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Prazer-sofrimento dos trabalhadores de enfermagem de um serviço de hemodiálise

Pleasure-suffering of nursing workers in a hemodialysis service: a qualitative study

El placer-sufrimiento de los trabajadores de enfermería de un servicio de hemodiálisis: un estudio cualitativo

Resumos

Um dos focos de investigação na área de saúde do trabalhador tem sido a relação trabalho, saúde e adoecimento. Este estudo objetivou identificar os fatores geradores de prazer e sofrimento dos trabalhadores de enfermagem de um serviço de hemodiálise. Pesquisa qualitativa, desenvolvida com doze trabalhadores de enfermagem. A coleta dos dados ocorreu de março a abril de 2009, por meio de entrevista semi-estruturada. Empregou-se a técnica da análise temática para análise dos dados. Os fatores geradores de prazer no trabalho foram gostar do que faz, ser reconhecido, ajudar o paciente e ter um plantão sem intercorrências. Os fatores geradores de sofrimento foram presenciar o sofrimento do paciente, sentir-se impotente, sofrer com a agressividade do paciente e ter dificuldades no relacionamento com os colegas de trabalho. Evidenciou-se a necessidade de discussões coletivas nos serviços acerca dos fatores de prazer-sofrimento no trabalho.

Saúde do trabalhador; Enfermagem do trabalho; Diálise renal; Insuficiência renal crônica


One of the perspectives on investigations approaching the area of workers' health is the relationship among work, health and sickening. This study aimed to identify the factors which generate pleasure and suffering to nursing workers in a hemodialysis service. It is a qualitative research which was developed with twelve nursing workers. Data collection occurred from March to April of the year 2009. The collections consisted of semi-structured interviews. One used thematic analysis technique for data analysis. One could observe that the factors which generated pleasure at work were: appreciating the job, being valued, helping patients and having no complications on duty. The reported factors of suffering were: witness patients' suffering, helplessness feeling, suffering with patients' anger, and relationship problems with co-workers. One could evidence the need of group discussions on the issue of pleasure-suffering factors at work in such services.

Occupational health; Occupational health nursing; Renal dialysis; Renal insufficiency, chronic


Este estudio tuvo como objetivo identificar los factores que generan placer y sufrimiento a los trabajadores de enfermería de un servicio de hemodiálisis. Se trata de una investigación cualitativa, desarrollada con doce trabajadores de enfermería. La recolección de los datos se dio de marzo hasta abril de 2009, por medio de una entrevista semi-estructurada. Se empleó la técnica del análisis temático para el análisis de los datos. Los factores que generan placer en el trabajo fueron: gustarles lo que hacen, ser reconocido, ayudar al paciente y tener una guardia sin intercurrencias. Los factores que generan sufrimiento fueron: presenciar el sufrimiento del paciente, sentirse impotente, sufrir con la agresividad del paciente y tener dificultades en el relacionamiento con los compañeros de trabajo. Se hizo evidente la necesidad de que haya discusiones colectivas en los servicios acerca de los factores de placer-sufrimiento en el trabajo.

Salud laboral; Enfermería del trabajo; Diálisis renal


ARTIGO ORIGINAL

Prazer-sofrimento dos trabalhadores de enfermagem de um serviço de hemodiálisea a Artigo originado do Trabalho de Conclusão de Curso apresentado em 2009 ao Curso de Graduação em Enfermagem da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM).

El placer-sufrimiento de los trabajadores de enfermería de un servicio de hemodiálisis: un estudio cualitativo

Pleasure-suffering of nursing workers in a hemodialysis service: a qualitative study

Francine Cassol PrestesI; Carmem Lúcia Colomé BeckII; Rosângela Marion da SilvaIII; Juliana Petri TavaresIV; Silviamar CamponogaraV; Geni BurgVI

IMestranda do Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da UFSM, Enfermeira da Clínica Renal de Santa Maria, Rio Grande do Sul, Brasil

IIDoutora em Enfermagem, Professora Associada do Departamento de Enfermagem da UFSM, Santa Maria, Rio Grande do Sul, Brasil

IIIMestre em Enfermagem, Enfermeira da Unidade de Clínica Cirúrgica do Hospital Universitário de Santa Maria (HUSM), Santa Maria, Rio Grande do Sul, Brasil

IVMestre em Enfermagem, Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil

VDoutora em Enfermagem, Professora Adjunta do Departamento de Enfermagem da UFSM, Santa Maria, Rio Grande do Sul, Brasil

