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Hospitalização infantil: concepções da enfermagem acerca da mãe acompanhante

Hospitalización infantil: concepciones de la enfermería acerca de la madre acompañante

Child hospitalization: nursing conceptions about the mother's companion

Resumos

A presença da família é fundamental no cuidado à criança hospitalizada, pois é fonte de proteção e segurança, proporcionando um ambiente menos agressivo. O objetivo deste estudo foi apreender as concepções da equipe de enfermagem acerca da mãe acompanhante. Trata-se de uma pesquisa qualitativa exploratória, desenvolvida em um hospital referente no atendimento infantil para o Nordeste, realizada no período de abril a maio de 2007 por meio de entrevista semi-estruturada. Os dados foram submetidos à análise temática e os preceitos éticos respeitados. Identificamos que a mãe é reconhecida como sujeito importante no apoio ao filho, porém, não tem recebido o devido cuidado pelos profissionais da saúde. Apreendida como agente no processo trabalho, a mãe não participa da tomada de decisões, mas realiza cuidados de responsabilidade da enfermagem. Portanto, é importante que a enfermagem reoriente seu trabalho com o objetivo de construir vínculos e um cuidado integral.

Criança hospitalizada; Enfermagem pediátrica; Família


La presencia de la familia es fundamental en el cuidado del niño hospitalizado, ya que es fuente de protección y seguridad, proporcionando un ambiente menos agresivo. El objetivo de este estudio aprehender las concepciones del equipo de enfermería acerca de la madre acompañante. Se trata de una investigación cualitativa exploratoria, desarrollada en un hospital de referencia en atención infantil para el Nordeste, realizada en el período de abril a mayo de 2007, por medio de entrevista semi-estructurada. Los datos fueron sometidos a análisis temático y los principios éticos fueron respetados. Fue identificado que la madre es reconocida como persona importante en relación al apoyo al hijo, sin embargo, no ha recibido el debido cuidado por parte de los profesionales de salud. Aprehendida como agente en el proceso de trabajo, la madre no participa de la toma de decisiones, pero realiza cuidados de responsabilidad de la enfermería. Portanto, es importante que la enfermería redireccione su trabajo con el objetivo de construir vínculos y un cuidado integral.

Niño hospitalizado; Enfermería pediátrica; Familia


The presence of the family is fundamental in the care of hospitalized child, because it is a source of protection and security by providing an environment less aggressive. The objective of this study was understood the concepts of the nursing staff about the mother's companion. This is an exploratory qualitative research, developed in a hospital relating to infant care in the Northeast, held between April and May of 2007 through semi-structured interview. Data were subjected to thematic analysis and the ethical respected. We identified that the mother is recognized as important person in supporting the child, but has not received proper care by healthy professionals. Perceived as agents in the process work, the mother does not participate in decision making, but carries the responsibility of nursing care. So it is important that nursing reorient their work with the aim of building links and a comprehensive care.

Child, hospitalized; Pediatric nursing; Family


ARTIGO ORIGINAL

Hospitalização infantil: concepções da enfermagem acerca da mãe acompanhanteª a Parte do Trabalho de Conclusão do Programa de Residência em Enfermagem em Saúde da Criança da Secretaria de Saúde do Pernambuco apresentado em 2007.

Hospitalización infantil: concepciones de la enfermería acerca de la madre acompañante

Child hospitalization: nursing conceptions about the mother's companion

Daniela Dias QuirinoI; Neusa ColletII; Ana Flávia Gomes de Britto NevesIII

IEnfermeira Especialista em Enfermagem em Pediatria, Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da Universidade Federal da Paraíba (PPGEnf/UFPB), João Pessoa, Paraíba, Brasil

IIDoutora em Enfermagem, Docente do PPGEnf/UFPB, João Pessoa, Paraíba, Brasil

IIIEnfermeira Especialista em Saúde da Família, Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da UFPB, Bolsista PPGEnf/UFPB/CAPES, João Pessoa, Paraíba, Brasil

