países (Brasil, Espanha, França, Canadá, Itália e Japão) e que totalizaram 15 participantes, entre homens e mulheres. Acreditamos que esses personagens têm uma perspectiva distinta destas manifestações gímnicas, pois acompanham a GR para homens em gerações diferentes, bem como apresentariam olhares únicos sobre a prática. A escolha dos países pautou-se na abertura já existente para essas discussões (a partir de autores e respectivos países de suas pesquisas, bem como países conhecidos por fomentarem a prática de GR para homens) e disponibilidade dos participantes a partir de contato prévio via e-mail, Facebook e Instagram.

Por se tratar de uma pesquisa que ultrapassa as fronteiras nacionais e atinge outros continentes, optamos pela utilização de plataformas online para proceder às entrevistas (Zoom, Google Meet e Skype). Para Janghorban et al. (2014JANGHORBAN, Roksana; ROUDSARI, Robab Latifnejad; TAGHIPOUR, Ali. Skype interviewing: the new generation of online synchronous interview in qualitative research. International Journal of Qualitative Studies on Health and Well-Being, v. 9, n. 1, p. 24152, 2014., p.1) “a entrevista on-line superou as restrições financeiras e de tempo, dispersão geográfica e limites de mobilidade física, que afetaram negativamente as entrevistas no local”.

Os roteiros utilizados durante as entrevistas contêm questões divididas em primeira parte sobre informações pessoais do participante e sua relação com a GR para homens, de forma a situá-lo dentro da pesquisa. A segunda parte contém informação sobre o conhecimento do participante sobre a modalidade, bem como a situação atual desta no país (competições, regras específicas), perspectivas de crescimento, dificuldades e desafios.

De forma a organizar, classificar e apresentar temas relacionados aos dados coletados, procedemos à Análise Temática (AT), que tem a vantagem de ser mais flexível e ser usada em diferentes contextos de pesquisa (BRAUN, CLARKE, 2006BRAUN, Virginia; CLARKE, Victoria. Using thematic analysis in psychology. Qualitative Research in Psychology, v. 3, n. 2, p. 77-101, 2006.). A AT apresenta diversas opções para a interpretação dos dados e, para esta pesquisa, utilizaremos a AT como uma abordagem “construcionista, que examina as maneiras pelas quais eventos, realidades, significados e experiências e, assim por diante, são os efeitos de uma gama de discursos que operam na sociedade” (BRAUN, CLARKE, 2006BRAUN, Virginia; CLARKE, Victoria. Using thematic analysis in psychology. Qualitative Research in Psychology, v. 3, n. 2, p. 77-101, 2006., p.9). Para o diálogo dos dados utilizamos referenciais teóricos que pudessem tratar de aspectos culturais, históricos e sociais, dando valor a cada manifestação, na escrita dos resultados.

3 RESULTADOS E DISCUSSÕES

Dentre os temas escolhidos a partir da AT, neste momento enfatizamos: (1) o código de pontuação da modalidade e as categorias diferenciadas para homens e mulheres, (2) as vestimentas e os aparelhos de GR e as formas de estilo dentro da prática.

3.1 “TALVEZ O MAIOR PRECONCEITO SEJA JUSTAMENTE DE QUEM TRABALHA COM ISSO”: UM OLHAR DE DENTRO DO ESPORTE

A GR torna-se um esporte estigmatizado, principalmente, pelo fato de ter surgido e se estabelecido a partir da diferenciação entre o que é ser masculino e o que é ser feminino. A procura pela expressão de movimentos classificados como femininos prevalece mesmo com as alterações da modalidade, a qual se tornou extremamente técnica, com movimentos de flexibilidade mesclados com movimentos pré-acrobáticos e de força, que transformou aquela ginástica frágil em uma ginástica mais viril em sua execução. Com isso, a identidade do próprio esporte se transforma com o tempo.

[...] na verdade, assim, a GR ela tem várias características que vão mudando ao longo do tempo, né... Ela começou sendo essencialmente feminina, frágil, delicada... Hoje ela não é mais nada disso... Hoje ela tem elementos de acrobacia, tem elementos de risco, a Rússia já usou música sadomasoquista para fazer conjunto, entende? Então a GR ela não é mais esse feminino hegemônico que era antes... as mulheres não são mais o feminino hegemônico que eram antes, os homens não são mais o masculino hegemônico (Ana, Brasil, p.4).