VIMestre em Engenharia da Produção, Enfermeira da Clínica Renal de Santa Maria, Rio Grande do Sul, Brasil

Endereço da autora Endereço da autora: Francine Cassol Prestes Rua Tuiuti, 520, ap. 202, Centro 97420-000, Santa Maria, RS E-mail: francinecassol@gmail.com

RESUMO

Um dos focos de investigação na área de saúde do trabalhador tem sido a relação trabalho, saúde e adoecimento. Este estudo objetivou identificar os fatores geradores de prazer e sofrimento dos trabalhadores de enfermagem de um serviço de hemodiálise. Pesquisa qualitativa, desenvolvida com doze trabalhadores de enfermagem. A coleta dos dados ocorreu de março a abril de 2009, por meio de entrevista semi-estruturada. Empregou-se a técnica da análise temática para análise dos dados. Os fatores geradores de prazer no trabalho foram gostar do que faz, ser reconhecido, ajudar o paciente e ter um plantão sem intercorrências. Os fatores geradores de sofrimento foram presenciar o sofrimento do paciente, sentir-se impotente, sofrer com a agressividade do paciente e ter dificuldades no relacionamento com os colegas de trabalho. Evidenciou-se a necessidade de discussões coletivas nos serviços acerca dos fatores de prazer-sofrimento no trabalho.

Descritores: Saúde do trabalhador. Enfermagem do trabalho. Diálise renal. Insuficiência renal crônica.

RESUMEN

Este estudio tuvo como objetivo identificar los factores que generan placer y sufrimiento a los trabajadores de enfermería de un servicio de hemodiálisis. Se trata de una investigación cualitativa, desarrollada con doce trabajadores de enfermería. La recolección de los datos se dio de marzo hasta abril de 2009, por medio de una entrevista semi-estructurada. Se empleó la técnica del análisis temático para el análisis de los datos. Los factores que generan placer en el trabajo fueron: gustarles lo que hacen, ser reconocido, ayudar al paciente y tener una guardia sin intercurrencias. Los factores que generan sufrimiento fueron: presenciar el sufrimiento del paciente, sentirse impotente, sufrir con la agresividad del paciente y tener dificultades en el relacionamiento con los compañeros de trabajo. Se hizo evidente la necesidad de que haya discusiones colectivas en los servicios acerca de los factores de placer-sufrimiento en el trabajo.

Descriptores: Salud laboral. Enfermería del trabajo. Diálisis renal.

ABSTRACT

One of the perspectives on investigations approaching the area of workers' health is the relationship among work, health and sickening. This study aimed to identify the factors which generate pleasure and suffering to nursing workers in a hemodialysis service. It is a qualitative research which was developed with twelve nursing workers. Data collection occurred from March to April of the year 2009. The collections consisted of semi-structured interviews. One used thematic analysis technique for data analysis. One could observe that the factors which generated pleasure at work were: appreciating the job, being valued, helping patients and having no complications on duty. The reported factors of suffering were: witness patients' suffering, helplessness feeling, suffering with patients' anger, and relationship problems with co-workers. One could evidence the need of group discussions on the issue of pleasure-suffering factors at work in such services.

Descriptors: Occupational health. Occupational health nursing. Renal dialysis. Renal insufficiency, chronic.

INTRODUÇÃO

Nas últimas décadas, muitos estudos foram realizados contemplando questões relativas ao trabalho. Inicialmente, visavam o aumento da produção e, mais tarde, buscaram investigar as causas de adoecimento no trabalho. Atualmente, um dos focos das investigações na área de saúde do trabalhador tem sido a relação trabalho, saúde e adoecimento.

O trabalho é mediador de integração social, tanto por seu valor econômico quanto cultural repercutindo, assim, no modo de vida das pessoas e, consequentemente, na sua saúde física e mental(1,2).

Em nossa sociedade, o trabalhador encontra-se exposto a diversas formas de precarização das condições trabalho como o desemprego, as baixas remunerações, a jornada dupla ou tripla de trabalho, a pressão pela maior produção no menor espaço de tempo, além de modelos organizacionais que dispensam o uso da criatividade e estimulam a competição entre os trabalhadores, o que pode contribuir para a desvalorização dos mesmos.

