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Ações de saúde mental na região norte do Rio Grande do Sul, Brasil

Acciones de la salud mental en la región norte de Rio Grande do Sul, Brasil

Mental health actions in the north of the state of Rio Grande do Sul, Brazil

Resumos

O objetivo deste estudo é descrever as ações e projetos de intervenção em saúde mental nos serviços de saúde existentes nos municípios da área de abrangência da 15ª Coordenadoria Regional de Saúde. Trata-se de pesquisa qualitativa, exploratória, descritiva. Os dados foram coletados por meio de questionário, com profissionais e gestores que participam de fóruns regionais de saúde mental. A partir da análise do conteúdo emergiram categorias: uma aborda a descrição da atenção em saúde mental nos serviços de saúde, incluindo aspectos relativos aos transtornos mentais, a organização da equipe de saúde mental, as ações desenvolvidas e às dificuldades encontradas; a outra trata dos projetos de intervenção em saúde mental que, de acordo com os sujeitos, deverão ser implementados nos municípios. Foram identificados pontos relevantes da rede regional de atenção na saúde mental que poderão auxiliar no planejamento e na melhoria da assistência.

Saúde mental; Serviços de saúde; Pessoal de saúde


El objetivo de este estudio es describir las actividades y proyectos de intervención en salud mental en los servicios de salud en los municipios de la zona cubierta por la 15ª Regional de Salud. Se trata de un estudio cualitativo, exploratorio y descriptivo. Los datos fueron recolectados en un cuestionario, con profesionales que participan en los foros regionales sobre la salud mental. A través del análisis de contenido se llegó a dos categorías: una trata de la descripción de la atención de la salud mental en los servicios, incluidas las cuestiones relacionadas con los trastornos mentales, la organización del personal de salud mental, las medidas adoptadas y las dificultades encontradas; otro trata de proyectos de intervención en salud mental que, de acuerdo con los sujetos, deben aplicarse en los municipios. Se identificaron los puntos relevantes de la red regional de atención en salud mental.

Salud mental; Servicios de salud; Personal de salud


The objective this study is to describe the actions and intervention projects in mental health in the health services of the cities that are part of Rio Grande do Sul's 15th Regional Health Coordinating Body (15ª Coordenadoria Regional de Saúde). This is an exploratory, descriptive and qualitative research. A questionnaire was applied to health professionals and managers who were part of regional mental health forums. From the content analysis as proposed by Minayo, the following categories emerged: one which describes mental health care in the health services of the municipalities, including aspects related to mental disorders, to the organization of the mental health team, to the main developed actions and to the difficulties found; the other category is about intervention projects in mental health that, according to the subjects, will be implanted in the cities. Relevant points the regional network of mental health care were identified, which will be helpful in planning and improving care.

Mental health; Health services; Health personnel


ARTIGO ORIGINAL

Ações de saúde mental na região norte do Rio Grande do Sul, Brasil

Acciones de la salud mental en la región norte de Rio Grande do Sul, Brasil

Mental health actions in the north of the state of Rio Grande do Sul, Brazil

Ricardo Vianna MartinsI; Maíra RossettoII; Queli Daiane Nogueira SartoriIII; Éder Campos PintoIV; Isabel Cristina Pacheco Van Der SandV; Leila Mariza HildebrandtVI

IDoutor em Psicologia, Docente do Curso de Enfermagem do Centro de Educação Superior do Norte do Rio Grande do Sul (CESNORS) da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), Palmeira das Missões, Rio Grande do Sul, Brasil

IIEnfermeira graduada pelo CESNORS/UFSM, Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil

IIIEnfermeira graduada pelo CESNORS/UFSM, Palmeira das Missões, Rio Grande do Sul, Brasil

IVEnfermeiro graduado pelo CESNORS/UFSM, Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil

VMestre em Enfermagem, Docente do Curso de Enfermagem do CESNORS/UFSM, Palmeira das Missões, Rio Grande do Sul, Brasil

VIMestre em Enfermagem Psiquiátrica, Docente do Curso de Enfermagem do CESNORS/UFSM, Palmeira das Missões, Rio Grande do Sul, Brasil

