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Atentando para as singularidades humanas na atenção à saúde por meio do diálogo e acolhimento

Considering human peculiarities in attention to health care through dialogue and assistance

Reflexión sobre las singularidades humanas en la atención a la salud por medio del diálogo y acogimiento

Resumos

Objetivou-se compreender como os trabalhadores de saúde se posicionam frente ao seu principal objeto de trabalho - o usuário - sujeito e autor da sua história de vida. Pesquisa qualitativo-exploratória. Participaram 11 profissionais de enfermagem em Unidade Básica de Saúde, por meio de um instrumento semi-estruturado nos meses de março e abril de 2008. As falas resultaram em dois temas convergentes: Atentando para as singularidades humanas na atenção à saúde; Diálogo e acolhimento como possibilidades interativas. Evidenciou-se que a atenção à saúde vem ampliando os debates pela valorização da singularidade humana por meio do diálogo e acolhimento como possibilidades interativas.

Cuidados de enfermagem; Relações interpessoais; Humanização da assistência


The aim of this qualitative exploratory research is to understand how health workers relate to the main object of their work - the user - both subject and author of his/her life history. Eleven nursing practitioners from a Basic Health Unit participated in a semi-structured instrument, in March and April, 2008. The speeches revealed two converging themes: (1) Consideration of human peculiarities in attention to health care; and (2) dialogue and assistance as interactive possibilities. We found that the attention to health care is broadening the debates over valuing human peculiarities through dialogue and assistance as interactive possibilities.

Nursing care; Interpersonal relations; Humanization of assistance


Se objetivó comprender cómo los trabajadores de salud se posicionan ante su principal objeto de trabajo - el usuário - sujeto y autor de su historia de vida. Investigación cualitativo-exploratoria. Participaron once profesionales/enfermeros en Unidad Básica de Salud, por medio de un instrumento semiestructurado, durante marzo y abril de 2008. Las hablas resultaron en dos temas convergentes: Reflexionando sobre las singularidades humanas en la atención a la salud; Diálogo y acogimiento como posibilidades interactivas. Se evidenció que la atención a la salud viene ampliando los debates por la valorización de la singularidad humana por medio del diálogo y acogimiento como posibilidades interactivas.

Atención de enfermería; Relaciones interpersonales; Humanización de la atención


ARTIGO ORIGINAL

Atentando para as singularidades humanas na atenção à saúde por meio do diálogo e acolhimento

Reflexión sobre las singularidades humanas en la atención a la salud por medio del diálogo y acogimiento

Considering human peculiarities in attention to health care through dialogue and assistance

Adriana Dall'Asta PereiraI; Hilda Maria Barbosa de FreitasII; Carla Lizandra de Lima FerreiraII; Mara Regina Caino Teixeira MarchioriII; Martha Helena Teixeira SouzaII; Dirce Stein BackesIII

IMestre em Enfermagem, Docente do Curso de Enfermagem do Centro Universitário Franciscano (UNIFRA), Membro do Grupo de Estudos e Pesquisa em Empreendedorismo Social da Enfermagem e Saúde (GEPESES), Santa Maria, Rio Grande do Sul, Brasil

IIMestre em Enfermagem, Docente do Curso de Enfermagem da UNIFRA, Membro do GEPESES, Santa Maria, Rio Grande do Sul, Brasil

IIIDoutora em Filosofia da Enfermagem, Docente do Curso de Enfermagem da UNIFRA, Membro do Grupo de Estudos e Pesquisas em Administração de Enfermagem e Saúde (GEPADES) e Líder do GEPESES, Santa Maria, Rio Grande do Sul, Brasil

Endereço da autora Endereço da autora: Hilda Maria Barbosa de Freitas Rua Felix Mainard, 200, Camobi 97110-633, Santa Maria, RS E-mail: hildasame@gmail.com

RESUMO

Objetivou-se compreender como os trabalhadores de saúde se posicionam frente ao seu principal objeto de trabalho – o usuário – sujeito e autor da sua história de vida. Pesquisa qualitativo-exploratória. Participaram 11 profissionais de enfermagem em Unidade Básica de Saúde, por meio de um instrumento semi-estruturado nos meses de março e abril de 2008. As falas resultaram em dois temas convergentes: Atentando para as singularidades humanas na atenção à saúde; Diálogo e acolhimento como possibilidades interativas. Evidenciou-se que a atenção à saúde vem ampliando os debates pela valorização da singularidade humana por meio do diálogo e acolhimento como possibilidades interativas.