Endereço da autora Endereço da autora: Daniela Dias Quirino Rua João Galiza de Andrade, 221, ap. 301, Edf. Marília, Jardim São Paulo 58051-180, João Pessoa, PB E-mail: danydiasq@hotmail.com

RESUMO

A presença da família é fundamental no cuidado à criança hospitalizada, pois é fonte de proteção e segurança, proporcionando um ambiente menos agressivo. O objetivo deste estudo foi apreender as concepções da equipe de enfermagem acerca da mãe acompanhante. Trata-se de uma pesquisa qualitativa exploratória, desenvolvida em um hospital referente no atendimento infantil para o Nordeste, realizada no período de abril a maio de 2007 por meio de entrevista semi-estruturada. Os dados foram submetidos à análise temática e os preceitos éticos respeitados. Identificamos que a mãe é reconhecida como sujeito importante no apoio ao filho, porém, não tem recebido o devido cuidado pelos profissionais da saúde. Apreendida como agente no processo trabalho, a mãe não participa da tomada de decisões, mas realiza cuidados de responsabilidade da enfermagem. Portanto, é importante que a enfermagem reoriente seu trabalho com o objetivo de construir vínculos e um cuidado integral.

Descritores: Criança hospitalizada. Enfermagem pediátrica. Família.

RESUMEN

La presencia de la familia es fundamental en el cuidado del niño hospitalizado, ya que es fuente de protección y seguridad, proporcionando un ambiente menos agresivo. El objetivo de este estudio aprehender las concepciones del equipo de enfermería acerca de la madre acompañante. Se trata de una investigación cualitativa exploratoria, desarrollada en un hospital de referencia en atención infantil para el Nordeste, realizada en el período de abril a mayo de 2007, por medio de entrevista semi-estructurada. Los datos fueron sometidos a análisis temático y los principios éticos fueron respetados. Fue identificado que la madre es reconocida como persona importante en relación al apoyo al hijo, sin embargo, no ha recibido el debido cuidado por parte de los profesionales de salud. Aprehendida como agente en el proceso de trabajo, la madre no participa de la toma de decisiones, pero realiza cuidados de responsabilidad de la enfermería. Portanto, es importante que la enfermería redireccione su trabajo con el objetivo de construir vínculos y un cuidado integral.

Descriptores: Niño hospitalizado. Enfermería pediátrica. Familia.

ABSTRACT

The presence of the family is fundamental in the care of hospitalized child, because it is a source of protection and security by providing an environment less aggressive. The objective of this study was understood the concepts of the nursing staff about the mother's companion. This is an exploratory qualitative research, developed in a hospital relating to infant care in the Northeast, held between April and May of 2007 through semi-structured interview. Data were subjected to thematic analysis and the ethical respected. We identified that the mother is recognized as important person in supporting the child, but has not received proper care by healthy professionals. Perceived as agents in the process work, the mother does not participate in decision making, but carries the responsibility of nursing care. So it is important that nursing reorient their work with the aim of building links and a comprehensive care.

Descriptors: Child, hospitalized. Pediatric nursing. Family.

INTRODUÇÃO

A hospitalização é vista como uma situação extremamente perturbadora na vida de qualquer ser humano e tem contornos especiais quando se trata de um acontecimento na infância, pois afeta a vida familiar implicando em uma mudança de rotina de toda a família.

Para a criança, a hospitalização se traduz em experiência bastante difícil, pois gera uma ansiedade diante do ambiente desconhecido e ameaçador, onde o apoio para tal enfrentamento é representado pela presença dos pais(1).

Sobre a vivência da família, a internação hospitalar da criança é um evento potencialmente estressante, pois a insere em um ambiente que frequentemente ameaça seu senso de segurança e competência(2). Para minimizar esses sentimentos negativos, tem se buscado mudança na modalidade da assistência, passando daquela cujo foco é a criança e sua patologia para aquela centrada na família(3).

