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Autonomia e trabalho do enfermeiro

Autonomy and the work of the nurse

Autonomía y trabajo del enfermero

Resumos

Trata-se de um estudo qualitativo, exploratório e descritivo que teve como objetivo descrever as percepções de enfermeiros sobre a autonomia que detém no exercício profissional onde trabalham. Participaram do estudo dez enfermeiros que atuam na área hospitalar ou de atenção primária à saúde. A estratégia adotada para a obtenção dos dados foi a entrevista semi-estruturada. Os dados da pesquisa foram analisados pela técnica de análise de conteúdo e levou a três áreas temáticas: formação do enfermeiro, processos de trabalho da enfermagem e relações interpessoais. Destaca-se a importância que assume o enfermeiro, a partir de sua própria trajetória, no planejamento, organização e direção dos processos de trabalho da enfermagem, especialmente quanto à tomada de decisão para uma atuação autônoma responsável.

Papel do profissional de enfermagem; Autonomia profissional; Mercado de trabalho; Serviços de saúde


This is a qualitative, exploratory and descriptive study that aimed to describe nurses' perceptions on the autonomy they hold in the practice they work in. Ten nurses working in the hospital or primary care centers participated in the study. A semistructured interview was used to gather data. The data were analyzed using content analysis, which led to three thematic areas: nursing education, nursing work processes and interpersonal relations. The study highlights the importance that nurses and their personal stories have in organizing and directing nursing work processes, especially decision-making in a responsible autonomous action.

Nurse's role; Professional autonomy; Job market; Health services


Este es un estudio cualitativo, exploratorio y descriptivo tuvo como objetivo describir la percepción de enfermeros sobre la autonomía que tienen en la práctica en la que trabajan. Participó en el estudio, diez enfermeros que trabajan en el hospital o de atención primaria a la salud. La estrategia adoptada para obtener los datos fue la entrevista semi-estructurada. Los datos de la encuesta fueron analizados utilizando el análisis de contenido y dirigido a tres áreas temáticas: la educación de enfermería, enfermería procesos de trabajo y las relaciones interpersonales. El estudio destaca la importancia de que las enfermeras, a partir de su propia carrera en la planificación, organización y dirección de los procesos de trabajo de enfermería, especialmente la toma de decisiones en una acción en autonomía responsable.

Rol de la enfermera; Autonomía profesional; Mercado de trabajo; Servicios de salud


ARTIGO ORIGINAL

Autonomia e trabalho do enfermeiro1 Endereço da autora: Dagmar Elaine Kaiser Rua São Manoel, 963 90620-110, Porto Alegre, RS E-mail: dagmar@enf.ufrgs.br

Autonomía y trabajo del enfermero

Autonomy and the work of the nurse

Fernanda Zanoto KraemerI; Maria de Lourdes Custódio DuarteII; Dagmar Elaine KaiserIII

IMestranda Profissional em Gestão de Tecnologia em Saúde do Programa de Pós-Graduação em Epidemiologia da UFRGS, Enfermeira Assistente de Coordenação de Emergência do Hospital Nossa Senhora da Conceição, Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil

IIMestre em Enfermagem Psiquiátrica e Ciências Humanas, Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da UFRGS, Professora Assistente da Universidade Federal do Pampa (UNIPAMPA), Uruguaiana, Rio Grande do Sul, Brasil

IIIMestre em Administração da Educação, Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da UFRGS, Professora Assistente da Escola de Enfermagem da UFRGS, Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil

Endereço da autora Endereço da autora: Dagmar Elaine Kaiser Rua São Manoel, 963 90620-110, Porto Alegre, RS E-mail: dagmar@enf.ufrgs.br

RESUMO

Trata-se de um estudo qualitativo, exploratório e descritivo que teve como objetivo descrever as percepções de enfermeiros sobre a autonomia que detém no exercício profissional onde trabalham. Participaram do estudo dez enfermeiros que atuam na área hospitalar ou de atenção primária à saúde. A estratégia adotada para a obtenção dos dados foi a entrevista semi-estruturada. Os dados da pesquisa foram analisados pela técnica de análise de conteúdo e levou a três áreas temáticas: formação do enfermeiro, processos de trabalho da enfermagem e relações interpessoais. Destaca-se a importância que assume o enfermeiro, a partir de sua própria trajetória, no planejamento, organização e direção dos processos de trabalho da enfermagem, especialmente quanto à tomada de decisão para uma atuação autônoma responsável.