Descritores: Cuidados de enfermagem. Relações interpessoais. Humanização da assistência.

RESUMEN

Se objetivó comprender cómo los trabajadores de salud se posicionan ante su principal objeto de trabajo – el usuário – sujeto y autor de su historia de vida. Investigación cualitativo-exploratoria. Participaron once profesionales/enfermeros en Unidad Básica de Salud, por medio de un instrumento semiestructurado, durante marzo y abril de 2008. Las hablas resultaron en dos temas convergentes: Reflexionando sobre las singularidades humanas en la atención a la salud; Diálogo y acogimiento como posibilidades interactivas. Se evidenció que la atención a la salud viene ampliando los debates por la valorización de la singularidad humana por medio del diálogo y acogimiento como posibilidades interactivas.

Descriptores: Atención de enfermería. Relaciones interpersonales. Humanización de la atención.

ABSTRACT

The aim of this qualitative exploratory research is to understand how health workers relate to the main object of their work – the user – both subject and author of his/her life history. Eleven nursing practitioners from a Basic Health Unit participated in a semi-structured instrument, in March and April, 2008. The speeches revealed two converging themes: (1) Consideration of human peculiarities in attention to health care; and (2) dialogue and assistance as interactive possibilities. We found that the attention to health care is broadening the debates over valuing human peculiarities through dialogue and assistance as interactive possibilities.

Descriptors: Nursing care. Interpersonal relations. Humanization of assistance.

INTRODUÇÃO

O avanço científico acelerado e a utilização de sofisticados aparelhos diagnósticos no setor da saúde geraram, nos últimos anos, estruturas altamente equipadas, bem como profissionais cada vez mais especializados e qualificados. Surgem, no entanto, nesse contexto, problemas éticos e questionamentos referentes à forma como os trabalhadores de saúde se posicionam frente ao seu principal objeto de trabalho, à vida e à dor de indivíduos fragilizados pela doença(1-4).

O debate sobre os modelos de gestão e de atenção à saúde, aliados aos de formação dos profissionais e aos modos com que o controle social vem se exercendo é, portanto, necessário e urgente. Necessário para que possamos garantir o direito constitucional "Saúde para todos", e urgente porque tal debate é uma condição para viabilizar uma saúde digna e humana para todos, com profissionais comprometidos com o ser humano como um todo.

Para ampliar os debates, o Ministério da Saúde ao identificar o número significativo de queixas dos usuários e prestadores do Sistema Único de Saúde (SUS), acerca da qualidade do contato humano, tomou a iniciativa de elaborar uma proposta de trabalho voltada para humanização dos serviços de saúde, inicialmente dos serviços públicos. Após ser constituído o Comitê Técnico, o mesmo elaborou a Política Nacional de Humanização dos Serviços de Saúde (PNHSS), que foi lançada em 2002, enquanto resultado do esforço integrado do Ministério da Saúde, de secretarias estaduais e municipais, bem como de entidades da sociedade civil, além da participação de gestores, profissionais de saúde e comunidade(5).

Nesta política o acolhimento na atenção a saúde constitui um dispositivo na organização do processo de trabalho dos serviços, portanto deve estar relacionado como parte do processo de produção de saúde como algo que qualifica a relação e que, portanto, é passível de ser apreendido em diferentes dimensões (relacionais, técnico, clinica, cidadania) e trabalhado em todo e qualquer encontro entre profissional/usuário, profissional/profissional, equipe de saúde/gestão e usuário e sua rede social(5).

O "acolhimento" significa a humanização do atendimento, o que pressupõe a garantia de acesso a todas as pessoas. Diz respeito, ainda, à escuta de problemas de saúde do usuário, de forma qualificada, dando-lhe sempre uma resposta positiva e responsabilizando-se pela resolução do seu problema. Por conseqüência, o Acolhimento deve garantir a resolubilidade que é o objetivo final do trabalho em saúde, resolver efetivamente o problema do usuário. A responsabilização para com o problema de saúde vai além do atendimento propriamente dito, diz respeito também ao vínculo necessário entre o serviço e a população usuária(6).

