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Humanização: uma leitura a partir da compreensão dos profissionais da enfermagem

Humanization: a reading from the understanding of nursing professionals

Humanización: una lectura de la comprensión de los profesionales de enfermería

Resumos

O estudo busca compreender de que forma os profissionais de enfermagem realizam as suas práticas profissionais pautadas pela humanização. É uma investigação qualitativa, realizada em uma unidade de internação oncológica pediátrica de um hospital geral no Rio Grande do Sul. Os sujeitos do estudo foram enfermeiros e técnicos de enfermagem, totalizando 11 profissionais. A partir da análise dos dados emergiram três categorias: compreensão de humanização, concretização da humanização na prática e o levantamento de sugestões para um trabalho humanizado. Concluímos que cada profissional determina a forma de realizar suas práticas para tornar o cuidado humanizado, no entanto, isto implica em escuta ativa e relações interpessoais consolidadas através de debates e reuniões periódicas.

Humanização da assistência; Comunicação; Assistência hospitalar; Enfermagem pediátrica


The study seeks to understand how the nursing staff carry out their professional practices guided by human. It is a qualitative research conducted in a pediatric oncology inpatient unit of a general hospital in Rio Grande do Sul. The study subjects were nurses and nursing technicians, totaling eleven professionals. The analysis was carried out through three categories: understanding of humanization of achievement in practice and raising suggestions for a humane work. We conclude that each professional determines how to carry out their practices to make the humanized care, however this requires active listening and interpersonal relationships consolidated through discussion and regular meetings.

Humanization of assistance; Communication; Hospital care; Pediatric nursing


El estudio trata de comprender cómo el personal de enfermería llevar a cabo SUS prácticas profesionales cuando por humanos. Es una investigación cualitativa realizada en una unidad de oncología pediátrica hospitalaria del Hospital General en Río Grande do Sul. Los sujetos del estudio eran enfermeras y técnicos de enfermería, un total de once profesionales. El análisis se llevó a cabo a través de tres categorías: la comprensión de la humanización de la humanización de progreso en la práctica y elevar sugerencias para una obra humana. Se concluye que cada profesional determina cómo llevar a cabo sus prácticas para hacer que el cuidado humanizado, sin embargo esto requiere una escucha activa y las relaciones interpersonales consolidado a través de la discusión y reuniones periódicas.

Humanización de la atención; Comunicación; Atención hospitalaria; Enfermería pediátrica


ARTIGO ORIGINAL

Humanização: uma leitura a partir da compreensão dos profissionais da enfermagem

Humanización: una lectura de la comprensión de los profesionales de enfermería

Humanization: a reading from the understanding of nursing professionals

Maria de Lourdes Custódio DuarteI; Adelita NoroII

IMestre em Enfermagem Psiquiátrica e Ciências Humanas, Doutoranda em Enfermagem pelo Programa de Pós-Graduação da Escola de Enfermagem da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (PPGENF-UFRGS), Professora Assistente da Universidade Federal do Pampa (Unipampa), Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil

IIEspecialista em Oncologia, Enfermeira Assistencial do Hospital Mãe de Deus de Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil

Endereço da autora Endereço da autora: Maria de Lourdes Custódio Duarte Rua Gonçalves Ledo, 20, ap. 203, Partenon 90610-250, Porto Alegre, RS E-mail: malulcd@yahoo.com

RESUMO

O estudo busca compreender de que forma os profissionais de enfermagem realizam as suas práticas profissionais pautadas pela humanização. É uma investigação qualitativa, realizada em uma unidade de internação oncológica pediátrica de um hospital geral no Rio Grande do Sul. Os sujeitos do estudo foram enfermeiros e técnicos de enfermagem, totalizando 11 profissionais. A partir da análise dos dados emergiram três categorias: compreensão de humanização, concretização da humanização na prática e o levantamento de sugestões para um trabalho humanizado. Concluímos que cada profissional determina a forma de realizar suas práticas para tornar o cuidado humanizado, no entanto, isto implica em escuta ativa e relações interpessoais consolidadas através de debates e reuniões periódicas.

Descritores: Humanização da assistência. Comunicação. Assistência hospitalar. Enfermagem pediátrica.