Mas, apesar de grandes mudanças dentro do esporte, o Código de Pontuação (CoP) segue sendo um ponto de grande questionamento. No futebol, por exemplo, encontramos regras de jogo idênticas para homens e mulheres, ao contrário do vôlei, que não só altera a altura da rede, mas também diferencia vestimentas dos atletas homens e mulheres (MILDEMBERG, 2018MILDEMBERG, Thiago José Fantin. Voleibol de praia: a objetificação da mulher pela televisão. 2018. 88 f. Trabalho de Conclusão de Curso (Bacharelado em Educação Física) - Universidade Tecnológica Federal do Paraná, Curitiba, 2018).

Nos esportes gímnicos, no geral, há grande diferenciação de provas para homens e mulheres, como na Ginástica Artística (GA), em que os homens competem em seis aparelhos, enquanto as mulheres competem em somente quatro, apresentando as provas de solo e salto sobre a mesa como semelhantes. Apesar de as regras gerais serem muito próximas em ambas as categorias, o CoP não permite que homens utilizem música na prova de solo, ao contrário das mulheres, que devem executar a prova ao som de uma música.

Na GR há uma luta para que o mesmo CoP seja utilizado para homens e para mulheres, pois a cultura ginástica perpetua a binaridade entre o que é ser um ginasta homem e uma ginasta mulher dentro do esporte (gestos, movimentos, aparelhos e vestimentas).

[...] não devemos criar CoPs diferentes para homens e mulheres, mas todos devem ser capazes de encontrar o seu melhor interesse naquele CoP. Quero dizer que o que temos agora é muito interessante para os homens na Espanha, por exemplo, porque temos mais dificuldade com o aparelho, e menos dificuldades corporais, porque mais homens não têm o físico perfeito para GR, então é mais fácil para eles ganharem pontos com isso. Na minha opinião seria ótimo ter um CoP universal que desse a oportunidade para pessoas que são mais ahn... que trabalham melhor com aparelhos que ainda têm pontos, e também para pessoas que têm mais dificuldades corporais terem mais pontos, para que cada um tenha seu estilo e encontre uma forma de somar pontos e ganhar (Jean, França, p.09).

Apesar de lutarem pelo mesmo CoP, os próprios ginastas se enxergam aquém das ginastas mulheres, pois descobriram a prática mais tarde. Os ginastas espanhóis entrevistados, bem como o ginasta francês, iniciaram a GR mais tarde do que comumente uma ginasta iniciaria, isto é, antes dos dez anos de idade. Com isso, os ginastas homens acreditam que o seu potencial de flexibilidade deixa a desejar se comparado às meninas que treinam no mesmo espaço que eles.

[...] o código que temos com as meninas é o que eu gosto: fazer o que elas fazem e não mudar, porque gosto do que elas fazem, não quero mais acrobacias nem nada. Talvez pudesse ser melhorado, porque acho que não somos tão flexíveis como elas, mas talvez tentar avaliar, por exemplo, o artístico e os riscos e as dificuldades do plano com o aparelho ou mais a base da flexibilidade, mas acho que não, eu gostaria e acho que muita gente quer o mesmo código das meninas, o código FIG (Ivan, Espanha, p.4).

Eu acho que eles deveriam competir mantendo as mesmas regras em grande medida, porém considero que existem alguns aspectos que poderiam ser modificados para criar uma modalidade que realce as qualidades físicas naturais do homem (Sérgio, Espanha, p.1).

Gosto porque, por exemplo: futebol, tanto menina quanto menino, iguais. Pode ser que os meninos corram mais, as meninas menos, mas eles têm a mesma condição. Acho que um código, para meninas e para meninos. Aí os meninos podem potencializar saltos, giros, mais riscos, mas penso o mesmo [CoP] que uma menina. Acho que fazer um código para meninos é errado. Porque já estamos nos diferenciando, quando no basquete, no futebol, no tênis, no nado sincronizado, tudo é igual (Carlos, Espanha, p.3).