O processo de humanização implica, nessa perspectiva, na transformação da cultura assistencial, a fim de que sejam valorizados os aspectos subjetivos, históricos e culturais dos profissionais e usuários para melhorar as condições de trabalho e a qualidade do atendimento(7).

Para transformar a cultura assistencial baseada nos princípios da humanização, é fundamental uma investigação do processo de trabalho enquanto instrumento que proporcionará informações-chave para os assuntos pertinentes. A modificação da cultura requer um comprometimento dos profissionais envolvidos no processo de cuidado com estímulo à criatividade e iniciativas individuais. Logo, faz parte do novo cenário da saúde repensar e reinterpretar o conceito de saúde para além da biologia e principalmente a valorização de uma política de cuidado integral em sua dimensão física, psíquica, social e espiritual(8).

Criar uma cultura de humanização, nesse contexto, implica uma profunda valorização do potencial humano e uma compreensão de equipe, na qual todos os membros da coletividade se sentem beneficiados e beneficiários. Nessa direção, o atendimento humanizado ao usuário deve caminhar de mãos dadas com o atendimento humanizado ao profissional de saúde. Por isso, é premente estimular um ambiente de cuidado humano que envolva a gestão, equipes de trabalhadores e usuários, ou seja, um ambiente onde todos cuidam e são cuidados.

Para a construção de uma Política de qualificação do SUS, a humanização deve ser vista como uma das dimensões fundamentais, não podendo ser entendida como apenas um "programa" a mais a ser aplicado aos diversos serviços de saúde, mas como uma política que opere transversalmente em toda a rede SUS, a começar pela formação dos profissionais da saúde.

O risco de tomarmos a humanização como mais um programa seria o de aprofundar relações verticais em que são estabelecidas normativas que "devem ser aplicadas e operacionalizadas", o que significa grande parte das vezes, efetuação burocrática, descontextualizada e dispersiva, por meio de ações pautadas em índices a serem cumpridos e em metas a serem alcançadas independentemente de sua resolutividade e qualidade. Desse modo, o presente trabalho foi instigado pela seguinte questão de pesquisa: Como os trabalhadores de saúde se posicionam frente ao seu principal objeto de trabalho – o usuário – sujeito e autor da sua história de vida?

Na tentativa de responder ao questionamento anteriormente explicitado, e na expectativa de possibilitar novos olhares sobre o diálogo e acolhimento aos usuários pelos profissionais de saúde, objetiva-se compreender como os trabalhadores de saúde se posicionam frente ao seu principal objeto de trabalho – o usuário – sujeito e autor da sua história de vida.

METODOLOGIA

O estudo caracteriza-se como qualitativo-exploratório, pela possibilidade de trabalhar com os significados e percepções dos fenômenos sociais e compreender qualitativamente como os profissionais da saúde se posicionam frente ao seu principal objeto de trabalho.

Desse modo, o estudo foi realizado em uma Unidade Básica de Saúde (UBS) localizada na região oeste da cidade de Santa Maria, Rio Grande do Sul, que abrange em torno de 40.000 habitantes. Esta UBS pertence a um bairro com aproximadamente 12.457 habitantes(9).

A amostra do estudo foi constituída por onze profissionais de enfermagem que atuam na Unidade Básica acima referenciada, nos turnos da manhã e tarde. Os dados foram coletados por meio de uma entrevista no período entre março e abril de 2008. Para a coleta dos dados, foi utilizado um instrumento semi-estruturado, assim como a técnica de observação para o registro de aspectos relevantes que pudessem auxiliar na delimitação das categorias. A entrevista foi realizada pelas autoras do estudo, conforme disponibilidade de data e horário dos participantes, aleatoriamente selecionados. Estes foram identificados pela letra "p", seguida de um número correspondente, no intuito de manter o anonimato dos respondentes.

Para o registro das observações foram realizadas anotações de campo de natureza descritiva, as quais envolveram os comportamentos, as ações, as palavras, os gestos, as atitudes visando à identificação do acolhimento, do vínculo, do diálogo, da escuta e da relação profissional/usuário.

A análise dos dados foi por categorização, uma vez que elas permitem estabelecer classificações, o que significa agrupar elementos, idéias ou expressões em torno de um conceito capaz de abranger todas as informações analisadas.

O significado das falas codificadas resultou em dois temas convergentes: Atentando para as singularidades humanas na atenção à saúde; diálogo e acolhimento como possibilidades interativas.