Descritores: Papel do profissional de enfermagem. Autonomia profissional. Mercado de trabalho. Serviços de saúde.

RESUMEN

Este es un estudio cualitativo, exploratorio y descriptivo tuvo como objetivo describir la percepción de enfermeros sobre la autonomía que tienen en la práctica en la que trabajan. Participó en el estudio, diez enfermeros que trabajan en el hospital o de atención primaria a la salud. La estrategia adoptada para obtener los datos fue la entrevista semi-estructurada. Los datos de la encuesta fueron analizados utilizando el análisis de contenido y dirigido a tres áreas temáticas: la educación de enfermería, enfermería procesos de trabajo y las relaciones interpersonales. El estudio destaca la importancia de que las enfermeras, a partir de su propia carrera en la planificación, organización y dirección de los procesos de trabajo de enfermería, especialmente la toma de decisiones en una acción en autonomía responsable.

Descriptores: Rol de la enfermera. Autonomía profesional. Mercado de trabajo. Servicios de salud.

ABSTRACT

This is a qualitative, exploratory and descriptive study that aimed to describe nurses' perceptions on the autonomy they hold in the practice they work in. Ten nurses working in the hospital or primary care centers participated in the study. A semistructured interview was used to gather data. The data were analyzed using content analysis, which led to three thematic areas: nursing education, nursing work processes and interpersonal relations. The study highlights the importance that nurses and their personal stories have in organizing and directing nursing work processes, especially decision-making in a responsible autonomous action.

Descriptors: Nurse's role. Professional autonomy. Job market. Health services.

INTRODUÇÃO

Este artigo tem sua origem no trabalho de conclusão do Curso de Bacharelado em Enfermagem da Escola de Enfermagem da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), tendo como finalidade conhecer as percepções de enfermeiros sobre a sua autonomia profissional(1).

Abordar a autonomia do enfermeiro no contexto hospitalar e de atenção primária à saúde, articulando-a com outras áreas em um exercício moderno de interdisciplinaridade e tendências nacionais é de fundamental importância, visto que suas decisões e escolhas movimentam respeitabilidade entre os profissionais e a confiabilidade da equipe no enfermeiro, gerando um trabalho interdisciplinar eficaz, ao mesmo tempo em que compartilha responsabilidades, deveres e direitos(2).

As diretrizes curriculares nacionais para a enfermagem orientam a gênese de uma formação generalista, conjeturam prepará-lo para tomar iniciativas, gerir o cuidado, a força de trabalho, os recursos físicos e materiais e de informação. São claras quanto aos papéis do professor e do aluno no processo de ensino e aprendizagem, no qual o aluno é o centro da aprendizagem, cabendo ao professor o permanente desafiar do raciocínio do aluno e pela sua progressiva integração em novos conhecimentos e níveis crescentes de complexidade. Da mesma forma, ensejam um enfermeiro empreendedor e líder na equipe em que atua(3). Permitem-lhe, ainda, agir como profissional liberal, prática autônoma garantida pelo Código de Deontologia de Enfermagem, não requerendo supervisão direta de outro profissional e assegurando uma atuação sem subordinação a um empregador(4).

Cenários peculiares da área hospitalar e de atenção primária à saúde deixam de ser exclusivos do mercado de trabalho e avocam para uma atuação de variadas possibilidades de expansão, tanto no âmbito da abrangência quanto ao direcionamento dos processos de trabalho pelo enfermeiro. Momento de transição em que o enfermeiro vivencia o já e o ainda não vivido em sua autonomia profissional(2).

