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Modelando a integralidade do cuidado à criança na Atenção Básica de Saúde

Molding the integration of children care in Basic Health Attention

Modelando la integralidad de los cuidados a los niños en la Atención Básica de la Salud

Resumos

Cuidar da criança na Atenção Básica de Saúde (ABS) na perspectiva da integralidade sugere organização e abordagem envolvendo articulação de saberes e fazeres. Nesse sentido, questiona-se: Que práticas, gestores, formadores e profissionais da saúde reconhecem como necessárias para a integralidade do cuidado? O estudo teve como objetivo compreender como são produzidas as práticas de cuidado à criança na atenção básica na perspectiva da integralidade em saúde. Os pressupostos da abordagem qualitativa e da Grounded Theory guiaram a coleta e análise dos dados aliada à entrevista semi-estruturada. Participaram da investigação 29 sujeitos organizados em cinco grupos amostrais. Descreve-se uma das categorias construídas na investigação nomeada "Modelando a Integralidade do Cuidado à Criança na ABS". Esse conceito é caracterizado pelo modo de encontro e preparo dos profissionais para uma aproximação com a família por meio do trabalho em equipe e práticas intersetoriais, aliando ao saber técnico as tecnologias relacionais e subjetivas.

Enfermagem pediátrica; Cuidado da criança; Atenção primária à saúde


Taking care of children in Basic Health Attention in completeness perspective, suggests organization and broach involving an articulated net of "knowing" and "doing". To this end, an inquiry was made by us, the Nursing researchers: Which practices, administrators, professionals and mothers recognize as necessary for the completeness of taking care? It aimed to comprehend how the practices of taking care of children under basic attention are produced according to the completeness perspective. The prerequisites of the qualitative broach and the Grounded Theory guided the data surveying and analysis along with a semi-structured interview. Took part of the research 29 people organized into five groups. One of the concepts built during the research is described and nominated as the Moulding of Completeness Taking Care of Children in Basic Health Attention. This concept is characterized by the meeting and preparation of the professionals for an approach with the families through a team work and for intersectoral practices allying the technical knowledge to the related and subjected technologies.

Pediatric nursing; Child care; Primary health care


Cuidar del niño en la Atención Básica de Salud en la perspectiva de la integralidad sugiere una organización y un abordaje incluyendo una red articulada de saberes y hechos. En ese sentido preguntamos: ¿Qué prácticas de gestión profesional y de las madres son reconocidas como necesarias para la integralidad del cuidado? Tuvo como objetivo comprender como son producidas las prácticas del cuidado al niño en la atención básica. Los presupuestos del abordaje cualitativo y de la Grounded Theory guiaron la recolección y análisis de los datos, unida a la entrevista semi-estructurada. Participaron de la investigación 29 personas. Se describe uno de los conceptos macros construido en la investigación denominado Modelando la Integralidad del Cuidado al niño en la Atención Básica de Salud. Este concepto se caracteriza por el modo de encuentro y preparación de los profesionales para una aproximación con la familia por medio del trabajo en equipo y de las prácticas intersectoriales asociando al saber técnico las tecnologías relacionales y subjetivas.

Enfermería pediátrica; Cuidado del niño; Atención primaria de salud


ARTIGO ORIGINAL

Modelando a integralidade do cuidado à criança na Atenção Básica de Saúdea a Extraído da tese de Doutorado apresentada em 2008 ao Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).

Modelando la integralidad de los cuidados a los niños en la Atención Básica de la Salud

Molding the integration of children care in Basic Health Attention

Francisca Georgina Macedo de SousaI; Alacoque Lorenzini ErdmannII; Elba Gomide MochelI

IDoutora em Enfermagem, Docente do Departamento de Enfermagem da Universidade Federal do Maranhão (UFMA), São Luís, Maranhão, Brasil

IIDoutora em Enfermagem, Docente do Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da UFSC, Pesquisadora 1A do CNPq, Florianópolis, Santa Catarina, Brasil

Endereço da autora Endereço da autora: Francisca Georgina Macedo de Sousa Rua Viana Vaz, 230, Centro 65020-660, São Luís, MA E-mail: fgeorginasousa@hotmail.com