Considerando os critérios éticos da pesquisa, o projeto foi encaminha e aprovado pelo Comitê de Ética do Centro Universitário Franciscano (UNIFRA), sob parecer nº 237.2006.2.

RESULTADOS E DISCUSSÕES

O significado das falas codificadas resultou em dois temas convergentes: Atentando para as singularidades humanas na atenção à saúde; Diálogo e acolhimento como possibilidades interativas.

Atentando para as singularidades humanas na atenção à saúde

Ao questionar os profissionais de saúde, participantes da pesquisa, acerca de como estabelecem a relação trabalhador-usuário, os mesmos fizeram referência à necessidade de respeitar o usuário, vendo-o como um ser humano, como mostram as falas a seguir:

Para mim isso deve ser primordial, respeitar o ser humano como pessoa e não o ver somente como um doente (E1).

Imagino que seja desde o início da chegada do paciente na Unidade, desde o momento da distribuição de fichas até a saída da Unidade. É você chamar o paciente pelo nome, cumprimentar, trata com respeito, que muitas vezes é só isso que ele quer. Ele vem na unidade para ser bem tratado ou para suprir alguma carência que tiver, é um povo que sofre bastante, então eles precisam desse contato. Não deixar o paciente esperando demais, não atrasar, ou seja, envolve todo um respeito ao paciente (E14).

As falas refletem o desafio dos profissionais de saúde, mais especificamente da equipe de enfermagem, diante do cuidado do ser humano como um ser singular e integral, isto é, no sentido de compreender a dimensão física, psíquica, social e espiritual, com compromisso e responsabilidade para com a vida em diferentes manifestações.

O respeito à singularidade e dignidade do ser humano vai além do cuidado técnico e prescritivo. Este envolve compromisso e uma valorização do ser humano como um todo, sem distinção de raça, cor, etnia, favorece um vinculo entre ambos, cuidador e ser cuidado. A humanização, nesse sentido, remete à necessidade de resgate de um atendimento diferenciado, focando a dignidade das pessoas em situações de cuidados ou atenção. Propõe ações que valorizam e qualificam a prestação de serviços de saúde. E, esta enquanto um conjunto de valores humanos e éticos apostará novos caminhos e novas possibilidades para atingir a qualidade e credibilidade dos serviços de saúde(9).

Compreender o significado da proposta de humanização, por meio de uma atitude de respeito à singularidade humana, inclui não somente atribuições técnicas do profissional, mas a capacidade de compreender o usuário enquanto ser humano, com seus valores, suas crenças, seus desejos e suas perspectivas(2). O cuidado, dessa forma, por ser entendido como um ato humanizador e fenômeno resultante do processo de cuidar corrobora com a idéia de que "cuidar é, prioritariamente, aliviar o sofrimento humano, manter a dignidade, facilitar meios para manejar com crises e com experiências do viver e do morrer"(10).

Para outros profissionais entrevistados, a relação profissional – usuário precisa levar em conta os aspectos relacionados à humanização da assistência, como expressa a fala a seguir:

É preciso sentir-se ao lado do paciente, conhecer as condições de vida dele (E2).

Todo atendimento deve ser humanizado. É prestar atenção no que o paciente quer e atender as suas necessidades, ser honesto, tranqüilo e resolutivo (E12).

Conhecer as necessidades dos pacientes torna-se uma tarefa indispensável, pois para o enfermeiro poder cuidar do ser humano como um todo, valorizando-o com sua singularidade, precisa estar ciente da realidade vivenciada por este ser. Desta forma, será possível realizar um cuidado humano e digno das necessidades do ser cuidado.

A humanização pressupõe atitudes, valores e comportamentos, que podem ser traduzidas em palavras simples: "bom dia", "obrigado", "posso ajudar?", como também, por meio de um reconhecimento sincero por uma ação desenvolvida. É permitir que o nosso coração se manifeste nas relações de trabalho. É favorecer a recuperação da comunicação, da integração e da participação entre a equipe de profissionais de saúde e o usuário(1).

Do mesmo modo significa aliar competência técnica à ternura humana e permitir que o coração se manifeste nas relações de trabalho do dia-a-dia. Representa uma relação de solidariedade, respeito, diálogo, preocupação com o outro, promoção de relações efetivas entre a equipe de saúde(1,3) considerando o paciente como a razão de ser e fazer. É a preocupação com o cuidado em todas as suas dimensões.