A palavra autonomia é de origem grega, composta pelo adjetivo pronominal autos, que significa ele mesmo e por si mesmo; e pelo substantivo nomos, com o sentido de compartilhar, instituição, lei, normas, convenção ou uso. Etimologicamente, o conceito de autonomia significa a condição de uma pessoa ou de uma coletividade autônoma, o que quer dizer, que determinam a lei à qual se submetem, em que as questões sociais e os valores são peças fundamentais para a construção deste conceito. Conceito relacionado à tomada de consciência com a implícita noção de que a pessoa tem o poder de decidir sobre suas ações, estruturar metas que ache condizentes com os seus ideais para que possa cumpri-las. Em síntese, é governar as suas decisões(5).

Para isso, é necessário um enfermeiro de atitude diferenciada, pautada no respeito, na ética e no compromisso social com o que realmente conhece e domina. Um enfermeiro que saiba resolver problemas e ver holisticamente novos ambientes e processos de trabalho de sua competência em um pioneirismo repleto de novas perspectivas para quem deseja ingressar no mercado de trabalho e contextualizadas no mundo do trabalho.

O enfermeiro autônomo é, então, aquele capaz de seguir sua conduta profissional consciente dos espaços em que pode atuar e que busca satisfação pessoal e de seus clientes, levando em consideração a importância que sua prática assume para as pessoas, os processos de trabalho, os serviços de saúde e as instituições empregadoras(2).

No entanto, para o exercício da autonomia é imprescindível que o mercado de trabalho, que tem como pano de fundo as transformações que vêm ocorrendo com o trabalho do enfermeiro no mundo globalizado, lhe permita exercer a autonomia que detém com criatividade e resolutividade. As especificidades da profissão, nesse contexto, precisam ser conhecidas e vividas durante a graduação em enfermagem, oportunizando e incentivando a curiosidade acadêmica, dando sentido à vida profissional futura.

A motivação pelo tema autonomia do enfermeiro deu-se a partir de estágios curriculares realizados durante a graduação em enfermagem. Era notória a diferença do modo de ser dos enfermeiros na profissão de acordo com o local de trabalho em que estavam inseridos. Alguns mostravam imensa satisfação em exercer a profissão, atuando com autonomia e relatando crescimento profissional, já outros tinham pouca ou nenhuma autonomia no que faziam e se apresentavam desanimados frente às características dos seus ambientes de trabalho.

Nesse sentido, emergem diversos questionamentos que nos parecem bastante oportunos quanto à autonomia do enfermeiro no exercício da profissão. Será que o enfermeiro está expressando suas decisões e escolhas com autonomia? Como a graduação em enfermagem está estimulando os alunos ao desenvolvimento e ao exercício da autonomia? Quais são as oportunidades de trabalho autônomo que são oportunizadas ao enfermeiro? Qual é o mercado de trabalho que acolhe e incita o enfermeiro à autonomia profissional?

A relevância do artigo está no aprofundamento de temáticas que integram o processo de trabalho da enfermagem e tem por objetivo descrever as percepções de enfermeiros sobre a autonomia que detém no exercício profissional onde trabalham.

METODOLOGIA

Este estudo tem caráter exploratório descritivo, com abordagem qualitativa. A pesquisa qualitativa responde questões muito particulares. Ela trabalha com o universo de significados, motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes, que corresponde a um espaço mais profundo das relações dos processos e dos fenômenos que não podem ser reduzidos à operacionalização de variáveis(6).

A pesquisa foi realizada em cenários da área hospitalar e de atenção primária à saúde da Secretaria Municipal de Saúde de Porto Alegre, Rio Grande do Sul, no ano de 2005.

Participaram do estudo dez enfermeiros, sendo nove do sexo feminino e um do sexo masculino que concordaram em participar e assinar o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, o que não interferiu nos resultados encontrados. O tipo da amostra foi intencional por convite. Os sujeitos têm idades entre 30 e 50 anos. Cinco trabalham em distintas áreas de trabalho da enfermagem hospitalar e cinco em atenção primária.

Conhecer essas percepções sobre a autonomia que o enfermeiro detém no exercício profissional onde trabalha, seja o hospital ou em atenção primária, traria o conhecimento que vai se dando no dia a dia no trabalho do enfermeiro e que explicita a memória coletiva desse profissional.