Assim, a equipe de enfermagem deixa de ser apenas realizadora de cuidados técnicos, passando a exercer a função de facilitadora da experiência de hospitalização para a criança e para seus pais(3). Essa mudança na forma de trabalho se constitui como desafio para a enfermagem, uma vez que, torna-se essencial identificar e compreender as necessidades dos pais e integrá-los ao cuidado(4).

A permanência dos pais em período integral no ambiente hospitalar, a sua participação no cuidado e a natureza da relação entre a tríade - crianças, pais e profissionais, têm desencadeado novas diretrizes na organização da assistência à criança hospitalizada. Dirigindo o olhar para a família como objeto de cuidado, em um processo de produção de relações e intervenções, para além do atendimento clínico(5).

Considerando-se que, na hospitalização, o cuidado deve se voltar a ações de integralidade, é preciso repensar o fazer, atuando junto à criança e sua família, compartilhando conhecimentos para atingir um cuidado autêntico, preocupado com a singularidade do ser criança(6).

No entanto, o perfil dos profissionais que atuam em pediatria, distante da óptica da integralidade e do trabalho em equipe, traz prejuízos para a assistência. Algumas vezes, por não relacionarem manifestações de agressividade ou dispersão a sentimentos como medo, preocupação e dificuldade de compreensão da situação, os profissionais acabam expondo a família a conflitos(7).

A inserção de um acompanhante e o seu envolvimento com o processo terapêutico não se trata de uma simples questão, implicando em reorganização do trabalho e compreensão da dinâmica das relações interpessoais entre os agentes envolvidos no cuidar. A negociação entre as mães e a equipe de enfermagem, nos cuidados prestados à criança, também difícil, tendo em vista que para ambas seu papel no processo não fica claro(8).

Considerando o exposto e somando nossa experiência profissional, realizamos este estudo que teve como objetivo apreender as concepções da equipe de enfermagem, que atua no cuidado à criança hospitalizada, acerca da presença da mãe durante a hospitalização de seu filho.

CAMINHO METODOLÓGICO

O presente estudo foi delineado pela abordagem qualitativa, na qual se conhece um nível de realidade trabalhando o universo de significados, sentimentos, motivos, aspirações, crenças, valores e atitude presentes em processos e fenômenos que não podem ser mensurados(9). Trata-se de uma pesquisa exploratória(10), a qual tem como finalidade desenvolver, esclarecer e modificar conceitos e idéias com vistas à formação de problemas mais precisos ou hipóteses pesquisáveis, objetivando proporcionar uma visão geral do tipo aproximativo acerca de determinado fato.

O estudo foi desenvolvido na clínica pediátrica de um hospital situado na região metropolitana do Recife, Pernambuco. A escolha da instituição, classificada como hospital de atenção terciária, deu-se em virtude de a mesma ser referência no Nordeste para o atendimento materno-infantil. Essa clínica possui um total de 67 leitos, distribuídos em oito enfermarias coletivas, com oito ou nove leitos cada, conformando-se em um setor de alta rotatividade. O quadro de profissionais de enfermagem da unidade em estudo é formado por seis enfermeiras e 58 profissionais de ensino médio (técnico ou auxiliar de enfermagem).

Os participantes do estudo foram profissionais que compõem a equipe de enfermagem (enfermeiros, técnicos e auxiliares de enfermagem) e que trabalham na referida unidade. Como critério de inclusão dos sujeitos no estudo, lançamos mão da amostragem intencional que define o grupo social mais relevante para as entrevistas(9). Dessa forma, incluímos nesta pesquisa os profissionais de enfermagem que estivessem lotados há mais de um ano na unidade em estudo por terem experiência de cuidar de crianças hospitalizadas acompanhadas de um dos pais.

Participaram três auxiliares, duas técnicas de enfermagem e três enfermeiras. A coleta de dados foi realizada nos meses de maio e abril de 2007, utilizando a técnica de entrevista semiestruturada(9). Para registro, foi utilizado o gravador, após aceite dos entrevistados. As entrevistas foram transcritas na íntegra para preservar as expressões de linguagem e gramaticais usadas pelos participantes, fazendo apenas algumas correções que não alteram o significado das frases.