RESUMO

Cuidar da criança na Atenção Básica de Saúde (ABS) na perspectiva da integralidade sugere organização e abordagem envolvendo articulação de saberes e fazeres. Nesse sentido, questiona-se: Que práticas, gestores, formadores e profissionais da saúde reconhecem como necessárias para a integralidade do cuidado? O estudo teve como objetivo compreender como são produzidas as práticas de cuidado à criança na atenção básica na perspectiva da integralidade em saúde. Os pressupostos da abordagem qualitativa e da Grounded Theory guiaram a coleta e análise dos dados aliada à entrevista semi-estruturada. Participaram da investigação 29 sujeitos organizados em cinco grupos amostrais. Descreve-se uma das categorias construídas na investigação nomeada "Modelando a Integralidade do Cuidado à Criança na ABS". Esse conceito é caracterizado pelo modo de encontro e preparo dos profissionais para uma aproximação com a família por meio do trabalho em equipe e práticas intersetoriais, aliando ao saber técnico as tecnologias relacionais e subjetivas.

Descritores: Enfermagem pediátrica. Cuidado da criança. Atenção primária à saúde.

RESUMEN

Cuidar del niño en la Atención Básica de Salud en la perspectiva de la integralidad sugiere una organización y un abordaje incluyendo una red articulada de saberes y hechos. En ese sentido preguntamos: ¿Qué prácticas de gestión profesional y de las madres son reconocidas como necesarias para la integralidad del cuidado? Tuvo como objetivo comprender como son producidas las prácticas del cuidado al niño en la atención básica. Los presupuestos del abordaje cualitativo y de la Grounded Theory guiaron la recolección y análisis de los datos, unida a la entrevista semi-estructurada. Participaron de la investigación 29 personas. Se describe uno de los conceptos macros construido en la investigación denominado Modelando la Integralidad del Cuidado al niño en la Atención Básica de Salud. Este concepto se caracteriza por el modo de encuentro y preparación de los profesionales para una aproximación con la familia por medio del trabajo en equipo y de las prácticas intersectoriales asociando al saber técnico las tecnologías relacionales y subjetivas.

Descriptores: Enfermería pediátrica. Cuidado del niño. Atención primaria de salud.

ABSTRACT

Taking care of children in Basic Health Attention in completeness perspective, suggests organization and broach involving an articulated net of "knowing" and "doing". To this end, an inquiry was made by us, the Nursing researchers: Which practices, administrators, professionals and mothers recognize as necessary for the completeness of taking care? It aimed to comprehend how the practices of taking care of children under basic attention are produced according to the completeness perspective. The prerequisites of the qualitative broach and the Grounded Theory guided the data surveying and analysis along with a semi-structured interview. Took part of the research 29 people organized into five groups. One of the concepts built during the research is described and nominated as the Moulding of Completeness Taking Care of Children in Basic Health Attention. This concept is characterized by the meeting and preparation of the professionals for an approach with the families through a team work and for intersectoral practices allying the technical knowledge to the related and subjected technologies.

Descriptors: Pediatric nursing. Child care. Primary health care.

INTRODUÇÃO

O cuidado à criança é complexo, multidimensional sofrendo influência de diversos fenômenos das ações do cuidar. A integralidade, como princípio da política de saúde, remete à compreensão de que os fatores que interferem na saúde da criança são amplos e perpassam por outros setores que não só a saúde. Assim, a integralidade é sustentada e defendida como valor nas práticas dos profissionais de saúde que se expressa na forma como estes respondem às necessidades das pessoas atendidas(1). Portanto, a concretização de um sistema integral de saúde não passa pela aplicação exclusiva dos saberes disciplinares(2), mas é entendida como "o entre-relações de pessoas, com efeitos e repercussões de interações positivas entre usuários, profissionais e instituições traduzidas em tratamento digno e respeitoso, com qualidade, acolhimento e vínculo"(3). Nessa medida, o cuidado será possível se há condições concretas para o diálogo, para o vínculo e para a solidariedade.