RESUMEN

El estudio trata de comprender cómo el personal de enfermería llevar a cabo SUS prácticas profesionales cuando por humanos. Es una investigación cualitativa realizada en una unidad de oncología pediátrica hospitalaria del Hospital General en Río Grande do Sul. Los sujetos del estudio eran enfermeras y técnicos de enfermería, un total de once profesionales. El análisis se llevó a cabo a través de tres categorías: la comprensión de la humanización de la humanización de progreso en la práctica y elevar sugerencias para una obra humana. Se concluye que cada profesional determina cómo llevar a cabo sus prácticas para hacer que el cuidado humanizado, sin embargo esto requiere una escucha activa y las relaciones interpersonales consolidado a través de la discusión y reuniones periódicas.

Descriptores: Humanización de la atención. Comunicación. Atención hospitalaria. Enfermería pediátrica.

ABSTRACT

The study seeks to understand how the nursing staff carry out their professional practices guided by human. It is a qualitative research conducted in a pediatric oncology inpatient unit of a general hospital in Rio Grande do Sul. The study subjects were nurses and nursing technicians, totaling eleven professionals. The analysis was carried out through three categories: understanding of humanization of achievement in practice and raising suggestions for a humane work. We conclude that each professional determines how to carry out their practices to make the humanized care, however this requires active listening and interpersonal relationships consolidated through discussion and regular meetings.

Descriptors: Humanization of assistance. Communication. Hospital care. Pediatric nursing.

INTRODUÇÃO

O processo de Humanização nas instituições de saúde surge na atualidade para que se possa repensar as práticas cotidianas de trabalho, reformulando o atendimento que se vem prestando aos usuários desses serviços. Nesse cenário, não é suficiente o hospital adquirir modernos equipamentos, dispor de estrutura moderna apropriada aos cuidados de saúde, se não estiver voltado para a satisfação das necessidades dos usuários e os trabalhadores que os atendem(1).

Na atualidade, a preocupação é tamanha sobre a Humanização, que Ministério da Saúde implantou, no ano 2000, o Programa Nacional de Humanização da Assistência Hospitalar e, posteriormente, a Política Nacional de Humanização (PNH), visando atender às demandas subjetivas manifestadas pelos usuários e trabalhadores dos serviços de saúde(2). O PNH é um pacto, uma construção coletiva, que só pode acontecer a partir da construção e troca de saberes, através do trabalho em rede, com equipes multiprofissionais, da identificação das necessidades, desejos e interesses dos envolvidos, do reconhecimento de gestores, trabalhadores e usuários como sujeitos ativos e protagonistas das ações de saúde, e da criação de redes solidárias e interativas, participativas e protagonistas do Sistema Único de Saúde (SUS)(3).

No contexto da enfermagem, o aspecto humano do cuidado com certeza, é um dos mais difíceis de ser implementado. A rotina diária e complexa que envolve os mais variados ambientes que a enfermagem atua faz com que os membros da sua equipe, na maioria das vezes, esqueçam de tocar, conversar e ouvir o ser humano que está à sua frente(4). Certamente, um profissional deve ser munido de condições para exercer uma boa técnica, porém ela não é tudo. Quando esses profissionais se deparam com situações que envolvem caridade, solidariedade, fraternidade, ao efetivá-las na prática, estes serão lembrados ao longo da vida dos pacientes.

A humanização deve fazer parte da filosofia de enfermagem. O ambiente físico, os recursos materiais e tecnológicos são importantes, porém não mais significativos do que a essência humana. Esta, sim, irá conduzir o pensamento e as ações da equipe de enfermagem, tornando-o capaz de criticar e construir uma realidade mais humana, menos agressiva e hostil para as pessoas que diariamente vivenciam as instituições de saúde(5). A humanização do atendimento em saúde subsidia o atendimento, a partir do amparo dos princípios predeterminados como: a integralidade da assistência, a eqüidade e o envolvimento do usuário, além de favorecer a criação de espaços que valorizem a dignidade do profissional e do paciente(6).

