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Cuidado de enfermagem ao paciente com comorbidade clínico-psiquiátrica em um pronto atendimento hospitalar

Nursing care to patients with comorbidity clinical and psychiatric in hospital Emergency Service

Atención de enfermería a pacientes con comorbilidad clínica psiquiátrica en un Pronto Socorro hospitalar

Resumos

Pesquisa qualitativa, descritiva, exploratória desenvolvida em 2009 no pronto atendimento de um hospital geral de Curitiba, Paraná. Teve como objetivo conhecer o cuidado de enfermagem desenvolvido ao paciente com comorbidade clínico-psiquiátrica. Participaram seis enfermeiros, sete técnicos de enfermagem e 14 auxiliares de enfermagem. Os dados foram obtidos mediante entrevista semiestruturada e submetidos à análise de conteúdo temático-categorial. As categorias que emergiram dos dados foram: O cuidado é técnico e sem especificidade; Segurança e proteção ao paciente; e Contenção física e química como medidas de proteção. Evidenciou-se que os cuidados de enfermagem desenvolvidos aos pacientes com comorbidade clínico-psiquiátrica são sem especificidade, com ênfase em cuidados básicos, contenção química e física. Concluiu-se que há necessidade da implantação de programas locais de capacitação em saúde mental e sensibilização dos profissionais de enfermagem quanto aos cuidados a tal clientela.

Cuidados de enfermagem; Saúde mental; Comorbidade


Qualitative descriptive, exploratory research developed in 2009, in the emergency service of a general hospital in Curitiba, Paraná, Brazil. Aim to investigate how developed the nursing care of patients with clinical and psychiatric comorbidity. Participated six nurses, seven nursing technicians and 14 nursing assistants. We obtained data through semi-structured interviews and submitted to analysis of thematic content. The categories that emerged from the data were: Care is the technical and without specificity; Safety and protection of patient and Physical restraint and chemical as protective measures. Nursing care developed for patients with clinical and psychiatric comorbidity are without specificity, with emphasis on basic care, physical and chemical restraint. It was concluded that there is need for the establishment of local training in mental health and awareness of nurses about the care to this clientele.

Nursing care; Mental health; Comorbidity


Investigación cualitativa, descriptiva y exploratoria desarrollada en 2009, en el Pronto Socorro de un Hospital General de Curitiba, Paraná, Brasil. Tuvo como objetivo investigar cómo se desarrolla la atención de enfermería a los pacientes con comorbilidad clínica y psiquiátrica. Participaran seis enfermeros, siete técnicos de enfermería y 14 auxiliares de enfermería. Se obtuvieron datos mediante entrevistas semiestructuradas y sometidos a análisis de contenido temático. Las categorías que surgieron de los datos fueron: El cuidado es técnico y sin especificidad; Seguridad y protección de los pacientes y Contención físicas y químicas como las medidas de protección. Los cuidados de enfermería desarrollados para los pacientes con comorbilidad clínicos y psiquiátricos son sin especificidad, con énfasis en los cuidados básicos, contención física y química. Se concluyó que es necesario el establecimiento de locales de capacitación en salud mental y la sensibilización del personal de enfermería sobre la atención a la clientela.

Atención de enfermería; Salud mental; Comorbilidad


ARTIGO ORIGINAL

Cuidado de enfermagem ao paciente com comorbidade clínico-psiquiátrica em um pronto atendimento hospitalarª a Artigo resultante da dissertação de Mestrado apresentada em 2009 ao Programa de Pós-Graduação em Enfermagem (PPGEnf) da Universidade Federal do Paraná (UFPR).