Na era pós-industrial, a manifestação do sofrimento tornou-se um tabu, sendo vista como ausência de motivação, fraqueza de caráter ou desequilíbrio emocional. Assim, o sofrimento no trabalho, fator inerente à condição humana, só passa a ser tolerado quando transformado em adoecimento(3).

O sofrimento acontece quando há uma falha na intermediação entre as expectativas do trabalhador e a realidade imposta pela organização de trabalho. Dessa forma, por um lado, o sofrimento opera como um mobilizador dos investimentos para a transformação da realidade e essa possibilidade de transformar a realidade; por outro, gera prazer ao trabalhador(4).

Além da (re)significação do sofrimento, o prazer no trabalho ocorre quando é permitido ao trabalhador desenvolver suas potencialidades, conferindo liberdade de criação e de expressão, favorecendo os laços cognitivos-técnicos com o resultado das atividades realizadas, promovendo a satisfação do trabalhador por meio da conscientização de seu papel para organização em que trabalha e também para a sociedade em que está inserido(5).

O trabalho da enfermagem tem como atividade central o cuidado ao ser humano e sua família, o que implica em um alto nível de exigência e complexidade e que, por isso, precisa ser constantemente repensado no sentido de contribuir para a promoção do bem-estar e da felicidade desses trabalhadores(6).

Dentre as diversas áreas de atuação da enfermagem, destaca-se a especialidade da Nefrologia, um importante campo de atuação dessa profissão, considerando-se tanto as necessidades específicas dos cuidados aos pacientes que possuem diagnóstico médico de Insuficiência Renal Crônica (IRC), quanto à crescente incidência dessa patologia compreendida como um problema de saúde pública no Brasil(7).

Este estudo originou-se a partir de um Trabalho de Conclusão de Curso de Graduação em Enfermagem(8) e teve como motivações para a sua realização as inquietações oriundas das vivências de enfermeiras de um serviço de hemodiálise e de leituras e reflexões no Grupo de Pesquisas e Estudos "Trabalho, Saúde, Educação e Enfermagem", especialmente, na linha de pesquisa "Saúde do Trabalhador" da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) que se dedica a investigar, dentre outros temas, o prazer-sofrimento no trabalho.

Pelo exposto, apresentamos este estudo que teve como objetivo identificar os fatores geradores de prazer-sofrimento nos trabalhadores de enfermagem em um serviço de hemodiálise.

PERCURSO METODOLÓGICO

Trata-se de uma pesquisa do tipo exploratório-descritiva, com abordagem qualitativa. Os sujeitos da pesquisa foram os trabalhadores de enfermagem de um serviço de hemodiálise localizado no interior do Estado do Rio Grande do Sul/Brasil.

Esse serviço é uma empresa privada intra-hospitalar, conveniada ao Sistema Único de Saúde (SUS), em que atuam 57 trabalhadores de enfermagem, sendo sete enfermeiras, 36 técnicos de enfermagem e 14 auxiliares de enfermagem, alocados em duas unidades (Matriz e Filial), que atendem a cerca de 300 pacientes em programa regular de hemodiálise.

Os critérios de inclusão do estudo foram ser trabalhador de enfermagem e atuar há mais de seis meses no serviço. Foram entrevistados enfermeiros, técnicos e auxiliares de enfermagem, de todos os turnos, nas duas unidades, totalizando doze sujeitos. O número de entrevistas também obedeceu ao critério de saturação das informações, ou seja, repetição e homogeneidade das respostas.

Os sujeitos foram convidados a participar da pesquisa sendo informados sobre os objetivos do estudo, o caráter voluntário da participação e a garantia do anonimato. Também foram orientados de que os dados por eles informados seriam utilizados para fins científicos, conforme preceitos da Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde(9) para pesquisas com seres humanos. Após, foram convidados a ler e assinar o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

Para a coleta dos dados foi utilizada a entrevista semi-estruturada com roteiro para orientação e guia de interlocução. O roteiro se constituiu de maneira a permitir a flexibilidade nas conversas e absorver novos temas e questões trazidas pelo interlocutor(10).

A entrevista foi realizada com auxílio de um gravador digital mediante a autorização do trabalhador de enfermagem, com duração média de 20 minutos. A coleta dos dados ocorreu no período de março a abril de 2009.

As entrevistas foram transcritas num editor de textos e lidas para apreensão inicial do conteúdo, sendo que a leitura do material permitiu apreender o conteúdo manifesto e agrupar os fragmentos que se repetiam e/ou possuíam semelhança semântica nos diferentes depoimentos. Posteriormente, procedeu-se a categorização dos elementos constitutivos de cada tema, completando-se as três etapas de análise: pré-análise; exploração do material e tratamento dos resultados obtidos e interpretação.

