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Ações em saúde mental às famílias nos diferentes contextos de trabalho: revisão integrativa

Action in mental health to families in different contexts of work: integrative review

Acción en salud mental a familias en diferentes contextos de trabajo: revisión integradora

Resumos

Trata-se de uma revisão integrativa da literatura que objetivou identificar e analisar os estudos nos periódicos de enfermagem que focalizam as ações em Saúde Mental direcionadas às famílias. Para a coleta dos dados foram utilizados os descritores saúde mental, família e enfermagem, nas bases de dados da Literatura Latino-Americano e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS) e Scientific Electronic Library Online (SciELO). Os critérios de inclusão foram: artigos originais publicados em português, espanhol e inglês nos periódicos na área da enfermagem entre os anos de 2003 a 2008. Este trabalho evidenciou uma predominância de estudos enfocando questões referentes à equipe de saúde e/ou profissionais. Os achados indicam necessidade em produzir pesquisas voltadas para os usuários e familiares, o que pode contribuir para as ações em saúde mental da equipe nos cenários da atenção psicossocial e apontar caminhos na direção de novas pesquisas.

Saúde mental; Família; Enfermagem psiquiátrica


This is an integrative review aimed to identify and analyze studies in nursing journals that focus on mental health actions directed to families in different work contexts. To collect data, we used the descriptors mental health, family and nursing in the databases of the Latin American and Caribbean in Health Sciences (LILACS) and Scientific Electronic Library Online (SciELO). Inclusion criteria were: original articles published in Portuguese, Spanish and English in journals in the field of nursing between the years 2003 to 2008. This work showed a predominance of studies focusing on issues of health staff and / or professional, indicating a need to produce research for users and families. It is believed that these findings may be of great value to the teams in the scenarios of psychosocial care and point the way toward further research.

Mental health; Family; Psychiatric nursing


Esta es una revisión integradora tuvo como objetivo identificar y analizar los estudios en las revistas de enfermería que se centran en acciones de salud mental dirigidos a las familias en contextos laborales distintos. Para recopilar los datos, se utilizó los descriptores de la salud mental, la familia y de enfermería en las bases de datos de América Latina y del Caribe de Ciencias de la Salud (LILACS) y Scientific Electronic Library Online (SciELO). Los criterios de inclusión fueron: artículos originales publicados en portugués, español e Inglés en las revistas en el campo de la enfermería, entre los años 2003 a 2008. Este trabajo mostró un predominio de los estudios centrados en las cuestiones de personal de salud y / o profesional, indicando la necesidad de producir investigación de los usuarios y las familias. Se cree que estos hallazgos pueden ser de gran valor para los equipos en los escenarios de la atención psicosocial y señalar el camino hacia la investigación.

Salud mental; Familia; Enfermería psiquiátrica


ARTIGO DE REVISÃO

Ações em saúde mental às famílias nos diferentes contextos de trabalho: revisão integrativa

Acción en salud mental a familias en diferentes contextos de trabajo: revisión integradora

Action in mental health to families in different contexts of work: integrative review

Marinês AiresI; Cristine Moraes RoosII; Ana Valéria Furquim GonçalvesIII; Jacó Fernando SchneiderIV; Agnes OlschowskyV

IMestre em Enfermagem, Professora do Curso de Graduação em Enfermagem da Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões (URI), Campus de Frederico Westphalen, Rio Grande do Sul, Brasil

IIEnfermeira Especialista em Saúde Mental Coletiva, Mestranda em Enfermagem pelo Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (PPGENF/UFRGS), Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil

IIIMestranda em Enfermagem pelo PPGENF/UFRGS, Enfermeira do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA), Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil

IVDoutor em Enfermagem, Professor do PPGENF/UFRGS, Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil

VDoutora em Enfermagem Psiquiátrica, Professora do PPGENF/UFRGS, Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil

Endereço da autora Endereço da autora: Marinês Aires Rua Comércio, 724, Centro 98400-000, Frederico Westphalen, RS E-mail: marynesayres@yahoo.com.br

RESUMO

Trata-se de uma revisão integrativa da literatura que objetivou identificar e analisar os estudos nos periódicos de enfermagem que focalizam as ações em Saúde Mental direcionadas às famílias. Para a coleta dos dados foram utilizados os descritores saúde mental, família e enfermagem, nas bases de dados da Literatura Latino-Americano e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS) e Scientific Electronic Library Online (SciELO). Os critérios de inclusão foram: artigos originais publicados em português, espanhol e inglês nos periódicos na área da enfermagem entre os anos de 2003 a 2008. Este trabalho evidenciou uma predominância de estudos enfocando questões referentes à equipe de saúde e/ou profissionais. Os achados indicam necessidade em produzir pesquisas voltadas para os usuários e familiares, o que pode contribuir para as ações em saúde mental da equipe nos cenários da atenção psicossocial e apontar caminhos na direção de novas pesquisas.