Com essa diferenciação, os próprios praticantes mantêm a visão da divisão categórica do esporte “para homens” e “para mulheres”, mas que se confundem com gênero (masculino e feminino) e com orientação sexual. A relação criada ao longo do tempo entre sexo biológico, gênero e orientação sexual permeia o esporte, e gera situações de marginalidade para homens e mulheres na prática de modalidades que foram, por muito tempo, restritas a um único sexo biológico (COELHO, 2016COELHO, Johanna. Inserção dos meninos no universo cultural da ginástica rítmica: pesquisa-ação na Federação Riograndense de Ginástica. 2016. 111 p. Tese (Doutorado em Ciência do Movimento Humano) - Escola de Educação Física, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2016.). Todo esse preconceito relativo às possíveis diferenças de capacidade física entre homens e mulheres, bem como a dificuldade em visualizar homens que executam os mesmos movimentos que as mulheres na GR, acaba por gerar uma ideia de se diferenciar os CoP.

[...] GR Masculina será o mesmo esporte que GR feminina, mas para homens, ou será uma nova evolução do esporte para homens que é mais apropriado para o corpo masculino e físico, a estrutura dos quadris e as diferenças fisiológicas entre mulheres e homens? [...]. Acho que os homens têm uma desvantagem no esporte da GR tradicional. [...] acho que os homens são normalmente menos flexíveis. Eu ouvi uma teoria de que a estrutura do quadril das mulheres é diferente e tem algumas implicações para a flexibilidade. Não tenho certeza se é totalmente verdade porque não estudei ciência do esporte, mas foi o que ouvi, você sabe, as mulheres tendem a ter uma abertura melhor porque têm quadris mais largos, eu não sei (Vincent, USA, p. 6).

[...] não devemos criar um código de pontuação diferente para homens e mulheres, porque em outros esportes, como o futebol, homens e mulheres seguem as mesmas regras. Mas eles têm categorias diferentes, e essa seria a melhor coisa a fazer, é criar uma categoria masculina, uma categoria feminina e uma categoria mista, para que todos tenham a opção de fazer o que quiserem (Jean, France, p.8).

A busca por uma categoria competitiva que seja diferente para homens e para mulheres é uma forma de se evitar problemas e questionamentos dentro do esporte, e que possam problematizar a continuação da participação de homens. Ainda assim, classificar as categorias como masculinas ou femininas é um erro que permanece. Algumas línguas traduzem, inclusive, as categorias para masculino e feminino quando na verdade falam de categorias para homens e mulheres. Um bom exemplo disso é a própria expressão “Men’s Rhythmic Gymnastics” que, em diversas línguas é traduzida para Ginástica Rítmica Masculina, e não “de homens”.

[…] quando a gente usa o termo feminino, a gente está separando por gênero, que é uma distinção sociocultural... e na verdade essa separação ela é de sexo... é a categoria que separa...né? São corpos biológicos, uma modalidade é para homens e outra é pra mulheres (Ana, Brasil, p.3).

Outro aspecto relevante é a inexistência de uma referência aos homens dentro do CoP. De acordo com o CoP e regulamentos oficiais, não há nada que impeça a participação de homens nas competições de GR. Porém, em alguns idiomas, como português e francês, o código é todo traduzido fazendo referência às ginastas mulheres, e utilizam o artigo feminino antes das palavras atletas ou ginastas. Falta representatividade no código oficial da FIG, nos códigos adaptados de competições não oficiais e nos regulamentos. Em todo o regulamento francês há somente uma pequena frase que indica “homens podem competir” (Figura 1), e o restante do código se utiliza do artigo feminino para falar das ginastas mulheres.

Figura 1
Referência à participação de homens no CoP francês.

Recentemente, ao definirem o CoP do novo ciclo referente aos anos de 2022-2024, a FIG adicionou no início das sessões de generalidades, no individual e no conjunto, a seguinte nota: “Neste documento, o gênero utilizado em relação a qualquer pessoa física deve, salvo disposição específica em contrário, ser entendido como incluindo todos os gêneros” (FIG, 2021, p. 7). De forma prática, podemos considerar essa como a primeira manifestação da FIG em direção à participação dos homens na GR.