Os dados foram submetidos à análise temática, uma das modalidades da análise de conteúdo, fundamentada na regularidade das afirmações denotando, dessa forma, estruturas de relevância, valores de referência e comportamentos presentes ou subjacentes nos depoimentos(10). A análise dos dados foi realizada em torno de dois eixos temáticos: fatores geradores de prazer no trabalho no serviço de hemodiálise e fatores geradores de sofrimento no trabalho no serviço de hemodiálise.

As falas foram identificadas pela letra E para Enfermeiro, TE para Técnico de Enfermagem e AE para Auxiliar de Enfermagem, seguidas de números arábicos conforme a ordem em que as entrevistas foram realizadas, a fim de preservar a identidade dos sujeitos da pesquisa.

O projeto tramitou nos órgãos competentes, sendo aprovado no Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) em janeiro de 2009, sob número do Certificado de Apresentação para Apreciação Ética (CAAE) 0274.0.243.000-08 e número do processo 23081.019038/2008-64.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Participaram do estudo duas enfermeiras, seis técnicas de enfermagem e quatro auxiliares de enfermagem, totalizando 12 sujeitos, todos do sexo feminino, de todos os turnos. A idade dos trabalhadores variou entre 28 e 60 anos e o tempo de trabalho no serviço de hemodiálise de 2 a 16 anos.

A descrição supracitada aponta para uma população de trabalhadores do sexo feminino, de todas as categorias profissionais da enfermagem e com relativa experiência de vida e de trabalho no serviço de hemodiálise, o que pode repercutir na diversidade e intensidade das vivências de prazer-sofrimento no trabalho.

No eixo temático fatores geradores de prazer no trabalho de enfermagem em um serviço de hemodiálise emergiram quatro categorias: gostar do trabalho: o prazer mediado pela técnica e pela interação; ser reconhecido no trabalho: o prazer da valorização profissional; as diferentes possibilidades de cuidado: o prazer em ajudar o paciente e plantão livre de intercorrências: o prazer da tranquilidade.

A categoria gostar do trabalho: o prazer mediado pela técnica e pela interação representa o fator mencionado em primeiro lugar e por todos os trabalhadores de enfermagem. Quando questionados sobre o prazer no trabalho os trabalhadores afirmaram que se identificam com o trabalho técnico e com a possibilidade de interagir com os pacientes.

A identificação com o trabalho técnico foi relacionada à realização das punções e ao manuseio das máquinas de hemodiálise. No que tange à possibilidade de interagir com os pacientes, os trabalhadores mencionaram que o fato dos pacientes frequentarem o serviço três vezes por semana possibilita maior interação com os membros da equipe, o que favorece o estabelecimento de vínculo, bem como a realização de um cuidado integral. A seguir, um fragmento que compõe a categoria:

Eu adoro o que faço, faço isso com o maior prazer, eu estou no lugar certo, eu gosto deste contato direto com o paciente [...] (AE 1).

Estudo sobre os fatores de motivação e insatisfação no trabalho do enfermeiro realizado em serviços de saúde de Aracaju, evidenciou que gostar do que faz foi o primeiro entre sete fatores em ordem de prioridade que motivam os enfermeiros a permanecerem nos seus ambientes de trabalho(11).

A categoria ser reconhecido no trabalho: o prazer da valorização profissional remete as vivências de prazer dos trabalhadores de enfermagem diante da confiança depositada pelos pacientes em seu trabalho, das manifestações de carinho e agradecimento dos pacientes pelo cuidado recebido e do apoio das chefias. A categoria é exemplificada pelo fragmento abaixo.

Essa confiança deles na gente [...] a gente tem uma relação de confiança e respeito, o reconhecimento deles é muito gratificante (E 1).

Investigação sobre a identidade profissional(12) demonstrou que o reconhecimento e valorização do trabalho por meio das manifestações de afeto e confiança dos usuários fazem com que o enfermeiro se perceba como útil e necessário, o que remete a vivências de prazer no trabalho e ratifica os resultados deste estudo.

Em outro estudo há referência de que a valorização do cuidado prestado está relacionada às vivências de prazer entre trabalhadoras de enfermagem que cuidam de idosos hospitalizados(13).

