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As percepções dos enfermeiros acerca da liderança

Perceptions of nurses about leadership

Las percepciones de los enfermeros acerca del liderazgo

Resumos

Este estudo teve por objetivo conhecer a percepção do enfermeiro frente à utilização da liderança como instrumento gerencial no seu processo de trabalho. Trata-se de um estudo qualitativo do tipo descritivo e exploratório, realizado com 11 enfermeiras de um hospital de grande porte da região sul do Rio Grande do Sul, realizado durante os meses de fevereiro e março de 2008. Para a coleta dos dados, utilizaram-se entrevistas semi-estruturadas e grupo focal. A Análise de Conteúdo foi escolhida como técnica para tratamento dos dados, obtendo-se duas categorias: significados atribuídos à liderança e autoridade versus autoritarismo. Percebeu-se que, mesmo a liderança oferecendo vantagens ao trabalho da enfermagem, ainda são grandes as dificuldades para compreendê-la e, principalmente, para colocá-la em prática, tornando-se necessário a criação de programas e estratégias de aprimoramento do desempenho da liderança como instrumento gerencial do enfermeiro.

Liderança; Administração de recursos humanos em hospitais; Recursos humanos de enfermagem no hospital; Serviços de saúde


This study aimed to ascertain the perceptions of nurses facing the use of managerial leadership as a tool in their work process. This was a qualitative study of type descriptive and exploratory, conducted with eleven nurses from a large hospital in the southern region of Rio Grande do Sul, Brazil, during the months of February and March 2008. For data collection were used semi-structured interviews and focus group. The content analysis was chosen as a technique for processing the data, resulting in two categories: meanings attributed to the leadership and authority versus authoritarianism. It was noticed that even the leadership offering advantages in nursing work, are still great the difficulties to understand it and, especially, to put it into practice, making it necessary to create programs and strategies to improve the performance of the leadership as an instrument's managerial of nurses.

Leadership; Personnel administration, hospital; Nursing staff, hospital; Health services


Este estudio tuvo por objetivo conocer la percepción del enfermero frente a la utilización del liderazgo como herramienta gerencial en su proceso de trabajo. Se trató de un estudio cualitativo del tipo descriptivo y exploratorio, realizado con once enfermeras de un hospital de grande porte de la región sur de Rio Grande do Sul, Brasil, realizado durante los meses de febrero y marzo de 2008. Para la colecta de los dados, se habían utilizado entrevistas semi-estructuradas y grupo focal. La Análisis de Contenido fue elegida como técnica para tratamiento de los dados, se obteniendo dos categorías: significados atribuidos al liderazgo y autoridad versus autoritarismo. Se percibió que mismo el liderazgo ofreciendo ventajas al trabajo de la enfermería, todavía son grandes las dificultades para comprenderla y, sobre todo, para colocarla en práctica, se volviendo necesario la creación de programas y estrategias de perfeccionamiento del desempeño del liderazgo como instrumento gerencial del enfermero.

Liderazgo; Administración de personal en hospitales; Personal de enfermería en hospital; Servicios de salud


ARTIGO ORIGINAL

As percepções dos enfermeiros acerca da liderança* * Esse artigo é parte da dissertação de Mestrado apresentada em 2008 ao Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da Universidade Federal do Rio Grande (FURG), Rio Grande do Sul, Brasil.

Las percepciones de los enfermeros acerca del liderazgo

Perceptions of nurses about leadership

Simone Coelho AmestoyI; Maria Elisabeth CestariII; Maira Buss ThofehrnIII; Vânia Marli Schubert BackesIV; Viviane Marten MilbrathV; Letícia de Lima TrindadeVI

IMestre em Enfermagem, Doutoranda pelo Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Bolsista do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Membro do Grupo de Pesquisa em Educação em Enfermagem (EDEN), Florianópolis, Santa Catarina, Brasil

IIDoutora em Enfermagem, Professora da Escola de Enfermagem da FURG, Rio Grande, Rio Grande do Sul, Brasil

IIIDoutora em Enfermagem, Professora da Faculdade de Enfermagem e Obstetrícia da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), Líder do Grupo de Estudos e Práticas em Saúde e Enfermagem (NEPEn), Pelotas, Rio Grande do Sul, Brasil

IVDoutora em Enfermagem, Professora Associado da UFSC, Bolsista de Produtividade em Pesquisa do CNPq, Líder do EDEN, Florianópolis, Santa Catarina, Brasil