Um dos participantes da pesquisa escreveu diversas vezes para a FIG e questionou a sua hesitação em tomar uma decisão conclusiva sobre a participação de homens nos campeonatos oficiais. Segundo a carta disponibilizada como documento enviada pelo participante, a FIG diz ter realizado uma pesquisa entre as federações filiadas, a fim de saber quais teriam interesse em permitir homens em suas competições. De acordo com a FIG, a maioria das federações nacionais não apresentou interesse. O participante escreveu novamente e pediu para que os dados da pesquisa fossem publicados de forma oficial, mas a FIG nunca respondeu.

Na minha opinião, é um problema social no sentido de que a FIG é controlada principalmente pelo povo russo. Pessoas russas que têm opiniões fortes sobre como os homens e as mulheres devem agir e o problema que temos é que GR foi criada para refletir um lado muito feminino das mulheres, e agora que os homens estão tentando fazer isso como esporte ... ahn ... as pessoas pensam que os homens que estão fazendo GR querem se tornar mulheres, o que não é o caso. [...] Na Rússia, eles tentaram desenvolver essa ginástica [linha japonesa] e como você sabe, as próximas Olimpíadas são agora no Japão e a maioria dos patrocinadores da FIG são russos ou japoneses. Então, esses dois países têm muito poder sobre a Federação Internacional então ... a FIG não pode escolher uma ... está na posição que você tem duas ginásticas diferentes e nenhuma é um reflexo do lado da masculinidade que eles querem (Jean, França, p. 6).

Os países orientais trabalham há muitos anos a GRM e não existiam outros países trabalhando a mesma coisa. [...] E agora a FIG se deparou com uma aceitação meio conflituosa porque eles são... ah eu vou falar uma palavra é... É, eu acho que eles são preconceituosos. É, isso que eu acho. Porque a linha europeia expandiu. Entendeu? Então, eles não aceitaram por causa disso, porque a linha, é, asiática, ela é mais explosiva, ela é mais militar, ela é muito quadradinha, e a outra não, a outra é expressiva. E as pessoas que estão comandando a FIG hoje, nenhuma delas têm menos de 70 anos [risos]. Entendeu? Então por isso que eu acho que ela ainda é muito preconceituosa (Marta, Brasil, p. 3).

Recentemente, uma polêmica instaurada no mundo da GR faz referência à possibilidade de homens praticarem GR dentro dos Jogos Olímpicos (JO) no futuro ou de a modalidade ser retirada do cronograma dos Jogos. Segundo o Boletim Informativo n°250 da FIG, referente ao mês de setembro de 2020, a FIG recebeu uma carta do Comitê Olímpico Internacional (COI) que tratava de igualdade entre os gêneros dentro das competições dos JO. Com isso, toda essa movimentação justificou a necessidade da FIG colocar aquela nota no atual CoP sobre a igualdade de gênero citada anteriormente. Segue o item 10 da página 38 do Boletim n°250 de setembro de 2020 da FIG, mostrado na imagem anterior, traduzido para o português.

10. 2024 JOGOS OLÍMPICOS - Carta do COI

O COI informou em uma carta relativa ao JO 2024 / Paris que a igualdade de gênero estará em todas as disciplinas entre os participantes.

Surge a questão de como a igualdade de gênero é calculada dentro das disciplinas da FIG.

Cada disciplina sozinha ou em conjunto. (GAM / GAF; GR; TRA)

GAF não quer reduzir seus lugares de cota.

GAF deseja ter a mesma cota que GAM (FIG, 2020, p. 38).

Segundo o Boletim, não fica claro o que o COI quis dizer ao afirmar a igualdade de gênero, isto é, se o número de representantes homens e mulheres se aplica à soma de todas as modalidades da FIG que participam dos JO, ou ao número individual de homens e mulheres em cada uma delas. O fato de a FIG ter decidido que a Ginástica Artística não diminuirá o número de competidoras mulheres deixou claro que algo deverá acontecer com a GR no decorrer dos próximos quatro anos.