Atención de enfermería a pacientes con comorbilidad clínica psiquiátrica en un Pronto Socorro hospitalar

Nursing care to patients with comorbidity clinical and psychiatric in hospital Emergency Service

Marcio Roberto PaesI; Mariluci Alves MaftumII; Maria de Fátima MantovaniIII

IDoutorando em Enfermagem do PPGEnf/UFPR, Enfermeiro do Hospital de Clínicas da UFPR, Membro do Núcleo de Ensino, Pesquisa e Extensão em Cuidado Humano de Enfermagem (NEPECHE), Curitiba, Paraná, Brasil

IIDoutora em Enfermagem, Vice-coordenadora e Docente do PPGEnf/UFPR, Vice-líder do NEPECHE, Curitiba, Paraná, Brasil

IIIDoutora em Enfermagem, Docente do PPGEnf/UFPR, Líder do Grupo de Estudo Multiprofissional em Saúde do Adulto (GEMSA), Curitiba, Paraná, Brasil

Endereço do autor Endereço do autor: Marcio Roberto Paes Rua São Pedro, 526, Alto da Cruz III 83405-040, Colombo, PR E-mail: marropa@pop.com.br

RESUMO

Pesquisa qualitativa, descritiva, exploratória desenvolvida em 2009 no pronto atendimento de um hospital geral de Curitiba, Paraná. Teve como objetivo conhecer o cuidado de enfermagem desenvolvido ao paciente com comorbidade clínico-psiquiátrica. Participaram seis enfermeiros, sete técnicos de enfermagem e 14 auxiliares de enfermagem. Os dados foram obtidos mediante entrevista semiestruturada e submetidos à análise de conteúdo temático-categorial. As categorias que emergiram dos dados foram: O cuidado é técnico e sem especificidade; Segurança e proteção ao paciente; e Contenção física e química como medidas de proteção. Evidenciou-se que os cuidados de enfermagem desenvolvidos aos pacientes com comorbidade clínico-psiquiátrica são sem especificidade, com ênfase em cuidados básicos, contenção química e física. Concluiu-se que há necessidade da implantação de programas locais de capacitação em saúde mental e sensibilização dos profissionais de enfermagem quanto aos cuidados a tal clientela.

Descritores: Cuidados de enfermagem. Saúde mental. Comorbidade.

RESUMEN

Investigación cualitativa, descriptiva y exploratoria desarrollada en 2009, en el Pronto Socorro de un Hospital General de Curitiba, Paraná, Brasil. Tuvo como objetivo investigar cómo se desarrolla la atención de enfermería a los pacientes con comorbilidad clínica y psiquiátrica. Participaran seis enfermeros, siete técnicos de enfermería y 14 auxiliares de enfermería. Se obtuvieron datos mediante entrevistas semiestructuradas y sometidos a análisis de contenido temático. Las categorías que surgieron de los datos fueron: El cuidado es técnico y sin especificidad; Seguridad y protección de los pacientes y Contención físicas y químicas como las medidas de protección. Los cuidados de enfermería desarrollados para los pacientes con comorbilidad clínicos y psiquiátricos son sin especificidad, con énfasis en los cuidados básicos, contención física y química. Se concluyó que es necesario el establecimiento de locales de capacitación en salud mental y la sensibilización del personal de enfermería sobre la atención a la clientela.

Descriptores: Atención de enfermería. Salud mental. Comorbilidad.

ABSTRACT

Qualitative descriptive, exploratory research developed in 2009, in the emergency service of a general hospital in Curitiba, Paraná, Brazil. Aim to investigate how developed the nursing care of patients with clinical and psychiatric comorbidity. Participated six nurses, seven nursing technicians and 14 nursing assistants. We obtained data through semi-structured interviews and submitted to analysis of thematic content. The categories that emerged from the data were: Care is the technical and without specificity; Safety and protection of patient and Physical restraint and chemical as protective measures. Nursing care developed for patients with clinical and psychiatric comorbidity are without specificity, with emphasis on basic care, physical and chemical restraint. It was concluded that there is need for the establishment of local training in mental health and awareness of nurses about the care to this clientele.

Descriptors: Nursing care. Mental health. Comorbidity.