Descritores: Saúde mental. Família. Enfermagem psiquiátrica.

RESUMEN

Esta es una revisión integradora tuvo como objetivo identificar y analizar los estudios en las revistas de enfermería que se centran en acciones de salud mental dirigidos a las familias en contextos laborales distintos. Para recopilar los datos, se utilizó los descriptores de la salud mental, la familia y de enfermería en las bases de datos de América Latina y del Caribe de Ciencias de la Salud (LILACS) y Scientific Electronic Library Online (SciELO). Los criterios de inclusión fueron: artículos originales publicados en portugués, español e Inglés en las revistas en el campo de la enfermería, entre los años 2003 a 2008. Este trabajo mostró un predominio de los estudios centrados en las cuestiones de personal de salud y / o profesional, indicando la necesidad de producir investigación de los usuarios y las familias. Se cree que estos hallazgos pueden ser de gran valor para los equipos en los escenarios de la atención psicosocial y señalar el camino hacia la investigación.

Descriptores: Salud mental. Familia. Enfermería psiquiátrica.

ABSTRACT

This is an integrative review aimed to identify and analyze studies in nursing journals that focus on mental health actions directed to families in different work contexts. To collect data, we used the descriptors mental health, family and nursing in the databases of the Latin American and Caribbean in Health Sciences (LILACS) and Scientific Electronic Library Online (SciELO). Inclusion criteria were: original articles published in Portuguese, Spanish and English in journals in the field of nursing between the years 2003 to 2008. This work showed a predominance of studies focusing on issues of health staff and / or professional, indicating a need to produce research for users and families. It is believed that these findings may be of great value to the teams in the scenarios of psychosocial care and point the way toward further research.

Descriptors: Mental health. Family. Psychiatric nursing.

INTRODUÇÃO

No contexto que antecede o movimento da Reforma Sanitária, o sujeito em sofrimento psíquico não tinha voz ativa, sua história era marcada pela segregação e a responsabilidade pelo seu cuidado era atribuída à instituição hospitalocêntrica. Nesse cenário, as famílias renunciavam a qualquer participação no tratamento, assumindo a tarefa de identificar a desorganização mental, encaminhar o familiar, visitá-lo e fornecer informações sobre o paciente para equipe de saúde A família era vista como um sistema doente, como a causa do adoecimento, ou seja, transferia-se a ela a culpabilização pela doença(1,2).

O Movimento da Reforma Psiquiátrica preconiza a mudança do paradigma da psiquiatria clássica, questiona o modelo manicomial e propõe novos dispositivos de atendimento e tratamento, rompendo com os paradigmas do modelo asilar, preconizando o respeito às diferenças e à subjetividade dos indivíduos/famílias, atribuindo um novo lugar social para a loucura e, para isso, instaurando um Modelo Psicossocial de Cuidado(3-5). Para que tais mudanças sejam efetivas é necessário que elas transcendam a reestruturação física dos espaços, fundamentado no deslocamento da assistência psiquiátrica hospitalocêntrica para serviços territorializados. Além disso, esse modelo propõe que fatores políticos, biopsíquicos e sócio-culturais sejam tomados como determinantes das doenças(4).

Desse modo, a família assume o papel de protagonista no projeto terapêutico dos sujeitos com sofrimento psíquico. Entretanto, a historicidade baseada no estigma, segregação, tutela e no modelo hegemônico biomédico ainda influenciam as ações em Saúde Mental nos diversos cenários de trabalho. Se por um lado, os discursos acadêmicos fundamentados nos pressupostos da Reforma Psiquiátrica e Política de Saúde Mental(6) priorizam a inserção da família no projeto terapêutico, por outro, os profissionais, os serviços de saúde e a sociedade, muitas vezes, consideram a família da mesma forma de outrora.

