Acessibilidade / Reportar erro

A arteterapia e a promoção do desenvolvimento infantil no contexto da hospitalização

Art therapy and child development in a hospitalization context

Arteterapia y la promoción del desarrollo infantil en el contexto de la hospitalización

Resumos

O presente estudo teve como objetivos avaliar e comparar o desenvolvimento de crianças hospitalizadas, antes e após intervenções de Arteterapia. Esta pesquisa descritiva-exploratória realizou-se por meio de estudos de caso de fundo qualitativo, baseados na avaliação desenvolvimental de crianças. A pesquisa contou com cinco participantes na faixa etária entre sete e dez anos, no Hospital de Doenças Tropicais (HDT) de Goiânia, Goiás, em 2006. Seus resultados mostraram que as intervenções de Arteterapia foram eficazes na promoção do desenvolvimento infantil. Concluiu-se, então, que a Arteterapia constitui-se num meio para canalizar, de maneira positiva, as variáveis do desenvolvimento da criança hospitalizada e neutralizar os fatores de ordem afetiva que, naturalmente, surgem, além de expor os potenciais mais saudáveis da criança, por vezes pouco estimulados no contexto da hospitalização.

Terapia pela arte; Saúde mental; Criança hospitalizada; Enfermagem pediátrica


This study aimed to evaluate and compare the development of hospitalized children before and after art therapy interventions. Qualitative case studies were undertaken in this descriptive-exploratory research, based on the developmental evaluation of the children. The study participants were five children between seven and ten years old, in the Hospital of Tropical Illnesses (HDT) in the city of Goiânia, state of Goiás, Brazil, in 2006. Results showed that art therapy interventions efficiently promoted children’s development. Art therapy is a resource for positively channeling the variables of hospitalized children’s development and for neutralizing affective factors that naturally appear, as well as for exposing the child’s healthier potentials, which sometimes receive little stimulus in the context of hospitalization.

Art therapy; Mental health; Child, hospitalized; Pediatric nursing


Las finalidades de este estudio fueron las de evaluar y comparar el desarrollo de niños hospitalizados, antes y después de intervenciones de Arteterapia. Esta investigación descriptiva-exploratoria nos permitió realizar estudios de caso cualitativos, basados en la evaluación del desarrollo de niños. Participaron del estudio cinco participantes con edad entre siete y diez años, en el Hospital de Enfermedades Tropicales (HDT) de Goiânia, Goiás, Brasil, en 2006. Los resultados mostraron que las intervenciones de Arteterapia fueron eficaces en la promoción del desarrollo infantil. Se concluye que la Arteterapia es un recurso para canalizar, de manera positiva, las variables del desarrollo del niño hospitalizado y neutralizar los factores de orden afectivo que, naturalmente, surgen, además de exponer los potenciales más sanos del niño, por veces poco estimulados en el contexto de la hospitalización.

Terapia con arte; Salud mental; Niño hospitalizado; Enfermería pediátrica


ARTIGO ORIGINAL

A arteterapia e a promoção do desenvolvimento infantil no contexto da hospitalização1 Endereço da autora: Mariana Teixeira da Silva Rua Três Marias, quadra 43, lote 05, Setor Negrão de Lima 74650-280, Goiânia, GO E-mail: maritds@hotmail.com

Arteterapia y la promoción del desarrollo infantil en el contexto de la hospitalización

Art therapy and child development in a hospitalization context

Ana Cláudia Afonso ValladaresI; Mariana Teixeira da SilvaII

IArteterapeuta e Enfermeira Psiquiátrica, Professora Doutora da Faculdade de Enfermagem (FEN) da Universidade Federal de Goiás (UFG), Goiânia, Goiás, Brasil

IIEnfermeira graduada na FEN-UFG, Goiânia, Goiás, Brasil

Endereço da autora Endereço da autora: Mariana Teixeira da Silva Rua Três Marias, quadra 43, lote 05, Setor Negrão de Lima 74650-280, Goiânia, GO E-mail: maritds@hotmail.com

RESUMO

O presente estudo teve como objetivos avaliar e comparar o desenvolvimento de crianças hospitalizadas, antes e após intervenções de Arteterapia. Esta pesquisa descritiva-exploratória realizou-se por meio de estudos de caso de fundo qualitativo, baseados na avaliação desenvolvimental de crianças. A pesquisa contou com cinco participantes na faixa etária entre sete e dez anos, no Hospital de Doenças Tropicais (HDT) de Goiânia, Goiás, em 2006. Seus resultados mostraram que as intervenções de Arteterapia foram eficazes na promoção do desenvolvimento infantil. Concluiu-se, então, que a Arteterapia constitui-se num meio para canalizar, de maneira positiva, as variáveis do desenvolvimento da criança hospitalizada e neutralizar os fatores de ordem afetiva que, naturalmente, surgem, além de expor os potenciais mais saudáveis da criança, por vezes pouco estimulados no contexto da hospitalização.