INTRODUÇÃO

O cuidado aos pacientes requer dos profissionais de enfermagem uma visão ampla que lhes permita perceber o ser humano em sua totalidade, condição imprescindível para cuidar com qualidade, o que constitui um desafio à profissão. Entretanto, por influência do modelo biomédico-biologicista, por vezes, corpo, mente e espírito acabam por ser divididos e sem relação entre si, caracterizando-se na fragmentação e mecanização do cuidado(1), o que corrobora a forma com que as pessoas lidam com as diferentes patologias, que possuem seus espaços especializados de cuidados como, por exemplo, os transtornos mentais.

Até poucas décadas, a assistência à saúde no Brasil tinha seus espaços nosográficos bem delimitados: o hospital geral para doentes do corpo e o hospício para os da mente(2,3). Porém, com a Reforma Psiquiátrica iniciada aproximadamente em 1978, ampliou-se a ênfase na possibilidade de os pacientes com transtorno mental receberem tratamento para as necessidades físicas e psíquicas no mesmo espaço e pela mesma equipe(3).

Todavia, percebe-se a tendência de os profissionais de saúde de hospitais gerais se voltarem ao atendimento das necessidades físicas com pouca atenção ou, em casos mais extremos, deixarem de abordar os aspectos psíquicos e emocionais do paciente(4). Isso porque parte da equipe de enfermagem não se sente à vontade no cuidado às pessoas em sofrimento mental, devido à falta de qualificação ou por sua formação ter sido focada exclusivamente no modelo manicomial(5).

Com oscilação tem-se em torno de 30% dos pacientes internados em unidades clínicas ou cirúrgicas de hospitais gerais apresentando algum diagnóstico psiquiátrico, dos quais 35% são de transtornos do humor; 20% transtornos de ansiedade; 20% relacionados ao uso de substâncias; 20% transtornos mentais orgânicos; e 5% de outros transtornos(6). Destarte, torna-se importante que a equipe de enfermagem dos hospitais gerais tenha competência para desenvolver cuidados que deem suporte às necessidades físicas e psíquicas dos pacientes.

Assim, nesta pesquisa o objetivo foi conhecer o cuidado de enfermagem desenvolvido ao paciente com comorbidade clínico-psiquiátrica no Pronto Atendimento (PA), tendo como questão norteadora: como a equipe de enfermagem desenvolve o cuidado ao paciente com comorbidade clínico-psiquiátrica no PA de um hospital geral?

METODOLOGIA

Pesquisa qualitativa, descritiva e exploratória, realizada de janeiro a novembro de 2009, no PA de um hospital universitário de Curitiba, Paraná.

De um total de 64 profissionais, foram entrevistados seis enfermeiros, sete técnicos de enfermagem e 14 auxiliares de enfermagem dos três turnos de trabalho, totalizando 27 profissionais.

Os critérios de inclusão foram desenvolver cuidados diretos ao paciente e concordar em participar desta pesquisa por meio da assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Os dados foram coletados mediante entrevista semiestruturada gravada em fita cassete, marcada com antecedência e realizada em sala reservada, indicada pela chefia de enfermagem da unidade.

O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa do Setor de Ciências da Saúde da Universidade Federal do Paraná, sob o n. 0220.0.208.091-08, atendendo à Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde(7). Para garantir o sigilo e o anonimato, os sujeitos foram codificados pela letra E (Enfermeiro), T (Técnico de Enfermagem) e A (Auxiliar de Enfermagem), seguida de um número arábico.

Os dados foram submetidos à análise de conteúdo temático-categorial(8), mediante as fases de pré-análise, exploração do material, tratamento dos resultados obtidos e interpretação. A pré-análise consiste na familiarização do material pela escuta e transcrição das entrevistas gravadas e leituras flutuantes. Na exploração do material, os dados brutos são lapidados pelos recortes dos temas de interesse e relevância para o estudo. Na etapa de Tratamento dos Resultados Obtidos e Interpretação, os dados mais relevantes são articulados com a teoria, em que o pesquisador propõe inferências para a interpretação final e construção das categorias.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

As categorias temáticas que surgiram a partir da análise dos dados foram: O cuidado é técnico e sem especificidade; Segurança e proteção ao paciente; e Contenção física e química como medidas de proteção.