Foi critério de inclusão dos participantes do estudo o efetivo exercício profissional como enfermeiro, concordar e estar interessado em participar do estudo. Foi critério de exclusão atuar a menos de um ano no serviço.

O instrumento utilizado na coleta de dados foi a entrevista semi-estruturada, seu roteiro solicitou respostas sobre informações pessoais e à questão norteadora: como você percebe a sua autonomia no exercício profissional da enfermagem no cenário em que atua?

Os dados da pesquisa foram analisados pela técnica de análise de conteúdo(6). Primeiramente organizaram-se as idéias iniciais obtidas em resposta aos questionamentos feitos aos enfermeiros entrevistados. Depós, passou-se para a exploração das informações, quando se chegou a três áreas temáticas: formação do enfermeiro, processos de trabalho da enfermagem e relações interpessoais, considerando a autonomia profissional do enfermeiro como tema central.

Foi utilizado o Termo de Consentimento Livre e Informado em duas vias, de acordo com a Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde, que aprova diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisa envolvendo seres humanos(7). Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital de Pronto Socorro de Porto Alegre, que assumiu a análise do projeto à época por se tratar de um dos cenários de trabalho dos enfermeiros pesquisados da Secretaria Municipal de Saúde de Porto Alegre, parecer AC CP N. 008/2005, estando cadastrado no Sistema de Pesquisa da UFRGS sob o nº 10148.

Com o objetivo de manter o anonimato dos participantes, foi-lhes solicitado indicarem uma letra do alfabeto arábico de A a J para serem identificados no estudo.

ANÁLISE E DISCUSSÃO

Apreciar como enfermeiros percebem a sua autonomia no exercício profissional se constituiu em uma proposta na busca de informações e conhecimentos para a sua compreensão e valoração no mercado de trabalho contemporâneo.

Três importantes temáticas destacam-se no estudo: formação do enfermeiro, processos de trabalho da enfermagem e relações interpessoais; informações que decorreram em categorizações e que discutimos considerando a literatura existente na área, constituindo-se em um trabalho desafiador e que estimula à discussão, ao diálogo crítico e critizador.

A primeira, formação do enfermeiro, trouxe informações imbuídas de uma consciência crítica dos enfermeiros acerca do seu saber e do processo educativo e de formação da enfermagem, analisando a si enquanto exercendo, ou não, a autonomia nos cenários em que atuam. Que o acesso ao conhecimento é primordial para que o enfermeiro tome consciência de si e reflita sobre as suas ações para melhor lidar com decisões e escolhas no exercício da profissão.

Experiências vividas na graduação e no exercício profissional reforçam a necessidade de uma atuação que articula teoria e prática:

A boa formação depende em parte da instituição de ensino em que se estudou e em parte do próprio jeito de ser e de fazer (Participante D).

A formação em enfermagem leva o enfermeiro a perceber o ser humano em sua totalidade, seu modo de vida e suas necessidades. Isso, quando colocado em prática, permite contribuir significativamente no cuidado das pessoas (Participante J).

A apreensão de elementos expressivos desenvolvidos e nutridos no itinerário profissional, quando acompanhados da carência de conhecimento e postura autônoma por parte do enfermeiro, torna evidente que a dificuldade em assumir o seu papel na tomada de decisão dá-se pela desarticulação entre o que ele aprendeu e o que de fato ele faz.

Propósitos claros e que construam um saber contextualizado são necessários para que o enfermeiro possa transpor sua autonomia aos processos de trabalho da enfermagem, e reconhecer-se preparado para agir e intervir socialmente no mundo de forma humanizada e com qualidade, articulando os avanços da contemporaneidade à autonomia profissional e assim melhorar a gestão, o cuidado, o ensino e a pesquisa em enfermagem e saúde, bem como as condições de trabalho decorrentes. Espaços de participação e de decisão que demandam compreensão, desmistificação e valoração: os alicerces da autonomia profissional(3,8,9).

É preciso reconhecer que o saber, quando assimilado e construído, orienta o desenvolvimento da autonomia e tomada de decisão(10), e aceitar a idéia de que, para aprimorá-lo nos cenários em que atua, e que aprendem, isso requer aporte de tempo para reflexão e análise pelo enfermeiro. E, especialmente, para consideração de suas necessidades como forma de crescimento.

