Acessibilidade / Reportar erro

DOCÊNCIA EM EDUCAÇÃO FÍSICA E MATERNIDADES: CONSTRUINDO OUTRAS INTER-RELAÇÕES

DOCENCIA EN EDUCACIÓN FÍSICA Y MATERNIDADES: CONSTRUYENDO OTRAS INTERRELACIONES

Resumo

Este artigo objetiva refletir sobre a maternidade e os modos de viver essa experiência que impactam e são impactados pela docência em Educação Física na Educação Básica e no Ensino Superior, em Porto Alegre/RS e região metropolitana. A temática abordada se fundamenta na análise das interpretações de dois grupos de discussão, constituídos como estratégia metodológica e das informações obtidas que possibilitaram a construção de uma categoria de análise em uma pesquisa de Doutorado. As análises e as interpretações da pesquisa indicam que as professoras participantes do estudo percebem que apesar da maternidade ser uma experiência vivida de modo individual, cercada de exigências sociais e que localiza na mulher significativa responsabilidade pela criação dos/as filhos/as, há possibilidades de se conceitualizar e viver outras experiências de maternar de modo mais coletivo e comunitário.

Palavras-chave:
Maternidade; Docência; Educação Física.

Resumen

Este artículo busca reflexionar sobre la maternidad y los modos de vivir esta experiencia que impactan y son impactados por la docencia en Educación Física, de la Educación Básica y de la Enseñanza Superior en Porto Alegre/RS y región metropolitana. El tema abordado se basa en el análisis de las interpretaciones de dos grupos de discusión constituidos como estrategia metodológica, así como de la información obtenida que posibilita la construcción de una categoría de análisis en una investigación de Doctorado. Los análisis y las interpretaciones de la investigación indican que las profesoras colaboradoras del estudio perciben que, a pesar de la maternidad ser una experiencia vivida de modo individual, cercada de exigencias sociales y que enfoca en la mujer significativa responsabilidad por la crianza de los/las hijos/as, existen posibilidades de conceptualizarse y de vivir otras experiencias de maternar de manera más colectiva y comunitaria.

Palabras clave:
Maternidad; Docencia; Educación Física.

Abstract

This article aims to reflect on motherhood and the ways of living this experience which impact and are impacted by teaching in Physical Education, Basic Education and Higher Education in Porto Alegre/Rio Grande do Sul/Brazil and metropolitan area. The theme addressed is based on the analysis of the interpretations of two discussion groups constituted as a methodological strategy and on information obtained that allowed the construction of a category of a Doctoral research. The analyzes and interpretations of the research indicate that the teachers collaborating in the study realize that despite motherhood being an experience lived individually, surrounded by social demands and which places significant responsibility for raising children on women, there are possibilities to conceptualize and live other experiences of mothering in a way that is more collective and communal.

Keywords:
Motherhood; Teaching; Physical education.

1 CONSIDERAÇÕES INTRODUTÓRIAS

Este artigo faz parte de uma pesquisa que emergiu das inquietações de docentes pesquisadoras de Educação Física (EF) que, atravessadas pela experiência da maternidade, sentiram-se instigadas pelos questionamentos: “é possível ser mãe e acadêmica? Ser mãe e profissional? É possível ser mãe e mulher plena em sua sexualidade? É possível ser mãe e qualquer outra coisa?” (BEZERRA, 2017BEZERRA, Priscilla. O filho é da mãe? Fortaleza: Substância, 2017., p. 19).

A pesquisa se originou de uma tese de doutorado1 1 BINS, Gabriela Nobre. Tecendo saberes, tramando a vida: a Educação Física e a Pedagogia Griô: uma experiência autoetnográfica de uma professora de educação física na RME POA. Tese (Doutorado em Ciências do Movimento Humano) - Escola de Educação Física, Fisioterapia e Dança, Universidade de Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2020. Disponível em: http://hdl.handle.net/10183/248889. Acesso em: 4 jul. 2021. que propôs aproximações entre a Pedagogia Griô2 2 A Pedagogia Griô foi sistematizada em Lençóis/Bahia por Lilian Pacheco e Márcio Caires. Trata de uma reinvenção de métodos de educação, participação e encantamento do social que procura a valorização da palavra, dos afetos, das memórias e dos rituais da tradição oral. e a EF em uma tentativa de ruptura com o pensamento eurocêntrico hegemônico na escola de Educação Básica. A tese defendida foi de que a Pedagogia Griô pode ser uma possibilidade de se construir uma Educação Decolonial (OLIVEIRA, 2018OLIVEIRA, Luiz Fernandes de. Educação e militância decolonial. Rio de Janeiro: Selo Novo, 2018.; WALSH, 2009WALSH, Catherine. Interculturalidade crítica e pedagogia decolonial: in-surgir, re-existir e re-viver. In. CANDAU, Vera Maria (org.). Educação intercultural na América Latina: entre concepções, tensões e propostas. Rio de Janeiro: 7 Letras, 2009. p. 12-43.) nas aulas de EF. Além disso, a temática da maternidade e os modos de viver essa experiência que impactam na docência em EF, foi uma categoria que emergiu do campo de pesquisa e que tratamos nesse momento. Portanto, ao reconhecermos a importância de focarmos nosso olhar para esse tema, optamos aqui por colocar nossas lentes nas experiências das docentes-mães e como cada uma vem se constituindo nesse processo contínuo e inacabado.

Partimos do entendimento, de acordo com Bezerra (2017)BEZERRA, Priscilla. O filho é da mãe? Fortaleza: Substância, 2017., que a maternidade gera um acúmulo de pressões e demandas de diversas ordens para as mulheres, ao ser-lhes atribuída a maior responsabilidade pela criação dos/as filhos/as. “A sociedade reforça a cada dia a velha ideia de ‘quem pariu os seus que os embale’, enfatizando o seu significado no velho dito ‘o filho é da mãe’, sem perceber as ideologias trazidas em tal forma de pensar e que determinam ser o papel da mulher na sociedade” (BEZERRA, 2017BEZERRA, Priscilla. O filho é da mãe? Fortaleza: Substância, 2017., p. 14) [grifo da autora].

Diante disso, objetivamos refletir sobre a maternidade e sobre os modos de viver essa experiência que impactam e são impactados pela docência em EF. Para tanto, partimos de uma análise sobre o conceito de maternidade desde as perspectivas dos estudos feministas não hegemônicos3 3 O termo define um posicionamento do feminismo frente às opressões da nossa sociedade heteropatriarcal branca e de base europeia, desfazendo a ideia de um feminismo global e hegemônico como voz única (RIBEIRO, 2020). , refletindo, do mesmo modo, sob a luz das cosmopercepções africanas e indígenas, no entendimento de que estas se aproximam contrapondo a cosmovisão eurocêntrica, pois são povos que pautam suas vidas a partir de outras percepções, cujos valores não são voltados somente para a racionalidade. Por fim, refletimos sobre possíveis diálogos entre maternidade e docência em EF na contemporaneidade.

2 CAMINHOS METODOLÓGICOS

No presente artigo, expandimos e aprofundamos a categoria de análise “Maternidade e os modos de viver essa experiência que impactam na docência em EF”, construída na tese em questão. Essa categoria emergiu das análises e das interpretações de dois grupos de discussão (WELLER, 2006WELLER, Wivian. Grupos de discussão na pesquisa com adolescentes. Educação e Pesquisa, v. 32, n. 2, p. 241-260, maio/ago., 2006. DOI: https://doi.org/10.1590/S1517-97022006000200003
https://doi.org/10.1590/S1517-9702200600...
) realizados durante o ano de 2019, com a participação de 09 mães, pesquisadoras e professoras de EF da Educação Básica e do Ensino Superior, que trabalham em Porto Alegre/RS e na região metropolitana. Os grupos foram compostos por 06 mães professoras que atuam na Educação Básica em redes públicas, com idades entre 40 e 60 anos e com filhos de 09 a 19 anos, e, 03 docentes do Curso de EF da UFRGS, com idades entre 40 e 65 anos e com filhos de 01 a 35 anos. Os grupos de discussão foram gravados, transcritos e analisados como material de pesquisa, a partir do qual refletimos acerca das relações entre as experiências da docência em EF e da maternidade.

3 REFLEXÕES SOBRE MATERNIDADES A PARTIR DOS ESTUDOS FEMINISTAS OCIDENTAIS

Para a maioria das autoras deste artigo, a maternidade foi planejada e esperada. Entretanto, sabemos que essa nem sempre é a realidade de muitas mulheres brasileiras. E, mesmo com essa experiência sendo desejada, a chegada de nossos/as filhos/as provocou mudanças em nossas vidas que não poderíamos mensurar anteriormente, o que vem refletindo em nossas práticas pedagógicas nas escolas e nas universidades nas quais trabalhamos.