Na categoria, as diferentes possibilidades de cuidado: o prazer em ajudar o paciente os trabalhadores afirmaram que a possibilidade de ajudar os pacientes tanto com o conhecimento científico quanto com seu empenho pessoal é um importante fator de prazer no trabalho. O fragmento a seguir elucida a categoria.

O meu maior prazer é fazer os pacientes saírem melhores do que chegaram [...] a minha satisfação é poder ajudar, a gente brinca, é uma família, dar apoio emocional para os pacientes (AE 3).

A possibilidade de ajudar o paciente por meio do alívio da dor e do sofrimento também foi apontada como um fator relacionado ao prazer no trabalho em uma pesquisa realizada com trabalhadores da área da saúde em um serviço de emergência do Rio Grande do Sul(14).

O fragmento que exemplifica a categoria permite constatar a vivência de prazer dos trabalhadores de enfermagem ao usarem suas habilidades pessoais, geralmente por meio de brincadeiras, a fim de ajudar o paciente, ou seja, alcançar um objetivo maior, além do trabalho prescrito.

Para os trabalhadores de enfermagem ter um plantão livre de intercorrências: o prazer da tranquilidade, outra categoria, também se constitui em um fator de prazer no trabalho. Os trabalhadores relataram que se sentem satisfeitos quando não ocorrem intercorrências com os pacientes e com a diálise, ou seja, com os equipamentos. Os fragmentos que seguem elucidam a categoria.

Ver que deu tudo certo [...] tive um plantão tranqüilo, os pacientes foram embora bem, não houve intercorrência nenhuma, a diálise foi bem, eu sai tranquila (TE 3).

Me dá prazer quando está tudo sem alteração [...] (AE 4).

As intercorrências em hemodiálise implicam em intervenção imediata do trabalhador, sendo necessário a mobilização de mais de um membro da equipe de saúde. Frequentemente acontece mais de uma intercorrência por plantão, o que pode estar relacionado à situação de saúde dos pacientes, ao desgaste do trabalhador, dentre outros aspectos, reforçando a vivência de prazer quando o plantão acontece sem eventos diferentes da rotina.

Conforme pesquisa realizada com trabalhadores de um serviço de emergência, a constante necessidade de envolvimento em processos decisórios de ordem técnico-científica e relacional pode agravar as vivências de sofrimento dos trabalhadores, o que remete aos resultados encontrados neste estudo em que ter um plantão sem intercorrências se constitui em uma vivência de prazer no trabalho(14).

Pode-se afirmar, empiricamente, que em um trabalho com alto nível de exigência psíquica como é o caso dos serviços de hemodiálise, ter um plantão sem alterações se constitui em uma oportunidade do trabalhador "armazenar energia" ou empregá-la em atividades prazerosas como conversar com os pacientes e com os colegas de trabalho.

O eixo temático fatores geradores de sofrimento no trabalho da enfermagem em um serviço de hemodiálise é representado por quatro categorias: o sofrimento diante do sofrimento do outro; o sofrimento diante da impotência; o sofrimento gerado pela agressividade do outro e o sofrimento gerado por dificuldades de relacionamento com os colegas de trabalho.

A categoria o sofrimento diante do sofrimento do outro foi o primeiro fator de sofrimento mencionado por todos os trabalhadores de enfermagem. Nesta categoria, os trabalhadores afirmaram que sofrem ao se depararem com o sofrimento dos pacientes. Além disso, os trabalhadores descreveram as limitações e implicações físicas relacionadas à doença e a hemodiálise, a falta de suporte familiar e a carência financeira de alguns pacientes. Estes aspectos podem ser observados nos fragmentos que seguem:

Quando eu vejo os pacientes sofrerem, daí me deprime, é muito triste ver eles sofrendo tantos anos [...] (AE1).

O que me causa sofrimento é ver uma associação de coisas como a pobreza, o desleixo dos familiares, às vezes uma pessoa pobre, doente, com muitas dificuldades [...] ver ele cego, não caminha, não é bem cuidado [...] (TE2).

Observar o sofrimento do paciente foi a situação apontada como geradora de maior demanda de atenção do enfermeiro no ambiente de trabalho, em um estudo realizado com 152 enfermeiros em dois hospitais de São Paulo(15).

Uma investigação evidenciou o sofrimento das trabalhadoras de enfermagem ao presenciarem o sofrimento do idoso hospitalizado, principalmente nos casos de idosos acamados, sem perspectiva de melhora e submetidos a procedimentos dolorosos com pouca ou nenhuma resolutividade(13).