Descritores: Terapia pela arte. Saúde mental. Criança hospitalizada. Enfermagem pediátrica.

RESUMEN

Las finalidades de este estudio fueron las de evaluar y comparar el desarrollo de niños hospitalizados, antes y después de intervenciones de Arteterapia. Esta investigación descriptiva-exploratoria nos permitió realizar estudios de caso cualitativos, basados en la evaluación del desarrollo de niños. Participaron del estudio cinco participantes con edad entre siete y diez años, en el Hospital de Enfermedades Tropicales (HDT) de Goiânia, Goiás, Brasil, en 2006. Los resultados mostraron que las intervenciones de Arteterapia fueron eficaces en la promoción del desarrollo infantil. Se concluye que la Arteterapia es un recurso para canalizar, de manera positiva, las variables del desarrollo del niño hospitalizado y neutralizar los factores de orden afectivo que, naturalmente, surgen, además de exponer los potenciales más sanos del niño, por veces poco estimulados en el contexto de la hospitalización.

Descriptores: Terapia con arte. Salud mental. Niño hospitalizado. Enfermería pediátrica.

ABSTRACT

This study aimed to evaluate and compare the development of hospitalized children before and after art therapy interventions. Qualitative case studies were undertaken in this descriptive-exploratory research, based on the developmental evaluation of the children. The study participants were five children between seven and ten years old, in the Hospital of Tropical Illnesses (HDT) in the city of Goiânia, state of Goiás, Brazil, in 2006. Results showed that art therapy interventions efficiently promoted children’s development. Art therapy is a resource for positively channeling the variables of hospitalized children’s development and for neutralizing affective factors that naturally appear, as well as for exposing the child’s healthier potentials, which sometimes receive little stimulus in the context of hospitalization.

Descriptors: Art therapy. Mental health. Child, hospitalized. Pediatric nursing.

INTRODUÇÃO

Arteterapia é uma ferramenta de auxílio ao ser humano que almeja a produção de imagens, a autonomia criativa, o desenvolvimento da comunicação, a valorização da subjetividade, a liberdade de expressão, o reconciliar de problemas emocionais, e ainda a função catártica(1). A Arteterapia pode, então, oferecer à criança hospitalizada oportunidade para lidar melhor com essa situação desfavorável e com isso facilitar sua adaptação às rotinas hospitalares, seja estimulando seu desenvolvimento saudável, seja restabelecendo o equilíbrio emocional. No caso das crianças, o adoecimento promove alterações na sua vida como um todo, que podem, muitas vezes, desequilibrar seu organismo interna e externamente, e, em consequência disso, bloquear seu processo de desenvolvimento saudável, especialmente se a doença for duradoura(2).

O desenvolvimento infantil é um processo complexo que envolve as diferenças individuais e as específicas de cada período, como mudanças nas características, nos comportamentos, nas possibilidades e nas limitações de cada fase da vida, indistintamente. No período que compreende dos sete aos dez anos, que se convencionou chamar de período escolar, ocorrem transformações significativas nos aspectos cognitivos, socioemocionais e da comunicação plástica, pois é nessa fase que o raciocínio da criança apresenta-se mais lógico e compreende melhor os fatos. Ainda nessa fase, amplia seu vocabulário e sua linguagem ganha mais coerência, clareza e comunicabilidade(1).

Quanto ao crescimento progressivo da arte infantil, este segue seu percurso paralelo ao desenvolvimento geral das crianças. Nas expressões artísticas, elas expõem a si mesmas, isto é, deixam aflorar todo seu contexto social, suas percepções sobre o mundo, sua identidade e sua imaginação(2). A criança consegue expressar seus sentimentos por meio das produções de arte, o que contribui sobremaneira para que compreenda seu processo de desenvolvimento(3,4). Considerando que a hospitalização poderá trazer prejuízos ao desenvolvimento da criança, pergunta-se se a utilização dos recursos da Arteterapia não poderia atuar como elemento de apoio e promoção a esse processo.