Compreendemos que as representações sociais acerca da experiência da maternidade e das demandas que a acompanham são significativamente diferentes do que sentimos/vivemos quando somos mães. D’Ávila (2019) reflete que:

Eu queria ser mãe porque estava impregnada dessa ideia de que toda mulher que é adulta e realizada é mãe. A gente reproduz essa cultura sem nem perceber. Mas conviver com mulheres iguais a mim, mulheres militantes (usamos esse termo pra pessoas que dedicam seu tempo a uma causa ou a um partido), mulheres deputadas, me fez colocar o tema da maternidade no seu lugar correto: não há romance. Não há espaço para a romantização e idealização. Ser mãe dá trabalho. Ser mãe exaure. Ser mãe é cansativo. Ser mãe é solitário. Ser mãe é perder trabalho. Ser mãe é não ter com quem deixar os meninos. E, mesmo assim, socialmente, ser mãe é uma obrigação para a mulher (D’ÁVILA, 2019, p. 77).

No ocidente, o tema da maternidade tem sido discutido nos estudos feministas há algum tempo, se consolidando no final dos anos 1960. Analisando os trabalhos de Badinter (1985BADINTER, Elisabeth. Um amor conquistado: o mito do amor materno. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985., 2011), Bezerra (2017)BEZERRA, Priscilla. O filho é da mãe? Fortaleza: Substância, 2017., D’Avila (2019)D’AVILA, Manuela. Revolução Laura. Caxias do Sul: Belas Letras, 2019., Maluf e Kahhale (2010)MALUF, Vera Maria Daher; KAHHALE, Edna Maria Severino Peters. Mulher, trabalho e maternidade: uma visão contemporânea. Polêmica, v. 9, n. 3, p. 143-160, 2010. Disponível em: https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/polemica/article/view/2803. Acesso em: 13 fev. 2023.
https://www.e-publicacoes.uerj.br/index....
, Moreira e Nardi (2009)MOREIRA, Lisandra E.; NARDI, Henrique C. Mãe é tudo igual? Enunciados produzindo maternidade(s) contemporânea(s). In: Estudos feministas, v. 17, n. 2, p. 569-594, 2009. DOI: https://doi.org/10.1590/S0104-026X2009000200015
https://doi.org/10.1590/S0104-026X200900...
e Scavone (2001a)SCAVONE, Lucila. A maternidade e o feminismo: diálogo com as ciências sociais. Cadernos Pagu, n.16, p. 137-150, 2001a. DOI: https://doi.org/10.1590/S0104-83332001000100008
https://doi.org/10.1590/S0104-8333200100...
, percebemos como o assunto vem sendo tratado em nossa sociedade ocidental e euro-estadunidense ao longo do tempo, para além dos seus aspectos médico-biológicos. As formas de maternidade são culturais, portanto, existem dispositivos históricos culturais que indicam às pessoas como é ou como deve ser a mãe.

Nos estudos feministas, “a maternidade começava, então, a ser compreendida como uma construção social, que designava o lugar das mulheres na família e na sociedade” (SCAVONE, 2001aSCAVONE, Lucila. A maternidade e o feminismo: diálogo com as ciências sociais. Cadernos Pagu, n.16, p. 137-150, 2001a. DOI: https://doi.org/10.1590/S0104-83332001000100008
https://doi.org/10.1590/S0104-8333200100...
, p. 138). Esses estudos ressaltam que, com o advento da sociedade industrial (SCAVONE, 2001bSCAVONE, Lucila. Maternidade: transformações na família e nas relações de gênero. Interface - Comunicação, Saúde, Educação, v. 5, n. 8, p. 47-60, 2001b. DOI: https://doi.org/10.1590/S1414-32832001000100004
https://doi.org/10.1590/S1414-3283200100...
), passamos de um modelo que exaltava o papel da mulher como mãe, ligando a função social da mulher à maternidade, dito modelo “tradicional da maternidade”, para um modelo moderno em que a mulher, além de mãe, pode ser definida com outras identidades e com proles menores. Além disso, com os avanços tecnológicos no campo da contracepção e da concepção, a modernidade ocasiona um novo dilema para as mulheres: a escolha de ser ou não ser mãe.

Badinter (2011)BADINTER, Elisabeth. O conflito: a mulher e a mãe. Rio de Janeiro, Record, 2011. sublinha que, desde os anos 1980, a maternidade vem sendo (re)considerada como “a experiência crucial da feminilidade”. Nesse aspecto, a autora apresenta uma nova onda que recoloca a maternidade como um caminho “natural” para as mulheres. Ao discutir o livro “O conflito: a mulher e a mãe”, Tatagiba (2011TATAGIBA, Ana Paula. Projetos profissionais e/ou maternidade: críticas a um dilema/sofrimento feminino (ainda) contemporâneo. Cadernos Pagu, n. 37, p. 437-444, dec. 2011. Resenha de: BADINTER, Elisabeth. O conflito: a mulher e a mãe. Rio de Janeiro: Record, 2011. DOI: https://doi.org/10.1590/S0104-83332011000200020
https://doi.org/10.1590/S0104-8333201100...
, p. 443) ressalta que: “Elisabeth Badinter se detém em mostrar que está em curso uma ‘suave tirania dos deveres maternos’, composta por discursos (principalmente o maternalista) que, ao que tudo indica, tem feito eco entre as mulheres” [grifo da autora]. Ao mesmo tempo em que temos essa retomada do ideal materno para a mulher, vivemos em uma sociedade que nos cobra cada vez mais nos outros âmbitos de nossas vidas. Sobre esse aspecto, Scavone (2001aSCAVONE, Lucila. A maternidade e o feminismo: diálogo com as ciências sociais. Cadernos Pagu, n.16, p. 137-150, 2001a. DOI: https://doi.org/10.1590/S0104-83332001000100008
https://doi.org/10.1590/S0104-8333200100...
, p.145) reflete que: “[...] a realização da maternidade ainda é um dilema para as mulheres que querem seguir uma carreira profissional, já que, nas responsabilidades parentais, ainda são elas as mais sobrecarregadas”.

Apesar da (re)consideração da maternidade como experiência crucial da feminilidade, em outros momentos históricos o feminismo apresentou uma postura que, para alguns/algumas, se colocava contrária à maternidade. Esse fator causou uma “relutância coletiva das mulheres negras estadunidenses em desenvolver análises críticas da maternidade negra” (COLLINS, 2019COLLINS, Patricia Hill. Pensamento feminista negro: conhecimento, consciência e a política do empoderamento. São Paulo: Boitempo, 2019., p. 295).

Os estudos feministas são um importante ponto de referência para os estudos sobre a maternidade, principalmente por terem incluído o conceito de gênero, que possibilitou uma compreensão relacional da maternidade. “A crítica feminista contribuiu para o questionamento mais profundo, sob a ótica de gênero, sobre o ‘lugar da mãe’ em relação ao ‘lugar do pai’ na família e sociedade” (SCAVONE, 2001aSCAVONE, Lucila. A maternidade e o feminismo: diálogo com as ciências sociais. Cadernos Pagu, n.16, p. 137-150, 2001a. DOI: https://doi.org/10.1590/S0104-83332001000100008
https://doi.org/10.1590/S0104-8333200100...
, p. 146) [grifo da autora]. Porém, os estudos feministas têm realizado análises sobre uma maternidade de mulheres brancas, heterossexuais e de classe média ou alta (BADINTER, 1985BADINTER, Elisabeth. Um amor conquistado: o mito do amor materno. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985., 2011; SCAVONE, 2001aSCAVONE, Lucila. A maternidade e o feminismo: diálogo com as ciências sociais. Cadernos Pagu, n.16, p. 137-150, 2001a. DOI: https://doi.org/10.1590/S0104-83332001000100008
https://doi.org/10.1590/S0104-8333200100...
), e muitas vezes, localizam as experiências dessas maternidades como universais.