A discussão sobre o Boletim permeou diversos websites e mídias sociais que tratam da GR durante o mês de outubro de 2020, trazendo alívio para alguns e temor para outros. O alívio veio do fato de que talvez a FIG tenha que abrir as competições para homens, para que os números sejam mais próximos ao que o COI deseja nos JO. O temor veio do fato de que em outras modalidades como a Ginástica Acrobática e a Ginástica Aeróbica, há homens competindo, e trocar uma modalidade pela outra seria uma solução para o problema. As modalidades supracitadas não estão no programa dos JO e a retirada da GR seria uma chance de ascensão para esta competição. Ainda não há previsão da inclusão dos homens de forma oficial, mas são pequenos movimentos que criam esperança para atletas que gostariam de se profissionalizar na GR no futuro e participar de competições maiores.

3.2 “É TUDO UMA QUESTÃO DE ESTILO”: APRECIAÇÃO ESTÉTICA NA GR

A arte tem relação direta com criatividade espontânea e livre ao mesmo tempo em que pode ser centrada em um ideal de beleza e harmonia advindo do caráter estético da criação. Na GR, a estética da criatividade permeia a construção das séries na escolha da música, das vestimentas, dos gestos e do aparelho a ser utilizado, de forma a prevalecer a harmonia e a beleza entre os movimentos e a música. Porém, afirmar que uma série de GR pode ser comparada a uma obra de arte poderia ser exagero (GUMBRECHT, 2007GUMBRECHT, Hans Ulrich. Elogio da beleza atlética. Trad. Fernanda Ravagnani. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.), pois seria impossível tornar os movimentos, a série ou a própria ginasta em algo fixo a ser colocado em um museu como objetos duradouros. Da mesma forma como a música pode ser materializada através do som, a GR se materializa por meio desse conjunto harmônico movimento-música-aparelho. Ainda assim, apesar de não ser considerada uma obra de arte, pode ser uma fonte de apreciação estética, como os esportes no geral (GUMBRECHT, 2007GUMBRECHT, Hans Ulrich. Elogio da beleza atlética. Trad. Fernanda Ravagnani. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.).

Na GR, vemos o belo vinculado à execução e à composição de uma série. Sua estética está conectada fortemente à sua apresentação ao público. Para além da execução técnica, observa-se a conformidade das vestimentas e dos aparelhos com o CoP e regulamento da competição, se, na parte artística da avaliação da arbitragem, a música, os movimentos e passos de dança e os estilos estão em combinação ou em dissonância. Apesar de a composição total da série ser o foco de avaliação, observamos o esforço para se criar collants cada vez mais brilhantes, recortados, pintados à mão, com cristais verdadeiros, de valores altíssimos.

Nos recentes Jogos Olímpicos de Tóquio 2020 pudemos observar duas equipes que causaram diferentes repercussões com a escolha dos collants: o grupo que executou a série de cinco bolas da Rússia (ROC) e do Azerbaijão. As russas escolheram uma música que mudava drasticamente de ritmo no percurso da série e, junto com a mudança de ritmo, ocorria também a mudança do collant para outra cor. Ainda de forma exuberante, as ginastas do Azerbaijão optaram por um collant de mangas compridas, com gola alta e completamente preto, em protestos às guerras e violência que estão ocorrendo na sua região.

A ideia guia, em ambas as coreografias, estava presente, e proporcionou um sentido à utilização, tanto do collant que mudava ao longo da coreografia, quanto do collant básico. A parte artística de uma composição, arbitrada pela banca composta por dois árbitros de execução artística (EA) (FIG, 2017), é observada na ideia guia da coreografia que está elencada com o uso do aparelho, figurino e música. Com relação à expressão corporal, segundo o CoP, é esperado que haja movimentos com amplitude, que usem o corpo todo, de forma não segmentária, movimentos ondulantes e elegantes. De acordo com a música, os tipos de movimento, bem como a forma de interpretá-los, devem ser alterados. O ponto principal da caracterização da ideia guia na série é que, ao executar a coreografia, possamos perceber os movimentos que indiquem o tema, não somente nos passos de dança. O tema principal deve permear toda a composição, apresentar ecos da caracterização principal que aparece, particularmente, nos passos de dança.