Especificamente no que diz respeito ao cuidado à criança na Atenção Básica de Saúde (ABS) a proposta dirige-se para organização dos serviços aliado a um processo que envolve uma rede de instituições e serviços de forma a obter impacto sobre as diversas circunstâncias do processo de viver da criança. Trata-se de um fazer/pensar integrado do serviço e da equipe e não da tarefa de um profissional ou de uma categoria isoladamente. Mas, o modelo médico hegemônico ainda prevalece nas práticas em saúde e se expressam por ações prioritariamente curativas, centradas na doença e sem a complementaridade das ações de proteção, promoção e prevenção(4) de agravos à saúde infantil. Perde-se assim, a oportunidade de um olhar ampliado para as necessidades do crescimento e desenvolvimento infantil, compartilhadas com aquelas inerentes à família e ao ambiente no qual a criança está inserida. Apoiada nestas assertivas questiona-se: Que práticas gestores, docentes e profissionais da saúde reconhecem como necessárias para a integralidade do cuidado? O estudo teve como objetivo compreender como são produzidas as práticas de cuidado à criança na ABS na perspectiva da integralidade a partir dos significados atribuídos por gestores, coordenadores e chefes de serviços da ABS, docentes, enfermeiros e médicos da Estratégia Saúde da Família.

METODOLOGIA

Estudo qualitativo apoiado na Grounded Theory(5,6). Participaram do estudo 29 sujeitos entre gestores da saúde, docentes de pós-graduação e graduação em Enfermagem e Medicina, enfermeiros e médicos das Equipes de Saúde da Família de São Luís, Maranhão. Os sujeitos de pesquisa foram organizados em cinco grupos amostrais utilizando o recurso da amostragem teórica para assim garantir o refinamento e densidade das categorias. Como o objeto investigado encontra-se situado sob as dimensões da política de saúde, da organização do sistema de saúde e das práticas de cuidado, procurou-se buscar, nestas três dimensões, os participantes da investigação.

Participaram do primeiro grupo amostral os gestores estadual e municipal de saúde, os coordenadores e chefes de serviços da ABS totalizando sete participantes. O segundo grupo amostral foi composto por coordenadores de curso de graduação (Enfermagem e Medicina); coordenadores de pós-graduação (Especialização em Saúde da Família e Mestrado em Saúde da Mulher e da Criança) e docentes da graduação, totalizando seis participantes. O terceiro grupo amostral envolveu sete profissionais do PSF (cinco enfermeiros e dois médicos). Para este grupo foram definidos os seguintes critérios de inclusão: ser Unidade Saúde da Família, profissionais com vínculo definido por concurso público e em exercício profissional por pelos menos um ano na equipe. A partir dos critérios estabelecidos, foram selecionados profissionais de quatro Unidades de Saúde da Família (dois na área urbana e dois na periferia da capital maranhense) em um total de quatro Equipes de Saúde da Família. O quarto grupo foi constituído por cinco profissionais do PSF para os quais foram estabelecidos os mesmos critérios do grupo anterior. O quinto grupo amostral foi composto por quatro mães, cujas famílias eram cadastradas no PSF e as crianças acompanhadas pela equipe de saúde. Participaram da pesquisa como um todo 29 sujeitos dentre os quais profissionais de 10 equipes de saúde da Família de um total de 22 existentes no município. No entanto, para a categoria e subcategorias descritas neste texto não estão incluídas as falas e os conceitos desenvolvidos com os participantes do quinto grupo amostral.

Para a coleta de dados foi utilizada a entrevista semi-estruturada realizada individualmente com cada participante. Durante o processo de coleta, análise e construção dos conceitos foram consideradas as etapas da codificação aberta, axial e sistemática atendendo ao princípio da amostragem teórica que tem como finalidade construção de novas hipóteses, desenvolver conceitos e refinar categorias.

Neste texto será apresentado um dos macros conceitos (categoria) e os respectivos micros conceitos (subcategorias) desenvolvidos na investigação de doutoramento em Enfermagem(7). O projeto de pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética do Hospital Universitário da Universidade Federal do Maranhão sob o registro 254/06, processo nº 33104-850/2006.