Collins (2019)COLLINS, Patricia Hill. Pensamento feminista negro: conhecimento, consciência e a política do empoderamento. São Paulo: Boitempo, 2019., ao analisar a maternidade das mulheres negras estadunidenses, traz à tona a reflexão sobre a visão da “mãe superforte”, aquela supermulher que dá conta de tudo:

Historicamente, o conceito de maternidade é central nas filosofias dos afrodescendentes. Em muitas comunidades afro-americanas a exaltação em torno da maternidade negra era tanta que a “ideia de que as mães deveriam viver uma vida de sacrifícios se tornou a norma” [...]. Dada essa importância histórica, muitos pensadores afro-americanos tendem a glorificar a maternidade negra. Negam-se a reconhecer os problemas enfrentados pelas mães negras, que retornam “às tarefas frequentemente ingratas de suas próprias solidões, de suas próprias famílias” (COLLINS, 2019COLLINS, Patricia Hill. Pensamento feminista negro: conhecimento, consciência e a política do empoderamento. São Paulo: Boitempo, 2019., p. 292) [grifo da autora].

A autora procura problematizar essa imagem da mãe negra superforte e ressalta que “muitos afro-americanos são incapazes de enxergar os verdadeiros custos da maternidade para as afro-americanas” (COLLINS, 2019COLLINS, Patricia Hill. Pensamento feminista negro: conhecimento, consciência e a política do empoderamento. São Paulo: Boitempo, 2019., p. 293). Além disso, ressalta a importância do cuidado coletivo e apresenta o conceito das mães de criação:

[...] as comunidades africanas e afro-americanas reconhecem que atribuir a uma única pessoa a plena responsabilidade pela maternagem nem sempre é uma opção sensata ou mesmo viável. Consequentemente, mães de criação - mulheres que ajudam as mães de sangue, dividindo com elas a responsabilidade pela maternagem - têm um papel central na instituição da maternidade negra [...] (COLLINS, 2019COLLINS, Patricia Hill. Pensamento feminista negro: conhecimento, consciência e a política do empoderamento. São Paulo: Boitempo, 2019., p. 298).

Entretanto, a prática das mães de criação ainda resiste como prática das mulheres das classes mais baixas, como forma de resistência ao sistema capitalista. “As afro-americanas que dão continuidade ao cuidado comunitário das crianças colocam em xeque um pressuposto fundamental do sistema capitalista: o de que as crianças são ‘propriedades privadas’ e podem ser tratadas como tal” (COLLINS, 2019COLLINS, Patricia Hill. Pensamento feminista negro: conhecimento, consciência e a política do empoderamento. São Paulo: Boitempo, 2019., p. 304) [grifo da autora]. Ao definirem a comunidade como responsável pela criança, e compartilharem o direito de educar essas crianças com as mães de criação e com pessoas de fora do ambiente familiar, as mulheres/mães afro-americanas questionam as relações de propriedade prevalecentes no capitalismo.

Ainda sobre o debate da centralidade das mulheres nas famílias afro-americanas, Collins (2019)COLLINS, Patricia Hill. Pensamento feminista negro: conhecimento, consciência e a política do empoderamento. São Paulo: Boitempo, 2019. pontua que essa centralidade reflete a continuidade cultural de origem africana e as adaptações funcionais às opressões interseccionais de raça, de gênero, de classe e de nação que essas famílias precisaram fazer:

Redes de mulheres organizadas e resilientes, formadas por mães de sangue e de criação, são fundamentais para compreender essa centralidade. Avós, irmãs, tias e primas atuam como mães de criação, assumindo responsabilidades pelos cuidados dos filhos e filhas de outras mulheres. [...] Em muitas comunidades afro-americanas, essas redes de cuidados centradas nas mulheres se estendem além das relações consanguíneas e incluem “parentes de consideração” (COLLINS, 2019COLLINS, Patricia Hill. Pensamento feminista negro: conhecimento, consciência e a política do empoderamento. São Paulo: Boitempo, 2019., p. 299) [grifo da autora].

Essa é uma relação que, muitas vezes, encontramos nas populações de classes populares no Brasil e nos locais onde trabalhamos, assim como nas comunidades tradicionais, sejam quilombolas, ribeirinhas ou indígenas. Um cuidar coletivo e comunitário que extrapola as relações consanguíneas. Assim, a existência do cuidado comunitário e das mães de criação têm um papel fundamental diante do confronto com a opressão racial para as comunidades afro-americanas. De fato, Collins (2019)COLLINS, Patricia Hill. Pensamento feminista negro: conhecimento, consciência e a política do empoderamento. São Paulo: Boitempo, 2019. destaca que essa forma de viver a maternidade vai construindo brechas (WALSH, 2009WALSH, Catherine. Interculturalidade crítica e pedagogia decolonial: in-surgir, re-existir e re-viver. In. CANDAU, Vera Maria (org.). Educação intercultural na América Latina: entre concepções, tensões e propostas. Rio de Janeiro: 7 Letras, 2009. p. 12-43.) dentro da nossa sociedade capitalista e criando lugares de entremeios para essas mulheres mães que vivem, atualmente, nessa sociedade, e, ao mesmo tempo carregam suas ancestralidades e cosmopercepções. Tal fato evidencia certa contradição, pois essas mulheres estão imersas nessa forma privatizada de maternar e, ainda assim, constroem formas de resistir amparadas em um maternar coletivo.

Desse modo, autoras como Amadiume (1998AMADIUME, Ifi. Male daughters, female husbands: gender and sex in Africa society. 6. ed. London/New York: Zed Book, 1998., 2001AMADIUME, Ifi. Reiventing Africa: Matriarchy, religion and culture. 2. ed. London/New York: Zed Book, 2001.), Collins (2019)COLLINS, Patricia Hill. Pensamento feminista negro: conhecimento, consciência e a política do empoderamento. São Paulo: Boitempo, 2019. e Oyěwùmí (2004OYĚWÙMÍ, Oyèrónké. Conceituando o gênero: os fundamentos eurocêntricos dos conceitos feministas e o desafio das epistemologias africanas. Dakar: CODESRIA, 2004. CODESRIA Gender Series, v. 1., 2016OYĚWÙMÍ, Oyèrónké. Matripotência: Ìyá nos conceitos filosóficos e instituições sociopolíticas [Iorubás]. Tradução Wanderson Flor Nascimento. What Gender is Motherhood? Nova Iorque: Palgrave Macmillan, 2016. cap. 3, p. 57-92.) questionam a afirmação de um padrão universal de maternidade, ressaltando que modelos analíticos generalizantes não servem para se pensar a maternidade na África ou nos povos da diáspora africana, por exemplo. Portanto, em diálogo com estes e outros/as autores/as, apresentamos a seção a seguir.

4 A COMPREENSÃO DE MATERNIDADE COLETIVA A PARTIR DAS COSMOPERCEPÇÕES AFRICANAS E INDÍGENAS

Amadiume (1998AMADIUME, Ifi. Male daughters, female husbands: gender and sex in Africa society. 6. ed. London/New York: Zed Book, 1998., 2001AMADIUME, Ifi. Reiventing Africa: Matriarchy, religion and culture. 2. ed. London/New York: Zed Book, 2001.), Malomalo (2020)MALOMALO, Bas’Ilele. A justiça teórico-política ao matriarcado para se pensar a África contemporânea. Revista da ABPN, v. 12, n. 31, fev. 2020. DOI: https://doi.org/10.31418/2177-2770.2020.v12.n.31.p48-71
https://doi.org/10.31418/2177-2770.2020....
e Oyěwùmí (2004OYĚWÙMÍ, Oyèrónké. Conceituando o gênero: os fundamentos eurocêntricos dos conceitos feministas e o desafio das epistemologias africanas. Dakar: CODESRIA, 2004. CODESRIA Gender Series, v. 1., 2016OYĚWÙMÍ, Oyèrónké. Matripotência: Ìyá nos conceitos filosóficos e instituições sociopolíticas [Iorubás]. Tradução Wanderson Flor Nascimento. What Gender is Motherhood? Nova Iorque: Palgrave Macmillan, 2016. cap. 3, p. 57-92.) discutem o papel central das mulheres nas sociedades africanas, os conceitos de matriarcado, de matripotência, a maternidade nessas sociedades e a conceitualização de gênero. Esses autores apresentam o entendimento de que, em muitas sociedades africanas, os sistemas culturais patrilineares conviveram e convivem ao lado dos sistemas culturais matrilineares. De acordo com Malomalo (2020)MALOMALO, Bas’Ilele. A justiça teórico-política ao matriarcado para se pensar a África contemporânea. Revista da ABPN, v. 12, n. 31, fev. 2020. DOI: https://doi.org/10.31418/2177-2770.2020.v12.n.31.p48-71
https://doi.org/10.31418/2177-2770.2020....
, todos os africanos, homens e mulheres, devem ter reverência para com a mulher, sendo ela mãe ou não.