Endereço para correspondência Endereço da autora: Maíra Rossetto Rua Jeronimo de Ornelas, 527, ap. 03, Santana 90040-341, Porto Alegre, RS E-mail: maira_rossetto@hotmail.com

RESUMO

O objetivo deste estudo é descrever as ações e projetos de intervenção em saúde mental nos serviços de saúde existentes nos municípios da área de abrangência da 15ª Coordenadoria Regional de Saúde. Trata-se de pesquisa qualitativa, exploratória, descritiva. Os dados foram coletados por meio de questionário, com profissionais e gestores que participam de fóruns regionais de saúde mental. A partir da análise do conteúdo emergiram categorias: uma aborda a descrição da atenção em saúde mental nos serviços de saúde, incluindo aspectos relativos aos transtornos mentais, a organização da equipe de saúde mental, as ações desenvolvidas e às dificuldades encontradas; a outra trata dos projetos de intervenção em saúde mental que, de acordo com os sujeitos, deverão ser implementados nos municípios. Foram identificados pontos relevantes da rede regional de atenção na saúde mental que poderão auxiliar no planejamento e na melhoria da assistência.

Descritores: Saúde mental. Serviços de saúde. Pessoal de saúde.

RESUMEN

El objetivo de este estudio es describir las actividades y proyectos de intervención en salud mental en los servicios de salud en los municipios de la zona cubierta por la 15ª Regional de Salud. Se trata de un estudio cualitativo, exploratorio y descriptivo. Los datos fueron recolectados en un cuestionario, con profesionales que participan en los foros regionales sobre la salud mental. A

través del análisis de contenido se llegó a dos categorías: una trata de la descripción de la atención de la salud mental en los servicios, incluidas las cuestiones relacionadas con los trastornos mentales, la organización del personal de salud mental, las medidas adoptadas y las dificultades encontradas; otro trata de proyectos de intervención en salud mental que, de acuerdo con los

sujetos, deben aplicarse en los municipios. Se identificaron los puntos relevantes de la red regional de atención en salud mental.

Descriptores: Salud mental. Servicios de salud. Personal de salud.

ABSTRACT

The objective this study is to describe the actions and intervention projects in mental health in the health services of the cities that are part of Rio Grande do Sul's 15th Regional Health Coordinating Body (15ª Coordenadoria Regional de Saúde). This is an exploratory, descriptive and qualitative research. A questionnaire was applied to health professionals and managers who were part of regional mental health forums. From the content analysis as proposed by Minayo, the following categories emerged: one which describes mental health care in the health services of the municipalities, including aspects related to mental disorders, to the organization of the mental health team, to the main developed actions and to the difficulties found; the other category is

about intervention projects in mental health that, according to the subjects, will be implanted in the cities. Relevant points the regional network of mental health care were identified, which will be helpful in planning and improving care.

Descriptors: Mental health. Health services. Health personnel.

INTRODUÇÃO

A saúde mental vem enfrentando mudança paradigmática desde meados do século passado, momento em que os portadores de sofrimento psiquiátrico eram segregados da sociedade, enclausurados em manicômios, com tratamento baseado em preconceitos científicos e violações aos direitos humanos(1).

Esse modelo assistencial, excludente e segregador, perpetuou-se por longos anos. Somente a partir da década de 1970, desencadearam-se alguns movimentos no Brasil apontando críticas ao modelo manicomial no que se refere à assistência psiquiátrica(2). Na década de 80, o Movimento pela Reforma Psiquiátrica Brasileira ganhou mais força, pois se uniram à luta diferentes atores sociais, como usuários dos serviços, família, profissionais da saúde e sociedade em geral, os quais passaram a integrar as discussões e consolidar a Luta Antimanicomial. A partir daí, ocorreram várias mudanças nas políticas, na legislação e na organização da atenção em saúde mental, apontando a necessidade de equipamentos múltiplos para atender à complexidade do sofrimento psíquico(3).