Apesar de haver uma banca direcionada ao componente artístico da série, a avaliação do passo de dança em si (sua existência ou não, tempo de duração etc.) é realizada pela banca de Dificuldade Corporal (DC), composta por dois árbitros. O passo de dança deve conter: mínimo de oito segundos de duração; execução de algum elemento fundamental do aparelho utilizado pela ou pelas ginastas; estar no ritmo da música; apresentar pelo menos duas mudanças de direção, nível, ritmo, estilo etc.; execução de no máximo uma AD (dificuldade de aparelho) durante o passo; elementos que não sejam pré-acrobaticos ou o Ilusion (FIG, 2017).

O CoP que será válido a partir de 2022 apresenta a obrigatoriedade de dois passos de dança, tanto no individual quanto nas séries de conjunto, ao contrário do atual, que exige no mínimo um. Também há alteração no peso e na quantidade de árbitros que avaliarão a parte artística da composição.

3.5. Funções dos juízes do Painel Artístico

3.5.1. 4 juízes (A1, A2, A3, A4) avaliam as faltas artísticas por dedução, determinando a dedução total de forma independente e sem consultar os demais juízes; a pontuação mais alta e a mais baixa são eliminadas, e as 2 pontuações restantes são calculadas em média para dar a pontuação final. (FIG, 2021, p. 8).

O CoP afirma que haverá agora quatro árbitros para julgar o painel artístico das composições individuais, o que mostra o surgimento de uma banca específica para o componente artístico, que não havia anteriormente, sendo essa nota não mais diluída com a nota de execução. Também nos chama atenção o item disposto a seguir que trata sobre a necessidade de compreender o cenário mundial atual para arbitrar artisticamente de forma justa:

1.3. Os árbitros do painel artístico devem se manter atualizados com a ginástica rítmica contemporânea, devem saber quais devem ser as expectativas de desempenho mais atuais para uma composição e devem saber como os padrões estão mudando conforme o esporte evolui. Nesse contexto, eles também devem saber o que é possível, o que é razoável esperar, o que é uma exceção e o que é especial. (FIG, p. 103, 2021, grifo das autoras).

Sabendo que avaliação artística da série e sua composição serão mais importantes que no ciclo passado (2017-2021) e da necessidade de um olhar atualizado da arbitragem aos contornos da GR, voltamos a analisar os depoimentos do participante que já se sente deslocado por ser avaliado de forma diferenciada, isto é, sente-se na obrigatoriedade de mudar seu estilo, sua parte artística de forma a agradar aos árbitros e público. Com isso, a avaliação artística não deveria ter relação com ser homem ou ser mulher na GR. Apesar disso, um homem que executa uma série com fita, por exemplo, pode ser considerado desarmônico dentro desta prática, como se estivesse tentando “imitar” as ginastas:

[...] na ginástica rítmica há muitos meninos que não são gays. As pessoas veem: ‘dança’ e associam com isso, mas não é assim (Igor, Espanha, p. 3, grifo das autoras).

[...] Eu via e falava assim ‘nossa...’ Aí depois chamava o técnico do lado e falava assim ‘Ó, a série tá ótima, está maravilhosa, amei a sua série, mas tenha cuidado com esses movimentos...’ Está me entendendo agora? Dele fazer uns movimentos que se ele colocasse um coque, você ia falar assim: é menina! [...] não é preconceito da minha parte, imagine, mas a questão, é porque, é defender o esporte, sabe, se você quer defender o esporte você tem que defender o esporte assim, falar assim, mostrar que há uma diferença entre menino e menina, se não vai falar assim: ‘Aah é um viadinho’... eu já ouvi isso, tá? [...] ‘Ah, é um viadinho de collant, fazendo fitinha...’ (Pedro, Brasil, p.17, grifo das autoras).

[…] disseram-nos que tiraram a bola de um campeonato e trocaram por outro porque disseram que viam como mais feminino ou algo assim e digo que não é que seja feminino, é como você adapta sua montagem (Igor, Espanha, p. 4, grifo das autoras).

É possível também perceber a relação do figurino, da música e do tema da série e de como os homens encontram-se de forma mais limitada na hora de relacionar os três pontos numa composição coreográfica:

[…] os figurinos para as competições são diferentes. Embora as mulheres ainda possam usar macacão, a maioria das mulheres na França não usa macacão, então geralmente sou o único que usa (Jean, França, p. 4, grifo das autoras).