Amadiume (1998AMADIUME, Ifi. Male daughters, female husbands: gender and sex in Africa society. 6. ed. London/New York: Zed Book, 1998., 2001AMADIUME, Ifi. Reiventing Africa: Matriarchy, religion and culture. 2. ed. London/New York: Zed Book, 2001.) e Oyěwùmí (2004OYĚWÙMÍ, Oyèrónké. Conceituando o gênero: os fundamentos eurocêntricos dos conceitos feministas e o desafio das epistemologias africanas. Dakar: CODESRIA, 2004. CODESRIA Gender Series, v. 1.; 2016OYĚWÙMÍ, Oyèrónké. Matripotência: Ìyá nos conceitos filosóficos e instituições sociopolíticas [Iorubás]. Tradução Wanderson Flor Nascimento. What Gender is Motherhood? Nova Iorque: Palgrave Macmillan, 2016. cap. 3, p. 57-92.) questionam o uso dos conceitos de gênero para analisar as sociedades africanas e as questões da maternidade nessas sociedades. Segundo essas autoras, não é possível simplesmente transpor o conceito de gênero formulado por teóricos euro-estadunidenses para as sociedades africanas. Oyěwùmí (2004OYĚWÙMÍ, Oyèrónké. Conceituando o gênero: os fundamentos eurocêntricos dos conceitos feministas e o desafio das epistemologias africanas. Dakar: CODESRIA, 2004. CODESRIA Gender Series, v. 1., p. 3), acerca da maternidade, afirma que “os conceitos feministas estão enraizados sobre a família nuclear”, que é um conceito especificamente euro-americano, portanto, não é universal. Segundo Malomalo (2020)MALOMALO, Bas’Ilele. A justiça teórico-política ao matriarcado para se pensar a África contemporânea. Revista da ABPN, v. 12, n. 31, fev. 2020. DOI: https://doi.org/10.31418/2177-2770.2020.v12.n.31.p48-71
https://doi.org/10.31418/2177-2770.2020....
,

[...] as lógicas euro-americanas e africanas que informam os gêneros são opostas. Para Amadiume (2001AMADIUME, Ifi. Reiventing Africa: Matriarchy, religion and culture. 2. ed. London/New York: Zed Book, 2001., p. 114), o pensamento que concebe o ser da mulher a partir da lógica da maternidade é ofensivo para muitas feministas ocidentais. É fácil, argumenta ela, compreender isso do ponto de vista do sistema europeu, onde ser esposa e a maternidade significam escravidão das mulheres. No sistema africano do matriarcado, finaliza ela, tudo isso significa o empoderamento das mulheres (MALOMALO, 2020MALOMALO, Bas’Ilele. A justiça teórico-política ao matriarcado para se pensar a África contemporânea. Revista da ABPN, v. 12, n. 31, fev. 2020. DOI: https://doi.org/10.31418/2177-2770.2020.v12.n.31.p48-71
https://doi.org/10.31418/2177-2770.2020....
, p. 52).

Oyěwùmí (2004OYĚWÙMÍ, Oyèrónké. Conceituando o gênero: os fundamentos eurocêntricos dos conceitos feministas e o desafio das epistemologias africanas. Dakar: CODESRIA, 2004. CODESRIA Gender Series, v. 1., 2016OYĚWÙMÍ, Oyèrónké. Matripotência: Ìyá nos conceitos filosóficos e instituições sociopolíticas [Iorubás]. Tradução Wanderson Flor Nascimento. What Gender is Motherhood? Nova Iorque: Palgrave Macmillan, 2016. cap. 3, p. 57-92.) faz a crítica às análises feministas ocidentais de gênero, por partirem da ideia do corpo-biológico ou da diferença sexual para se definir o lugar de superioridade do homem e de inferioridade da mulher, e, posteriormente, generalizam essa ideia ao tratarem a categoria mãe, inicialmente definida como a esposa do patriarca. “Parece não haver compreensão do papel de mãe independente de seus laços sexuais com um pai. Mães são, antes de tudo, esposas” (OYĚWÙMÍ, 2004OYĚWÙMÍ, Oyèrónké. Conceituando o gênero: os fundamentos eurocêntricos dos conceitos feministas e o desafio das epistemologias africanas. Dakar: CODESRIA, 2004. CODESRIA Gender Series, v. 1., p. 5). Com isso, nas sociedades euro-americanas se constituiu a expressão mãe solteira, o que não faz sentido a partir da perspectiva africana. Nessas sociedades, uma mãe, por definição, não pode ser solteira porque, “na maioria das culturas, a maternidade é definida como uma relação de descendência, não como uma relação sexual com um homem” (OYĚWÙMÍ, 2004OYĚWÙMÍ, Oyèrónké. Conceituando o gênero: os fundamentos eurocêntricos dos conceitos feministas e o desafio das epistemologias africanas. Dakar: CODESRIA, 2004. CODESRIA Gender Series, v. 1., p. 5). A autora exemplifica que a família tradicional Iorubá pode ser descrita como não generificada, isso porque os papéis de parentesco e suas categorias não são diferenciados e classificados por gênero, mas por antiguidade. “Dentro da família Iorubá, omo, a nomenclatura para a criança, é melhor traduzida como a prole. Não há palavras que denotem individualmente menina ou menino em primeira instância” (OYĚWÙMÍ, 2004OYĚWÙMÍ, Oyèrónké. Conceituando o gênero: os fundamentos eurocêntricos dos conceitos feministas e o desafio das epistemologias africanas. Dakar: CODESRIA, 2004. CODESRIA Gender Series, v. 1., p. 6). Essa autora ressalta que a maternidade é um papel-identidade que define as fêmeas nessas sociedades:

Dentro da casa, os membros são agrupados em torno de diferentes unidades mãe-filhas/os descritos como omoya; literalmente, irmãos filhos de uma mesma mãe-ventre. Por causa da matrifocalidade de muitos sistemas familiares africanos, a mãe é o eixo em torno do qual as relações familiares são delineadas e organizadas. Consequentemente, omoya é a categoria comparável na cultura Iorubá à irmã nuclear na cultura euro-americana branca. A relação entre irmãos de ventre, como aquela das irmãs da família nuclear, é baseada em uma compreensão de interesses comuns nascidos de uma experiência compartilhada. A experiência partilhada definidora, que une os omoya em lealdade e amor incondicional, é o ventre da mãe. A categoria omoya, diferentemente de irmã, transcende o gênero (OYĚWÙMÍ, 2004OYĚWÙMÍ, Oyèrónké. Conceituando o gênero: os fundamentos eurocêntricos dos conceitos feministas e o desafio das epistemologias africanas. Dakar: CODESRIA, 2004. CODESRIA Gender Series, v. 1., p. 7).

Ao discutir a importância da maternidade e o conceito de matripotência, Oyěwùmí (2016)OYĚWÙMÍ, Oyèrónké. Matripotência: Ìyá nos conceitos filosóficos e instituições sociopolíticas [Iorubás]. Tradução Wanderson Flor Nascimento. What Gender is Motherhood? Nova Iorque: Palgrave Macmillan, 2016. cap. 3, p. 57-92. nos apresenta o conceito de Ìyá, que é, na maioria das vezes, traduzido como mãe. Entretanto, para esta autora, tal tradução é problemática porque distorce o significado original de Ìyá, uma categoria socioespiritual que, em sua origem, não derivou de noções de gênero. “Ìyá está no centro do sistema baseado na senioridade, que simboliza o que descrevo como princípio matripotente. A matripotência descreve os poderes, espiritual e material, derivados do papel procriador de Ìyá” (OYĚWÙMÍ, 2016OYĚWÙMÍ, Oyèrónké. Matripotência: Ìyá nos conceitos filosóficos e instituições sociopolíticas [Iorubás]. Tradução Wanderson Flor Nascimento. What Gender is Motherhood? Nova Iorque: Palgrave Macmillan, 2016. cap. 3, p. 57-92., p. 3). Mãe é, sobretudo, um princípio ancestral. “O ethos matripotente expressa o sistema de senioridade em que a Ìyá é a sênior venerada em relação a suas crias. Como todos os humanos têm uma Ìyá, todos nascemos de uma Ìyá, ninguém é maior, mais antigo ou mais velho que Ìyá” (OYĚWÙMÍ, 2016OYĚWÙMÍ, Oyèrónké. Matripotência: Ìyá nos conceitos filosóficos e instituições sociopolíticas [Iorubás]. Tradução Wanderson Flor Nascimento. What Gender is Motherhood? Nova Iorque: Palgrave Macmillan, 2016. cap. 3, p. 57-92., p. 3).