Esse novo modelo de atenção é pautado na valorização do ser humano e na desinstitucionalização do portador de transtorno mental, incluindo-o na sociedade e oportunizando novas formas de cuidado que superem a intensa medicalização/alienação do sujeito.

Neste contexto, a saúde mental brasileira passa, há mais de uma década, por adequações em seu modelo assistencial e estrutura suas redes para prestar cuidado qualificado em todas as suas instâncias: tanto ambulatorial quanto hospitalar. Nessa proposição, é fundamental o trabalho em rede com uma intensa comunicação entre os serviços, os profissionais e os usuários/familiares visando à qualificação da atenção.

A atenção em saúde mental no Brasil, de acordo com as prerrogativas do Ministério da Saúde, deve se estabelecer em consonância com os princípios e as diretrizes do Sistema Único de Saúde (SUS), envolvendo a rede de atenção básica, os serviços substitutivos e os hospitais gerais. Mais do que uma política de resultados ou de "cura", importa que os sujeitos que chegam a esses serviços tenham, antes de tudo, um acolhimento nas suas singularidades e encontrem aí uma referência(4).

O Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) constitui-se num dos serviços substitutivos, com um atendimento diário em que o usuário segue projeto terapêutico estabelecido, em comum acordo, entre ele, sua família e a equipe do serviço. Isso implica a manutenção da convivência do usuário com a família e a sociedade. Os CAPSs, criados oficialmente pela Portaria 336/2002(5), têm como meta dar andamento objetivo às propostas oriundas da reforma psiquiátrica, que repudiam o modelo asilar excludente e segregador.

Outros serviços também podem ser mencionados, tais como as residências terapêuticas e o programa de volta para casa, que incentivam os portadores de transtornos mentais a terem independência e vida própria, recebendo apoio dos profissionais da saúde e da comunidade. Assim, tanto na atenção básica com os serviços substitutivos quanto na internação hospitalar, não se admite a institucionalização do portador de transtorno mental.

Para além desses serviços, neste novo modelo assistencial é esperado que a rede de atenção básica, incluindo a Estratégia de Saúde da Família, acompanhe as pessoas portadoras de sofrimento mental e sua rede relacional, oportunizando-lhes o suporte de que necessitam.

Pela portaria nº 1174, de 7 de julho de 2005(6), há destinação de recursos para que os municípios desenvolvam o Programa de Qualificação do Atendimento e da Gestão dos CAPS. Neste contexto, a portaria prevê o desenvolvimento de pesquisas e a produção de conhecimento articulados com instituições formadoras de recursos humanos. Assim, baseados principalmente nessa recomendação e na demanda da 15ª Coordenadoria Regional de Saúde (CRS-RS), que solicitava que a universidade colaborasse na implantação e organização dos serviços municipais de atendimento à saúde mental, pensou-se na estruturação de uma rede entre os profissionais da área de saúde mental – psicólogos, psiquiatras, enfermeiras, assistentes sociais, técnicos, etc. – com vistas à troca de informações e à constituição de um grupo com o propósito de discutir e fomentar a formação continuada em saúde mental, mediante cursos, capacitação técnica e humanística, seminários, grupos de estudos e pesquisa.

Nessa direção, esta pesquisa, aliada a um projeto de extensão, teve como objetivo descrever as ações e projetos de intervenção em saúde mental nos serviços de saúde existentes nos municípios da área de abrangência da 15ª CRS. O estudo poderá contribuir para a formulação de propostas de trabalho no campo da saúde mental e para o fortalecimento das já existentes nos municípios adstritos à 15ª CRS.

METODOLOGIA

Este estudo se caracteriza como uma pesquisa qualitativa, descritiva e exploratória(7,8). Para a coleta dos dados, aplicou-se um questionário com seis questões abertas, que foram respondidas pelos integrantes das equipes multiprofissionais de saúde e gestores dos municípios de abrangência da 15ª CRS. O foco incidiu sobre a realidade da saúde mental de cada município, as ações desenvolvidas nessa área, a formação e composição das equipes de saúde, as dificuldades encontradas e os projetos de intervenção planejados para a área de cada município.