Para a análise dos dados adotamos a técnica de análise temática, que consiste na descoberta dos núcleos de sentido que compõem uma comunicação, cuja presença ou frequência signifiquem alguma coisa para o objetivo analítico visado, ou seja, a análise temática se encaminha para a contagem da frequência das unidades de significação como definidoras do caráter de discurso(9).

Após a organização sistemática das transcrições realizamos a primeira leitura para reconhecimento dos dados, seguida de leituras repetidas para apreender as falas dos sujeitos e caracterizar as suas semelhanças e singularidades. Tal processo se deu por meio de idas e vindas ao material transcrito. Agrupamos, então, as falas dos sujeitos que representavam o mesmo núcleo ou tema.

A pesquisa, após apreciação do Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da instituição, recebeu parecer favorável (nº 910), atendendo à Resolução nº 196/96 do Conselho Nacional de Saúde(11). Os sujeitos que concordaram em participar do estudo assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Para garantir o anonimato e preservar a identidade dos entrevistados, utilizamos as iniciais "E" para as enfermeiras, "AE" para as auxiliares e "TE" para as técnicas de enfermagem, numeradas conforme a sequência de realização das entrevistas.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

A presença da mãe, pai ou responsável pela criança no ambiente de internação hospitalar tem sido fato comum no cotidiano da assistência à saúde, tornando essencial o reconhecimento dos benefícios da família para a recuperação da criança e minimização de fatores estressantes associados à hospitalização, além de favorecer à enfermagem quando a família passa a ser colaboradora, somando esforços para um cuidado humanizado(6). Os pais exercem papel fundamental no contexto da hospitalização infantil, uma vez que representam a referência sobre segurança, carinho, além de apoio, imprescindível para o enfrentamento da situação desafiadora que é a doença e o tratamento(1).

Diante desse quadro, o cuidado à criança hospitalizada deve, invariavelmente, ter a presença da mãe no acompanhamento do processo de recuperação e a equipe de enfermagem reconhecer a importância da figura materna nesses casos.

Com a palavra, uma das entrevistadas:

É importante a mãe estar presente, ao lado do seu filho, porque humaniza [...] tem mãe que coopera bastante, mães muito zelosas [...] às vezes, a gente se depara com algumas mães assim, um pouco, assim, nervosa [...] a gente não deve ignorar e sim compartilhar e amenizar aquela situação (E, 6).

Após a inserção do acompanhante na hospitalização infantil, o cuidado passou a assistir não apenas à criança, mas a envolver seu universo relacional e social, de modo a considerar criança e família como um só cliente(1). Interagindo tão intensa e intimamente, a criança forma com sua mãe um único cliente, diferente e muito maior, que ultrapassa as fronteiras determinadas pelas imposições da hospitalização, favorecendo condições para o desenvolvimento infantil durante a experiência. Assim, a presença da mãe acompanhante, durante a hospitalização infantil, se constitui como forma de proteção, fazendo com que a criança seja menos subjugada pelas experiências e pela dura rotina hospitalar. A mãe protege e defende sua criança(3).

Nesse contexto, o cuidar humanizado implica, por parte do profissional, a compreensão e a valorização da pessoa humana enquanto sujeito histórico e social, assim como uma sensibilização sobre a realidade concreta por ela vivida(12).

Assim, de acordo com as auxiliares a seguir:

A gente tem que ter muito carinho porque, às vezes, as mães estão muito estressadas (AE, 5).

Tem crianças sem acompanhante que a gente tem que estar dando o maior cuidado, porque além da gente ser, assim, o auxiliar, a gente tem que ser, assim, a mãe [...] a gente pega um espaçozinho para gente dar um pouco de carinho a ela (AE, 1).

A hospitalização é uma situação essencialmente angustiante, exigindo dos profissionais de enfermagem a minimização do sofrimento da criança e também da família, elemento que se torna essencial no cuidado integral. Por outro lado, quando a criança não está sendo acompanhada por um familiar, identificamos a importância da equipe de enfermagem suprir algumas necessidades como atenção, afeto, carinho para assegurar menores prejuízos ao desenvolvimento da criança.