Já os povos indígenas Mbya-Guarani e Kaingang, além dessa visão comunitária de maternidade, prezam pela presença das crianças com as mães, fato que causa estranhamento para a população não indígena. Fagundes (2013)FAGUNDES, Luis Fernando Caldas. As “mulheres dos panos” Mbya Guarani. In: ROSADO, Rosa Maris; FAGUNDES, Luiz Fernando Caldas (org.). Presença indígena na cidade: reflexões, ações e políticas. Porto Alegre: Gráfica Hartmann, 2013. aborda essa questão ao analisar a polêmica acerca da presença de pessoas mbyá-guarani ditas em “situações de mendicância e de trabalho infantil” no centro da cidade de Porto Alegre/RS, pois as mães levam seus/as filhos/as junto para venderem artesanato e arrecadarem dinheiro. Segundo esse autor, a presença indígena é considerada, por diversos setores da sociedade porto-alegrense, conflitante com as normas de proteção da infância, o que originou um Inquérito Civil Público (ICP) na Procuradoria da República no Rio Grande do Sul (PR/RS/MPF). No que se refere ao acompanhamento aos pais e às mães e aos “supostos maus-tratos sofridos pelas crianças indígenas”, os Mbyá consideram que o problema a ser evitado é o abandono, pois as mães mbyá, idealmente, jamais devem privar seus/as filhos/as de sua presença (FAGUNDES, 2013FAGUNDES, Luis Fernando Caldas. As “mulheres dos panos” Mbya Guarani. In: ROSADO, Rosa Maris; FAGUNDES, Luiz Fernando Caldas (org.). Presença indígena na cidade: reflexões, ações e políticas. Porto Alegre: Gráfica Hartmann, 2013.).

Ao refletirem sobre o povo Kaingang, Laroque e Silva (2013LAROQUE, Luís Fernando da Silva; SILVA, Juciane Beatriz S. da. Ambiente e cultura Kaingang: saúde e educação na pauta das lutas e conquistas dos Kaingang de uma terra indígena. Educação em Revista, v. 29, n. 2, p. 253-275, 2013. DOI: https://doi.org/10.1590/S0102-46982013000200011
https://doi.org/10.1590/S0102-4698201300...
, p. 267) afirmam que a maternidade se dá “no cuidar coletivo, ou seja, todos cuidam e são responsáveis por todos”. De acordo com Carvalho (2020)CARVALHO, Rejane Nunes. Kanhgang êg my há: para uma psicologia Kaingang. TCC (Trabalho de Conclusão de Curso de Graduação em Psicologia) - Instituto de Psicologia, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2020. Disponível em: http://hdl.handle.net/10183/212727. Acesso em: 13 fev. 2023.
http://hdl.handle.net/10183/212727...
:

Desde muito cedo aprendemos a maternidade como algo sagrado, levamos nossos filhos para a mata, ensinamos como se pedir permissão à floresta ainda na barriga, carregamos nossos pequenos depois de nascidos em cestos, em lenços pendurados nas costas, nos seios, em nenhum momento se separa mãe e filho (CARVALHO, 2020CARVALHO, Rejane Nunes. Kanhgang êg my há: para uma psicologia Kaingang. TCC (Trabalho de Conclusão de Curso de Graduação em Psicologia) - Instituto de Psicologia, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2020. Disponível em: http://hdl.handle.net/10183/212727. Acesso em: 13 fev. 2023.
http://hdl.handle.net/10183/212727...
, p. 43).

Além de sagrada, a maternidade é coletiva e vivida no dia a dia. Na vida cotidiana as crianças acompanham suas mães em todas as esferas de suas vidas e de seus afazeres. A partir disso, nosso pensar e repensar as maternidades no contexto atual em que vivemos passou por uma investigação acerca de outras possibilidades de se viver essas maternidades. Do mesmo modo, essa procura por visões menos individualistas, que possam proporcionar a diluição das pressões sofridas pelas mulheres que são mães, tem influenciado nossas formas de pensar e de viver as nossas docências, o que abordaremos na seção seguinte.

Reconhecemos a importância dos estudos feministas ocidentais para as discussões de gênero e de maternidade, entretanto acreditamos que precisamos avançar nessas contribuições, pois identificamos que essas concepções não dão conta de analisar e de explicar as diversas formas de maternar que estão no mundo, especialmente no que tange aos atravessamentos de raça e de classe. Sendo assim, procuramos nos apoiar nas cosmopercepções africanas e indígenas para ampliarmos nossos referenciais e percepções, para pensarmos experiências de entremeios entre essas teorizações.

5 DOCÊNCIA EM EDUCAÇÃO FÍSICA E MATERNIDADE: APROXIMAÇÕES INICIAIS

Direcionado nosso foco de análise sobre maternidade e sua relação com a docência em EF, refletimos que o processo histórico de representações sobre a mulher e suas funções na sociedade teve forte influência na criação dos estereótipos que marcaram o ingresso da mulher na carreira docente. O magistério era visto como uma extensão do lar, lecionar seria um prolongamento da educação dos filhos. “O magistério seria então, um espaço onde a mulher colocaria em prática dons que socialmente acreditava-se serem inatos e indispensáveis para o exercício docente: a paciência, o cuidado, a sensibilidade, o educar (DINIZ, 2001DINIZ, Margareth. Do que sofrem as mulheres professoras? In: LOPES, Eliane Marta Teixeira (org.). A psicanálise escuta a educação. 2. ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2001.; LOURO, 2001)” (ARAGÃO; KREUTZ, 2010ARAGÃO, Milena; KREUTZ, Lúcio. A docência na Educação Infantil: entre o dom e a maternidade. InterMeio: Revista do Programa de Pós Graduação em Educação, v. 16, n. 13, jul./dez. 2010. Disponível em: https://periodicos.ufms.br/index.php/intm/article/view/2422. Acesso em: 13 fev. 2023.
https://periodicos.ufms.br/index.php/int...
, p. 13). De acordo com Costa e Barbosa (2006)COSTA, Maraiza Oliveira; BARBOSA, Ivone Garcia. Relação gênero-docência-maternidade e implicações no cotidiano escolar. SEMINÁRIO NACIONAL DE TRABALHO E GÊNERO, 2006, Goiânia. Anais. Goiânia: [s. n.], 2006.,

[...] uma pesquisa feita por Luiz Pereira em 1964 constata que 93,4% das 289.865 pessoas filiadas ao magistério no Brasil eram mulheres e 92,5% dos próprios professores consideram esta atividade realmente mais adequada às mulheres usando o argumento de que o instinto maternal traz maior dose de certas aptidões, tais como: carinho, amor, docilidade, compreensão, paciência, abnegação, comunicabilidade, meiguice, dedicação, etc. Além disso, afirmaram que esta ocupação deve ser mais feminina, pois o sistema de ensino tem salários baixos, poucas horas de trabalho diário e prestígio ocupacional insatisfatório [...] (COSTA; BARBOSA, 2006COSTA, Maraiza Oliveira; BARBOSA, Ivone Garcia. Relação gênero-docência-maternidade e implicações no cotidiano escolar. SEMINÁRIO NACIONAL DE TRABALHO E GÊNERO, 2006, Goiânia. Anais. Goiânia: [s. n.], 2006., p. 4).

Corroboramos os argumentos desses autores e a importância da crítica à construção da docência ligada à figura materna. Porém, acreditamos que, com o intuito de combater o pensamento machista e patriarcal de nossa sociedade - que relega à maternidade um papel de subalternidade de forma romantizada - acabamos construindo um discurso de profissionalização docente, e, muitas vezes, acreditamos que interligar a docência à maternidade só poderia ser feito de forma pejorativa.

O que problematizamos neste momento é quais maternidades podemos conectar com a docência, uma vez que somos seres humanos unos, ou seja, “[...] o sujeito que participa do mundo do trabalho é o mesmo que tem uma vida pessoal” (SILVA, 2012SILVA, Lisandra Oliveira e. Os sentidos da escola na atualidade: narrativas de docentes e de estudantes da Rede Municipal de Porto Alegre. 2012. Tese (Doutorado em Ciências do Movimento Humano) - Escola de Educação Física, Fisioterapia e Dança, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2012., p. 153). No caso das professoras mães que pesquisamos, a maternidade teve reflexos diretos na docência e no modo de pensar sobre ela. O ser professora, ou ser educadora, passa pelas noções de cuidado, de afeto e de amor, características também da maternidade e da paternidade. Quando pensamos sobre o papel da escola e da educação, não pensamos somente em conteúdos, em técnicas, em planejamentos, em avaliações, onde os processos de ensino e de aprendizagens não sejam perpassados, do mesmo modo, por sentimentos de afeto e de amor, estes últimos compreendidos enquanto ações políticas e éticas (HOOKS, 2020HOOKS, Bell. Tudo sobre o amor: novas perspectivas. São Paulo: Elefante, 2020.).