O cuidado é técnico e sem especificidade

Os sujeitos referiram que os cuidados de enfermagem desenvolvidos ao paciente com comorbidade clínico-psiquiátrica são generalistas, técnicos, sem especificidade e com ênfase aos cuidados básicos, como conforto, administração de medicações, medidas de proteção contra quedas e auxílio na deambulação:

O que eu tento fazer é o máximo [...] prestar o cuidado na parte técnica que eu sei (E.4).

Atendo igual [...] levar ao banheiro, medidas de conforto, assim, é igual aos outros (A.10).

O meu cuidado é geral, aqui não tem muitos cuidados específicos para o paciente psiquiátrico. Não é diferenciado o cuidado que nós damos ao paciente em geral e ao paciente clínico-psiquiátrico (A.3).

[...] é o mesmo cuidado que você tem que ter com os outros: ter cuidado com quedas, medicações, coisas básicas assim (A.13).

A referência aos cuidados técnicos pode estar na relação da Enfermagem com o reconhecimento de seu aspecto prático, uma vez que a maior parte de suas ações se centra em desenvolver procedimentos. O cuidado centrado em procedimentos pode se configurar na mecanização do processo de cuidar, que tende a inibir a percepção dos profissionais para as questões além do físico-biológico, acabando por excluir as possibilidades de interação e de atendimento às necessidades psicossociais do indivíduo(1,9) .

Diferentemente ao exposto pelos sujeitos, o cuidar deve distanciar-se da compreensão simplista do 'fazer por fazer'. Cada pessoa precisa ser cuidada diferentemente uma da outra, pois cada ser humano é único, com particularidades que devem ser consideradas. Portanto, os profissionais de enfermagem necessitam abandonar atitudes que generalizam ou despersonalizam o ser humano, superando, assim, o paradigma biomédico e o tecnicismo(10).

Os sujeitos reconheceram que o cuidado de enfermagem ao paciente com comorbidade clínico-psiquiátrica tem sido desenvolvido de modo a dar suporte às necessidades clínicas, mas não contempla as psíquicas:

O paciente psiquiátrico que vem aqui não tem o manejo adequado. A gente só consegue fazer a abordagem clínica, atendê-lo na intercorrência clínica. Na intercorrência psiquiátrica, eu acho que fica muito a desejar. A gente não consegue abordá-lo de uma forma adequada (E.5).

Então ele vai melhorar a parte clínica, mas na parte psiquiátrica eu me sinto muito longe [...] Sinto que está fora do meu alcance (A.7).

Os profissionais dos serviços de emergências tendem a focar sua atenção nas dimensões biológicas, com pouca consideração aos aspectos psicossociais(11). Entretanto, os sujeitos demonstraram preocupação por não se sentirem capacitados para cuidar do paciente com transtorno mental, conforme a fala do sujeito A.7 e E.5. Essas atitudes podem conduzir à fragmentação do cuidado, culminando com o distanciamento entre paciente e profissional de enfermagem e, em alguns casos, em impessoalidade, em descuidado e desumanização(3,4,11).

Essa forma de cuidar pode estar relacionada com a insuficiência de conhecimentos específicos ou qualificação dos profissionais com relação às psicopatologias e à abordagem aos pacientes com transtorno mental(4).

O sujeito E.5 reconhece a importância da abordagem adequada ao paciente com transtorno mental. A forma de abordar os pacientes viabiliza a eficácia ou não das ações de enfermagem desenvolvidas a eles, visto que uma abordagem efetiva possibilita ao cliente sentir-se acolhido e cuidado(11).

Segurança e proteção ao paciente

Os sujeitos demonstraram preocupação em oferecer proteção aos pacientes para evitar agravos e citaram retirar estímulos externos como álcool, promover medidas que evitem o uso errôneo e excessivo de automedicação pelos pacientes e protegê-los contra queda da maca. A maioria dos sujeitos relatou que os cuidados de segurança objetivam a proteção da integridade física do paciente:

[...] evitar que ele corra risco de queda, de tomar alguma medicação que ele traga consigo e faça uso indiscriminado. Tirar o álcool que fica no Box e que de repente ele pode, num momento de descuido, fazer uso (E.3).