A equipe de enfermagem tem papel fundamental durante a hospitalização, visto ser a categoria profissional que passa a maior parte do tempo acompanhando o paciente. Portanto, é de responsabilidade dessa equipe os cuidados prestados, além de máximo empenho para reduzir os riscos de perturbações à criança, decorrentes da hospitalização.

Por outro lado, percebemos que apesar de os depoimentos apontarem uma preocupação com a mãe que sofre com a situação, a equipe não relatou ações além daquelas focalizadas na criança, ou até mesmo nos procedimentos. Embora haja uma concepção ampliada da extensão do cuidado à família, na prática assistencial esse cuidado continua centrado nas ações técnicas, configurando-se num processo de trabalho procedimento-centrado. A preocupação com a família parece ficar no plano da ideação, uma vez que não identificamos plano de trabalho que a inclua como sujeito que necessita de cuidado para auxiliar na sua reestruturação(13).

Portanto, como a hospitalização infantil é algo desestruturador para criança e família, é necessário reorientar o cuidado para acolhermos sentimentos, além de reconhecer as dificuldades que a família tem em desempenhar suas atividades básicas de socialização e de suporte para seus membros, surgindo a situação de vulnerabilidade(14).

Ao mesmo tempo em que a mãe é fonte de segurança e carinho, ela consegue, facilmente, perceber evolução do estado de saúde de sua criança, sendo, muitas vezes, a responsável por informar qualquer alteração apresentada pela criança. O depoimento a seguir enfatiza essa compreensão:

A mãe realmente está ali pra dar um conforto melhor ao filho, um carinho, passar para a equipe tanto médica como de enfermagem, o que é que está acontecendo, relatar alguns episódios que não foram visualizados pela equipe de enfermagem, e a mãe realmente pode relatar alguma coisa (E, 6).

Reconhecemos que a mãe é a maior conhecedora do seu filho, ela sabe quando seu filho está com alguma necessidade, no entanto, sua permanência no hospital tem o objetivo de trazer, exclusivamente, bem estar ao filho. Portanto, essa visão utilitarista sobre a família compromete o processo de cuidar, pois passa a ser considerada como ferramenta no cuidado e não como sujeito que precisa ser atendida em suas necessidades.

Para que criança e família enfrentem a situação de doença e hospitalização, precisamos compreender e compartilhar esse momento, ajudando a lidar com seus problemas, conflitos, medo e aumento das responsabilidades.

A mãe tem sido percebida como receptáculo e provedora de informações e, em contrapartida, não tem participado ativamente do processo terapêutico. Além de não ser vista como fonte que necessita ser cuidada, a mãe se envolve no cuidar de seu filho, ora impulsionada pelo sentimento de mãe, ora pela imposição da equipe que está envolvida nesse atendimento(8).

Identificamos em nosso estudo que os profissionais percebem a mãe como um agente do trabalho, e não como alguém que também demanda cuidado no hospital.

Porque ela é mãe [...] tem que aprender (E, 7).

Mãe tire essas roupinhas daqui do berço, você não vai usar, se estiver suja leve lá para baixo (E, 3).

Reconhecemos que a mãe pode participar dos cuidados dispensados ao filho desde que ela queira e se sinta capaz de realizá-los naquele momento. A presença da mãe é essencial para a recuperação do filho, uma vez que o apóia em suas necessidades emocionais. Porém, os sujeitos do estudo compreendem que a família tem o dever de acompanhar o filho, e ainda realizar os cuidados prestados a ele.

A gente só dá o banho quando o menino tá grave, tem mãe que dá cinco banhos no dia e tem mãe que não dá nenhum, que a gente tem que tá mandando dar (E, 7).

A gente passa para ela desenvolver a tarefa dela, mas se for uma mãe que não tem aqueles cuidados com a criança [...] que não tem muita cultura [...] a gente sabe que pode desenvolver, mas não quer, não quer cumprir com a obrigação dela, com certeza a gente vai e desenvolve (AE, 4).