Refletindo sobre os conceitos de maternidades coletivas, nos deparamos com algumas de nossas contradições cotidianas: como vivemos nossas maternidades? Por que não conseguimos vivê-las de forma coletiva? Bezerra (2017)BEZERRA, Priscilla. O filho é da mãe? Fortaleza: Substância, 2017. nos ajuda a pensar essas questões quando discute o provérbio africano que diz: “é preciso uma aldeia inteira para educar uma criança”. Segundo a autora,

[...] o provérbio acima apresentado pode parecer simples, entretanto, requer um exercício reflexivo extenso. Primeiramente, o que dificulta pensarmos por este viés como me sugerido pelo dito é que aqui em nossa sociedade construída com suas bases no sistema capitalista que exalta o indivíduo e estimula a individualidade, o egocentrismo e a ideologia do mérito, perdeu-se a noção de comunidade, de comunitário e de comunhão (BEZERRA, 2017BEZERRA, Priscilla. O filho é da mãe? Fortaleza: Substância, 2017., p. 26).

Nem sempre conseguimos viver nessa noção de comunidade. Cada vez mais estamos sós, cada um, cada uma, cuidando da sua própria vida, no seu próprio espaço. Na escola não é diferente. Acabamos planejando e realizando nossas práticas pedagógicas, em grande parte, de forma solitária e individualista. O trabalho docente e os projetos coletivos no interior da escola, ou seja, a “educação feita por uma aldeia inteira”, ainda é algo raro e a ser construído. Entretanto, estamos nos propondo aproximações com o entendimento da maternidade enquanto uma experiência coletiva, para além da maternidade individual, tão recorrente em nossas sociedades contemporâneas. Tal entendimento se apresenta com a ideia de arquétipo da maternidade, da procura por essa mãe arquetípica. Para Lillian Pacheco4 4 Lilian Pacheco, educadora popular, criadora da Pedagogia Griô, concedeu uma entrevista que fez parte do processo metodológico da pesquisa relacionada a este artigo. , maternidade é ser,

[...] mãe de comunidade, mãe de terreiro, mãe de todos; eu nunca quis criar uma maternidade em mim, a mãe dos meus filhos, porque isso é uma história individual. A Pedagogia Griô me traz esse conceito, me ensina a eu não ser eu, a eu buscar ser essa totalidade, buscar a totalidade da minha identidade, buscar ser minha vó, minha mãe, ser meu grupo étnico, ser minha comunidade. Então eu tenho outra dimensão de maternidade, ser a mãe solteira, ser a mãe mais velha, ser a mãe... enfim... de buscar viajar nessas mães, então é também não ter só o meu filho... eu tenho que ser a mãe ali, se tem outro filho é meu filho também... ampliar essa maternidade para a comunidade, para o terreiro, para minha rua (trecho de entrevista com Lillian Pacheco, 21/06/2019).

Lillian entende a maternidade como uma vivência arquetípica e mítica, como uma maternidade que se expande, que se amplia e se torna coletiva. Passa-se a ter não apenas os filhos individuais, gestados e paridos a partir do próprio corpo, mas de certa forma, torna-se mãe das crianças da comunidade, dos alunos:

Eu sempre achei que era mãe de todos os meninos que andam, se eu estou no meio da rua e têm umas crianças brigando, eu acho que sou mãe daquelas crianças ali, em algum nível eu tenho que ser mãe daquelas crianças. Se a minha aluna tá ali superinscrita no meu entorno, então a minha maternidade tem que se expandir, tem que se ampliar, como coletiva. Então é isso, eu parto desse pressuposto que o tempo, a maternidade e o lugar de fala eles se ampliam, eles se largueiam. Eu vejo na Pedagogia Griô... que as vivências, o plano de aula, traz o indivíduo que nunca foi afirmado com sua historinha pessoal. Mas ele vai vendo para os fundos da sua história pessoal esse lugar do coletivo e da história de todos; o plano de aula vai um pouco por aí, vai ver esses conceitos de arquétipo, de mito, de ancestralidade e de identidade (trecho da entrevista com Lillian Pacheco, 21/06/2019).

Cada mulher sente o impacto da maternidade em sua vida e em sua docência de formas diversas. Se, por um lado, as professoras perceberam que a maternidade mudou o olhar e as tornou mais atentas aos diversos aspectos das crianças e adolescentes com as quais trabalham nas escolas, por outro, muitas vezes, pensam que depois da experiência da maternidade passaram a dedicar menos tempo às demandas do trabalho, da escola, das aulas e de estudantes. Isso porque, após o nascimento dos filhos, optaram por uma redução da jornada de trabalho, quanto a assumir compromissos extras e aos finais de semana, por exemplo. Ou seja, a maternidade fez desacelerar a intensidade com que até então se envolviam nas atividades de trabalho. De acordo com a fala de uma participante da pesquisa, a relação da maternidade e da docência é de duas vias, ao mesmo tempo em que a maternidade afetou sua docência, a docência afetou sua maternidade:

[...] o fato de ter um bebê, de começar esse processo de maternidade, dificulta tua prática, atrapalha, [...] muitas aulas que tu pensou que seriam maravilhosas, mas não foram porque tu não conseguiu reunir o material direito, porque a criança não dormiu aquela noite [...] mas também tem o outro lado, a qualidade do teu cuidado com a criança diminui quando tu tem que trabalhar [...] se tu pensar são os doze trabalhos de Hércules que a gente faz todos os dias (Conceição5 5 Os nomes das colaboradoras foram substituídos para preservar a identidade, exceto o de Lilian Pacheco, por entendermos a importância de visibilizar sua autoria na criação da Pedagogia Griô. , 09/03/2020).

Do mesmo modo, a colega Kambeba, que foi mãe por adoção, relatou que a maternidade mudou muito a sua prática, fazendo com que reduzisse a carga horária de trabalho e redobrasse a atenção com os estudantes. “Eu já era uma professora dedicada aos pequenos, mas agora tenho outras visões em relação às crianças... Eu já achava que eu dava aula de acordo com o que eu queria que minha filha tivesse, agora muito mais” (Kambeba, 03/05/2019). A colega Potiguara também menciona o fato de pensar nos alunos como seus filhos: “eu fui mãe antes de ser professora, então não sei como é ser só uma ou outra. Mas acho que a maternidade me faz pensar em como eu gostaria que um professor ou professora tratasse meu filho, e, por isso, eu trato meus alunos como se fosse ele [filho], em todos os sentidos” (Potiguara, 06/08/2020).

Sobre os possíveis impactos da maternidade na docência, em 1996, em sua tese de doutorado, Molina Neto (1996)MOLINA NETO, Vicente. La cultura docente del professorado de educación física de las escuelas publicas de Porto Alegre. 1996. Tese (Doutorado en Innovació Curricular i Formación del Professorat do Departament de Didáctica i Organització Educativa) - Divisió de Ciencies deI’ Edcucació, Universitat de Barcelona, Barcelona, 1996. apresenta a fala de uma participante da pesquisa que relata como a maternidade fez com que se tornasse uma professora melhor:

Pienso que después que fui madre, me he transformado en mejor profesora. No como profesional, me quedé más humana, no que fuera deshumana. Pero antes, era mucho más profesional de lo que materna. Ahora mezclo un poco el lado materno, profesional [en el sentido de] aquel tío que sabe todo, que actúa de acuerdo con las técnicas y criterios. Con las cosas que están en el libro... Ahora aquel que tienen más sentimientos, tienen más sensibilidades... (MOLINA NETO, 1996MOLINA NETO, Vicente. La cultura docente del professorado de educación física de las escuelas publicas de Porto Alegre. 1996. Tese (Doutorado en Innovació Curricular i Formación del Professorat do Departament de Didáctica i Organització Educativa) - Divisió de Ciencies deI’ Edcucació, Universitat de Barcelona, Barcelona, 1996., p.338).