Nossa malha é diferente, mas assim como as meninas, elas também podem usar macacões. (Igor, Espanha, p. 4).

Ao questionar os entrevistados sobre o uso do macacão por homens, obtivemos duas respostas diferentes. Em países mais consolidados, como Brasil e Espanha, a forma como se vestir aparece nos regulamentos. Na França, apesar de permitir há muitos anos que os homens pratiquem GR em competições não oficiais, não apresenta regras específicas para eles:

Esta é uma convenção, na minha opinião. Porque não está escrito em lugar nenhum que você tem que usar calça, mas sempre, ahn... é sempre sobre como você é percebido pelo público e pelos árbitros [...] eles não estão acostumados a ver homem de saia [...] Como as pessoas não estão acostumadas a ver homens vestindo saias e collants, no dia a dia as pessoas esperam o mesmo nos esportes de competição, em áreas onde as pessoas têm que seguir regras. Se espera que os homens usem calças e, as mulheres, tudo menos calças. Então, essa é na minha opinião a razão pela qual os homens só usam calças, mas não está escrito em lugar nenhum! É apenas sobre como você é percebido pelos outros (Jean, França, p. 5, grifo das autoras).

Ainda relacionado aos fatores de composição de uma série, também foram questionados com relação aos biótipos na GR. Apesar de ser possível identificar composições corporais diferentes entre os competidores homens, o que não é comum entre as competidoras mulheres no alto rendimento, é possível perceber uma estereotipação também entre os homens.

Todo mundo tem coisas diferentes a oferecer e você deve estar sempre aberto para ver o que eles estão fazendo. Mas agora os árbitros esperam que os homens sejam masculinos e as mulheres extremamente femininas, o que, na minha opinião, não é possível, pois sempre haverá alguém que não se encaixa no estereótipo de masculinidade e feminilidade. (Jean, França, p.6).

Com o aumento do número de ginastas homens no universo da GR, é possível observar os diversos estilos, mais ou menos “femininos” e “masculinos”, que apresentam sua própria interpretação da música de sua série, por meio de movimentos que liguem sua vestimenta, a música e a ideia guia, de forma livre e despreocupada com as consequências retratadas anteriormente.

Ginástica é arte, na minha opinião, e todo mundo tem uma perspectiva diferente sobre a arte e você não deve criar regras com essa perspectiva, pois é muito subjetiva […]. Não se trata mais do seu corpo e dos seus aspectos biológicos, é um estilo de coreografia, que é tudo sobre emoções e arte, que é diferente para cada pessoa (Jean, França, p. 6, grifo das autoras).

A maneira como o atleta se veste e se movimenta em determinadas músicas pode causar uma forma específica de efeito estético em quem arbitra e na audiência (GUMBRECHT, 2007GUMBRECHT, Hans Ulrich. Elogio da beleza atlética. Trad. Fernanda Ravagnani. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.). Esse efeito pode ou não ter resultados negativos, pois para além de observar se as ideias se conectam numa coreografia, a avaliação artística é extremamente subjetiva. Para Gumbrecht (2007GUMBRECHT, Hans Ulrich. Elogio da beleza atlética. Trad. Fernanda Ravagnani. São Paulo: Companhia das Letras, 2007., p.60), “as regras dos diferentes esportes determinam, explícita e implicitamente, a maneira como um atleta deverá competir e se superar, e por extensão quais são os movimentos que o espectador considerará bonitos”.

Durante mais de um século a GR nos ensinou a apreciação de mulheres com gestos extremamente femininos, com corpos magros, adornados e brilhantes, movimentos leves e flexíveis, equilibrados. Esses são os padrões a que somos ensinados a apreciar. Para a inclusão de homens nesse espaço é necessário que haja a quebra dessa tradição de corpo feminino e a naturalização de homens executando movimentos considerados femininos, fora do padrão da masculinidade das outras modalidades gímnicas.