RESULTADOS

Revelando o macro conceito: modelando a integralidade do cuidado à criança na ABS

É um conceito que permite estabelecer correlações entre as distintas ações profissionais para a finalidade maior do cuidado que é atender a criança na sua multidimensionalidade e não somente a doença. É uma perspectiva de cuidado dirigida a problemas transversais que não podem ser tratados separadamente por uma disciplina ou por uma categoria profissional isoladamente, nem tampouco por um único serviço. Conduz ao trabalho em equipe, interdisciplinar e intersetorial. Nessa dimensão se buscou desvelar a produção do cuidado como objeto do trabalho em saúde caracterizado pelas subcategorias: encontrando integralidade do cuidado no trabalho em equipe; enxergando o sentido interdisciplinar para o cuidado; exercitando práticas intersetoriais; valorizando a aproximação com a família; defendendo o preparo do profissional para atuar na Atenção Básica de Saúde, descritas a seguir:

Encontrando integralidade do cuidado no trabalho em equipe

É um conceito que carrega a exigência do conhecimento e valorização do trabalho do outro, construindo consensos quanto aos objetivos a serem alcançados e a maneira mais adequada de atingi-los. Requer complementaridade pela articulação de ações e conhecimentos de cada agente assim como o conhecimento acerca do trabalho do outro, como verbalizado nas falas:

Aqui não existe o médico, a enfermeira, o auxiliar e o agente de saúde, existe a equipe (P1).

No trabalho em equipe um profissional não tem um saber maior que o outro. Existe um compartilhar desses saberes num nível horizontal e não na verticalização de saberes. Não há hierarquia, deve haver compartilhar de saberes e reconhecimento de que todos os profissionais são importantes. [...] é a soma dos saberes, produto do diálogo de iguais (G1).

Existe um olhar de cada profissional que deve ser valorizado. [...] é na soma de tudo isso, que dá sentido a integralidade do cuidado (P2).

Os participantes expressaram que no cuidado à criança buscam os demais membros da equipe e de outras equipes para trocar informações, visando ao esclarecimento de dúvidas e a resolutividade dos problemas apresentados pela criança. Nesse sentido, a eficiência e a eficácia dos serviços na perspectiva da integralidade, requerem uma modalidade de trabalho que traduza formas de conectar as diferentes ações e os distintos profissionais em um coletivo de agentes presentes para atender as demandas em saúde(8), como demonstrado pelos participantes:

[...] a criança é atendida pelo enfermeiro ou pelo médico. Às vezes pelos dois no mesmo atendimento. Caso exista algum problema com a criança que estou atendendo chamo o médico, discutimos a melhor forma de intervenção. O médico vem, me ajuda, tira dúvidas. Tem situações que não tenho como resolver, o que exige a presença do médico ou de outro profissional. Isso facilita. O trabalho fica mais fortalecido e fico mais tranqüila, mais segura (P3).

Procuramos essa articulação de saberes na nossa equipe e nas outras equipes. Cada um tem um jeito de olhar, as vezes o olhar de um é capaz de perceber coisas que passaram despercebidas e já antecipa uma intervenção ou porque tenho mais habilidade em determinada ação sou chamada a intervir porque naquele momento esteja mais preparada (P4).

Os relatos apontam para existência de trocas de saberes, experiências e habilidades numa articulação entre as ações desenvolvidas pelos profissionais da mesma equipe e entre equipes. É interessante ressaltar que o trabalho em equipe apresenta duas conformações: equipe agrupamento e integração(8). A primeira noção é caracterizada pela fragmentação e a segunda, pela articulação consoante à proposta da integralidade das ações de saúde. A interação dos agentes permite a construção de um "projeto comum"(9) de cuidado pela comunicação e cooperação. Nas falas dos participantes há os dois tipos de trabalho em equipe:

Existe o médico, a enfermeira, os agentes, mas trabalho integrado que é a lógica do trabalho em equipe não existe. Eu faço, a enfermeira faz e pronto (G2).

Somos duas equipes de PSF, mas estamos tão entrosados que não parece duas pela forma como interagimos na equipe, apesar de equipes diferentes. Trabalhamos juntos. Aqueles problemas das crianças que um não pode resolver o outro atende e assim estamos evitando que as nossas crianças sejam encaminhadas para outros serviços (P5).