Em primeiro lugar você tem que preservar a segurança do paciente [...]. Dentre os cuidados de maior relevância está a segurança do paciente [...]. O paciente quando chega naquele surto, a primeira coisa que você faz é promover a segurança (T.2).

Os cuidados de enfermagem são manter a integridade do paciente, tanto a física como a que ele possa manter-se calmo (E.3).

Os sujeitos demonstram maior preocupação com a segurança dos pacientes com transtorno mental. Isto pode ser justificado pela ideia de que a pessoa com transtorno mental é perigosa, agressiva, furiosa, sem condições de autocontrole e que precisa ser protegida de sua ferocidade preservando sua integridade física(12).

Todos os pacientes nos serviços de saúde devem receber proteção e segurança, visto que a exposição a riscos é real. Há outros grupos de pacientes, além daqueles com transtorno mental, que precisam de maior atenção quanto à segurança, como crianças, idosos, deficientes físicos, neuropatas com alteração de conduta e agitação psicomotora(13).

Os sujeitos demonstraram inquietação com os sinais de alterações psíquicas apresentadas pelos pacientes como, por exemplo, confusão mental, agitação e riscos de autoagressão. Reconheceram que estes pacientes precisam ser cuidados intensivamente, com atenção redobrada, para que não extraiam sondas, drenos e cateteres, que dão suporte ao tratamento clínico:

[...] ver se esse paciente está com grades levantadas, sempre estar atento se ele não está com nenhuma alteração de conduta, agitado. [...] cuidado para ele não se machucar, porque o paciente psiquiátrico é um paciente com sérios problemas. [...] Eu acho que o paciente psiquiátrico tem que ter um cuidado constante (A.11).

É mais na parte dele não se machucar. É um paciente que vai estar se batendo, se machucando, vai arrancar o acesso venoso. Vai estar confuso, vai querer tomar álcool. Por isso, não deixar nada ao alcance desse paciente, não deixar coisas perigosas ao alcance dele, principalmente se ele estiver sozinho [...] aqui precisa cuidar em dobro, porque ele tem o acesso venoso, [...]. É um paciente clínico, mas também é psiquiátrico, é um paciente confuso, arranca isso, arranca aquilo, se joga pela janela, se machuca, toma álcool. Não é fácil (T.7).

A figura da pessoa com transtorno mental agressiva e perigosa foi construída em meio aos séculos e se mantém ainda hoje na concepção de parte da sociedade, inclusive de alguns profissionais da saúde. Cabe ressaltar que esses sinais são reais, contudo, são poucos os pacientes que realmente os apresentam, todavia são os que reforçam a visão da equipe de enfermagem correlacionando-os com periculosidade e falta de controle. Como não se pode prever o momento e qual paciente irá apresentá-los, a preocupação dos profissionais torna-se generalizada e estendida a todos os pacientes com transtorno mental, o que causa o distanciamento entre profissional e o paciente, dificultando a criação do ambiente de cuidado(3,13,14).

Reconhecer a importância do cuidado intensivo a tais pacientes implica desenvolver ações capazes de abranger suas necessidades emergenciais, tanto físicas quanto psíquicas, promovidas pela interação e consideração pela integralidade do ser humano(11).

A administração de sedativos para o paciente foi citada como um dos recursos utilizados para mantê-lo calmo e em segurança. A prescrição de medicamentos e a orientação médica têm sido norteadoras dos cuidados de enfermagem prestados aos pacientes. A equipe de enfermagem, inclusive, relata que em situações de emergências os cuidados ao paciente com comorbidade clínico-psiquiátrica são realizados sem conhecimento:

Outro cuidado seria na questão de avaliar a medicação que é feita. É um cuidado que a gente acaba fazendo, a dose certa, pois em casa, geralmente eles acabam tomando um pouco mais ou um pouco menos (T.2).