De um total de 26 municípios, 23 devolveram o questionário respondido. Os sujeitos deste estudo foram os 70 profissionais de diferentes categorias dos municípios respondentes, dentre os quais 18 enfermeiros, 11 agentes comunitários de saúde, 10 técnicos e auxiliares de enfermagem, oito odontólogos, sete assistentes sociais, seis psicólogos, cinco médicos, três fisioterapeutas e dois terapeutas ocupacionais, e os 23 gestores de saúde desses municípios. Os questionários foram aplicados durante o II Fórum de Saúde Mental, promovido em parceria entre a 15ª CRS e a Universidade Federal de Santa Maria, campus do Centro de Educação Superior do Norte do Rio Grande do Sul (UFSM/CESNORS).

As informações coletadas por meio do questionário foram ordenadas, classificadas e analisadas segundo a proposta da análise do conteúdo(7), que prevê as seguintes etapas: pré-análise, exploração do material, tratamento dos resultados obtidos e interpretação. Por meio do processo analítico, os dados foram agrupados em categorias, em que a primeira trata da descrição dos serviços de saúde mental dos municípios da área de abrangência da 15ª Coordenadoria Regional de Saúde e a segunda aborda os projetos de intervenção em saúde mental dos referidos serviços.

A pesquisa seguiu os preceitos éticos estabelecidos pela Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde(9) e foi aprovada pelo Comitê de Ética e Pesquisa da Universidade Federal de Santa Maria, sob protocolo nº 0095.0.243.000-10. Os indivíduos participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), que foi arquivado juntamente com os questionários, que ficarão à disposição de todos os interessados pelo período de cinco anos.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Buscando atender ao objetivo desta pesquisa, através das informações advindas do estudo emergiram categorias, uma descreve as ações em saúde mental nos serviços de saúde e a outra aborda os projetos de intervenção em saúde mental.

A saúde mental nos serviços de saúde dos municípios da área de abrangência da 15ª Coordenadoria Regional de Saúde

As ações de atenção à saúde mental são orientadas, em parte, pelos tipos de transtornos mentais mais frequentes em cada realidade. Assim, buscou-se identificar tais transtornos, constatando-se que os relacionados ao uso de substâncias psicoativas mostraram-se mais frequentes, a exemplo de álcool e drogas (crack e cigarro). Também foram referenciados a esquizofrenia, o transtorno afetivo bipolar e a depressão.

O consumo de álcool e outras drogas está inserido no cotidiano de grande parte da população mundial. Tal realidade está associada a uma série de situações de risco à saúde e vem sendo observada em diferentes países. Indicativos mostram que cerca de 10% da população dos centros urbanos de todo o mundo consome abusivamente substâncias psicoativas, independentemente de idade, sexo, nível de instrução e poder aquisitivo. Salvo variações sem repercussão epidemiológica significativa, essa realidade encontra equivalência em território brasileiro(10).

Quanto à organização da equipe de saúde mental e à forma como esta atua, os profissionais dos municípios relatam possuir equipes, na sua maioria compostas por enfermeiros, psicólogos, médicos e assistentes sociais, ou organizadas conforme a lógica da Estratégia de Saúde da Família. Algumas contam, ainda, com fisioterapeuta, agentes comunitários de saúde, técnicos de enfermagem, extensionistas rurais, visitadoras da Primeira Infância Melhor, Grupo de Alcoólicos Anônimos, conselheiro tutelar, entre outros.

Dos dados, emerge que o trabalho das equipes está pouco articulado, na medida em que cada profissional trabalha na sua área de atuação e não ocorre planejamento terapêutico para a população atendida. Assim, existe um coletivo que formalmente se estrutura em equipes, mas, de maneira geral, se individualiza e pulveriza sua eficiência, enfrentando dificuldades em atuar no planejamento e organização de ações em saúde mental.

Os profissionais das equipes relatam que:

Sim, possuímos equipe, composta por enfermeira, médico, técnico de enfermagem, psicóloga, assistente social, fisioterapeuta, atuando como ESF (G21).

Não há uma equipe formada, por isso as dificuldades se tornam relevantes [...] (G15).