Presenciar o sofrimento dos pacientes, em algumas situações, pode despertar o sentimento de impotência nos trabalhadores. Assim, o sofrimento diante da impotência é outra categoria deste eixo temático.

Os trabalhadores afirmaram que se sentem impotentes diante de situações como a morte dos pacientes queridos, piora clínica e não adesão ao tratamento de alguns pacientes. Em muitos casos, como mencionado anteriormente, a carência financeira e a falta de suporte familiar também compõem esse contexto, o que potencializa o sentimento de impotência e, consequentemente, o sofrimento dos trabalhadores.

Os trabalhadores também vivenciam o sentimento de impotência diante da espera do paciente pelo transplante renal ou quando o paciente não possui indicação de transplante, ou seja, não tem prognóstico de deixar de fazer hemodiálise, o que é ilustrado pelo fragmento a seguir.

É quando a gente não consegue, sabe? Tem uns [pacientes] que estão ali "se terminando" mesmo e a gente sabe que não adianta e a gente está ali fazendo por que tem que fazer, mas sabendo que não vai conseguir reverter (TE 1).

O sofrimento do trabalhador relacionado ao sentimento de impotência também foi relatado por técnicos de enfermagem de uma unidade de oncologia(16) e por trabalhadoras de enfermagem que cuidam de idosos hospitalizados(13). Nesse sentido, evidencia-se que, em muitas situações, o trabalho hospitalar desencadeia o sentimento de impotência nos trabalhadores ao se depararem com os limites humanos e com a sua incapacidade de manter o outro vivo(6).

O sentimento de impotência também foi identificado entre os trabalhadores de enfermagem pesquisados neste estudo, porém um sentimento de impotência em manter o paciente vivo em condições de doença terminal, com intenso sofrimento físico e psicológico prolongados, sem perspectiva de cura ou melhora e, muitas vezes, em condições de miséria e abandono.

Na categoria o sofrimento gerado pela agressividade do outro, os trabalhadores relataram que, em algumas situações, são alvo da agressividade e hostilidade dos pacientes, o que suscita sofrimento e desgaste emocional no trabalho.

As situações de agressão ocorrem quando o paciente desenvolve algum tipo de hostilidade em relação a um trabalhador em especial ou quando acontece algum problema relacionado à hemodiálise, como dor no local da punção, problemas com o funcionamento do equipamento, vontade do paciente de interromper a sessão antes do horário prescrito, ou mesmo, sem um motivo aparente, como expressa o fragmento a seguir.

Alguns pacientes te colocam lá embaixo, te xingam [...] eu me sinto uma baratinha quando isso acontece, tu vem para cá bem e de repente, o paciente começa a te chamar de tudo por causa de nada (TE 6).

Estudo realizado em uma unidade básica de saúde evidenciou que a equipe está continuamente exposta a manifestações de raiva, fúria, intimidação, xingamento, ofensa, humilhação e superioridade por parte dos usuários, o que pode repercutir em estresse, frustração e adoecimento dos trabalhadores(17).

Na categoria o sofrimento gerado por dificuldades de relacionamento com os colegas de trabalho, os trabalhadores apontaram aspectos geradores de sofrimento como a desunião entre os colegas, a falta de comprometimento de alguns membros da equipe e a incompreensão de alguns trabalhadores em relação às necessidades de horários dos colegas que estudam.

Os trabalhadores também afirmaram que, trabalhar com um colega com quem não têm afinidade, desencadeia sofrimento. Esse é um aspecto relevante ao se considerar a organização do trabalho no serviço de hemodiálise, uma vez que os trabalhadores atuam em salas coletivas em que todos são responsáveis pelos cuidados dos pacientes em hemodiálise, ou seja, existe a necessidade de cooperação e diálogo constante durante o turno de trabalho. A categoria é embasada no fragmento que segue.

Trabalhar com um colega com que eu não tenho muita afinidade me traz sofrimento, tu chega em casa pensando (TE 3).

Resultados semelhantes foram encontrados em um estudo com trabalhadores de enfermagem de uma Unidade de Terapia Intensiva Neonatal, o qual evidenciou que as relações de trabalho permeadas por conflitos se constituem em fonte de sofrimento para os trabalhadores(5).

O relacionamento interpessoal entre os membros da equipe de saúde pode se tornar difícil, uma vez que as pessoas possuem características distintas, com diferentes atribuições e trabalham junto a pessoas em situação de adoecimento(6).