Esse comportamento, algumas vezes impositivo, dos profissionais delineia a versão da política que permeia as instituições de saúde, nas quais os profissionais reproduzem as relações de poder sob as quais se encontram. Cabendo aos profissionais decidir o que é bom para o paciente, nesse caso, a criança, sem consultar ou compartilhar as decisões e o plano de cuidado com a família.

Embora o desejável fosse uma relação de cooperação e parceria entre profissionais e pais de crianças internadas, ainda é muito comum a existência de uma relação de dominação-subordinação. Além disso, os profissionais tendem a transformar o direito da família em permanecer junto à criança em um dever, dever de acompanhá-la e prestar cuidados que competem aos profissionais do serviço, sendo assim percebidos como agente do trabalho. E qualquer comportamento dos pais que não correspondam a este modelo de agente do trabalho, assim como o fato de ser mais crítico e questionador, pode se constituir em fator de conflito e distanciamento com a equipe(1).

A reciprocidade no cuidado à criança, entre a equipe de saúde e a família, pode favorecer uma melhor identificação das necessidades da criança, possibilitando o planejamento de um cuidado mais integral, holístico e humano. A troca de experiências pode ajudar no relacionamento entre os profissionais, a criança e sua família, minimizando, possivelmente, a crise vivida e o sofrimento da família com a doença e a hospitalização. Assim, durante a internação hospitalar da criança, o seu cuidado deve ser compartilhado entre os profissionais de saúde e sua família(15).

Embora saibamos que a presença da família no ambiente hospitalar é fato comum, ainda existe certa resistência por parte da equipe ao demonstrar que não compreende o objetivo maior de sua presença no acompanhamento do filho:

Eu acho essencial a presença das mães, às vezes atrapalha um pouco, tem mãe que quer interferir no tratamento do menino, aí a mãe atrapalha (E, 7).

A família precisa ser incluída no projeto terapêutico, entendendo essa inclusão fortificar a retomada de sua autonomia. Comumente, o que tem sido percebido no ambiente hospitalar, é a falta de participação da mãe nas tomadas de decisões - sua fala não tem sido valorizada. Por conseguinte, essa participação não contribui para a construção do cuidado compartilhado entre mães e enfermagem(8).

Diante das dificuldades de comunicação e definição de papéis entre o trinômio equipe-criança-família, as decisões e o controle da situação ficam sob o domínio da equipe de saúde(5). Embora se perceba nos serviços um discurso que aponta para a inserção da família no cuidado, a efetivação da assistência é dificultada pela escassez de recursos, filosofia de trabalho implantada, falta de sensibilização e instrumentalização de profissionais de saúde, para dar conta das novas necessidades que se colocam no processo de trabalho, bem como a ausência de reflexões críticas acerca dos paradigmas que têm embasado a atenção à saúde, na perspectiva da transformação(5).

Entendemos que para atuar no cuidado à criança, precisamos estar sensibilizados com a experiência de hospitalização para a família e sua importância no cenário de cuidado à criança, entretanto, identificamos a situação a seguir:

Não tenho paciência com essas mães aqui [...], por exemplo, vou conversar com essa mãe, eu vou ter que falar grosso com ela. Para começo de conversa, você não pode chegar: mãezinha, eu já tentei fazer assim, não adianta (E, 7).

Os profissionais não estão capacitados para compreender as mudanças que ocorrem na dinâmica da família que vivencia a situação de hospitalização de seu filho. Uma experiência constituída por medo, angústia, ansiedade merece ser compartilhada, porém observamos que essas ações não passam de discursos retóricos.

Nos depoimentos abaixo ficam expressas as tarefas que a mãe deve realizar. Assim, ela passa a ser mais um agente do cuidar no contexto do processo de trabalho da equipe de enfermagem.

Elas [auxiliares] colocam o termômetro e vão fazer outra atividade e deixam a mãe olhando aquele termômetro (E, 6).

Aqui tem as mães [...] que faz toda a limpeza (AE, 4).