VMestre em Enfermagem, Doutoranda pelo Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil

VIMestre em Enfermagem, Doutoranda pelo Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da UFSC, Membro do Grupo de Pesquisa Práxis, Florianópolis, Santa Catarina, Brasil

Endereço da autora Endereço da autora: Simone Coelho Amestoy Rua Deputado Antônio Edu Vieira, 1776, ap. 201, Pantanal 88040-000, Florianópolis, SC E-mail: samestoy@terra.com.br

RESUMO

Este estudo teve por objetivo conhecer a percepção do enfermeiro frente à utilização da liderança como instrumento gerencial no seu processo de trabalho. Trata-se de um estudo qualitativo do tipo descritivo e exploratório, realizado com 11 enfermeiras de um hospital de grande porte da região sul do Rio Grande do Sul, realizado durante os meses de fevereiro e março de 2008. Para a coleta dos dados, utilizaram-se entrevistas semi-estruturadas e grupo focal. A Análise de Conteúdo foi escolhida como técnica para tratamento dos dados, obtendo-se duas categorias: significados atribuídos à liderança e autoridade versus autoritarismo. Percebeu-se que, mesmo a liderança oferecendo vantagens ao trabalho da enfermagem, ainda são grandes as dificuldades para compreendê-la e, principalmente, para colocá-la em prática, tornando-se necessário a criação de programas e estratégias de aprimoramento do desempenho da liderança como instrumento gerencial do enfermeiro.

Descritores: Liderança. Administração de recursos humanos em hospitais. Recursos humanos de enfermagem no hospital. Serviços de saúde.

RESUMEN

Este estudio tuvo por objetivo conocer la percepción del enfermero frente a la utilización del liderazgo como herramienta gerencial en su proceso de trabajo. Se trató de un estudio cualitativo del tipo descriptivo y exploratorio, realizado con once enfermeras de un hospital de grande porte de la región sur de Rio Grande do Sul, Brasil, realizado durante los meses de febrero y marzo de 2008. Para la colecta de los dados, se habían utilizado entrevistas semi-estructuradas y grupo focal. La Análisis de Contenido fue elegida como técnica para tratamiento de los dados, se obteniendo dos categorías: significados atribuidos al liderazgo y autoridad versus autoritarismo. Se percibió que mismo el liderazgo ofreciendo ventajas al trabajo de la enfermería, todavía son grandes las dificultades para comprenderla y, sobre todo, para colocarla en práctica, se volviendo necesario la creación de programas y estrategias de perfeccionamiento del desempeño del liderazgo como instrumento gerencial del enfermero.

Descriptores: Liderazgo. Administración de personal en hospitales. Personal de enfermería en hospital. Servicios de salud.

ABSTRACT

This study aimed to ascertain the perceptions of nurses facing the use of managerial leadership as a tool in their work process. This was a qualitative study of type descriptive and exploratory, conducted with eleven nurses from a large hospital in the southern region of Rio Grande do Sul, Brazil, during the months of February and March 2008. For data collection were used semi-structured interviews and focus group. The content analysis was chosen as a technique for processing the data, resulting in two categories: meanings attributed to the leadership and authority versus authoritarianism. It was noticed that even the leadership offering advantages in nursing work, are still great the difficulties to understand it and, especially, to put it into practice, making it necessary to create programs and strategies to improve the performance of the leadership as an instrument's managerial of nurses.

Descriptors: Leadership. Personnel administration, hospital. Nursing staff, hospital. Health services.

INTRODUÇÃO

Na atualidade, vivencia-se um período de mudanças históricas, no qual respostas antigas tornaram-se inadequadas para enfrentar novas realidades, sendo resultado de contínuas transformações de cunho político, econômico, filosófico e tecnológico. Tais mudanças acabam afetando, diretamente, as organizações que precisam adaptar-se a um ritmo cada vez mais dinâmico e competitivo. Diante disso, as instituições hospitalares passaram a ser visualizadas como empresas, desta forma, iniciaram um processo de adesão a uma nova cultura organizacional mais flexível, baseada na negociação, na redução de custos, na qualidade total e no crescimento profissional de seus integrantes(1).