Trabalhando em equipe estaria relacionado com saberes profissionais que objetiva um trabalho coletivo, buscando desafios nos modos de cuidar, de organizar e operacionalizar a gestão do cuidado.

Enxergando o sentido interdisciplinar para o cuidado

O cuidado é produto e produtor de um trabalho articulado entre profissionais e destes com a família e a comunidade. É interdisciplinar enquanto prática dinâmica e processual que implica na construção de conhecimentos e na aquisição de competências(9) em uma prática interativa entre as diversas disciplinas que fizeram parte das reflexões dos participantes da investigação:

[...] a equipe desenvolve ações específicas do cuidado à criança, mas de forma integrada, porque não há integralidade sem um trabalho interdisciplinar, sem essa interface, sem essa integração de um saber profissional com o saber do outro. Isso é essencial. Porque tudo tem relação com tudo. A integralidade tem o sentido da interdisciplinaridade e do trabalho em equipe, de uma ação completa e que complementa a outra (P6).

Cuidar da criança é pensar nessa rede de relações, que transcende o profissional de saúde e alcança a família, a comunidade e outros profissionais, uma rede mesmo, no sentido de relações, de entrelaçamento de objetivos, de metas, de competências, de saberes onde é importante assumir diálogo e negociação (P2).

Portanto, as subcategorias supra citadas são caracterizadas por expressões como parceria, interação, ajuda, cooperação, comunicação, reconhecimento de saberes e de capacidades do outro, negociação e relações que se traduz na integralidade do cuidado.

Exercitando práticas intersetoriais

Nessa perspectiva, o cuidado é compreendido como projeto que demanda participação cooperativa, articulação entre profissionais de diferentes áreas e instituições assim como saberes e fazeres. Os participantes reconhecem a importância do agir intersetorial procurando envolver vários organismos da sociedade civil e do Estado na resolução dos problemas da criança:

Há necessidade dessa rede articulada que responda às necessidades da população infantil e de suas famílias, numa integração das ações e das instituições. A saúde não existe por si só. Não são as unidades de saúde e os profissionais que garantem ou promovem a saúde, mas toda uma rede articulada de instituições e atores. Quando se fala da criança deve-se lembrar que ela vai precisar de creche, pré-escola, educação infantil, ambiente saudável, moradia, saneamento. São coisas que estão além da saúde, vão muito além (P2).

[...] não vou conseguir resolver todos os problemas somente com orientação profissional e com medicamentos. A integralidade compreende atender a criança vinculada ao contexto social, cultural, familiar, enxergando o sistema, a necessidade de se trabalhar a intersetorialidade para assim alcançar a integralidade (G2).

[...] uma das coisas importantes para a integralidade são as parcerias com a equipe, com os agentes, com as famílias, com a escola e com a rede. As experiências vivenciadas com Associações de Moradores e com o Conselho Municipal de Saúde apresentou resultado muito positivo (P7).

Nossa função é exercitar trabalhar com o outro, expandir as ações de saúde para além do campo biológico. Buscar resolver os problemas fora da saúde, mas incluindo a saúde, com outras instituições, associações, representação comunitária (G2).

A intersetorialidade consiste em identificar necessidades, traçar objetivos comuns e persegui-los(10) mediante planejamento e definição de prioridades. A importância, como revelado nas falas, é proporcionar e efetuar uma ação mais abrangente pela participação de setores e instituições que se complementam para o alcance de resultados, tornando a ação do cuidar e do cuidado mais dinâmica e produtiva.

Valorizando a aproximação com a família

Promover a saúde da criança implica agir/intervir no contexto familiar. Esta aproximação é reconhecida pelos participantes como experiência positiva e diferenciada no cuidado à criança. É condição que permite ao profissional se deslocar para o cotidiano da família e da comunidade e, assim, optar por estratégias compatíveis com a realidade das crianças sob seus cuidados. Parece ampliar e potencializar o papel do profissional na saúde da criança por oportunizar um espaço de diálogo entre a família e o profissional favorecendo o relato de problemas, dificuldades e limitações no e para o cuidado. Deram suporte a esta subcategoria as falas:

Na medida em que trabalhamos com as mães e com a família estamos fortalecendo, sedimentando uma prática que é fundamental para a promoção da saúde da criança. [...] compreender a família como unidade de cuidado pela razão de que a família precisa ser orientada para o autocuidado e para serem autônomas e não fique na dependência dos profissionais da equipe (C1).