O interesse em desenvolver o tema surgiu no decorrer do trabalho em enfermagem, realizado em diversas Unidades de Internação Oncológica Pediátrica, no qual se observou a dificuldade da equipe de enfermagem em desempenhar um cuidado que atendesse as necessidades humanas dos pacientes internados, instigando na busca por compreender o processo de humanização na práxis da enfermagem.

Nesse cenário, é importante abordar a necessidade de humanização do cuidado de enfermagem em uma unidade de internação oncológica pediátrica, para provocar uma reflexão da equipe de enfermagem em relação aos cuidados prestados às crianças internadas. Neste estudo, entende-se que humanizar é uma medida que visa, sobretudo, tornar efetiva a assistência ao indivíduo criticamente doente, considerando- o como um ser biopsicossocioespiritual. Além de envolver o cuidado ao paciente, a humanização estende-se a todos aqueles que estão envolvidos no processo saúde-doença.

O tema humanização parece ser algo simples e fácil de ser levado a termo quase que natural, já que seres humanos cuidam de seres humanos. Então, por que o processo de Humanização não se efetiva na prática cotidiana dos profissionais nas instituições de saúde?

A partir deste questionamento o presente estudo tem por objetivo geral compreender de que forma os profissionais de enfermagem realizam as suas práticas pautadas na humanização em uma Unidade de Internação Oncológica Pediátrica. Tem-se por objetivos específicos identificar as estratégias utilizadas pela equipe de enfermagem para o exercício de um cuidado humanizado e desvelar as dificuldades enfrentadas no cotidiano dessas equipes.

A contribuição deste trabalho é fundamentar o processo de humanização e perceber a nova realidade exercida pela enfermagem, além de proporcionar subsídios para a construção do conhecimento sobre o tema, estimulando a formulação de um planejamento estratégico para educação continuada nas instituições de saúde.

METODOLOGIA

Este estudo tem caráter exploratório-descritivo, com abordagem qualitativa(7), sendo realizado em uma unidade de internação pediátrica oncológica de um hospital geral no Rio Grande do Sul. Essa unidade presta assistência exclusivamente ao SUS à crianças portadoras de neoplasias.

Os sujeitos do estudo compreenderam a totalidade de enfermeiros da unidade, três, e oito técnicos de enfermagem que atuam nos turnos manhã e tarde que concordaram em participar do estudo, totalizando onze entrevistados. Utilizou-se a repetição de dados nas entrevistas como critério para delimitar o tamanho da amostra. O tipo da amostra foi intencional, por convite, tendo como critério de inclusão o tempo mínimo de um ano de vínculo com a instituição.

A coleta dos dados ocorreu no período de julho a agosto de 2007, por meio de entrevistas individuais semi-estruturadas, consistindo de quatro questionamentos: O que é para você humanização? Como a humanização se concretiza na prática de um profissional da saúde? O que dificulta ter uma prática humanizada? O que você sugere para o trabalho, no sentido da humanização?

Procedeu-se à leitura integral das entrevistas, adotando-se o referencial de análise temática para apreciação crítica do conteúdo, buscando-se encontrar os trechos significativos para a constituição dos temas abordados nas obras pesquisadas, em relação ao objetivo do estudo(7). Seguindo-se os passos de pré-análise e exploração do material foi possível a organização e leitura repetida do corpus de pesquisa. Posteriormente, procedeu-se ao tratamento e interpretação dos resultados obtidos, descritos em unidades de registro e de contexto, que permitiram o agrupamento de idéias relevantes em categorias, representadas por três eixos temáticos de discussão, a saber: compreensão de humanização, concretização da humanização na prática e sugestões para um trabalho humanizado. Os sujeitos que compuseram a amostra do estudo foram numerados de um a onze e foram denominados com o nome de flores.

A pesquisa foi aprovada pelo comitê de ética do referido hospital, conforme protocolo 071/07, sendo considerados os aspectos éticos, envolvendo seres humanos, em conformidade com o previsto na Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde(8). Os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido após terem sido informados sobre os objetivos da pesquisa.

APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS RESULTADOS

Compreensão de humanização

A prática atual da enfermagem deve ser pautada na noção de cuidado humanizado, como uma ação complexa e integral, respeitando, acolhendo as necessidades de cada sujeito. Assim, o cuidado pressupõe capacidade para a escuta e o diálogo, além de disponibilidade para perceber o outro, como um sujeito com potencialidades, resgatando a autonomia e estimulando a cidadania.

O conjunto das falas possibilitou verificar que a compreensão de humanização é ampla. A noção de integralidade da atenção ocorre pelo reconhecimento de que cada pessoa é um todo indivisível e social, que as ações de promoção e recuperação da saúde não podem ser fragmentadas(9).

Eu acredito que é ver o ser humano como um todo, desde as condições sociais, econômicas e psicológicas (2 Jasmin).

Em primeiro lugar, tratar o indivíduo com ética, através de uma visão holística, o indivíduo no completo (4 Margarida).

Tratar as pessoas bem, não chamar o paciente pelo número do leito ou pela patologia (6 Hortência).

No processo de humanização, não há regras, nem fórmulas que o tornem viável, porque ele depende fundamentalmente do profissional de saúde e das suas concepções em relação ao processo de humanização(10). Como alternativas de otimização, sugerem mais investimentos na formação de recursos humanos e na compreensão do paciente como ser único e indivisível. Estes aspectos vêm ao encontro do que é apontado pelos sujeitos de pesquisa como sugestões para o atendimento humanizado.

Na perspectiva de intervenção ampliada de assistência, as ações da enfermagem devem constituir-se em um cuidado que vise a totalidade do indivíduo, ou seja, uma pessoa com sentimentos e com família, inserida em um contexto social que não pode ser descartado e, sim, utilizado em prol do seu cuidado. O atendimento integral vai além da formulação de um planejamento terapêutico, contempla a reorientação das relações entre o Estado e a Sociedade e o olhar para o sujeito-usuário dentro de uma lógica de atendimento que considere o cuidado nas mais diversas dimensões do ser humano(11).

Enfim, a humanização estabelece-se como construção de atitudes ético-estético-políticas, em sintonia com um projeto de co-responsabilidade e qualificação dos vínculos entre os profissionais e, entre estes, e os usuários na produção de saúde(12). Neste cenário, o processo de humanização consiste na possibilidade de vislumbrar o paciente como um ser complexo, repleto de subjetividades, traduzindo um saber-fazer pautado pela ética.

A compreensão de humanização dos sujeitos pesquisados implica em relações entre profissionais. Assim, nas instituições de saúde, as atividades da equipe de enfermagem devem estar pautadas no acolhimento e integralidade do usuário, possibilitando um cuidado humanizado.

Neste sentido a humanização supõe troca de saberes, incluindo os usuários e sua rede social, priorizando o diálogo entre os profissionais e o trabalho em equipe.

União verdadeira entre os profissionais, disponibilidade, menos jogos de disputa. As pessoas perdem muito tempo com picuinhas, sendo que tem muito trabalho a fazer (4 Margarida).

Parece que a gente não toma as decisões juntas, parece que a gente está só e não pode tentar melhorar nada (5 Lírio da Paz).

Os entrevistados trazem a noção da importância de um trabalho multidisciplinar para um cuidado humanizado, complexo. Porém fica evidente a dificuldade desse trabalho em equipe no cotidiano do local do estudo.

No trabalho multidisciplinar há uma associação de disciplinas com um objetivo comum, sem que cada uma tenha que modificar significativamente sua maneira de compreender as coisas. A comunicação é fundamental no trabalho em equipe para a interação dos profissionais, na integração dos saberes e para a troca de informações, visando a construção de um projeto comum, o atendimento humanizado. Nesse contexto, a integração de diferentes saberes só vem enriquecer o trabalho e proporcionar um cuidado mais completo e repleto de possibilidades para o sujeito que buscou o serviço de saúde.