Este questionamento reflete não só a preocupação dos profissionais de enfermagem, mas também representa o contexto das transformações da própria sociedade, nos dias atuais, que está em constante mudança, fazendo emergir terapias baseadas na arte, música, dança e outras, como práticas complementares.

Diante da preocupação com a saúde mental da criança hospitalizada e na busca do atendimento ao seu desenvolvimento, este trabalho centra seu interesse nas práticas complementares, e vê a Arteterapia como uma possibilidade plausível de ser aplicada no ambiente hospitalar pediátrico. Assim, os objetivos deste trabalho foram avaliar e comparar o desenvolvimento da criança, antes e após as intervenções da Arteterapia, na Unidade de internação pediátrica.

METODOLOGIA

Trata-se de uma pesquisa descritiva-exploratória, com abordagem metodológica qualitativa de estudo de caso instrumental. O estudo de caso permitiu estabelecer comparação entre os dois enfoques específicos, o que permitiu comparar a avaliação anterior às intervenções da Arteterapia com a avaliação posterior, e assim analisar o desenvolvimento alcançado pela criança.

Elegeu-se como espaço para desenvolver o estudo, no Hospital de Doenças Tropicais (HDT) de Goiânia, Goiás, instituição pública e de ensino, especializada em doenças infecto-contagiosas e parasitárias. Selecionaram-se cinco crianças na faixa etária entre sete a dez anos e de ambos os gêneros.

Este estudo faz parte do projeto de pesquisa, sob o título de "Arteterapia com crianças hospitalizadas: uma análise interpretativa de suas produções", que foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital de Urgências de Goiânia sob protocolo nº 07/04.

As intervenções de Arteterapia adotadas consistiram de acompanhamento individual durante cinco dias consecutivos, com duração variada de uma a três horas e meia, o que totalizou sete sessões, sem contar a pré e pós-intervenção de Arteterapia. Os objetivos das sessões de Arteterapia foram: permitir a exteriorização de sentimentos, de tensões e angústias; trabalhar com a reorganização do meio interno da criança; reconquistar a própria autonomia perdida; diminuir a dor e o desconforto físico e ainda estimular sua imaginação e criatividade.

As intervenções consistiram de técnicas lúdicas e de atividades artísticas, com condução espontânea das dinâmicas, facilitando, assim, a exteriorização da subjetividade da criança. Dentre as outras modalidades terapêuticas trabalhadas, estão: brinquedos, jogos e histórias.

A pesquisa teve duração total de seis meses e as sessões gerais de Arteterapia transcorreram de forma tranqüila. A coleta de dados ocorreu por meio de observação direta, antes e após as sessões de Arteterapia, com a finalidade de analisar os níveis de desenvolvimento da criança.

Na avaliação pré e pós-intervenções de Arteterapia solicitaram-se às crianças a confecção de desenho, pintura, colagem, modelagem e construção com sucata hospitalar, seguindo temática dirigida e livre. Estimulou-se a criança a dar um título para a obra produzida e, caso quisesse, poderia falar sobre a mesma. E à medida que as crianças iam construindo seus trabalhos artísticos, analisava-se o seu desenvolvimento. Observou-se o desempenho dos participantes durante as avaliações iniciais e finais, elaborando um relatório a respeito.

O instrumento empregado para coleta dos dados foi o Roteiro para Avaliação de Desenvolvimento da Criança, cujo enfoque desenvolvimental se presta à observação de crianças entre sete e dez anos(5). Este modelo possui um enfoque estruturalista do desenvolvimento, composto por um conjunto de expectativas e comportamentos ou capacidades clínicas, indicador das crianças. Avaliam-se, por meio dele, as capacidades adaptativas específicas de cada faixa etária ou estágio desenvolvimental da criança, sendo composto pelos itens: funcionamento físico; padrão de relacionamento; humor ou tom emocional geral; afetos; ansiedades e medos e expressão temática. Ele permite conhecer a complexidade, a riqueza, a profundidade e o conteúdo da criança bem como limitações e conflitos, além de possibilitar acesso ao mundo singular da mesma e suas experiências sociais.