Primeiro eu sigo a prescrição médica e quando a gente vê que está grave o caso, muita agitação, tem que ir ao médico para ter uma orientação melhor (A.2).

[...] chega um paciente psiquiátrico e acaba sendo aquele corre-corre, assim da gente fazer as coisas por fazer, mas não que a gente saiba o que realmente está fazendo (T.5).

As várias referências dos sujeitos sobre a administração de medicamentos, como seguir a orientação e prescrição do médico, são atitudes que remontam à história da psiquiatria, fortemente presentes a partir da compreensão da loucura como doença, de manejo exclusivo da medicina nos hospícios. Com o desenvolvimento técnico-científico da farmacologia, da produção em larga escala das drogas psicotrópicas e de inúmeras pesquisas relacionando as psicopatologias com disfunções cerebrais passíveis de tratamentos farmacológicos, tem sido fortalecida a ideia da subordinação das pessoas à bioquímica cerebral, em que somente pelo uso regular de medicamentos haverá melhora nos quadros psicopatológicos(15).

Por outro lado, o modelo psicossocial preconizado pela Reforma Psiquiátrica enfatiza a promoção da integralidade e integração dos cuidados. Compreende-se, assim, que o cuidado deve abranger a multidimensionalidade humana pela integração das várias formas de cuidar pelos diferentes profissionais de saúde, cada um em sua área específica, mas focado nas necessidades do paciente. Dessa forma, o espaço de cuidado às pessoas com transtorno mental deve ter uma equipe multidisciplinar, da qual a Enfermagem é parte integrante(16).

Contenção física e química como medidas de proteção

As medidas citadas pelos sujeitos para proteção e segurança do paciente são, essencialmente, a contenção física e/ou química:

Porque a gente quando pensa em paciente psiquiátrico só pensa em medicação e contenção (T.5).

A gente que trata desses pacientes tende a querer que eles estejam contidos e geralmente a gente contém. Geralmente o tratamento é com contenção e com drogas (A.10).

[...] fazer a contenção [...] então segura, amarra, faz a contenção, é esse tipo de cuidado, mas nada de específico. Além de medicar, depende ali do paciente, o que ele está apresentando na hora, que tudo é do momento (A.6).

A contenção física é um procedimento utilizado nos serviços de saúde mental, mas também na clínica geral. A relação do portador de transtorno mental com a contenção física remonta há anos da história da loucura(14). Ela é um dos ícones mais representativos do modelo manicomial, pois foi utilizada como punição, quando os loucos se apresentavam agressivos, indisciplinados ou resistentes aos tratamentos oferecidos(12).

Percebe-se pelo relato dos sujeitos T.5 e A.10 que a contenção ainda mantém forte relação com os pacientes com transtorno mental e que, algumas vezes, é utilizada sem critérios preestabelecidos, o que está em consonância com a fala do sujeito A.10 em referir sobre a tendência que os profissionais de enfermagem têm em querer que o paciente com transtorno mental se mantenha contido. Ela pode ser utilizada de forma terapêutica, porém requer atenção para evitar sua banalização, devendo ser utilizada somente quando outras formas de abordagens, como a comunicação verbal, se mostrarem insuficientes para o manejo dos episódios de agitação ou agressividade(14).

Para alguns estudiosos, a contenção física de pessoa com transtorno mental, tanto na prática clínica, quanto na psiquiátrica, não é considerada medida de cuidado em saúde, pois há dificuldades em justificar sua eficácia, tanto na perspectiva médica quanto na jurídica. Isso porque essa intervenção ocorre, muitas vezes, sem o consentimento do paciente e pode gerar traumas físicos e psíquicos(12).

Houve sujeitos que demonstraram inquietação quanto ao conforto durante a contenção física no leito a fim de evitar outros agravos:

É fazer, melhorar o conforto, contê-lo para que não se machuque e tentar melhorar o máximo possível do conforto dele, para que ele não tenha danos físicos e mais danos psiquiátricos [...] (A.10).

O mínimo de conforto que você deixaria para ele, que se ele se bater para ele não se machucar, não fazer lesões (A.2).