A humanização é um processo amplo, demorado e complexo, ao qual se oferecem resistências, pois envolve mudanças de comportamento, que sempre despertam insegurança. Os padrões conhecidos parecem mais seguros; além disso, os novos não estão prontos nem em decretos nem em livros, não tendo características generalizáveis, pois cada profissional, cada equipe, cada instituição, terá seu processo singular de humanização(13). Nesse sentido, a humanização tem sido associada a distintas e complexas categorias relacionadas à produção e gestão de cuidados e saúde, tais como: integralidade, satisfação do usuário, necessidades de saúde, qualidade na assistência, gestão participativa, protagonista dos sujeitos e a intersubjetividade envolvida no processo de atenção(2).

Concretização da humanização na prática

Nesta categoria, analisa-se como acontece a humanização na prática profissional, como esta se torna real, a partir da percepção individual de cada sujeito da pesquisa.

A leitura das entrevistas permite constatar que muitas podem ser as práticas humanizadas empregadas pelos profissionais, mas o que chama a atenção é a disponibilidade dos entrevistados para realizá-las, apesar das dificuldades encontradas. Entendem que a humanização do cuidado pode acontecer mesmo sem condições adequadas e que cada indivíduo viabiliza meios para alcançá-la.

Na Oncologia a gente não tem nenhum brinquedo pedagógico, não existe nada lúdico, para levar até o paciente, mesmo assim a gente tenta brincar, para amenizar um pouco e trabalhar de uma forma mais humana (2 Jasmin).

As verbalizações permitem constatar que os profissionais são comprometidos com seus afazeres diários e, mesmo com dificuldades impostas pela área física ou impossibilidades financeiras, criam condições que podem amenizar o sofrimento do paciente. Nesse contexto, o brinquedo pode ser entendido como um dispositivo para amenizar o sofrimento causado pela doença e pela abrupta separação do convívio social (Família, Amigos, Escola, Objetos Pessoais, Animais de Estimação) por meio da representação de sentimentos como: medo, angústia, saudade, tensão e outros(14).

O brincar é muito importante para a criança, pois por meio dela a aprendizagem se torna mais significativa. Pelo brincar a criança manifesta as suas decisões, os seus medos, os seus gostos, dúvidas, sua curiosidade, seu desejo de criar, enfim, quando brinca, a criança se defronta com desafios e problemas, devendo constantemente buscar soluções para as situações a elas colocadas(15).

O ato de brincar favorece a externalização e elaboração de conteúdos do mundo mental da criança, proporcionando um espaço lúdico para as crianças hospitalizadas e momentos de descontração, estimulando a expressão e comunicação da imagem da realidade em que estão inseridas. Assim, a atitude do entrevistado em "brincar" com as crianças pode ser entendida com uma tentativa de humanizar o ambiente hospitalar para que a internação não seja um momento tão doloroso e difícil para as crianças internadas.

Em um ambiente de poucos recursos financeiros, porém de muita criatividade da equipe de enfermagem, foi criado o "sapinho" Wilson. O "sapinho" Wilson é uma fantasia lúdica que teve custo baixo e que deixa as crianças encantadas e motivadas. Esse dispositivo ameniza o tratamento doloroso e torna-o mais ameno e tranqüilo.

Começou comigo e uma colega. É um fantoche e é como se ele fosse um paciente também. As crianças se vêem nele (6 Hortência).

Eu o colocava no soro, como se fosse um paciente. Eu levo ele para ver as crianças. Já criou uma simbologia aqui na Oncologia. No próximo mês a gente locou um galpão para arrecadar brinquedos que aqui não tem (4 Margarida).

O brinquedo aparece à criança como um jogo, uma fantasia muito próxima ao real, uma manifestação do sentir do saber, o que permite a ela inventar, renovar e discordar. Através do brinquedo ou mesmo de um livro, a criança consegue não apenas se relacionar e compreender o mundo, mas consegue também superar problemas presentes em seu cotidiano(14).

A criança internada não está preocupada se o brinquedo que lhe é oferecido é confeccionado de forma simples, o que lhe interessa é a forma na qual é cuidada. Nesse sentido, não basta dispor de espaço físico adequado, suporte e infra-estrutura se as práticas profissionais não forem sensíveis ao meio. Os profissionais de saúde, nesse contexto de poucos recursos, devem ser criativos, sentir a necessidade de doação, ouvindo e percebendo o outro como seu semelhante. A criatividade é também pontuada na entrevista no momento em que a equipe organiza um evento para arrecadar brinquedos às crianças, envolvendo familiares e a comunidade como um todo.