Diante desse cenário, a utilização de tecnologias leves, como o vínculo e o acolhimento são dispositivos potenciais para a integralidade da atenção ao usuário e família(7). Assim, a Estratégia de Saúde da Família (ESF), vem ao encontro dos pressupostos da Reforma Psiquiátrica, uma vez que desempenha um papel de articuladora da rede de Saúde Mental, pautada no território e na construção de uma rede ampliada de serviços de saúde. Além disso, a ESF visa à superação do modelo hospitalocêntrico e reorganização da produção de cuidados propondo uma atenção centrada na família, entendida e percebida a partir de seu ambiente físico e social e não somente focada indivíduo doente(5,8).

Nesse espaço de cuidado às famílias, o acolhimento constitui-se em uma tecnologia leve das ações em saúde, priorizando a atenção ao usuário por meio da escuta qualificada, da valorização das queixas e da identificação de suas necessidades, aliando a resolubilidade, a integralidade na assistência e a qualidade do serviço prestado ao usuário/família(9).

Diante do panorama exposto, questiona-se: o novo modelo de Atenção Psicossocial atende os pressupostos da Reforma Psiquiátrica e inclui a família no processo de cuidado? Os profissionais consideram as famílias como usuárias dos serviços, uma vez que elas necessitam de atenção e apoio formal para manter sua própria saúde no processo de tratamento do seu familiar em sofrimento psíquico?

Nesse sentido, o desafio que está posto é considerar a "loucura" como um fenômeno coletivo e social, delineando uma nova postura em relação ao sujeito que sofre psiquicamente, visando a um novo posicionamento do sujeito acerca de sua condição de "doente passivo sofredor" para uma atitude de "auto-administração", reconhecendo-se como agente que possui em si as possibilidades de modificar o contexto vivido.

Com base nessas considerações o presente estudo teve como objetivo identificar e analisar os estudos que focalizam as ações em Saúde Mental direcionadas às famílias nos diferentes contextos de trabalho, publicados em periódicos de enfermagem.

MÉTODOS

A revisão integrativa é um método amplo que permite incluir estudos com diferentes abordagens metodológicas, agrupando resultados obtidos de um conjunto de pesquisas primárias com temática idênticas ou similares(10,11). O seu objetivo é sintetizar e analisar esses dados para desenvolver uma explicação mais abrangente de um fenômeno específico a partir da síntese ou análise dos achados dos estudos, com propósitos teóricos e/ou intervencionistas(12,13).

As etapas que conduziram esta revisão integrativa sobre as ações em Saúde Mental às famílias no diferentes contextos de trabalho foram: formulação do problema; coleta de dados; avaliação dos dados; análise e interpretação dos dados; apresentação dos resultados e conclusões(12).

A formulação do problema contemplou a elaboração da questão norteadora deste estudo: qual a produção do conhecimento da enfermagem em Saúde Mental com enfoque nas ações direcionadas aos usuários e famílias nos diferentes contextos de trabalho?

A coleta de dados foi realizada por duas pesquisadoras, de forma independente, em julho de 2009, nas bases de dados da Literatura Latino-Americano e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS) e Scientific Electronic Library Online (SciELO), utilizando-se os Descritores em Ciências da Saúde (DeCS): Saúde Mental, Família e Enfermagem.

Os critérios de inclusão foram: artigos originais publicados em periódicos na área da enfermagem, de acordo com a classificação pelo Qualis de extrato A, que inclui A1 e A2, e B incluindo B1, B2 e B3 da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal em Nível Superior (CAPES), entre os anos de 2003 a 2008, disponíveis on-line e publicados em português, espanhol ou inglês.

O levantamento bibliográfico no LILACS e SciELO totalizou, respectivamente, 49 e 25 publicações. A primeira seleção dos trabalhos foi feita a partir da leitura dos títulos e resumos de todos os artigos identificados na busca eletrônica, os quais se relacionavam com o objetivo da pesquisa. Nessa etapa, foram selecionados 20 artigos no LILACS e 14 no SciELO. Posteriormente, realizou-se a busca e leitura dos estudos na íntegra.

Entre as publicações encontradas, seis fizeram parte de mais de uma base de dados e para a inclusão foi considerado o artigo encontrado na base de dados de maior produção. Foram excluídos quatro estudos bibliográficos, duas publicações de reflexão e outra por não se enquadrar nono foco de estudo em questão.