O uso de contenção física deve receber atenção dos pesquisadores, instituições e do governo. Questões como conforto durante o período de contenção, conforme relato dos sujeitos A.10 e A.2, as razões pelas quais o paciente é contido, a eficácia e a consequência de seu uso devem ser abordadas de forma ampla pela literatura e com maior abrangência nas discussões da área de saúde mental e também na clínica geral(14).

Um estudo sobre contenção física rastreou 2.155 citações, das quais 35 foram analisadas e, evidenciou-se que nenhum estudo possuía teor científico nos moldes da medicina baseada em evidência por serem qualitativos. Concluíram que não há caráter científico do benefício destas técnicas e, portanto, devem ser questionadas e produzidos novos estudos conduzidos por ensaios clínicos controlados e randomizados(17).

O sujeito E.2 externou preocupação quando a contenção física é utilizada como uma forma de revidar à agressividade do paciente pelo uso do poder do profissional:

Eu acho que a contenção do paciente é [...] a agressividade da equipe em resposta à agressividade do paciente, pela ignorância, muitas vezes (E.2).

Os procedimentos restritivos foram utilizados nos manicômios por muito tempo como forma de coerção pelos 'médicos' e 'enfermeiros' que atendiam os loucos(14). A agressividade do paciente exteriorizada causa medo à equipe de saúde que o atende, que ao se sentir ameaçada pode apresentar atitudes agressivas, impulsivas ou reativas dirigidas contra os pacientes, utilizando-se de força física de maior intensidade do que realmente necessita(18). Assim, os profissionais devem dominar suas emoções, refletir sobre suas atitudes e avaliar a situação para que as medidas a serem tomadas sejam adequadas e seguras(14).

Além das ações para proteção física dos pacientes, os sujeitos ressaltaram a importância da segurança da equipe de enfermagem na sua abordagem, sendo assim, a contenção física seria utilizada para a segurança tanto do paciente quanto dos profissionais:

[...] outro cuidado que poderíamos ter com pacientes com alterações seria realmente a segurança. A parte que nos preocupa e que é de fundamental importância, que se dê segurança ao paciente, por estar agitado e sobre agressões com ele e com a equipe (E.1).

[...] dar assistência a ele, mas ter cuidado com você, os profissionais, os colegas. Acho que esse é um cuidado que a gente deve ter. Às vezes a gente acaba fazendo assim, vamos conter pra segurança deles e da gente também [...] (T.2).

Os profissionais de enfermagem, ao desenvolverem o cuidado ao paciente com sintomas psiquiátricos, tendem a apresentar sentimentos como, por exemplo, medo de agressão e insegurança, que podem dificultar e até impedir o cuidado, aspectos demonstrados por E.1 e E.2. Esses sentimentos devem ser controlados para que o cuidado possa ser prestado de forma sistemática e com qualidade(14).

Em um estudo foram comparados os índices de violência relacionados ao paciente com transtorno mental contra profissionais nos serviços de assistência à saúde mental nos Estados Unidos, tendo-se concluído que o risco de violência é pequeno, mas existe. Essa possibilidade aumenta quando se trata de pacientes com dependência química. No manejo da agressividade, os profissionais de saúde devem avaliar o ambiente e o estado de agitação do paciente e perceber que, quando as medidas terapêuticas de primeira escolha não surtiram efeito, medidas restritivas podem ser adotadas visando à proteção do paciente e da equipe envolvida(19).

Para tanto, torna-se imprescindível a desmitificação da figura do louco como incontrolável e perigoso, que não deixa alternativas aos profissionais de saúde, que não seja promover a contenção física ou a sedação, sem dialogar, sem tentar outras formas de abordagem(12).