A humanização da assistência possibilita levantar questões fundamentais que podem auxiliar na construção das políticas em saúde. Humanizar é, então, ofertar atendimento de qualidade, articulando os avanços tecnológicos com o acolhimento, com melhorias dos ambientes de cuidado e das condições de trabalho dos profissionais(2). As dificuldades estruturais, que muitas vezes fogem do poder pessoal, ganham forças nas melhorias que os próprios profissionais tentam fazer, como arrecadações de brinquedos e festas, uma forma de proporcionar um ambiente mais acolhedor e humano.

A sociedade contemporânea tem cada vez mais dificuldade em pensar a questão da morte e do morrer. Vários profissionais de saúde (cuidadores formais) estão envolvidos com os cuidados ao indivíduo no final da vida e em diferentes locais (hospitais, ambulatórios, asilos e residências). Quando a cura não é mais possível, quando a ciência se acha incapaz de resolver o problema trazido pela doença, a equipe de saúde continua prestando um cuidado humanizado diante do doente, na sua dignidade, na sua fragilidade e na sua necessidade de ser amparado, cuidado e amado(16).

As atividades assistenciais humanizadas prestadas a uma criança com câncer suscitam dos profissionais momentos de satisfação e realização profissional, não se preocupando com o dia de amanhã.

A gente produz o cuidado, o bem estar da criança, tentando focar para ela viver um dia de cada vez, não se preocupar que hoje ela ta brincando e amanhã ela vai morrer, a gente procura fazer tudo que esta ao nosso alcance (7 Girassol).

Das doenças crônicas degenerativas, o câncer é uma das que mais trazem sofrimento de diversas dimensões acometem tanto os portadores da doença como seus familiares e cuidadores. Entender o impacto do câncer nos indivíduos é essencial para estabelecer estratégias de cuidados(16). Nesse sentido, uma das estratégias encontrada pelo entrevistado foi prestar o cuidado humanizado não se importando com o desfecho do tratamento, proporcionando tudo o que estiver ao seu alcance enquanto profissional de saúde. Apesar da impossibilidade de cura, isso não significa a deteriorização da relação equipe de enfermagem-paciente, mas, sim, o estreitamento dessa atenção, a qual, certamente, trará benefícios para ambos.

A análise desta categoria permitiu identificar que muitas são as práticas estabelecidas para concretizar o processo de humanização na prática da equipe de enfermagem. No setor onde foram coletados os dados, cada profissional se empenha para fazer do seu local de trabalho o melhor, possibilitando que os pacientes possam ser beneficiados com o empenho coletivo de toda a equipe.

Sugestões para um trabalho humanizado

Nesta categoria, são expostas as sugestões trazidas nas falas dos entrevistados como forma de tornar o trabalho mais humanizado. A leitura dos relatos possibilitou identificar alguns aspectos em comum, a saber: comprometimento pessoal com as questões de um cuidado de qualidade, participação nas reuniões de equipe, acolhimento e participação da família no cuidado.

Tu acolhes a família toda, não é só o paciente. Nesse acolhimento tu orienta, dando segurança (11 Begônia).

Nas reuniões, o grupo de trabalho, pode falar a mesma língua e agir com coerência maior em relação aos pacientes (2 Jasmin).

Não pensar na quantidade, mas na qualidade do atendimento. A gente tem que se conscientizar e se colocar no lugar do outro (7 Girassol).

É possível afirmar que muitas são as idéias que os profissionais têm para que a humanização seja efetivada nas práticas diárias. A equipe de saúde deve estabelecer objetivos que englobam a humanização, realizando discussões sobre como melhorar o atendimento prestado aos usuários do SUS. As discussões sobre o tratamento dos pacientes e a forma na qual deve ser prestado o cuidado, podem ser debatidas em reuniões.