A proposta do trabalho em equipe tem sido veiculada como estratégia para enfrentar o intenso processo de especialização na área da saúde, que tende a aprofundar verticalmente o conhecimento e a intervenção em aspectos individualizados das necessidades de saúde, sem contemplar simultaneamente a articulação das ações e dos saberes(11). Para que tal verticalização do conhecimento não aconteça, é importante que os profissionais trabalhem com uma lógica de equipe, planejem e implementem medidas de cuidado, valorizando cada área de conhecimento. Desse modo, há necessidade de encontro físico e conceitual, sistemático, entre os diferentes profissionais, com vistas à assistência qualificada, pautada por um referencial comum entre a equipe, o usuário e sua família.

Para trabalhar nessa lógica de equipe, observa-se a relevância do desenvolvimento de Projeto Terapêutico Singular (PTS), que engloba a participação de todos os profissionais, do usuário e sua família, no intuito de fortalecer o vínculo e a confiança entre os atores sociais envolvidos nessa relação. O PTS consiste em encontro em que todas as opiniões são importantes para ajudar a entender o sujeito doente e sua relação com a doença, para a definição de propostas de ações(12). Essa forma de intervenção é utilizada, na atenção em saúde mental, como meio de propiciar atuação integrada da equipe de saúde e de superar a visão vertical da doença, na medida em que trabalha com o conceito de clínica ampliada e visa o atendimento do usuário em sua integralidade.

No tocante às ações desenvolvidas no campo da saúde mental nos diferentes municípios participantes do estudo, os resultados apontam para as visitas domiciliárias, grupos de apoio e, ainda, o atendimento individual e familiar. A visita domiciliária se constitui numa atividade adotada com o intuito de subsidiar a intervenção no processo de saúde-doença de indivíduos ou no planejamento de ações visando à promoção da saúde da coletividade(13).

Esse instrumento é um facilitador da abordagem dos usuários e sua família. Por meio desse recurso, pode-se entender a dinâmica familiar, com o objetivo de verificar as possibilidades de envolvimento da família no tratamento oferecido ao usuário. E mais, pode fornecer aos usuários dos serviços de saúde mental suporte para que possam dar continuidade ao tratamento, evitando assim a re-internação(14).

Os grupos de apoio, em sua maioria, buscam o acompanhamento do paciente e de sua família e, ao mesmo tempo em que se constituem prática terapêutica, também proporcionam a criação de vínculos afetivos entre participantes e profissionais da saúde, o que auxilia no processo de tratamento. O trabalho com grupos constitui um recurso terapêutico importante no campo de saúde mental. Esse dispositivo terapêutico passou a ser mais utilizado a partir da reforma psiquiátrica, tendo por foco a ressocialização do indivíduo em sofrimento psíquico(15).

Os dados também permitem inferir que o atendimento individual e familiar é realizado, na maioria das vezes, pelo psicólogo da unidade básica de saúde de referência. No contexto do estudo, consiste em acompanhamento mensal ou quando o usuário deflagra uma crise. Nos municípios estudados não há psiquiatras vinculados às unidades básicas de saúde, havendo atendimento por médicos clínicos gerais, o que vai ao encontro dos pressupostos da reforma psiquiátrica e da atenção básica em saúde. Nesse espaço, o médico clínico geral tem condições de ofertar o suporte demandado pelos usuários portadores de doença mental, já que, na crise, estes são encaminhados para serviços especializados.

Quanto às dificuldades enfrentadas pelos profissionais na resolução dos problemas de saúde mental, os dados indicam a resistência da família em relação ao tratamento da pessoa portadora de transtorno mental, quando muitas não permitem que o familiar doente seja assistido ou dificultam o seu acesso ao tratamento. Ainda citam a falta de planejamento e organização da rede de referência e contrarreferência dos municípios.

Referente à participação da família, os profissionais relatam que:

Falta comprometimento familiar e que eles assumam o paciente [...] (G3).

Precisamos de mais responsabilidade dos familiares junto ao tratamento [...] (G11).