O mais importante nesse processo foi avaliar se houve, após as intervenções de Arteterapia, modificações significativas no processo evolutivo de desenvolvimento da criança. Assim, obter dados mediante procedimentos diversos, como observações direta e participante, utilizando os inúmeros itens de análise desenvolvimental, e avaliação das produções artísticas, foi de fundamental importância para garantir a qualidade dos resultados obtidos.

A análise dos dados ocorreu com base nas descrições do desenvolvimento das crianças. Levou-se em consideração a qualidade do desempenho da criança, no decorrer do processo, comparando-se o processo anterior às intervenções de Arteterapia com o posterior.

RESULTADOS

A Tabela 1 ilustra a caracterização das crianças atendidas nesta pesquisa.

Quadro 1


A interpretação e descrição comparativa do desenvolvimento dos participantes contou com a presença de um profissional da psicologia e da Arteterapia, segundo os critérios estabelecidos na pesquisa(5), e serão descritas a seguir.

C1

Em relação ao funcionamento físico: o funcionamento motor fino melhorou, fator evidenciado pela produção gráfica. A criança tornou-se mais rápida, mais dinâmica, orientada e cuidadosa com seus trabalhos e mostrou melhor desempenho nas suas produções da pintura, colagem, modelagem e construção.

Em relação ao padrão de relacionamento: a criança apresentou progresso no relacionamento e aprofundamento no vínculo; melhorou o contato visual; expressou sutilmente afeto, pois mostrava-se mais sorridente e maior interesse pelo trabalho.

Em relação ao humor ou tom emocional geral: direcionou esta capacidade para o desenvolvimento da relação.

Em relação aos afetos: estavam mais ricos e profundos do que na ocasião da avaliação inicial.

Em relação às ansiedades e medos: não mostrou modificações na comparação entre as avaliações.

Em relação à expressão temática: a criança conseguiu ampliar e aprofundar o tema proposto, pois enriqueceu seus trabalhos com mais criatividade, riqueza de detalhes, movimentos, variedade de elementos, cores, equilíbrio, exatidão e profundidade das imagens. Ademais, as idéias centrais apresentaram-se mais conectadas.

C2

Em relação ao funcionamento físico: os trabalhos da criança estavam mais bem elaborados quanto ao espaço, e melhorou também: configuração, equilíbrio, profundidade, exatidão, movimento, regularidade, simetria e, especialmente, criatividade. Tornou-se mais rápida e dinâmica ao realizar a tarefa; melhorou seu foco de concentração e atenção e apresentou, ainda, progresso no desenvolvimento gráfico, na perspectiva do desenho, na pintura, na modelagem e na construção.

Em relação ao padrão de relacionamento: a criança mostrou maior capacidade para a vinculação, pois obteve melhor contato visual; seu olhar era mais carinhoso, sua face expressava alegria e sorria amplamente. Solicitava auxílio quando necessário, e seu contato era mais amigável. Mostrou envolvimento e interesse, ficando mais participativa, tanto com o material quanto com a atividade. Embora ela continuasse tímida e com escassa verbalização, sua gesticulação ganhou intensidade e, ao mesmo tempo, melhorou a qualidade de sua produção plástica.

Em relação ao humor: ou tom emocional geral: mostrou-se mais amigável.

Em relação aos afetos: seu afeto ficou mais rico e profundo.

Em relação às ansiedades e medos: suas atitudes mostraram maior controle emocional, evidenciado pela não-dependência excessiva da mãe, fato que ocorrera no período anterior.

Em relação à expressão temática: conseguiu expressar temas de maneira mais organizada e rica.

C3

Em relação ao funcionamento físico: seu funcionamento motor fino melhorou, fato evidenciado pela sua produção gráfica, que apresentou imagens bem configuradas, com mais regularidade, unidade, equilíbrio, exatidão e profundidade. Trabalhou melhor o espaço no papel e, conseqüentemente, melhorou o desenvolvimento gráfico nas fases de aprendizagem da pintura e no desempenho tridimensional (modelagem e construção). A criança mostrou-se mais rápida e dinâmica durante a avaliação, com uma capacidade verbal excelente.

Em relação ao padrão de relacionamento: a criança apresentou progresso no relacionamento com a arteterapeuta e melhor vínculo, pois estava mais comunicativa, tranqüila e envolvida com as tarefas. Sua postura corporal estava mais voltada para a arteterapeuta, havendo presença do toque e de proximidade pessoal. Mostrava-se muito simpática, calor humano e com capacidade para cativar a arteterapeuta.