Percebe-se, que o cuidado deve ser permeado pelo respeito ao outro, considerando suas limitações e necessidades, em que o comprometimento sensível, na compreensão do outro e na percepção do eu e da maneira como se cuida, enquanto ser único, amoroso e ilimitado, seja valorizado eticamente(11).

Alguns profissionais entrevistados salientam que é preciso compreender o usuário da saúde para além da doença, ou seja, para além da dimensão biológica. Significa:

Atender a pessoa humana, não o doente, a patologia (E4).

Tratar o paciente como um ser humano e não como uma doença. É olhar o paciente como uma pessoa que está com problemas inserida num contexto de vida. Eu acho que olhando o todo você está olhando a pessoa humana e não só a doença (E7).

As falas demonstram que os profissionais de saúde têm consciência do seu compromisso enquanto cuidadores e promotores da vida e da saúde. Entretanto, compreender e favorecer o cuidado humano, somente não é o suficiente, permanece a necessidade de reconhecer os sentimentos e trabalhar na possibilidade de novas perspectivas dessa realidade, são tarefas fundamentais que devem ser observadas e seguidas pelos profissionais de saúde. Compreendendo que não basta amenizar os sinais e sintomas do momento, mas ir além do instituído e consagrado. Ou seja, saber desvelar e colocar-se junto do usuário, sendo profissional, não fazendo de conta(12).

O paciente deve ser compreendido como único e singular, que tem potencialidades e fragilidades que devem ser avaliadas com comprometimento e conhecimento técnico e cientifico pelos profissionais de saúde(13). Os profissionais da saúde, mais especificamente, os enfermeiros, estão desempenhando uma função significativa no ambiente do cuidado, promovendo ambientes dignos e humanos, comprometidos com a vida do ser humano, pela valorização das relações e interações subjetivas.

O acesso e o acolhimento são imprescindíveis para o atendimento em saúde. Mas, a realidade ainda é precária na maioria dos serviços, como área física inadequada, material insuficiente, falta de equipamentos para atender as necessidades dos usuários(14), além de recursos humanos insuficientes e despreparados para a realidade da clientela do serviço.

Diálogo e acolhimento como possibilidades interativas

A valorização do usuário, o diálogo e o acolhimento estiveram presentes na fala de vários profissionais.

[...] Por meio do diálogo e do acolhimento a gente valoriza o usuário, não só como uma pessoa que procura a unidade, mas como ser humano, como um ser que necessita não só de um tratamento medicamentoso, mas de orientação, de conversa [...] muitas vezes agente não dá nem medicação é só conversa e acolhe. Eu acredito que tem que ser nesse nível do diálogo entre profissionais e usuários (E6).

Saber ouvir o paciente. Saber escutar faz uma diferença muito grande no atendimento (E13).

Na prática, o motivo explícito que leva o cliente à consulta nem sempre é o motivo real ou, pelo menos, o mais importante. É necessário estar atento para decodificar e, no momento oportuno, responder aos motivos implícitos. Esta capacidade é um fator importante no bom atendimento para que se possa escutar, dialogar e desta forma estar valorizando o paciente(13). Pois, é por meio da comunicação, ou seja, do diálogo com o usuário que se consegue compreender sua história de vida, seu modo de ser, de pensar, de agir, de aceitar-se no ambiente onde vive. Dessa forma, será possível identificar fragilidades vivenciadas por eles, auxiliando na solução de diversidades e conflitos.

Os princípios para a humanização primam por: respeitar o ser humano e seus direitos, pela seriedade e qualidade na prestação dos serviços ao usuário, pela garantia da privacidade do paciente e do sigilo profissional e reconhecer os recursos humanos como fator gerador de qualidade. Pois, o processo de humanização passa, necessariamente, pela percepção do ser humano em todas as suas dimensões e manifestações(1).

Para o usuário a oferta de um tratamento digno, solidário e acolhedor por parte de quem o atende não é apenas direito, mas contribui com uma etapa fundamental na conquista da cidadania. Já para o profissional, existe a oportunidade de resgatar o verdadeiro sentido de sua prática, o valor de se trabalhar numa organização de saúde – realização pessoal, profissional.