Assim, a amostra final foi constituída por 22 estudos. Para a avaliação dos dados elaborou-se um instrumento para a coleta das informações visando responder a questão norteadora desta revisão. A análise e interpretação dos dados foram realizadas de forma organizada e sintetizada por meio da elaboração de um quadro sinóptico que compreendeu os seguintes itens: identificação do estudo; objetivos, ano e periódico de publicação; Qualis do periódico; delineamento do estudo; temática; referencial teórico-metodológico; sujeitos da pesquisa; e, principais resultados.

Os artigos selecionados foram analisados na integra e agrupados por áreas temáticas, A análise quantitativa ocorreu por meio da análise estatística de frequência absoluta e relativa.Também realizou-se uma comparação dos achados nos artigos relacionados ao desenvolvimento das ações em Saúde Mental pelos profissionais direcionados às famílias.

Quanto aos aspectos éticos, salienta-se que os preceitos de autoria e referenciamento das obras consultadas foram respeitados. Como o estudo configura-se como uma revisão integrativa da produção existente e disponível sobre a temática, entendeu-se aceitável dispensar sua submissão a um Comitê de Ética em Pesquisa.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Na Tabela 1, apresenta-se a distribuição das publicações de enfermagem na atenção à Saúde Mental às famílias nos periódicos de enfermagem no período de 2003 a 2008.

Dos 22 artigos analisados, verificou-se que o maior número de publicações concentra-se no ano de 2006 (oito) e 2005 (cinco) nos anos de 2004 (três), 2008 (três) e no ano de 2007 (dois). Cabe salientar que os estudos referentes ao ano 2003 não estavam disponíveis on-line na integra. O periódico Cogitare Enfermagem do Departamento de Enfermagem da Universidade Federal do Paraná, classificado pelo sistema Qualis/CAPES como B3, apresentou o maior percentual de publicações (22,7%).

A Tabela 2 apresenta as publicações de enfermagem na atenção à Saúde Mental às famílias de acordo com o Referencial Teórico Metodológico utilizado pelos autores.

A partir dessa constata-se a que 36,4% dos estudos analisados não especificaram a utilização de Referencial Teórico-Metodológico. No achados, 27,2% das pesquisas indicam uma tendência de apropriação de quadro teórico das ciências humanas, sociais e comportamentais como, por exemplo, o Referencial Teórico-Metodológico do Materialismo Histórico e Dialético e Referencial das Representações Sociais com base nos pressupostos de Moscovici. Isto pode ser justificado pela necessidade de compreensão dos aspectos subjetivos da experiência prática vivenciada pela enfermagem, acarretando subsídios às ações no cotidiano dos serviços de Saúde Mental.

A Tabela 3 apresenta a distribuição das publicações de Enfermagem na Atenção à Saúde Mental segundo tipo do estudo.

Conforme os dados da Tabela 3, o maior percentual de publicações de enfermagem em Saúde Mental (91%) está classificado como artigo de pesquisa qualitativa. Entre os quais, cinco classificam-se com estudo de caso. A pesquisa com abordagem qualitativa do tipo estudo de caso, visa a investigar os fenômenos inseridos no contexto real de maneira profunda e intensa, deste modo, possibilita ao pesquisador uma maior compreensão sobre os fenômenos individuais, sociais, políticos e de grupo(14).

A pesquisa qualitativa possibilita uma melhor compreensão dos fenômenos e uma maior aproximação com a realidade dos sujeitos, no caso as famílias. Uma vez que o foco é estudar o universo de significados, motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes, o que corresponde a um espaço mais profundo das relações, dos processos e dos fenômenos que não podem ser reduzidos ou mensuráveis somente através da operacionalização de variáveis(15).

A Tabela 4 apresenta a distribuição das publicações de Enfermagem na Atenção à Saúde Mental de acordo com os sujeitos da pesquisa.

Durante a análise dos artigos, buscou-se identificar os sujeitos em estudo com o propósito de visualizar a abrangência dos pesquisadores da área em Saúde Mental no que se refere à integração dos diversos atores envolvidos no processo de cuidado, ou seja, família, profissionais e usuários. Denota-se a predominância dos estudos tendo como sujeitos das pesquisas os profissionais de saúde (40,5 %). Esses estudos focalizam o cuidado em Saúde Mental da equipe no contexto da ESF, além disso, considerou-se que o foco do trabalho neste cenário é a família. Vale ressaltar o aumento das produções envolvendo os diversos atores, o que se constitui em um campo amplo ainda com lacunas a serem exploradas.