Em relação ao humor ou tom emocional geral: o humor era semelhante ao da avaliação inicial, mas já se mostrava mais sorridente, extremamente amigável e mais relaxada.

Em relação aos afetos: o afeto, na ocasião, era mais rico e mais profundo do que na avaliação inicial. Demonstrou prazer, expansividade e alegria. Sorria amplamente e seus trabalhos tornaram-se mais coloridos e expansivos; ademais, suas respostas verbais eram de otimismo.

Em relação às ansiedades e medos: eram semelhantes aos da avaliação inicial, porém seu contato já era mais terno e amigável.

Em relação à expressão temática: ampliou os temas propostos dando às produções artísticas mais criatividade, acrescentando-lhes riqueza de detalhes, variedade de elementos e movimento. Seus trabalhos continham elos de ligação e os temas eram mais bem organizados, isso porque trouxe à baila temas que lhe davam prazer. Foi capaz de elaborar uma rica fantasia na sua produção plástica, narrando-a, posteriormente, com profundidade.

C4

Quanto ao funcionamento físico: a criança apresentou progresso na produção plástica, melhorando os aspectos de profundidade e imagens configuradas. Trabalhou melhor o espaço, tornou-se mais rápida, dinâmica, orientada, relaxada, reflexiva e aplicada. Sua concentração também melhorou, mostrando-se diferente da avaliação inicial. Demonstrou progresso, ainda, no desenvolvimento gráfico, na modelagem e na construção.

No que se refere ao padrão de relacionamento: progrediu no relacionamento, pois mudou sua postura, e com isso melhorou o contato visual e a expressão sutil de afeto; a criança solicitava auxílio quando necessário, e demonstrava maior interesse e vínculo no desenvolvimento das atividades. Ficou mais comunicativa, tranqüila, participativa, e ao mesmo tempo, mais próxima fisicamente das pessoas, o que aprofundou o vínculo com a arteterapeuta. Mais simpática, apresentava mais calor humano e capacidade para cativar a terapeuta. Ademais, estava mais persistente e curiosa.

Quanto ao humor ou tom emocional geral: mais amigável e relaxada, seu tom emocional era de alegria, expresso por sorrisos constantes e olhar mais alegre.

No que diz respeito aos afetos: o afeto era perceptível, pois demonstrava alegria e prazer enquanto trabalhava. Seu sorriso era mais amplo, alegria que se refletia em seus trabalhos, os quais ficaram mais coloridos e expandidos no papel. Também demonstrou sinais de melhor conexão com o ambiente e material.

Em relação às ansiedades e medos: não mostrou alterações entre as avaliações.

Quanto à expressão temática: conseguiu ampliar os temas propostos, enriquecendo com mais criatividade, riqueza de detalhes, movimentos e variedade de elementos as imagens produzias. Percebeu-se que essas imagens estavam inseridas dentro de um contexto mais aprofundado, por isso ela conseguiu verbalizar mais o conteúdo da produção plástica.

C5

Em relação ao funcionamento físico: mostrou progresso, pois conseguiu confeccionar trabalhos artísticos mais criativos, ricos em detalhes, com imagens mais bem configuradas e exatas e com noções superiores de profundidade. Melhorou, ainda, os níveis de desenvolvimento gráfico, da modelagem e da construção. Por ter trabalhado melhor o espaço, a criança tornou-se mais dinâmica e rápida ao executar as tarefas. Mais orientado e com melhor foco de concentração e atenção, respondeu prontamente às questões levantadas. Sua postura era mais relaxada e, assim, pôde compreender e obedecer melhor às instruções dadas, executando-as sem hesitação.

Em relação ao padrão de relacionamento: engajou-se de forma profunda, o que fez melhorar seu contato visual e sua expressão sutil de afeto. Solicitava auxílio quando precisava e seu interesse fez com que se tornasse mais participativo e persistente nas atividades. Ficou evidente a flexibilidade de sua personalidade, pois se tornou terno e carinhoso, ao contrário do que demonstrava na avaliação inicial, quando sua postura era rígida e tensa.

Em relação ao humor ou tom emocional geral: seu humor se estabilizou e ficou organizado, pois mostrou-se amável, relaxado e seguro, fatores evidenciados pela comunicação gestual e comportamental.