Ser mãe muda nossas vidas e cada uma de nós sente essas mudanças à sua maneira. Ao refletir sobre como a maternidade afeta sua docência, outra participante da pesquisa assim descreve:

A maternidade afetou minha vida, meu corpo, meu tempo, minhas relações com tudo que eu vivo, meu pensamento, prioridades, ações, o que eu como, consumo, o entendimento que eu tinha de um possível eu, casa, espaço, vida. Enfim, foi uma daquelas mudanças que transformam a vida. Nada mais é como antes e nada mais será como antes. Morreu uma Carolina de Jesus. Em relação à docência, percebo que estou mais atenta a tudo que envolve a temática da maternidade nos ambientes de trabalho que circulo. Como esses espaços “recebem” as crianças. Empatizo com estudantes, colegas, mulheres que são mães porque sei na carne, a luta que é ter uma criança que depende da gente nessa vida. E como também trabalho com crianças, olho para elas com toda abertura, vendo naquele ser toda a potência para aprender, para ser autêntico e para construir, conhecer e transformar esse mundo (Carolina de Jesus, 09/08/2020).

Desdobramos essas reflexões e sentimentos em relação à maternidade, que pode ser vivida de modo mais coletivo, com o vivido em relação à docência, um sentir-se um pouco mãe dos estudantes, sentimento esse que, muitas vezes, nos vemos combatendo em prol de uma identidade profissional para a docência. Em vários espaços escutamos e até defendemos o discurso de que não somos mães ou tias dos estudantes nas escolas, e sim, docentes. Que a educação deve vir de casa e que a escola é lugar de aprender conhecimentos. Será isso mesmo?

Atualmente, temos refletido que o que queremos, desejamos, fazemos com os estudantes nas escolas, também queremos para nossos filhos. De alguma forma, ao sermos professoras, estamos nos confrontando com o sentimento de cuidado que envolve o preocupar-se e o afetar-se com as pessoas, o contribuir para sua autonomia, aprendizagem, humanização. E não seria isso uma forma de maternidade? Não essa maternidade individual, naturalizada e ancorada somente em felicidade e amor. Mas uma maternidade coletiva, construída e voltada para a complexidade do humano, de uma política do cuidado e do acompanhamento da vida de uma ou mais gerações.

Nossas docências em EF foram modificadas a partir das nossas experiências da maternidade. E acreditamos que para decolonizar nossas práticas pedagógicas em EF, precisamos decolonizar nossas relações com a maternidade, buscando nas epistemologias indígenas e africanas uma compreensão de maternidade mais coletiva e comunitária.

6 CONSIDERAÇÕES TRANSITÓRIAS

Refletindo sobre a maternidade em nossa sociedade atual, corroboramos as ideias de Bezerra (2017)BEZERRA, Priscilla. O filho é da mãe? Fortaleza: Substância, 2017. quando destaca que não é a maternidade em si ou a experiência de ter filhos que nos martiriza, que nos sobrecarrega, e, em alguns casos, até nos adoece, mas “é na verdade o que fazem a nós mulheres, tomando a maternidade e os filhos como ferramentas que se não cerceiam, ao menos pesam em nossas trajetórias” (BEZERRA, 2017BEZERRA, Priscilla. O filho é da mãe? Fortaleza: Substância, 2017., p. 14). Ser mãe não pode e não deve nos impedir de sermos qualquer outra coisa que queiramos ser. “Viver a maternidade não significa abrir mão da liberdade. Não pode significar” (D’ÁVILA, 2019, p. 115).

Precisamos reinventar as formas de maternidades, reinventar um mundo onde nossos afetos e a presença das crianças não sejam vistos com “maus” olhos. “É preciso um mundo em que mulheres ocupem espaços públicos e onde a ausência das crianças seja tão marcante quanto sua presença. Porque para cada homem poderoso com filhos ausentes existe uma mulher trancada em casa depois do expediente” (D’ÀVILA, 2019, p. 115).

Precisamos problematizar o custo da maternidade para nós mulheres. Refletir sobre como nos dias de hoje ainda é sobre a mulher que recaem as responsabilidades com os filhos. Por exemplo, na escola, na maioria das vezes, são as mães que são chamadas e/ou comparecem para as reuniões docentes. Reconhecer e observar a que custo as mulheres mães e docentes se mantêm no mercado de trabalho e nos espaços de formação é um primeiro passo para podermos diminuí-lo. Segundo Bezerra (2017BEZERRA, Priscilla. O filho é da mãe? Fortaleza: Substância, 2017., p.24), reconhecer esses elementos significa: “[...] tentar dar um basta no mito da mulher guerreira que de tudo dá conta. É desconstruir a ideia de que o filho é da mãe. É desconstruir a fala falsamente empática que sempre diz: vai passar”.

Por mais que vivamos atualmente no século XXI, e que tenhamos avançado nos estudos científicos e nas práticas sociais diversas e progressistas, a maternidade na vida da mulher foi - e em alguns espaços e tempos ainda é - considerada socialmente a partir de uma perspectiva natural, associada a um destino, percebida como um dos papéis fundamentais e constituintes, como se fosse uma vocação alicerçada no amor incondicional em prol da perpetuação da espécie (BEAUVOIR, 1980BEAUVOIR, Simone de. O segundo sexo. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1980.). Por fim, ressaltamos que, nosso esforço intelectual, acadêmico e cotidiano (BINS; SILVA, 2019BINS, Gabriela Nobre; SILVA, Lisandra Oliveira. Maternidade e docência: tecendo fios da vida. In: SIMPÓSIO BRASILEIRO SOBRE MATERNIDADE E CIÊNCIA, 2, 2019, Porto Alegre. Anais... Porto Alegre. Disponível em: https://doity.com.br/anais/simposiobrasileiromaternidadeeciencia/trabalho/85597. Acesso em: 03 jun. 2021.
https://doity.com.br/anais/simposiobrasi...
) vem se constituindo na defesa de nos distanciarmos desses entendimentos e construirmos novas possibilidades, compreensões e ações de maternar e de exercermos as maternidades com autonomia, coletividade, com menos demandas e responsabilidades.

Ousamos pensar que alguns elementos dessas novas possibilidades de maternar seriam: a importância e a necessidade de uma rede de cuidado/apoio e de políticas públicas e institucionais que possibilitem a vivência da maternidade de forma mais coletiva, amenizando sofrimentos e dificuldades enfrentadas; a percepção de que a experiência da maternidade resulta na ruptura com o que éramos até então e no redimensionamento das diversas esferas da vida, com necessidade de eleição de novas prioridades, escolhas e condições que nos ajudem a alcançarmos e a nos mantermos nos lugares em que desejamos estar, inclusive em nossos trabalhos; e uma aproximação com valores ancestrais dos povos tradicionais que primam por esse ser e estar coletivo e comunitário.

  • 1
    BINS, Gabriela Nobre. Tecendo saberes, tramando a vida: a Educação Física e a Pedagogia Griô: uma experiência autoetnográfica de uma professora de educação física na RME POA. Tese (Doutorado em Ciências do Movimento Humano) - Escola de Educação Física, Fisioterapia e Dança, Universidade de Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2020. Disponível em: http://hdl.handle.net/10183/248889. Acesso em: 4 jul. 2021.
  • 2
    A Pedagogia Griô foi sistematizada em Lençóis/Bahia por Lilian Pacheco e Márcio Caires. Trata de uma reinvenção de métodos de educação, participação e encantamento do social que procura a valorização da palavra, dos afetos, das memórias e dos rituais da tradição oral.
  • 3
    O termo define um posicionamento do feminismo frente às opressões da nossa sociedade heteropatriarcal branca e de base europeia, desfazendo a ideia de um feminismo global e hegemônico como voz única (RIBEIRO, 2020RIBEIRO, Djamila. Prefácio. In: AKOTIRENE, Carla. Interseccionalidade. São Paulo: Editora Jandaíra, 2020.).
  • 4
    Lilian Pacheco, educadora popular, criadora da Pedagogia Griô, concedeu uma entrevista que fez parte do processo metodológico da pesquisa relacionada a este artigo.
  • 5
    Os nomes das colaboradoras foram substituídos para preservar a identidade, exceto o de Lilian Pacheco, por entendermos a importância de visibilizar sua autoria na criação da Pedagogia Griô.
  • FINANCIAMENTO
    O presente trabalho foi realizado sem o apoio de fontes financiadoras.
  • COMO REFERENCIAR

    BINS, Gabriela Nobre; SILVA, Lisandra Oliveira; KUHN, Simone Santos; TERRAGNO, Tatiana Martins; DIEHL, Vera Regina Oliveira; TAVARES, Natacha da Silva; SILVA, Caroline Maciel da. Docência em Educação Física e maternidades: construindo outras inter-relações. Movimento, v. 29, p. e29006, jan./dez. 2023. DOI: https://doi.org/10.22456/1982-8918.124530

ÉTICA DE PESQUISA

A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética de Pesquisa (CEP) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Número do Parecer: 3.159.124.