Frente a esse contexto, torna-se imprescindível destacar a liderança como um instrumento gerencial no processo de trabalho da enfermagem que auxilia o enfermeiro na coordenação da equipe, na tomada de decisões e no enfrentamento de conflitos que possam emergir no ambiente de trabalho(2). Considera-se a liderança como um fenômeno de influência grupal, em que é essencial agregar esforços, a fim de atingir as metas compartilhadas pelo grupo(3).

No decorrer do desenvolvimento do cuidado compete ao enfermeiro o gerenciamento da assistência prestada aos usuários, a execução de atividades administrativas, educativas e de pesquisa, com o intuito de aprimorar a prática profissional(4). O enfermeiro destaca-se na área da saúde pela multiplicidade de atividades que desenvolve, as quais incluem o trabalho intelectual, a coordenação das ações da equipe de enfermagem, bem como a organização e implementação da assistência(5).

Contudo, constata-se que esse profissional possui dificuldades no desempenho da liderança no âmbito hospitalar, uma delas é que muitas vezes realizam, excessivamente, atividades burocráticas que privilegiam as normas em detrimento ao cuidado e às pessoas(1). Por este motivo, a enfermagem necessita de líderes motivados, com espírito criativo para vivenciar, experimentar, compreender e praticar as habilidades de liderança(6), a fim de que possam contribuir para a qualidade do cuidado humano e ético.

Desta forma, entende-se que essa capacidade de liderar precisa ser construída e aprimorada, diariamente. Todavia, para que o enfermeiro exerça a liderança no seu ambiente de trabalho é indispensável que o mesmo cultive algumas características, destacando-se entre elas: comunicação, saber ouvir, conhecimento, responsabilidade, autoconhecimento, comprometimento, saber trabalhar em equipe e bom humor(7,8).

As instituições de ensino são responsáveis pela viabilização em seus currículos de conteúdos específicos e estratégias que permitam o aprendizado da liderança, enquanto competência profissional(9). Porém é no contexto dos serviços de saúde que o enfermeiro exercita essa habilidade. Diante disso, esse estudo teve como objetivo conhecer a percepção do enfermeiro frente à utilização da liderança como instrumento gerencial no seu processo de trabalho.

MÉTODOS

Tratou-se de um estudo qualitativo do tipo descritivo e exploratório. O mesmo foi realizado durante os meses de fevereiro e março de 2008, em um hospital de grande porte localizado na região sul do Rio Grande do Sul. Compuseram a pesquisa 11 enfermeiras, as quais possuíam idades entre 23 e 39 anos; sete especialistas e uma mestranda; com tempo de experiência profissional variando de um ano e três meses a 15 anos, e tempo de trabalho na instituição entre um e 15 anos. Todas as participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e participaram de todas as etapas do estudo.

Na coleta dos dados fez-se uso de entrevistas semi-estruturadas e grupo focal. As entrevistas semi-estruturadas aconteceram no próprio local do estudo e o conteúdo das gravações foi transcrito logo após a sua realização. As participantes foram questionadas quanto aos significados que atribuem à liderança e as relações de poder que são inerentes a esse processo.

Quanto ao grupo focal, foram realizados três encontros, no primeiro o processo de trabalho da enfermagem foi o tema central. Uma das pesquisadoras participou dos encontros exercendo a função de facilitadora, a qual teve a responsabilidade de garantir que o grupo abordasse os aspectos de interesse do estudo. Ao iniciar o encontro a facilitadora realizou a introdução do tema abordando a história do trabalho, bem como o processo de trabalho da enfermagem, seus conceitos relevantes; após dez minutos de apresentação do tema, abriu-se a discussão para o grupo, o qual participou ativamente. No segundo grupo foram apresentados os dados obtidos no primeiro encontro e verificado a existência de dúvidas sobre o tema, a fim de saná-las. E no terceiro e último encontro, os dados foram validados pelas participantes e, ainda, realizou-se um momento de confraternização. Convém informar que cada grupo focal teve, aproximadamente, uma hora de duração, os quais foram realizados quinzenalmente.

Os encontros contaram ainda, com a presença de um observador não participante das discussões, que não fazia parte do cotidiano de trabalho das enfermeiras, a fim de preservar a neutralidade. O observador registrou a dinâmica de grupo e as reações dos diferentes sujeitos da pesquisa.