A Tabela 5 a apresenta a distribuição das publicações de Enfermagem em Saúde Mental segundo área temática.

Com base na Tabela 5, evidencia-se a prevalência de estudos relacionados à Saúde Mental na Atenção Básica, dentre os quais, a maioria buscam analisar e identificar como são desenvolvidas as ações em Saúde Mental no contexto da Estratégia Saúde da Família. De acordo com os estudos o trabalho em Saúde Mental, nesse cenário, encontra-se em processo de transformação no sentido da inclusão social e da integralidade da assistência. No entanto, ainda carece de articulação com as condições sociais, econômicas e culturais e de profissionais comprometidos. Apesar dos avanços, a maioria as ações em Saúde Mental ainda são orientadas pela prática da psiquiatria tradicional, em que a medicalização e o encaminhamento são os instrumentos de escolha(16-23). Nessa perspectiva, a ESF pode ser vista como mediadora no processo de mudança das práticas no campo da Saúde Mental, articuladora da rede de Saúde Mental, bem como um elo para o fortalecimento e efetivação dos princípios do Sistema Único de Saúde (SUS).

Entre as pesquisas analisadas, 27% focalizam a família, o Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) e os profissionais. Considera-se que esses atores desempenham papel relevante para a consolidação da Reforma Psiquiátrica, porém é necessário a articulação com as demais áreas para a construção de uma rede de cuidado em Saúde Mental, sendo o vínculo um dispositivo fundamental e estratégico para tal articulação(24-33). Um aspecto relevante observado pelos autores e que vem reforçar a estratégia de atenção psicossocial, foi a angústia e tristeza dos usuários diante da internação no hospital psiquiátrico, em função da maneira como é prestado o cuidado em instituição de internação(31). Também identificou-se em alguns estudos a importância da atuação da equipe enquanto integradora desta parceria(27,31,32).

Para tanto, o ambiente deve ser acolhedor, os profissionais devem proporcionar um cuidado singular que respeite a subjetividade de cada indivíduo e de cada família, compreendendo suas limitações e incentivando suas habilidades, estimulando o protagonismo e promovendo a autonomia da família(34). Contribuindo com essa discussão, o cuidado transpessoal propicia a transformação da relação de poder entre profissionais, usuários e família, criando uma oportunidade para promoção da integralidade na assistência(35).

Desse modo, a valorização do familiar, o respeito e a escuta qualificada são imprescindíveis para que a atenção psicossocial realmente possa ocorrer e possamos pensar em projetos de vida(30). Outro aspecto relevante diz respeito ao acolhimento da fala do familiar como elemento importante do cuidado das equipes no setting terapêutico. Essa prática precisaria ser inserida ativamente, refletindo uma exigência institucional1(29).

Dois estudos destacaram a importância dos grupos como um fator que colabora na inserção da família e possibilita a promoção em saúde mental por meio de ações de educação em saúde(32,36). A atividade de natureza grupal exerce influências benéficas no processo de reabilitação psicossocial, pois cada participante é diferente e ao mesmo tempo possui necessidades semelhantes para realizar uma tarefa(37). Pesquisa realizada com familiares cuidadores de "doente esquizofrênico" indicou que qualidade de vida é ter saúde, poder trabalhar e sustentar a família, além disso, fatores como deixar de ir a igreja, não sair com amigos, deixar de trabalhar e não ter mais tempo para si mesmo interferem na vida destes cuidadores(38). Em um dos estudos, ressaltou-se que o portador de sofrimento psíquico deveria ter a possibilidade de interagir com/no contexto social em que vive, ou seja, que seu papel de cidadão transcenda os "muros" da instituição a qual está vinculado(29).

Com relação ao respeito pelas características individuais do sujeito em sofrimento psíquico, um dos estudos considera que algumas famílias constroem um olhar estigmatizante e segregador(39). Tais concepções seriam geradoras de tristeza, angústia e medo e poderiam ser resquícios de uma atenção proveniente da psiquiatria clássica, caracterizada pelas práticas excludentes e manicomiais, que ainda perpassam o cotidiano social. A desconstrução do saber manicomial é um elemento importante para o resgate de cidadania/identidade do indivíduo(28).