Em relação aos afetos: o afeto tornou-se rico e profundo. A criança demonstrou afetividade ao exibir sinais de expansão e alegria, expressando largos sorrisos. Ademais, apresentou prazer enquanto trabalhava, e mais comunicativo nas linguagens gestual e plástica, uma vez que seus trabalhos tronaram-se amplos e coloridos.

Em relação às ansiedades e medos: seu controle emocional mostrava-se mais regular, pois estava mais tranqüilo, mais sossegado e independente do acompanhante.

Em relação à expressão temática: expressou temas mais organizados e ricos, de acordo com sua idade, tornando expressivos (verbal, gestual e plástico) seus temas representacionais. Seus trabalhos plásticos evidenciaram maior variedade de elementos, de movimentos e riqueza de detalhes. Pareceu ter criado elos em sua temática, nas diferentes modalidades plásticas.

DISCUSSÃO

As avaliações sobre o desenvolvimento infantil, realizadas antes e após as intervenções de Arteterapia, foram abrangentes e importantes, pois permitiram acompanhar com bastante clareza o desdobramento tanto de processos intrapsíquicos como dos trabalhos artísticos das crianças, favorecendo, assim, a identificação de mudanças (comportamentais, de desenvolvimento e das produções plásticas).

Os dados mostraram que as crianças, de modo geral, registraram progresso após as intervenções de Arteterapia, sobretudo nas categorias de funcionamento físico, nos padrões de relacionamento, humor, afetos e expressão temática.

Essas crianças, após as intervenções de Arteterapia, desenvolveram maior autonomia, criatividade e dinamicidade, qualidades que provocaram mudanças que repercutiram tanto nas suas vidas como em suas produções plásticas, tendo em vista que os trabalhos plásticos são os reflexos da vida psíquica que ganharam existência. A representação chamada de simbólica, decorrente deste trabalho artístico, é percebida como uma atividade complexa, elaborada e reveladora dessa interação, a qual propicia inúmeras maneiras de se perceber e de se ver o mundo, quantas sejam as qualidades perceptíveis de cada pessoa e as conseqüentes viabilidades da expressão individual(6).

Em relação à avaliação do funcionamento físico, os dados mostraram o progresso das crianças em relação ao desempenho bi e tridimensionais das suas produções plásticas. Observou-se que elas se tornaram mais rápidas e dinâmicas; que as imagens criadas foram melhor configuradas; que trabalharam melhor o espaço da figura no papel e ainda melhoraram o foco de concentração.

Estes achados são compatíveis com a literatura pesquisada, a qual cita que a Arteterapia desenvolve a capacidade motora e os gestos, além de ativar a capacidade cognitiva da criança, propiciando-lhe uma nova forma de aprendizagem(6,7). Ademais, a Arteterapia possibilita um processo de crescimento contínuo, sempre influenciado pelas ocorrências do meio, além de ser um estímulo do próprio meio que oferece oportunidades para que o desenvolvimento se concretize.

Quanto ao padrão de relacionamento, humor ou tom emocional geral, as crianças, de um modo geral, tornaram-se mais interessadas e participativas na realização dos trabalhos, mais sorridentes, alegres, comunicativas e tranqüilas, bem como mais amigáveis e relaxadas. Estes dados vão ao encontro dos obtidos na literatura vigente(1,2,8), que esclarecem que o poder da ludicidade é um nutriente importante contra o estresse, para integração dos dois lados do cérebro, assim como para manutenção do eixo criativo da criança, pois favorece seu bem-estar e equilíbrio, sua alegria, conforto e mudança de comportamento.

Em relação aos afetos, ansiedades e medos, observaram-se modificações positivas após as intervenções de Arteterapia, pois, conforme relata a literatura vigente(1,9-11), se a Arteterapia contribui significativamente para a humanização de cuidados à saúde, gerando maior liberdade de expressão, alivio de tensão, de ansiedade e de dor, conseqüentemente ela também propicia modificações nos comportamentos das crianças, evidenciadas pelo afeto que se tornou mais rico e profundo, além de, maior controle emocional.

No quesito expressão temática, as crianças também apresentaram progresso, uma vez que, após as intervenções da Arteterapia, o padrão de modificação foi superior ao anterior às intervenções, sobretudo nos aspectos relacionados à variedade da produção, criatividade e riqueza de detalhes dos trabalhos. Por tudo isso é que se considera o arteterapeuta um dos profissionais mais capacitados para encorajar as expressões do imaginário da criança, fato comprovado pela variedade expressiva apresentada pelas crianças em suas produções.