É fato que a autonomia profissional sofre influência de fatores externos, como a interferência de outras pessoas nas decisões do enfermeiro, dependência de outros para realizar alguma atividade, fatores econômicos, sociais e políticos envolvidos(8), e que precisam ser apreendidos.

Exercitar a autonomia tem sido considerado complexo pelas influências que o enfermeiro sofre em decorrência da estrutura social em que seu trabalho se desenvolve. Resistir a estas influências e romper barreiras que impedem o exercício da autonomia resgata o controle de aspectos técnicos de seu trabalho, delimitando o que é próprio da enfermagem e a melhor maneira de atuar(8). São conflitos decorrentes da visão histórica da profissão, da estrutura de poder organizacional expressa por políticas, leis e regras, aparentemente impessoais, mas que referendam e garantem o poder de grupos dominantes que ainda estão presentes no imaginário da sociedade. Conflitos que clamam por atitudes mais apropriadas ao desenvolvimento da autonomia pelo enfermeiro, para que aos poucos esse imaginário popular não tenha sustentação na prática(11,12).

Estimular situações de aprendizagem poderá abrir caminhos para a busca por respostas a novas situações, instruir decisões do enfermeiro no enfrentamento dos deveres e dilemas éticos da profissão, em suma, formar a autonomia(12,13).

Para sanar inexperiências, a busca por desenvolvimento foi o caminho:

Cursos e especializações ajudam você a conseguir se virar e se colocar com mais autonomia, dão suporte para uma relação de confiança com quem conhece e vive essa realidade [...] comigo foi assim, e acontecia na equipe de trabalho, com outros profissionais, com estagiários e com os pacientes [...], continuar estudando, para mim, foi fundamental para ser uma enfermeira mais bem posicionada (Participante E).

A educação permanente constitui estratégia fundamental às transformações do trabalho para que venha a ser lugar de atuação crítica, reflexiva, propositiva, compromissada e tecnicamente competente, transformando o trabalho em um espaço democrático, onde todos são responsáveis por ensinar e aprender(14). Ao subsidiar novas decisões do enfermeiro e a melhoria dos processos de trabalho da enfermagem, na interface do enfrentamento de um modo já estabelecido de atuar com outro que agrega novos paradigmas para a práxis, desenvolve a sua autonomia.

A segunda temática, processos de trabalho da enfermagem, insurge em caminhos a serem percorridos pelo enfermeiro e que muitas vezes tolhem o seu exercício: o dia-a-dia; a atuação profissional; a vocação institucional.

Uma revelação: a realidade imprime à luz de um cotidiano pleno de experimentações a autonomia no enfermeiro:

O exercício profissional me levou, com o tempo, a exercer com autonomia a assessoria na área de enfermagem [...] (Participante B).

Com o passar dos anos, a experiência foi fundamental para eu poder avaliar a qualidade dos registros de enfermagem e identificar lacunas no processo de trabalho (Participante J).

Autonomia, dessa forma, é percebida como um atributo pessoal(12) que tem sua base nas realidades sentidas, vividas, e conquistada nas interações no trabalho(13).

Experiências particulares da atuação profissional, tradicionalmente vividas com autonomia pelo enfermeiro e que tem fortalecido a tomada de decisão, foram exemplificadas com a consulta de enfermagem(15,16), tão repleta de significados:

A consulta de enfermagem é uma prática diferenciada e voltada para o cliente [...] quando trabalhei no PSF, eu tinha autonomia para realizar a consulta, pois estava preparada e o fazia com responsabilidade (Participante I).

Sabe-se que a atuação do enfermeiro pode se constituir tanto em atividades que já estão estabelecidas nos ambientes de trabalho, como as manifestas às pessoas, que decidem, por si só, o que é bom para elas.

O processo de trabalho da enfermagem é determinado pela sua finalidade, pela idealização do resultado que foi projetado muito antes da sua realização. Nele, sempre existirá um espaço para o exercício da autonomia, pois o trabalho vivo em ato pressupõe a possibilidade de criatividade que pode ser explorada e assim inventar novos processos de trabalho, inclusive para aquelas dimensões ainda não pensadas, constituindo-se em novas formas de atuar do enfermeiro(17).