Tem sido esse o nosso caminho: abrir cada vez mais espaço para a família, para o contexto da família entendendo que a criança não é do hospital, não é da unidade. Ela vai para casa e é nessa casa, nessa família que ele será cuidado. Daí a necessidade de envolver as pessoas da casa no cuidado. Outro objetivo é conhecer as condições da casa, qual suporte tem essa família para que a orientação da equipe de saúde não seja esquizofrênica (D1).

São declarações que permitem compreender que o cuidado à criança deve ser dirigido para a família, entendida e percebida a partir de seu ambiente físico, social e cultural. Essa atitude vem permitindo aos profissionais compreensão ampliada do processo saúde/doença e de intervenções que vão além das práticas curativas(11).

Por outro lado, a aproximação com a família gera nos profissionais diferentes sentimentos que vão do estímulo e motivação para um trabalho inovador ao sofrimento e apatia. Esta última nomeada como quietude dos cemitérios(12) e definida como a reação de inércia resultante do desgaste do trabalhador de saúde por esse contato permanente com a dor, com o risco e o sofrimento em que vivem muitas das famílias brasileiras. As falas e os significados construídos denunciam estas assimetrias de sentimentos dos profissionais:

Entrar na casa dessas famílias é constrangedor. É tanta pobreza... É uma situação que me incomoda, me deixa desolada, triste. Volto pra a unidade com a certeza de que precisamos fazer muito. Me sinto estimulada a fazer. Não sei bem como, mas ando tentando. É preciso que ensinar essas famílias se indignarem com as condições em que moram, que vivem (P8).

[...] o problema da criança é a doença e o da família é a completa falta de condições. E o que fazer? Como fazer? Me sinto de pés e mãos atadas. Vivo lidando sempre com os mesmos problemas. Andar por aqui, por esse bairro é difícil. Aqui falta tudo até dignidade. E pra isso faço quase nada (P14).

Há dias que penso que não sou capaz de fazer nada ou quase nada por essas famílias, por essas crianças. Quando o problema é a doença é mais fácil agir. Prescreve-se o tratamento, indica-se internação, encaminha. Mas há tantas outras coisas que remédio não resolve! O meu conhecimento médico fica pequeno demais (P22).

Defendendo o preparo do profissional para atuar na ABS

A formação de enfermeiros e médicos, apesar das propostas inovadoras nos currículos, a ênfase ainda se dá no espaço hospitalar, na doença e na cura, afastado muitas vezes do conhecimento operante. Por outro lado, a ABS espera receber um profissional capaz de dominar processos lógicos de construção dos saberes e práticas de modo coerente com os aspectos sociais, epidemiológicos, econômicos e culturais em saúde. Estas são algumas das considerações presentes nas falas dos participantes aqui recortadas nas dimensões da prática, do ensino e das perspectivas de mudanças decorrentes das exigências institucionais do cuidado em saúde e pelas experiências inovadoras do ensino superior:

[...] no momento em que existem profissionais despreparados para desenvolver as ações a integralidade perde o sentido, a filosofia da atenção perde o sentido, isso se dilui, se dissolve e o indivíduo passa a ser visto de forma fragmentado, estanque e setorizado. O ponto principal é o fortalecimento na formação de novas práticas que tem que partir da formação [...] é preciso investir na formação (D1).

A ABS deseja uma formação que não é de aquisição de técnicas, mas de habilidades para a relação com o outro – equipe e família [...] são ações que exigem qualificação (D2).

As ciências da saúde são ciências do homem. As pessoas estão se preparando, se capacitando para cuidar de pessoas e não de doenças. O profissional de saúde não deve preocupar-se com órgãos, mas preocupar-se com a pessoa [...] A academia desempenha um papel importante, não de formatar o caráter individual da pessoa, mas de agregar valores. Essa é a questão pela qual estamos lutando (G2).