Ao se pesquisar o trabalho da enfermagem em serviços de hemodiálise ratifica-se o pressuposto da escola Dejouriana de que as vivências de prazer e sofrimento são ambíguas e inerentes a todo o contexto de trabalho, bem como os resultados de outros estudos(5,13,14).

Nesse sentido, evidencia-se a necessidade de se (re)pensar o trabalho e (re)significar o sofrimento individual e coletivamente, por meio de uma postura otimista e sensível, que auxilie também os trabalhadores a identificarem o prazer no trabalho.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao final do estudo pode-se afirmar que a identificação com o trabalho, manifestada por gostar do que faz, o reconhecimento, a possibilidade de ajudar o paciente por meio de um cuidado diferenciado e ter um plantão sem intercorrências com os pacientes e com os equipamentos são fatores geradores de prazer no trabalho da enfermagem no serviço de hemodiálise.

Presenciar o sofrimento do paciente e, muitas vezes, sentir-se impotente, a exposição à agressividade por parte dos pacientes e as dificuldades no relacionamento com os colegas de trabalho foram os principais fatores geradores de sofrimento para os trabalhadores de enfermagem no serviço de hemodiálise.

Os resultados deste estudo demonstram que a vivência cotidiana, por longos períodos, com os mesmos pacientes se constitui em um diferencial no trabalho no serviço de hemodiálise, o que repercute tanto nas vivências de prazer quanto nas vivências de sofrimento. Dessa forma, o estabelecimento de vínculo com os pacientes desperta sentimentos ambíguos nos trabalhadores que, por um lado, se sentem reconhecidos e valorizados diante das demonstrações de afeto e carinho e, por outro, sensibilizados e sobrecarregados frente as carências afetivas, familiares e financeiras de alguns pacientes.

Nesse sentido, os resultados do estudo revelaram o sofrimento dos trabalhadores de enfermagem ao conhecerem a história de vida dos pacientes e identificarem a situação de miséria e abandono em que alguns se encontram, o que remete as desigualdades sociais presentes em nossa sociedade. Nesta situação também é reconhecida a importância do trabalho na vida dos sujeitos como mobilizador da consciência crítica e interação social.

Outro aspecto relevante desta convivência contínua com os mesmos pacientes, em contexto de doença crônica, presente no serviço de hemodiálise foi à exposição à agressividade no trabalho por parte dos pacientes, realidade que repercute em sofrimento aos trabalhadores de enfermagem e que necessita de intervenção imediata por parte dos gestores do serviço.

Pesquisar acerca das relações que o trabalhador estabelece com o trabalho é um desafio na atualidade, principalmente em áreas em que a realização das atividades exige empenho emocional e afetivo do trabalhador como a enfermagem. Uma das faces deste desafio é o fato do prazer-sofrimento se constituir em um objeto de estudo abstrato e influenciável pelo tempo, espaço e características pessoais de cada trabalhador. Esses aspectos remetem as possíveis limitações do estudo, bem como à necessidade de se considerar os resultados em sua singularidade.

Outra face do desafio é a escassez de estudos brasileiros sobre o trabalho da enfermagem em serviços de hemodiálise, o que remete a perspectiva de investigações futuras sobre temáticas como violência no trabalho, estratégias defensivas utilizadas pelos trabalhadores e saúde do trabalhador.

A entrevista se caracterizou como um momento diferenciado em que os trabalhadores foram estimulados a (re)pensar e expressar suas opiniões e sentimentos relacionados ao trabalho. Assim, acredita-se que este estudo possa fornecer subsídios sobre a necessidade de se estimular discussões coletivas sobre questões relacionadas às vivências de prazer-sofrimento no trabalho a fim de promover a (re)significação do sofrimento e obtenção de prazer no trabalho da enfermagem.

Recebido em: 26/05/2010

Aprovado em: 02/12/2010

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  • Endereço da autora:
    Francine Cassol Prestes
    Rua Tuiuti, 520, ap. 202, Centro
    97420-000, Santa Maria, RS
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    Artigo originado do Trabalho de Conclusão de Curso apresentado em 2009 ao Curso de Graduação em Enfermagem da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM).
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      03 Jun 2011
    • Data do Fascículo
      Dez 2010

    Histórico

    • Recebido
      26 Maio 2010
    • Aceito
      02 Dez 2010
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