A Análise de Conteúdo foi escolhida como técnica para tratamento dos dados, pois busca descobrir os núcleos de sentido que compõem a comunicação, bem como a frequência de sua aparição(10). Tanto as entrevistas quanto os diálogos colhidos nos grupos focais foram gravados, transcritos e posteriormente lidos, analisados e categorizados buscando-se os significados e estruturas dos conteúdos das falas dos participantes. Foi utilizada a mesma codificação para análise das entrevistas e grupos focais, no intuito de aproximar os achados destas.

Para o desenvolvimento do estudo foram respeitados os procedimentos éticos exigidos pela Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde(11), com aprovação pelo Comitê de Ética em Pesquisa do hospital em questão, sob o protocolo nº 29/2007.

RESULTADOS E DISCUSSÕES

Convém informar que as falas das enfermeiras emergidas durante a entrevista e o grupo focal foram identificadas com a letra "E" e um número para cada uma das participantes, com o intuito de preservar suas identidades.

Nas discussões, os achados das duas técnicas de coleta de dados utilizadas no estudo são intercalados. Desta forma, após os depoimentos emergidos das entrevistas, são acrescidos à codificação a letra "E" e, quanto aos depoimentos extraídos do grupo focal, foi acrescentado "GF".

A fim de contemplar o objetivo proposto, ou seja, conhecer a percepção do enfermeiro frente à utilização da liderança como instrumento gerencial no seu processo de trabalho, inicia-se a apresentação das duas categorias que emergiram na Análise de Conteúdo, sendo elas: Significados atribuídos à liderança e Autoridade versus autoritarismo.

Significados atribuídos à liderança

Esta categoria representa as percepções que as enfermeiras expressaram quanto à inserção da liderança em sua prática assistencial. Neste sentido, uma das depoentes relatou ter dificuldade em compreender o papel da liderança enquanto instrumento gerencial, mesmo considerando-a importante em seu cotidiano.

A liderança é fundamental para o trabalho da enfermeira, mas acho que é muito difícil à gente exercer uma liderança positiva, é difícil até entender o que é liderança, mas eu sei que é muito importante. E no dia-a-dia do trabalho, tu tens que ser líder para auxiliar os funcionários, para distribuir funções, para estar atento, ver o que são prioridades. Eu acho que isso cabe ao enfermeiro, e é um papel de liderança (E1-E).

Na presente declaração foi possível identificar o déficit de conhecimento sobre o assunto. Também se constatou que, as depoentes descrevem a liderança como fundamental para a organização de normas e rotinas, já que está associada à realização de atividades de coordenação da equipe, bem como de articulação do trabalho dos profissionais de enfermagem. No entanto, as participantes confundem o conceito de liderança com o de gerência, pois as conceituações atribuídas à liderança referem-se à atividade gerencial, a qual é compreendida como as ações desenvolvidas pelo enfermeiro com o intuito de organizar o espaço terapêutico, desenvolvendo condições para a realização do cuidado(12).

Diante disso, o saber gerencial, o qual engloba a liderança, se sobressai como um dos instrumentos de trabalho utilizados pelo enfermeiro para melhor assistir e planejar as demandas requeridas pelo cuidado. Porém, os conceitos de gerenciamento e liderança exigem reflexão constante, pois os mesmos podem não estar claros para os enfermeiros(13). Fato evidenciado nos depoimentos a seguir:

No trabalho como enfermeira a liderança é importante de forma a ter uma boa organização na unidade, sempre tem que ter alguém que tome a iniciativa para que o trabalho seja organizado (E2-E).

A liderança é importante para organizar uma equipe, para definir o papel de cada funcionário, as atividades e rotinas. Assim se o funcionário tem alguma dúvida, tem algum problema com a equipe ou com o paciente, ele tem que buscar ajuda em uma pessoa que vai ser o enfermeiro (E3-GF).

[...] para o enfermeiro a liderança é tão importante porque é ele que norteia as condutas, as rotinas das unidades e qualquer coisa que saia do normal quem vai responder é ele, que em algum momento não teve liderança ou responsabilidade de chegar e falar "está errado tal coisa" (E4-E).

Vários dos depoimentos demonstraram que o entendimento de liderança para não condiz com os conceitos apresentados na literatura consultada. Cabe destacar que a liderança é a capacidade de influenciar as pessoas a atuarem de modo ético-profissional, a fim de alcançar objetivos em comum, através do empenho coletivo(14).