São falas que nos remetem ao desafio de buscar e desenvolver novas competências profissionais. Cabe ressaltar que os profissionais devem ser formados aptos para o trabalho técnico, mas também capazes de estabelecer estratégias que favoreçam o diálogo, a troca, a inter e a transdisciplinaridade e que efetivamente contribuam para as ações de promoção da saúde individual e coletivamente. Sugere ainda o resgate das questões humanitárias nas ações desenvolvidas pelos profissionais da saúde(13).

Há movimentos em busca de transformações, tanto na organização dos cursos como das práticas pedagógicas em diferentes estágios de formulação, acumulação e implementação nas diversas carreiras, regiões e contextos onde ocorrem os processos de formação dos profissionais de saúde(14). Estes movimentos favorecem a construção de práticas cuidadoras coerentes com a integralidade. Favorecem novas atitudes e valores representados no discurso dos participantes da investigação:

Fomos formados num currículo muito disciplinar, fragmentado, onde as profissões da área da saúde aprendiam a tratar doenças e o sujeito como um todo não era percebido. Fomos formados aprendendo a tratar a doença independente do indivíduo. Da mesma forma que se tratava um se tratava o outro. Começamos a perceber outro modelo de atenção que se diferencia em muito do que foi a minha. Se fala de gente, de pessoas, de cuidado, apesar dos procedimentos, da doença e da cura ainda ser muito forte (D3).

[...] ao entrar em contato com a comunidade o aluno começa a vivenciar e a perceber os problemas e, se forem sensíveis, via de regra as pessoas são sensíveis, passam a perceber os problemas da comunidade. A idéia é fazer com que eles vivenciem isso no campo, que identifiquem as condições dessas famílias e problematizem. Assim eles poderão refletir, programar e planejar intervenções que se aproximam da realidade dessas pessoas (C2).

Há, portanto, uma preocupação em vincular a formação do profissional de saúde com os aspectos humanos e sociais com vínculo e responsabilização com a família e a comunidade. Nesse sentido o papel das instituições educadoras na formação para o trabalho em saúde é mediar essa transição, permitindo aos estudantes vivenciar as situações e contextos e, a partir deles, tomar decisões em um movimento dialógico por onde circulam as dimensões técnicas, cognitivas, sociais e éticas do saber e do fazer na saúde e na doença.

CONCLUSÕES

Modelando a Integralidade do Cuidado na ABS é um processo no qual opera um jogo de expectativas e produções caracterizado como momento de construção singular e de atitudes cooperativas e solidárias para a prática do cuidado. É uma dimensão da integralidade que, como fenômeno social, ocorre em interação compreendendo que as respostas às necessidades da criança e da família nem sempre podem ser encontradas no setor saúde. Essas constatações impõem uma série de desafios e inquietações que incluem pensar a saúde e o cuidado à criança como sistema complexo que se caracteriza, entre outras pretensões, pela integralidade do cuidado e pelas ações interdisciplinares e intersetoriais. Sob essa perspectiva as práticas de cuidado à criança, correspondem a um conjunto de ações, interações, e intervenções que objetivam a manutenção e a promoção da saúde para garantir o processo dinâmico do crescimento e do desenvolvimento infantil. Portanto, Modelando a Integralidade do Cuidado na ABS requer romper com o instituído para re-criar novos modos de cuidados e de cuidar aliando ao saber técnico o saber operante e as tecnologias relacionais e subjetivas.

Nesse sentido, a construção de novos conhecimentos e de práticas, na perspectiva da integralidade do cuidado, vem sendo uma constante preocupação e compromisso dos pesquisadores da Enfermagem, uma vez que tomam parte dessa prática, buscando avançar na contribuição de novos saberes e fazeres no cuidado de enfermagem e em saúde e nas políticas públicas do país.

Recebido em: 25/04/2010

Aprovado em: 03/11/2010

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  • Endereço da autora:
    Francisca Georgina Macedo de Sousa
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    65020-660, São Luís, MA
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    Extraído da tese de Doutorado apresentada em 2008 ao Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      03 Jun 2011
    • Data do Fascículo
      Dez 2010

    Histórico

    • Aceito
      03 Nov 2010
    • Recebido
      25 Abr 2010
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