Quanto à maior criatividade, isso demonstra que as crianças realizaram uma produção mais independente, porque encontraram facilidade para elaborar um trabalho mais expressivo com mais originalidade, flexibilidade, fluência, elaboração e avaliação. Estes resultados são importantes, pois, pesquisas sobre a Arteterapia têm evidenciado que a criatividade é um dos maiores benefícios desse processo(1,6,7). Já a riqueza de detalhes, ela está vinculada à variedade expressiva e à criatividade, pois à medida que as crianças ampliaram seu mundo imaginativo, favorecido pela intervenção arteterapêutica, também introduziram modificações em suas imagens. Por exemplo, na pintura da figura humana de C4, após as sessões de Arteterapia, é representada com mais detalhes, definiu melhor o sexo da personagem (feminino) e fez a incorporação de traços diferenciados nas partes do rosto, que ganha outras características: inclusão do nariz; detalhamento da boca, com lábios; olhos coloridos, com cílios e pupilas; nos cabelos inclui a mistura de cores.

Ademais, pelos resultados demonstrados, deduz-se que algumas categorias do desenvolvimento foram mais significativas do que outras, o que confirma que cada criança tem seu ritmo próprio e um modo particular de evoluir, ou seja, cada uma tem um tempo e uma maneira de internalizar experiências e vivências distintas e, desse modo, o fazer arteterapêutico expressa a singularidade e a identidade criativa de cada um. Esta experiência mostrou que se verificou é que as crianças são diferentes, pertencem a mundos diferentes e por isso dispõem de recursos pessoais e maturacionais (afetivos e cognitivos) desiguais. Percebe-se que cada indivíduo tem um tempo mais ou menos longo de adaptação ao ateliê arteterapêutico, pois ali as regras de funcionamento e as relações pessoais são diferentes de tudo aquilo que lhe é familiar.

Além do que, a arte, como forma de expressão e comunicação, é um processo natural por meio do qual a criança comunica o que sente, o que pensa e a maneira como vivencia e percebe o mundo, processo que ocorrerá de acordo com seu desenvolvimento emocional, mental, psíquico e perceptual. O arteterapeuta, por ser um facilitador do processo, não tem o poder de mudar as crianças, mas ele pode sugerir recursos e materiais mais adequados às intenções criativas de cada uma delas, para que as mudanças aconteçam. A arte não é apenas um meio de auto-expressão, é também um meio de estender o alcance da experiência à pessoa. Conseqüentemente, a criança tem autonomia para aderir à intervenção proposta para ela e cabe ao meio oferecer-lhe recursos para esse fim.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Como se sabe, a hospitalização interrompe o desenvolvimento psicossocial das crianças e assim, frente ao exposto, a execução de um trabalho junto às crianças hospitalizadas torna-se fundamental para amenizar os efeitos negativos da doença, da hospitalização e do tratamento, que ameaçam o seu crescimento normal. Nesse sentido, a Arteterapia é um meio ideal para canalizar, de maneira positiva, as variáveis do desenvolvimento da criança hospitalizada e neutralizar os fatores de ordem afetiva que, naturalmente, surgem com a doença.

Assim, a Arteterapia com seu poder de inovar, criar, de fazer o diferente, favorece o prazer e a subjetividade, além de expor os potenciais mais saudáveis da criança, adormecidos com a hospitalização. Faz, ainda, com que o enfoque negativo da hospitalização (como dor, desconforto, rigidez e inércia) seja deixado de lado e dê lugar à alegria, ao bem-estar, à atividade e à espontaneidade.

Trabalhar com atividades lúdicas é algo sério e inerente à criança, por isso é necessário respeitar e garantir a elas o direito de brincar e de vivenciar o seu próprio desenvolvimento. A criança, durante o processo de desenvolvimento afetivo, psicomotor, cognitivo e social, explora e interage com seu meio de forma contínua, quando lhe são oferecidas oportunidades em ambientes favoráveis.

No caso de uma criança hospitalizada, que se encontra fragilizada e internamente desorganizada em função de uma doença grave, a tarefa do cuidar não é fácil, por isso cabe ao arteterapeuta, que é um profissional de grande valia no ambiente hospitalar, tornar este ambiente estimulante e não-ameaçador, auxiliando a criança a restabelecer seu diálogo com o mundo, contribuindo para que ela enfrente a doença e a hospitalização de forma construtiva, dinâmica e saudável.