REFERÊNCIAS

  • AMADIUME, Ifi. Male daughters, female husbands: gender and sex in Africa society. 6. ed. London/New York: Zed Book, 1998.
  • AMADIUME, Ifi. Reiventing Africa: Matriarchy, religion and culture. 2. ed. London/New York: Zed Book, 2001.
  • ARAGÃO, Milena; KREUTZ, Lúcio. A docência na Educação Infantil: entre o dom e a maternidade. InterMeio: Revista do Programa de Pós Graduação em Educação, v. 16, n. 13, jul./dez. 2010. Disponível em: https://periodicos.ufms.br/index.php/intm/article/view/2422 Acesso em: 13 fev. 2023.
    » https://periodicos.ufms.br/index.php/intm/article/view/2422
  • BADINTER, Elisabeth. O conflito: a mulher e a mãe. Rio de Janeiro, Record, 2011.
  • BADINTER, Elisabeth. Um amor conquistado: o mito do amor materno. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985.
  • BEAUVOIR, Simone de. O segundo sexo. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1980.
  • BEZERRA, Priscilla. O filho é da mãe? Fortaleza: Substância, 2017.
  • BINS, Gabriela Nobre; SILVA, Lisandra Oliveira. Maternidade e docência: tecendo fios da vida. In: SIMPÓSIO BRASILEIRO SOBRE MATERNIDADE E CIÊNCIA, 2, 2019, Porto Alegre. Anais... Porto Alegre. Disponível em: https://doity.com.br/anais/simposiobrasileiromaternidadeeciencia/trabalho/85597 Acesso em: 03 jun. 2021.
    » https://doity.com.br/anais/simposiobrasileiromaternidadeeciencia/trabalho/85597
  • CARVALHO, Rejane Nunes. Kanhgang êg my há: para uma psicologia Kaingang. TCC (Trabalho de Conclusão de Curso de Graduação em Psicologia) - Instituto de Psicologia, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2020. Disponível em: http://hdl.handle.net/10183/212727 Acesso em: 13 fev. 2023.
    » http://hdl.handle.net/10183/212727
  • COLLINS, Patricia Hill. Pensamento feminista negro: conhecimento, consciência e a política do empoderamento. São Paulo: Boitempo, 2019.
  • COSTA, Maraiza Oliveira; BARBOSA, Ivone Garcia. Relação gênero-docência-maternidade e implicações no cotidiano escolar. SEMINÁRIO NACIONAL DE TRABALHO E GÊNERO, 2006, Goiânia. Anais. Goiânia: [s. n.], 2006.
  • D’AVILA, Manuela. Revolução Laura Caxias do Sul: Belas Letras, 2019.
  • DINIZ, Margareth. Do que sofrem as mulheres professoras? In: LOPES, Eliane Marta Teixeira (org.). A psicanálise escuta a educação. 2. ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2001.
  • FAGUNDES, Luis Fernando Caldas. As “mulheres dos panos” Mbya Guarani. In: ROSADO, Rosa Maris; FAGUNDES, Luiz Fernando Caldas (org.). Presença indígena na cidade: reflexões, ações e políticas. Porto Alegre: Gráfica Hartmann, 2013.
  • HOOKS, Bell. Tudo sobre o amor: novas perspectivas. São Paulo: Elefante, 2020.
  • LAROQUE, Luís Fernando da Silva; SILVA, Juciane Beatriz S. da. Ambiente e cultura Kaingang: saúde e educação na pauta das lutas e conquistas dos Kaingang de uma terra indígena. Educação em Revista, v. 29, n. 2, p. 253-275, 2013. DOI: https://doi.org/10.1590/S0102-46982013000200011
    » https://doi.org/10.1590/S0102-46982013000200011
  • MALOMALO, Bas’Ilele. A justiça teórico-política ao matriarcado para se pensar a África contemporânea. Revista da ABPN, v. 12, n. 31, fev. 2020. DOI: https://doi.org/10.31418/2177-2770.2020.v12.n.31.p48-71
    » https://doi.org/10.31418/2177-2770.2020.v12.n.31.p48-71
  • MALUF, Vera Maria Daher; KAHHALE, Edna Maria Severino Peters. Mulher, trabalho e maternidade: uma visão contemporânea. Polêmica, v. 9, n. 3, p. 143-160, 2010. Disponível em: https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/polemica/article/view/2803 Acesso em: 13 fev. 2023.
    » https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/polemica/article/view/2803
  • MOLINA NETO, Vicente. La cultura docente del professorado de educación física de las escuelas publicas de Porto Alegre. 1996. Tese (Doutorado en Innovació Curricular i Formación del Professorat do Departament de Didáctica i Organització Educativa) - Divisió de Ciencies deI’ Edcucació, Universitat de Barcelona, Barcelona, 1996.
  • MOREIRA, Lisandra E.; NARDI, Henrique C. Mãe é tudo igual? Enunciados produzindo maternidade(s) contemporânea(s). In: Estudos feministas, v. 17, n. 2, p. 569-594, 2009. DOI: https://doi.org/10.1590/S0104-026X2009000200015
    » https://doi.org/10.1590/S0104-026X2009000200015
  • OLIVEIRA, Luiz Fernandes de. Educação e militância decolonial. Rio de Janeiro: Selo Novo, 2018.
  • OYĚWÙMÍ, Oyèrónké. Conceituando o gênero: os fundamentos eurocêntricos dos conceitos feministas e o desafio das epistemologias africanas. Dakar: CODESRIA, 2004. CODESRIA Gender Series, v. 1.
  • OYĚWÙMÍ, Oyèrónké. Matripotência: Ìyá nos conceitos filosóficos e instituições sociopolíticas [Iorubás]. Tradução Wanderson Flor Nascimento. What Gender is Motherhood? Nova Iorque: Palgrave Macmillan, 2016. cap. 3, p. 57-92.
  • RIBEIRO, Djamila. Prefácio. In: AKOTIRENE, Carla. Interseccionalidade. São Paulo: Editora Jandaíra, 2020.
  • SCAVONE, Lucila. A maternidade e o feminismo: diálogo com as ciências sociais. Cadernos Pagu, n.16, p. 137-150, 2001a. DOI: https://doi.org/10.1590/S0104-83332001000100008
    » https://doi.org/10.1590/S0104-83332001000100008
  • SCAVONE, Lucila. Maternidade: transformações na família e nas relações de gênero. Interface - Comunicação, Saúde, Educação, v. 5, n. 8, p. 47-60, 2001b. DOI: https://doi.org/10.1590/S1414-32832001000100004
    » https://doi.org/10.1590/S1414-32832001000100004
  • SILVA, Lisandra Oliveira e. Os sentidos da escola na atualidade: narrativas de docentes e de estudantes da Rede Municipal de Porto Alegre. 2012. Tese (Doutorado em Ciências do Movimento Humano) - Escola de Educação Física, Fisioterapia e Dança, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2012.
  • TATAGIBA, Ana Paula. Projetos profissionais e/ou maternidade: críticas a um dilema/sofrimento feminino (ainda) contemporâneo. Cadernos Pagu, n. 37, p. 437-444, dec. 2011. Resenha de: BADINTER, Elisabeth. O conflito: a mulher e a mãe. Rio de Janeiro: Record, 2011. DOI: https://doi.org/10.1590/S0104-83332011000200020
    » https://doi.org/10.1590/S0104-83332011000200020
  • WALSH, Catherine. Interculturalidade crítica e pedagogia decolonial: in-surgir, re-existir e re-viver. In CANDAU, Vera Maria (org.). Educação intercultural na América Latina: entre concepções, tensões e propostas. Rio de Janeiro: 7 Letras, 2009. p. 12-43.
  • WELLER, Wivian. Grupos de discussão na pesquisa com adolescentes. Educação e Pesquisa, v. 32, n. 2, p. 241-260, maio/ago., 2006. DOI: https://doi.org/10.1590/S1517-97022006000200003
    » https://doi.org/10.1590/S1517-97022006000200003

Editado por

RESPONSABILIDADE EDITORIAL

Alex Branco Fraga*, Elisandro Schultz Wittizorecki*, Mauro Myskiw*, Raquel da Silveira*
*Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Escola de Educação Física, Fisioterapia e Dança, Porto Alegre, RS, Brasil.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    25 Ago 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    13 Jun 2022
  • Aceito
    21 Dez 2022
  • Publicado
    17 Mar 2023
Universidade Federal do Rio Grande do Sul Rua Felizardo, 750 Jardim Botânico, CEP: 90690-200, RS - Porto Alegre, (51) 3308 5814 - Porto Alegre - RS - Brazil
E-mail: movimento@ufrgs.br