Os sujeitos E.3 e A.8 se mostraram contrários ao uso da contenção física aos pacientes com agitação ou alteração de conduta. Reconheceram que não são todos os pacientes psiquiátricos que necessitam ficar contidos e que tal procedimento pode aumentar a agitação ou a agressividade, haja vista que a contenção física no leito não é realizada de forma ideal, pela falta de aparatos adequados, e que deveria ser melhorada. O uso da contenção química poderia substituir a física. Consideraram que a contenção física no leito tanto pode proporcionar proteção quanto desencadear injúrias físicas no paciente:

[...] não é por ele ter um distúrbio psiquiátrico, que deve ficar amarrado. [...] Aqui no hospital, quando o paciente se agita um pouco: Ah! Vamos fazer contenção! Eu não acho que tem de ser feita a contenção para todos os pacientes psiquiátricos (E.3).

[...] erguer a grade, conter, eu acho que só isso não basta. Ao conter a gente machuca mais o paciente do que a gente ficasse aqui, procurasse o médico, ficasse por perto, procurasse uma medicação que fosse mais eficaz e que mantivesse o paciente mais tranquilo (T.5).

Eu sou contra contenção, porque eu acho que ela deixa marcas na pessoa [...] eu acho que esse não é o melhor método (A.8).

A contenção física, quando feita sem indicação correta, pode trazer danos físicos e psíquicos para os pacientes(20). Ela é um procedimento válido que deve ser utilizado como último recurso no manejo de episódios de agressividade(13).

Existem outras estratégias que devem ser tentadas anteriormente às medidas restritivas: primeiramente a abordagem verbal pela comunicação e, posteriormente, contenção química. A equipe de enfermagem deve estar atenta para evitar que elementos externos e estressores possam influenciar o quadro psíquico do paciente, levando-o à agitação psicomotora(13).

A contenção física em alguns casos pode ser empregada para dar segurança ao paciente, se explicada a ele, caso contrário, tal procedimento pode significar uma forma de atemorização e/ou punição, conduzindo-o a maior agitação. Assim, o procedimento se descaracteriza como cuidado e impede a oportunidade de formação de vínculo interpessoal, importante no desenvolvimento das ações com os pacientes com transtorno mental(14).

CONCLUSÕES

Os resultados dessa pesquisa evidenciaram a existência de dificuldades da equipe de enfermagem relativas à percepção das necessidades psíquicas e dos cuidados específicos dos pacientes com comorbidade clínico-psiquiátrica no hospital geral. Esse cenário é incompatível com as políticas públicas de saúde mental vigentes, que preconizam a elaboração de um plano multiprofissional de cuidados que abranjam, além das necessidades clínicas dos indivíduos, as psíquicas.

Os dados demonstraram falta de especificidade no cuidado ao paciente com comorbidade clínico-psiquiátrica e que existe maior ênfase no conforto e nas técnicas do cotidiano de enfermagem, como administração de medicamentos, auxílio na higiene e deambulação.

Os resultados desta pesquisa podem contribuir e incentivar novos estudos que permitam a adequação e qualificação dos cuidados de enfermagem às pessoas com transtorno mental em hospitais gerais.

Portanto, torna-se necessário o desenvolvimento de programas locais de aprimoramento e capacitação em saúde mental. Dentre os elementos considerados para a capacitação dos profissionais de enfermagem, está a educação permanente com ênfase em saúde mental, que ainda não é uma realidade nesse hospital geral, cujo Pronto Atendimento é unidade integrante. Outra necessidade, e talvez a de maior importância, é a sensibilização da equipe de enfermagem com o intuito de mudanças de concepção sobre as psicopatologias, relação profissional-paciente, processo doença-saúde mental e aceitação do portador de transtorno mental como ser humano que carece de cuidado qualificado.

Recebido em: 19/03/2010

Aprovado em: 05/05/2010

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  • Endereço do autor:
    Marcio Roberto Paes
    Rua São Pedro, 526, Alto da Cruz III
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    E-mail:
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    Artigo resultante da dissertação de Mestrado apresentada em 2009 ao Programa de Pós-Graduação em Enfermagem (PPGEnf) da Universidade Federal do Paraná (UFPR).
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      09 Dez 2010
    • Data do Fascículo
      Jun 2010

    Histórico

    • Recebido
      19 Mar 2010
    • Aceito
      05 Maio 2010
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