Estudiosos identificam que a estrutura organizacional dos hospitais tem mantido modelo hierarquizado vertical, responsabilidades fragmentadas, relações humanas formais com base na concepção burocrática(15). Contribuindo para que o cuidado, expressão do trabalho da equipe de enfermagem, seja alvo de críticas relacionadas à forma mecanicista e burocratizada como é desenvolvido, em contrapartida, sofrendo questionamentos sobre os recursos e instrumentais utilizados para a sua consecução, os quais permanecem interligados a paradigmas tradicionais, que acabam ferindo o viver humano em sua subjetividade e complexidade(16).

Em um estudo recente sobre formas de liderança constata-se que a equipe espera do enfermeiro uma atitude de cuidado, não restrita aos usuários e familiares, mas também para com os membros da equipe de enfermagem objetivando romper com o modelo opressor de liderança presente nas instituições hospitalares(17). Para tanto, esse cuidado deve estar atrelado à liderança dialógica, que poderá colaborar para o aumento da qualidade da assistência, além do estabelecimento de vínculos profissionais saudáveis.

Também foi possível identificar que uma pequena parcela das enfermeiras se aproximou dos conceitos de liderança disponibilizados na literatura.

Com a liderança tu evita que a tua equipe tenha objetivos diferentes, tu consegue estabelecer um objetivo em comum, a contemplar o que é almejado como progresso (E5-E).

Liderança é toda a estrutura do trabalho, porque no momento que a gente não consegue liderar desestrutura toda a equipe, e assim, não se consegue dar conta de toda a complexidade que é o cuidado com o paciente (E6-E).

A liderança não seria mandar e obedecer, a liderança seria muito mais uma questão de influência (E7-GF).

Semelhante a alguns autores, os depoimentos se referem à liderança como um processo grupal, em que o líder possui a capacidade de exercer influência e de auxiliar o grupo para alcançar objetivos e metas(1,15). Percebe-se que a palavra influência é muito utilizada nos textos que abordam a temática em pauta. Sendo assim, a influência consiste na habilidade, que os indivíduos possuem de mudar as decisões de outros mesmo não tendo autoridade e força para assim proceder(17). É através da influência que o enfermeiro-líder orienta a equipe para a realização de suas ações, no entanto, ele pode optar por uma liderança positiva, a qual estimule o crescimento pessoal e profissional de seus colaboradores, ou adotar uma postura negativa, incentivando a dependência da equipe às suas determinações.

Nesse cenário, destaca-se a liderança integrativa, em que o líder afasta-se da postura diretiva para reconhecer as potencialidades de cada membro da equipe, estimular a co-responsabilização, a socialização dos saberes e a autonomia profissional. Este modelo de liderança é compreendido como suporte para o encadeamento das relações interpessoais, no qual o enfermeiro-líder tem consciência de que exerce influência e é influenciado pelos seus colaboradores. Em virtude disso o mesmo necessita adotar relações dialógicas no âmbito hospitalar, corporificando um processo mútuo e permanente de ensinar e aprender, construindo através desse movimento uma teia de relações interdependentes que convergem para a superação das relações piramidais que caracterizam o trabalho na enfermagem(16).

Autoridade versus autoritarismo

Frequentemente, a liderança é mal compreendida, principalmente no meio empresarial, que é o caso do ambiente hospitalar. Algumas pessoas, equivocadamente, a confundem com autoridade, exigindo respeito e obediência por acreditarem que possuem algum tipo de influência sobre os demais, em decorrência de sua posição social, econômica, cargo, titulação, entre outros. Identifica-se que a autoridade consiste no direito de comandar, estabelecido através do poder legitimado, conferindo a uma determinada pessoa a responsabilidade de tomar decisões e ordenar as atividades de outrem(18). Já o autoritarismo é reconhecido como o abuso do poder, no qual a instituição ou pessoa se excede no exercício da autoridade. Alguns depoimentos refletem o pensamento dos participantes relacionado a essa questão.

[...] eu vejo que as colegas da gente confundem um pouco acham que a liderança está ligada à autoridade, a grosseria, a mandar e eu acho que liderança não é isso, liderança é liderar, coordenar, fazer com que funcione bem (E1-E).

A gente pode ser líder sem ser autoritário, pois tem muita gente que se forma e está entrando no mercado e já acha que o enfermeiro é só para mandar [...] mas tem gente que é autoritário no sentido de não respeitar a pessoa como ser humano, manda, é grosseiro (E3-E).