Mesmo nos processos de trabalho mais arraigados sempre haverá a possibilidade de se formarem fissuras para que seja questionada a lógica estruturada da produção, podendo estabelecer linhas de fuga que ampliem a atuação e a autonomia do enfermeiro(17) em identificar, julgar e resolver as questões da enfermagem(16). Como já pontuado,

Atuar com autonomia tem sido essencial aqui [...], proporciona um atendimento resolutivo, de qualidade (Participante H).

Para os enfermeiros, o fato de trabalharem em uma instituição pública e a propriedade da estabilidade no emprego são determinantes para a liberdade de expressão da autonomia profissional:

Me permite ousar sem me sentir acuado ou impedido de exercer plenamente a enfermagem aqui no hospital. Mas nem sempre envolve ações tranquilas, muitas vezes, exigem mudanças, isso gera desconforto para os acomodados. Precisa de um posicionamento firme do enfermeiro (Participante F).

Atuo em todas as frentes. Coordeno a enfermagem, articulo, supervisiono e controlo os técnicos de enfermagem, linco o trabalho da enfermagem ao dos médicos [...] faço os contatos com a gerência [...] e o mais importante, sou ouvida e atendida naquilo que preciso (Participante D).

Expressar-se trata da maneira com que o enfermeiro utiliza o seu saber/fazer ao defender suas idéias ou propostas nas equipes e serviços em que interatua. Um comportamento pessoal e profissional que conta com margens de liberdade e potencialidades em um exercício que agrega necessidades e expectativas à vocação do serviço(18).

Essa lógica leva à terceira temática, as relações interpessoais.

O convívio em um ambiente relacional estabelece afeto, apego e zelo, e a liberdade de expressão pode tornar-se e manter-se harmoniosa e prazerosa, permitir um trabalho cooperativo, em equipe, com integração de esforços, energias, conhecimentos e experiências em um movimento sinérgico, levando à credibilidade e reconhecimento a autonomia exercida pelo enfermeiro. Pode, ainda, tornar-se tensa, conflitiva, induzir à desintegração de esforços e à dissolução da própria equipe em que atua(2).

O enfermeiro precisa conhecer melhor a si mesmo e compreender melhor o outro, perceber os vários comportamentos em grupo, seu funcionamento e interações para uma comunicação franca, direta e honesta na equipe(9).

Torna-se importante destacar, então, a necessidade do enfermeiro enfrentar os dilemas e as ambigüidades da própria profissão, como a especificidade do trabalho e o saber/fazer social da enfermagem, e a noção exata das suas fronteiras, de modo que o cuidado necessário seja implementado e o trabalho interdisciplinar assegurado(19).

Tenho por hábito fazer acordos, isso tem melhorado o relacionamento na equipe e principalmente a mim, nas negociações (Participante I).

Combinações aguçam a capacidade de adaptação e ampliam a possibilidade de interferir e mudar as condições de trabalho. A equipe torna-se mais crítica e reflexiva e, a partir daí, passa a compreender melhor a necessidade do trabalho do outro e a divisão de tarefas, discutindo aspectos da organização e processo de trabalho, tais como autonomia técnica, integração das ações, interação comunicativa, suporte institucional e relações com a comunidade, fortalecendo os sentimentos positivos que lhes são relacionados(20).

No entanto, parâmetros referenciais éticos e que reafirmem o princípio da democratização interna do trabalho se fazem necessários para uma adequada assistência de enfermagem, tendo como preocupação central a garantia das condições externas e determinantes do pleno exercício profissional, como autonomia, mercado de trabalho e organização profissional. Isso aditaria um avanço significativo à Lei do Exercício Profissional(21):

É preciso lembrar o que é da enfermagem, [...] às vezes, um fato faz com que seja preciso dizer o que é da competência da equipe. E é quando você exerce a autonomia (Participante A).