Deve-se pensar que a criança mesmo doente continua sendo criança, por isso deve-se dar a ela a garantia de uma assistência globalizada que defenda o suprimento de suas necessidades totais. Portanto, a Arteterapia possibilita prestar uma assistência globalizada à criança, bem como providenciar um ambiente facilitador e propício ao seu comportamento e desenvolvimento, buscando barrar a estagnação de estímulos, porque esta pode prejudicar estruturalmente todo seu processo de desenvolvimento normal.

Após a realização deste trabalho, acredita-se que a ampliação dos espaços da Arteterapia poderá facilitar a expressão das crianças, pois esses locais estimulam o desenvolvimento de suas potencialidades expressivas. O profissional habilitado para atuar como arteterapeuta pode migrar de várias áreas profissionais: da saúde, da educação e das artes, e em especial da enfermagem, desde que legitimado para exercer a profissão, ou seja, o graduado deve receber a formação específica em Arteterapia.

Este campo de atuação tem crescido muito na área da enfermagem, nos últimos anos em nível nacional e internacional, sendo profícua sua utilização no contexto da hospitalização pediátrica, pois, nas situações em que as crianças não conseguem facilmente comunicar verbalmente seus desejos e necessidades, ela representa a defesa do direito de qualquer criança hospitalizada. Enfim, acredita-se que este estudo venha auxiliar os profissionais da enfermagem pediátrica, uma vez que pode ser amplamente disponibilizado às crianças no contexto hospitalar.

Recebido em: 27/03/2011

Aprovado em: 31/08/2011

1 Este estudo faz parte do projeto de pesquisa "Arteterapia com crianças hospitalizadas: uma análise interpretativa de suas produções".

  • 1. Valladares ACA, Carvalho AMP. A Arteterapia e o desenvolvimento do comportamento no contexto da hospitalização. Rev Esc Enferm USP. 2006;40(3):350-5.
  • 2. Françani GM, Ziliolo D, Silva PRF, Sant'Ana RPM, Lima RAG. Prescrição do dia, infusão de alegria: utilizando a arte como instrumento na assistência à criança hospitalizada. Rev Latino-Am Enfermagem. 1998;6(5):27-33.
  • 3. Monsen RB. Drawing the pain. J Pediatr Nurs. 2003;18(4):284-5.
  • 4. Driessnack M. Children's drawing and their use in healthcare. J Pediatr Health Care. 2002;16(3):156.
  • 5. Greenspan SI, Greenspan NT. Entrevista clínica com crianças. 2Ş ed. Porto Alegre: Artes Médicas; 1993.
  • 6. Valladares ACA. A Arteterapia humanizando espaços de saúde. São Paulo: Casa do Psicólogo; 2008.
  • 7. Waller D. Art therapy for children: how it leads to change. Clin Child Psychol Psychiatry. 2006;11(2):271-82.
  • 8. Betts DJ. Art therapy assessments and rating instruments: do they measure up? The Arts in Psychotherapy. 2006;33(5):422-34.
  • 9. Jansen MF, Santos RM, Favero L. Benefícios da utilização do brinquedo durante o cuidado de enfermagem prestado à criança hospitalizada. Rev Gaúcha Enferm. 2010;31(2):247-53.
  • 10. Pratt RR. Art, dance, and music therapy. Phys Med Rehabil Clin N Am. 2004;15(4):827-41.
  • 11. Walsh SM, Martin SC, Schmidt LA. Testing the efficacy of a creative-arts intervention with family caregivers of patients with cancer. J Nurs Scholarsh. 2004;36(3):214-9.
  • Endereço da autora:
    Mariana Teixeira da Silva
    Rua Três Marias, quadra 43, lote 05, Setor Negrão de Lima
    74650-280, Goiânia, GO
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      09 Nov 2011
    • Data do Fascículo
      Set 2011

    Histórico

    • Recebido
      27 Mar 2011
    • Aceito
      31 Ago 2011
    Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Escola de Enfermagem Rua São Manoel, 963 -Campus da Saúde , 90.620-110 - Porto Alegre - RS - Brasil, Fone: (55 51) 3308-5242 / Fax: (55 51) 3308-5436 - Porto Alegre - RS - Brazil
    E-mail: revista@enf.ufrgs.br