Eu acredito que liderança não é ser autoritário, mas sim conseguir com que as pessoas caminhem no mesmo sentido, de forma harmoniosa. O trabalho passa a ser uma forma satisfatória para elas e para as pessoas que estão envolvidas no processo de trabalho, que seriam os pacientes e os funcionários (E5-GF).

Apenas uma participante revelou-se a favor da utilização de métodos impositivos e autoritários, visto que tinha por objetivo posicionar-se perante a equipe de enfermagem.

[...] o enfermeiro tem que ter conhecimento, iniciativa e se necessário autoridade, mas se com conhecimento, com iniciativa a equipe não consegue entender, que precisa ser liderada, então, não vai no amor tem que ser meio imposto (E6-E).

No estudo atual, as enfermeiras concordaram quanto à importância de distinguir liderança, autoridade e autoritarismo. Cumpre informar que o enfermeiro ao coordenar as atividades, na maioria das vezes, assume uma posição hierárquica vertical que lhe confere legalmente poder e autoridade para atuar, por meio da supervisão comanda e controla as ações dos membros da equipe com o objetivo de garantir a eficiência e a eficácia no trabalho; como coordenador, tem poder e autoridade para ditar e impor padrões de trabalho, seguindo e fazendo seguir regras, normas, rotinas que contemplam, geralmente, as metas organizacionais(19).

Ao adentrar no cotidiano das instituições hospitalares, é comum presenciar situações envolvendo abusos de poder. Algumas pessoas tentam mascarar sua insegurança e fraquezas utilizando-se da prepotência e arrogância para lidar com seus colaboradores. Já o medo é uma forma de coação que pode induzir as pessoas a aceitarem tal influência, porém se sabe que esse tipo de liderança não é capaz de sobreviver por muito tempo. E situações assim podem tornar-se verdadeiros estopins dentro destas organizações, por serem geradoras de conflitos e capazes de alterar o clima no ambiente de trabalho.

Contudo, acredita-se que a imposição não se reflete na melhor maneira de exercer a liderança no ambiente laboral. O mais habitual é que, frente ao abuso da autoridade, os trabalhadores acabem realizando as atividades conforme o exigido, muitas vezes, por medo ou receio de perderem o emprego. Tal imposição pode contribuir para o desenvolvimento do sofrimento psíquico, limitando a criatividade, afetando a satisfação e qualidade de vida dos profissionais. Por isso, compreende-se que a força derivada da posição é uma fraqueza, pois diminui o potencial de quem a utiliza, reafirmando a dependência de fatores externos para conseguir os resultados almejados(20).

Estudos resgatam a necessidade do líder de estar aberto para o desempenho de um novo papel, mais flexível, dinâmico, integrativo, disposto a assumir e enfrentar os riscos, em contraposição ao diretivo, ditador de regras, normas e procedimentos(14,19). Isso também emerge nas falas do grupo pesquisado.

Tem enfermeiras muito mais enérgicas, mas eu acho que não adianta gritar, querer impor, eu acho que as coisas têm que se dar mais ao natural, não adianta ser imposto (E7-E).

Eu acho que o mais importante é a pessoa não impor nada, tentar conquistar de outra maneira, através do diálogo (E8-E).

Diante dos aspectos apresentados, busca-se distinguir tais formas de liderança que estão implícitas nesses depoimentos, ou seja, liderança diretiva e integrativa. O líder diretivo beneficia-se de sua liderança formal e do abuso da autoridade, ou seja, do autoritarismo para impor, ditar normas e regras; da mesma forma, o líder integrativo também possui autoridade, mas a utiliza de forma dialógica, buscando o aprimoramento humano e profissional de seus colaboradores, pois é capaz de partilhar o conhecimento e de buscar novas maneiras de se posicionar perante a equipe, por meio de atitudes horizontais, independente da posição ocupada no organograma institucional(20). Dessa forma, o enfermeiro-líder conquista e inspira a equipe, constrói laços de amizade e confiança, sendo também promotor de mudanças e agente motivacional(2).

A partir disso, o líder que deseja influenciar positivamente sua equipe precisa, em primeiro lugar, dar o exemplo e utilizar, de forma coerente, a ação e o discurso. As pessoas que não conseguem estabelecer uma relação harmoniosa entre o falar e o fazer acabam perdendo a confiança e a credibilidade de seus colaboradores e, por consequência, abalando a sua própria liderança.