Embora os autores centrem suas discussões na atenção por parte da enfermagem, salienta-se que, no cuidado em Saúde Mental, é necessária a participação dos familiares, e profissionais de outras áreas para a efetivação da Reforma Psiquiátrica dado que emergiu em um dos estudos, no qual os autores salientam que o cuidado e a responsabilização sejam compartilhados entre equipes e familiares comprometida com as necessidades dos usuários(32).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Por meio desta revisão integrativa, buscou-se identificar e analisar os estudos publicados em periódicos de enfermagem que focalizam as ações em Saúde Mental direcionadas às famílias nos diferentes contextos de trabalho. Entre os principais resultados, destaca-se a predominância de pesquisas qualitativas, com utilização do Referencial Teórico do Materialismo Histórico Dialético e das Representações Sociais de Moscovici, tendo como enfoque a Saúde Mental na Atenção Básica, predominantemente na ESF. Este trabalho evidenciou a ênfase dos estudos enfocando questões referentes à equipe de saúde e/ou profissionais, no entanto observou-se que os estudos estão começando a incluir os demais atores envolvidos nesse processo.

Os achados dos estudos com enfoque na Atenção Básica sugerem a necessidade de maior preparo dos profissionais, tendo em vista a importância da ESF e da reforma psiquiátrica, enfatizando a realização de um trabalho conjunto, entre os familiares e as equipes de saúde da família. constatou-se que ações de Saúde Mental desenvolvidas no contexto da ESF são orientadas pela prática da psiquiatria tradicional, onde a medicalização e o encaminhamento são os instrumentos de escolha.

Nos estudos realizados nos CAPS, o acolhimento apresentou-se como um organizador do trabalho, o que vem a contribuir para mudança do modelo assistencial centrado na doença para outro, que considera a subjetividade do ser humano cuidado. Além disso, possibilita a inversão da assistência centrada nas tecnologias leves duras e duras para uma assistência centrada nas tecnologias leves e leves duras.

No estudo realizado com familiares e usuários em um hospital-dia, no qual a família foi representada, predominantemente, como fonte de afeto e apoio. O hospital-dia foi caracterizado como um local de tratamento e acolhimento, tanto familiares como usuários demonstraram acreditar nas possibilidades de progresso advindas do atendimento nesse tipo de serviço. Assim, identificou-se a Saúde Mental, nesse cenário de trabalho, vinculada à recuperação e ao tratamento.

Por meio desta revisão integrativa constatou-se que ainda há muito por fazer rumo à efetivação da Reforma Psiquiátrica. Assim, vislumbra-se como grande desafio a construção de um "novo olhar", um "novo assistir" e repensar as ações em Saúde Mental por meio do uso de tecnologias leves como dispositivos para a produção do cuidado ao usuário e família quando estes se apresentam diante dos serviços de saúde em busca atendimento, seja ele, na atenção básica ou CAPS.

As ações em Saúde Mental devem ser desenvolvidas por profissionais comprometidos e permeadas de valores humanísticos, como alteridade, respeito, escuta qualificada, comprometimento e responsabilização com as necessidades relatadas pelo usuário durante o encontro profissional/usuário/família. Seguindo essa linha de pensamento, a assistência às famílias, torna-se um grande desafio da prática em Saúde Mental, exigindo dos profissionais estudos e aproximação desses atores sociais. Tendo em vista a importante e desafiadora tarefa de promoção do protagonismo do usuário/família que se coloca aos profissionais que atuam na atenção em Saúde Mental, a atitude é inovar, planejar e implementar ações em Saúde Mental com este enfoque psicossocial. Nesse sentido, é preciso, ainda, construir um novo paradigma e, conseqüentemente, uma nova linguagem, que possa dar conta da complexidade que envolve essas questões e propor a formação de redes de suporte de cuidado em saúde mental, em que haja efetiva participação da família.

Destaca-se a necessidade de ampliar as investigações voltadas a essa temática contribuindo com o exercício da enfermagem enquanto ciência e prática profissional.

11 Whittemore R, Knafl K. The integrative review: updated methodology. J Adv Nurs. 2005;52(5):546-53.

Recebido em: 18/10/2009

Aprovado em: 02/06/2010

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  • Endereço da autora:
    Marinês Aires
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      17 Fev 2011
    • Data do Fascículo
      Set 2010

    Histórico

    • Aceito
      02 Jun 2010
    • Recebido
      18 Out 2009
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