Durante as reuniões de equipe, o projeto terapêutico individual do paciente é discutido tendo em vista que é lugar onde as relações se constroem e se fortificam, ao se responsabilizar em conjunto, com respeito, intimidade e cumplicidade, pela co-gestão do cotidiano. Nas reuniões diárias a equipe se conhece e aprende a fazer junto, trabalhando as questões que surgem da situação nova, não hierarquizada, própria desse trabalho interdisciplinar(17). As reuniões de equipe devem continuar a fim de estabelecer vínculo entre seus membros e organizar como o "cuidado" deve ser concretizado.

Nesse cenário, é necessário implantar, estimular e fortalecer Grupos de Trabalho de Humanização com plano de trabalho definido, reforçar o conceito de clínica ampliada, compromisso com o sujeito e seu coletivo, co-responsabilidade de gestores, trabalhadores e usuários no processo de produção de saúde, sensibilizar as equipes de saúde em relação ao problema da comunidade(18). Essas diretrizes encontram-se nas entrelinhas das falas analisadas, viabilizando mudanças positivas para os nossos locais de atuação.

A participação da família e da comunidade em geral também se faz presente e necessárias para que os sonhos fiquem cada vez mais próximos da realidade. A família é o primeiro núcleo social a se mobilizar numa situação de enfermidade e é um elemento fundamental no processo de reabilitação do doente, tornando-se, assim, um referencial para os serviços de saúde(19).

Evidenciou-se a partir das sugestões dos entrevistados que há interesse e empenho no comprometido destes profissionais, trazendo à discussão novas idéias para que a humanização aconteça nas práticas diárias da equipe de enfermagem e para a equipe multidisciplinar como um todo. Nota-se também que os sujeitos desde estudo sentiram-se protagonistas do tratamento dos pacientes na unidade oncológica, servindo de agentes de mudanças positivas no contexto da humanização no cotidiano de trabalho.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao longo desse estudo, percebemos que valores como a ética, respeito e carinho são sentimentos que deixam o paciente tranqüilo e seguro frente ao tratamento e prognóstico. Nesse sentido, a compreensão de humanização permeia o cotidiano dos entrevistados orientando os profissionais nas suas práticas.

O fator das condições físicas da unidade e poucos recursos materiais não são fatores determinantes para concretizar ou não o processo de humanização no local. Apesar de todas as dificuldades enfrentadas pelos profissionais isso não impediu que eles organizassem formas alternativas para amenizar o sofrimento das crianças. Essa questão é facilitada quando a comunidade e a família são envolvidas nesse processo.

Outra dificuldade verbalizada pelos entrevistados para a efetiva humanização das suas práticas foi a das relações humanas dentro do local de trabalho. Em um trabalho em equipe os objetivos frente a uma realidade devem ser similares para que todos possam atingir um objetivo maior, o de concretizar a humanização nas práticas dos profissionais de saúde, oferecendo a sociedade uma rede de saúde mais fraterna e igualitária.

No local estudado há o espaço para discussões sobre o tema e muitos profissionais entendem que a tecnologia é uma importante ferramenta no processo saúde-doença, porém o cuidado prestado por seres humanos não deve ser substituído.

Portanto, deve-se transcender a fragmentação do cuidado desde a formação dos profissionais de saúde, pois ainda existem profissionais que carecem de conhecimentos e preparo para realizar um trabalho multidisciplinar e humano, superando a teoria dos programas ministeriais. Assim, as instituições de saúde devem estimular o cuidado humanizado como fator indispensável no cotidiano de quem cuida, além de promover programas institucionais sobre o tema.

8 Ministério da Saúde (BR), Conselho Nacional de Saúde. Resolução 196, de 10 de outubro de 1996: diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisas envolvendo seres humanos. Brasília (DF); 1996.

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10 Santana ML, Silva MJP. Como é sentida a experiência de estar na UTI sob a perspectiva de quem vivencia. SOBETI Rev. 2000;1(1):12-6.

Recebido em: 19/05/2010

Aprovado em: 10/12/2010

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  • Endereço da autora:
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    Rua Gonçalves Ledo, 20, ap. 203, Partenon
    90610-250, Porto Alegre, RS
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      03 Jun 2011
    • Data do Fascículo
      Dez 2010

    Histórico

    • Recebido
      19 Maio 2010
    • Aceito
      10 Dez 2010
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