As mães ajudam muito a gente aqui, a gente trabalha menos (AE, 3).

A participação da família nos cuidados prestados às crianças hospitalizadas deve ocorrer sem que as ações maternas sejam consideradas como mão-de-obra, mas sejam vistas como uma contribuição, ou seja, parte integrante no planejamento dos cuidados da criança(16). Os pais devem ser convidados a compartilhar na assistência à criança hospitalizada, propiciando que sejam participantes e co-responsáveis pela recuperação da criança(17).

Ao designar cuidados considerados de menor complexidade técnica às mães, a enfermagem reproduz a divisão social e técnica do trabalho nas relações com a família, uma vez que usa do autoritarismo na delegação de cuidados que a ela compete no ambiente hospitalar(16).

Assim, emerge a necessidade de expandirmos o cuidar à família, que deve ser vista como objeto de nosso trabalho. Desse modo, estaremos transformando nosso olhar em ver, nosso ouvir em escutar, e fazer das palavras um elo que solidifique as relações que devem ser pautadas, entre outras, pela responsabilização e criação de vínculos que sensibilizam o profissional ao sofrimento do outro.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O cotidiano do cuidado à criança hospitalizada está caracterizado por processos entre sujeitos que buscam um objetivo geral, a recuperação da saúde da criança. Portanto, entendemos que para viver esse processo de hospitalização de um filho, a mãe/família precisa ter suas necessidades atendidas pelos profissionais de saúde.

A finalidade maior da presença da mãe no contexto hospitalar é assegurar ao filho um cuidado menos traumático, haja vista que o vínculo construído entre filho e mãe durante suas vidas, assegura que ansiedades e medos advindos da hospitalização sejam amenizados.

Portanto, a equipe de enfermagem deve repensar o cuidar da criança hospitalizada incluindo, em seu plano de cuidado, a mãe. Reconhecemos que a família busca enfrentar a situação de doença e hospitalização de formas variadas para atender as necessidades do filho e dos demais membros da família. Então, para que a família se sinta fortalecida no cuidado ao filho, ela também deve ser amparada pelos profissionais de saúde. Esse cuidado que aqui nos referimos, para que seja efetivo é necessário que a presença do outro seja ativa e as interações intersubjetivas sejam ricas e dinâmicas(18).

Em geral, a família tem sido percebida como facilitadora de processos mecanizados da assistência(19), pois elas promovem um cuidado que é deliberado pela equipe de enfermagem, aliviando, de certa forma, o trabalho que por essa deveria ser realizado. Então, o cuidado à criança hospitalizada deve ser repensado, sem desprezar a importância do avanço tecnológico na saúde. Precisamos, portanto, resgatar as ações que envolvem, de fato, a interação entre os sujeitos no cotidiano do trabalho em saúde e olhar para a família de forma integral, pois, assim, reconheceremos as dificuldades que a hospitalização traz para o cotidiano da família, e poderemos compartilhar os momentos difíceis.

Discussões da natureza têm acontecido com maior frequência nos cenários acadêmicos e nos serviços de saúde e, no entanto, percebemos através do estudo que ainda precisamos repensar nossa prática no cuidado à criança hospitalizada. Defendemos que o diálogo pode ser um dos primeiros passos para a construção do vínculo entre profissionais de saúde e família.

Por conseguinte, para garantir o cuidar integral vemos a necessidade de estabelecer vínculos, confiança e responsabilização. Um olhar e um agir ampliados para a família, tornando-a parte do processo, no âmbito da assistência à criança hospitalizada, atribui o respeito à singularidade do binômio filho-família.

Recebido em: 06/01/2010

Aprovado em: 10/05/2010

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  • Endereço da autora:
    Daniela Dias Quirino
    Rua João Galiza de Andrade, 221, ap. 301, Edf. Marília, Jardim São Paulo
    58051-180, João Pessoa, PB
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      09 Dez 2010
    • Data do Fascículo
      Jun 2010

    Histórico

    • Recebido
      06 Jan 2010
    • Aceito
      10 Maio 2010
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