Para outros entrevistados, o diálogo favorece

Aproximação... eu tento não manter um distanciamento na relação com o paciente, converso conforme o nível cultural, econômico, não uso termos técnicos, de forma que ele não entenda. Considero isso humanizar as relações (E3).

[...] uma perfeita relação entre paciente e profissional (E9).

Através do respeito à singularidade humana e do diálogo, o ser humano se sente seguro no ambiente onde esta inserido, aceitando as orientações realizadas pelos profissionais de saúde. A humanização deve ser, balizada por valores éticos e humanitários, buscando resgatar a essência do ser humano conforme sua história de vida(2).

Muitas vezes a atuação dos profissionais restringe-se aos aspectos técnicos, como já fora dito, não valorizando a realidade pessoal, isto é, as angustia vivenciada pelo paciente que está vulnerável a uma situação nova, desconhecida. Advoga-se a idéia que essa postura torna impossível um atendimento humanizado, em que o usuário se sinta acolhido(15).

O acolhimento não é um espaço ou um local, mas uma postura humana. Não pressupõe hora ou profissional específico para fazê-lo, implica compartilhar saberes, necessidades, possibilidades, angústias e invenções. Diferencia-se da triagem, por não constituir uma etapa do processo, mas como ação que deve ocorrer em todos os locais e momentos do serviço de saúde(5).

É a relação humanizada, acolhedora, que os trabalhadores e o serviço, como um todo, devem estabelecer com os diferentes tipos de usuários que a eles procuram(16). Compete aos trabalhadores de saúde, conhecer a história de vida dos usuários, a fim de favorecer escolhas e caminhos a serem seguidos com comprometimento, segurança e esperança de uma resposta positiva ao seu perfil atual.

Os resultados demonstram, em suma, que os profissionais de saúde podem e devem tratar os usuários e familiares com solidariedade, compaixão e calor humano. O afago, o carinho e a ternura fazem a diferença na assistência e atenção à saúde. A ternura sinônimo de cuidado essencial significa afeto e cuidado. É um conhecimento que vai além da razão, emerge do próprio ato de existir no mundo com os outros(2).

CONCLUSÕES

Os resultados evidenciam que a atenção à saúde vem, crescentemente, ampliando os seus debates pela valorização das singularidades humanas por meio do Diálogo e acolhimento como possibilidades interativas, mesmo que este seja ainda um processo em construção.

Observa-se vários motivos como a remuneração, a falta de tempo, o número de profissionais, o uso de tecnologias duras, entre outros, que favorecem a desumanização do cuidado. Muitas vezes, também, em função da Unidade valorizar mais as ações em termos de procedimentos, de quantidade do que de qualidade, observando-se uma insatisfação, tanto por parte dos usuários, como de alguns profissionais.

Em relação aos profissionais de saúde e usuários, destaca-se que este não é visto, frequentemente, como um ser integral, mesmo que já existem iniciativas e avanços nesta área. O usuário é visto como "paciente", mas não como um sujeito ativo do processo saúde-doença, sujeito este que pensa, age e sente, caracterizando-se no Modelo de Atenção Biomédico. No acolhimento observou-se que a unidade acolhe em parte, ouve os usuários quando eles não podem ser atendidos, faz os encaminhamentos necessários, mas deixa desejar em alguns aspectos, como quanto ao acesso, a resolutividade e a relação de vínculo e diálogo.

Reafirma-se a necessidade de comprometer os profissionais de saúde em seu papel de cuidador e educador em saúde, isto é, para que valorizem o ser humano conforme suas potencialidades e vivencias. Não esquecendo, que por de trás de uma doença existe um ser humano com sonhos, esperança e perspectiva de futuro.

Em suma, é preciso trocar velhos por novos hábitos, exercer a criatividade, a reflexão coletiva, o agir comunitário, a participação democrática na busca de soluções para cada realidade singular. Enfim, é preciso transformar a prática de saúde em processos dinâmicos, participativos e solidários.

Recebido em: 23/06/2009

Aprovado em: 15/03/2010

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  • Endereço da autora:
    Hilda Maria Barbosa de Freitas
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    97110-633, Santa Maria, RS
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      19 Out 2010
    • Data do Fascículo
      Mar 2010

    Histórico

    • Revisado
      15 Mar 2010
    • Recebido
      23 Jun 2009
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