Inovar e buscar o melhor de si para uma atuação comprometida, cidadã, critica e reflexiva, ativa diante das demandas e processos de trabalho, são fortalezas que mantém o enfermeiro atuante no mercado do trabalho, onde a concorrência e os desafios estão cada vez mais presentes e incitam a sua prática profissional.

A autonomia é permitida, posso atuar em consultório de enfermagem, em assessorias de enfermagem ou no atendimento domiciliar. Mas, não é uma prática comum aqui, e nem aí fora (Participante I).

Para assumir as novas tendências do mercado de trabalho, os caminhos apontados pelos enfermeiros expressam o privilegiamento do agir ético fundamentado na construção da autonomia com alteridade, na governabilidade de si e no conhecimento técnico que têm sobre autonomia na práxis.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O estudo permitiu verificar que os enfermeiros expressam a autonomia profissional como questão essencial para a prática nos cenários em que atuam. É incontestável que quanto melhor implementada a autonomia profissional e os processos de trabalho da enfermagem, mais oportunidades o enfermeiro terá em atuar com base no conhecimento técnico e científico e em seu julgamento e poder decisório, trazidos com muita propriedade e como essenciais para a preservação da autonomia do enfermeiro.

A vivência dos processos de trabalho da enfermagem revela outra perspectiva no tratamento da questão autonomia: as condições de trabalho como condicionantes da autonomia profissional do enfermeiro. Que, para agir e intervir socialmente no mundo de forma humanizada, é preciso assumir propósitos claros, éticos, construir um saber prático e saber operar esse conhecimento com qualidade, e que usando de criatividade, surpreenderão os resultados.

A experiência e o significado que cada enfermeiro atribui a sua prática representam a sua individualidade, com expressão de valores éticos e morais que constituem o seu exercício profissional e que levam a desenvolver-se, a exercer a enfermagem por competência, a ter a consciência de si e do outro, a compreender o funcionamento das equipes e a vocação institucional, a reconhecer a autonomia como um atributo pessoal que pode ser conquistado nas interações no trabalho e que agrega necessidades e expectativas, a vencer os percalços que limitam a prática da autonomia para melhor lidar com as decisões e escolhas, a cercar-se de segurança e legalidade ética, e a assumir as novas tendências de atuação da enfermagem no mercado de trabalho contemporâneo com alteridade.

Os enfermeiros defendem a estabilidade no emprego e as condições de trabalho para o exercício da autonomia, e ainda, que as oportunidades de atuação e as conquistas profissionais promovem tanto nos processos de trabalho da enfermagem instituídos nos cenários em que atuam quanto nas novas tendências do mundo do trabalho, o caminho para a atuação como profissional liberal.

Quanto à forma de ser e agir do enfermeiro, seu perfil instrui a credibilidade e o reconhecimento da autonomia profissional, insurgindo em respeito e confiança com quem interatuam nos cenários. Comunicar-se lhe permite identificar e solucionar as questões da enfermagem com autonomia.

Afirmam e reafirmam a sua autonomia profissional, conscientes dos espaços que podem atuar e onde buscam satisfação pessoal e das pessoas, refletindo sobre suas ações para melhor lidarem com suas decisões e escolhas no exercício da profissão: a governabilidade de si.

Destaca-se a importância que assume o enfermeiro, a partir de sua própria trajetória, no planejamento, organização e direção dos processos de trabalho da enfermagem, especialmente quanto à tomada de decisão em uma atuação responsável.

O estudo apresentou ainda a autonomia como uma ampliação do papel do enfermeiro, em que a enfermagem liberal é tida como uma nova tendência do mercado do trabalho que acolhe processos de trabalho garantidos em lei e clama cada vez mais por profissionais competentes e que se identifiquem com o trabalho que realizam.

Recebido em: 08/06/2010

Aprovado em: 13/04/2011

1 Originado do trabalho de conclusão do Curso de Bacharelado em Enfermagem da Escola de Enfermagem da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), apresentado em 2005.

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  • Endereço da autora:
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      09 Nov 2011
    • Data do Fascículo
      Set 2011

    Histórico

    • Recebido
      08 Jun 2010
    • Aceito
      13 Abr 2011
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