Então essa parte da ação e do discurso eu acho muito importante, se tu fizeres uma coisa e falar outra, tu podes perder a confiança da tua equipe (E9-GF).

A confiança é compreendida como a base da liderança, sendo o principal elo que mantém a união dentro de uma organização(14). Caso o enfermeiro não consiga instituir um relacionamento confiável com sua equipe, ele poderá ter dificuldades para liderar, pois trabalhar em locais, no qual as pessoas desconfiam umas das outras impede que o trabalho possa fluir no seu ritmo normal. Nesse contexto, enfatiza-se a liderança como um instrumento de trabalho do enfermeiro que possibilita um melhor assistir e planejar as demandas que o cuidado requer.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os resultados demonstraram aproximações frente aos dados obtidos nas duas modalidades de coleta, sendo possível afirmar que houve coerência entre os mesmos. Quanto aos depoimentos que envolvem autoridade e autoritarismo, pode-se destacar que a participação das enfermeiras foi maior nas entrevistas, apresentando-se um pouco receiosas em expor sua opinião durante os grupos focais. Acredita-se que esse resultado está relacionado à complexidade do assunto em pauta.

De acordo com os dados obtidos constatou-se que as enfermeiras possuem dificuldade em compreender o significado da liderança, mesmo considerando-a importante em seu cotidiano. Conforme a percepção das participantes, a liderança auxilia o enfermeiro no alcance dos objetivos, dentre eles o oferecimento de um cuidado de qualidade aos usuários, estando permeada pela capacidade desse profissional em influenciar seus colaboradores.

Cabe alertar que algumas pessoas confundem liderança, autoridade e autoritarismo. As participantes do estudo concordaram quanto à importância de distingui-los e apenas uma participante se posicionou a favor do uso de métodos diretivos e impositivos frente à equipe de enfermagem. Constata-se que o autoritarismo está presente em uma fala e é contestado pelas demais participantes, porém, de modo incipiente e fugaz. Dessa forma, visualiza-se uma fragilidade no estudo, a falta da observação da realidade desses indivíduos, a qual poderia revelar com mais profundidade a postura das enfermeiras quanto ao exercício da autoridade e a utilização do autoritarismo.

O estabelecimento de laços de confiança é outro aspecto importante a ser discutido, pois auxilia o enfermeiro em seu processo de trabalho, que está vinculado a utilização coerente da ação e do discurso. As pessoas que possuem dificuldades para estabelecer uma relação harmônica em sua práxis acabam perdendo a confiança e a credibilidade de sua equipe e, por consequência, abalando a sua própria liderança. Também se destaca a liderança integrativa, como um modelo de liderança na enfermagem, que facilita a formação de relações interpessoais saudáveis, além de estimular a co-responsabilização, a socialização dos saberes e a autonomia profissional de todos os membros da equipe.

Considera-se que o desenvolvimento desse estudo possibilitou o conhecimento da percepção dos enfermeiros frente à utilização da liderança como instrumento gerencial do seu processo de trabalho. É evidente que a liderança possui suas vantagens, no entanto, constata-se que ainda são grandes as dificuldades para compreendê-la e principalmente para colocá-la em prática nas instituições hospitalares, essas também possuem a responsabilidade de auxiliar o enfermeiro no desempenho da liderança, por serem reconhecidas como locais propícios para o desenvolvimento profissional. Em virtude disso, a partir dos resultados obtidos sugere-se a criação de programas de desenvolvimento de líderes na enfermagem, devido a esses profissionais estarem pouco instrumentalizados para exercer tal habilidade no ambiente hospitalar.

Recebido em: 28/05/2009

Aprovado em: 21/12/2009

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    Simone Coelho Amestoy
    Rua Deputado Antônio Edu Vieira, 1776, ap. 201, Pantanal
    88040-000, Florianópolis, SC
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    Esse artigo é parte da dissertação de Mestrado apresentada em 2008 ao Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da Universidade Federal do Rio Grande (FURG), Rio Grande do Sul, Brasil.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      14 Out 2010
    • Data do Fascículo
      Dez 2009

    Histórico

    • Aceito
      21 Dez 2009
    • Recebido
      28 Maio 2009
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