4 CONCLUSÃO

Apesar de surgir com objetivos predominantemente formativos, de educação do corpo com foco na graça, sensibilidade, delicadeza e harmonia das formas corporais (PORPINO, 2004PORPINO, Karenine de Oliveira. "Treinamento da ginástica rítmica: reflexões estéticas." Revista Brasileira de Ciências do Esporte, v. 26, n. 1, p. 121 - 133, 2004.), a GR passa por diversas transformações durante o século XX até a culminância no esporte que hoje conhecemos e sistematizado pela FIG. Mas vemos no século XXI que a possibilidade da inclusão de homens no universo dessa prática tem trazido à tona diversas discussões, desde os referenciais de masculinidade e feminilidade encontrados nos gestos esportivos até o olhar dos árbitros, que deveria ser imparcial e observar o desempenho dos atletas.

A apreciação estética da GR deve acontecer sem a dispersão das ideias de que o homem não tem um lugar na prática. De forma persistente, meninos e homens ao redor do planeta têm lutado e investido em um esporte que, vagarosamente, apresenta os frutos desse árduo trabalho iniciado décadas atrás. Apesar do avanço, a dominação de países como Rússia e Japão também em outras modalidades gímnicas mostra um conflito político que, ao envolver a FIG, faz com que as consequências determinem o futuro das práticas, por exemplo, se farão parte ou não dos JO.

Enquanto a FIG, que tem o controle das competições oficiais, não reconhecer a participação de homens em competições oficiais, as federações nacionais continuarão com esforços individuais para apoiar seus atletas. Na Espanha, apesar da consolidação, a competição para homens e os campeões de cada categoria não têm a oportunidade de participar das etapas da Copa do Mundo de GR, tampouco dos Campeonatos Mundiais. Assim, não há possibilidade de conseguirem apoio e seguirem a carreira dentro do esporte.

A relação entre a música da série, a vestimenta e os estilos de movimentos escolhidos deve superar as ideias de masculinidade e feminilidade e abranger o potencial que cada corpo tem disponível para a prática da GR. Com isso, incluímos também as mulheres, que ainda sofrem com a estereotipação sobre o padrão de corpo, como percebido por Boaventura e Vaz (2020BOAVENTURA, Patrícia Luiza Bremer; VAZ, Alexandre Fernandes. Corpos femininos em debate: ser Mulher na ginástica rítmica. Movimento, v. 26, p. e26005, 2020., p.06) ao afirmarem que nesse esporte “o que está em jogo é um corpo magro, com contornos musculares, acompanhado do controle de peso, no qual o regime alimentar está presente com regulação recorrente realizada por balança”.

Conjuntamente com a ideia de igualdade na GR, a utilização do mesmo CoP para ambas as categorias e até mesmo a possibilidade de uma categoria mista para quem gostaria de competir nesta são temas que continuam permeando os debates referentes à participação de homens em competições da FIG no futuro, assim como nos JO, o que não acontece em outras modalidades gímnicas, como a GA e o Trampolim Acrobático.

Por fim, cabe aos envolvidos direta e indiretamente com a prática perpetuar e popularizar a igualdade de gênero dentro da GR como o futuro do esporte nos próximos anos para que a ideia de homens nesse esporte seja naturalizada e abra as portas para aqueles que desejam seguir na prática dessa modalidade.

  • 1
    O artigo é parte de uma futura tese, que ainda deverá ser defendida e publicada no Repositório da Universidade Estadual de Campinas, em 2022.
  • FINANCIAMENTO
    O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001.

ÉTICA DE PESQUISA

A pesquisa seguiu os protocolos vigentes nas Resoluções 466/12 e 510/2016 do Conselho Nacional de Saúde do Brasil e foi aprovado pelo Comité de Ética de Pesquisa da UNICAMP sob protocolo número 79707617.0.0000.5404.

RESPONSABILIDADE EDITORIAL

Alex Branco Fraga*, Elisandro Schultz Wittizorecki*, Mauro Myskiw*, Raquel da Silveira*

*Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Escola de Educação Física, Fisioterapia e Dança, Porto Alegre, RS, Brasil.

REFERÊNCIAS

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  • FÉDÉRATION INTERNATIONALE DE GYMNASTIQUE. Código de Pontuação 2017-2021
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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    11 Nov 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    17 Jan 2022
  • Aceito
    12 Jul 2022
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