Depois da reforma psiquiátrica, a saúde mental é pautada no modelo psicossocial, que, dentre outras características, considera o usuário do serviço como uma pessoa em sofrimento psíquico, cujo tratamento deve se dar com seus familiares e no meio social em que vive. Neste sentido, a família deverá exercer um papel de protagonista do cuidado reabilitador psicossocial, sendo parceira no trabalho de atenção à saúde mental(16). Deste modo, a família, assim como usuário portador de transtorno mental, também precisa de acompanhamento e suporte para realizar o cuidado.

A família é vista pelos profissionais da saúde como uma aliada nos cuidados e destaca-se a dificuldade em trabalhar sem seu apoio. No campo da reforma psiquiátrica, a família é considerada um valioso instrumento para a assistência de base comunitária(17). Assim, um projeto de assistência deve ser pensado pela família e equipe de saúde e ambas devem participar do processo de cuidado do usuário. Ressalta-se, ainda, que a família também deverá ser considerada um núcleo a ser cuidado.

Referente às redes de assistência, os sujeitos do estudo mencionam que elas precisam ser melhoradas:

Falta planejamento da rede [...] (G4).

Temos falhas no pós-alta, é difícil o acompanhamento [...] (G5).

Encaminhamos o paciente para uma internação, mas quando ele volta não sabemos o que aconteceu na internação, os medicamentos que usou, os cuidados necessários [...] (G13).

A rede pode ser entendida como um conjunto de nós interconectados(18), que ganha potência se a principal referência para sua produção for o território, pois é nele que se dá a articulação entre diferentes serviços, "os nós da rede" para a formação das diversas redes de assistência. A rede de atenção fragmentada tem, como consequência, o "abandono" da comunidade, pois ao selecionar os problemas com base em uma especialidade, ou, pior, segundo um tipo de "doença mental", as pessoas são abandonadas a si mesmas, com suas vivências, muitas vezes, problematizadas. O vínculo terapêutico, quando existe, é frágil e a responsabilização não é clara.

Seguindo essa lógica de construção de redes segundo um território, trabalha-se com um princípio do Sistema Único de Saúde (SUS), a regionalização da atenção à saúde, que cria espaços assistenciais de uso comum por diversos atores. Na região norte do estado, território deste estudo, pode-se afirmar que há uma ruptura na conectividade dos nós da rede, pois as ações são fragmentadas e os profissionais dos diferentes pontos da rede se inter-relacionam minimamente, fato importante que necessita ser superado.

Projetos de intervenção em saúde mental

Este tema descreve, a partir dos dados obtidos junto aos sujeitos do estudo, as ações que os municípios pretendem desenvolver para a estruturação da atenção em saúde mental. A adoção, neste estudo, do termo "projetos de intervenção" faz referência as ações de cuidado que o serviço de saúde mental de cada município planeja implementar, dentro de uma rede de atenção à saúde regional que se entrelaça, para o assistência aos usuários em sofrimento psíquico. Assim, faz-se a descrição de projetos de intervenção em saúde mental dos municípios e da rede regional de saúde mental.

Quanto aos projetos de intervenção em saúde mental que estão sendo pensados para os municípios da área de abrangência da 15ª CRS, os respondentes indicam que a formação e ampliação da equipe em saúde mental, bem como a composição de grupos terapêuticos de tabagistas, alcoolistas e de autoajuda estão em destaque. Ainda, são citados os projetos de criação de Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) em dois municípios com mais de 20.000 habitantes, conforme previsto na portaria 336/2002(5), ou seja, CAPS I. Outra pretensão é a organização de acompanhamento após a alta hospitalar dos indivíduos portadores de transtorno mental, com a possibilidade de inserção comunitária e no campo de trabalho, com vistas à prevenção de agravos em saúde mental.

Referente aos projetos de intervenção a serem implementados, os sujeitos do estudo assim se posicionam:

Formar uma equipe de saúde mental, com todos sendo capacitados para este fim, melhorando assim o atendimento ao usuário (G15).

Desejamos criar um centro de atendimento em saúde mental em nível local (G4).

Estamos em andamento com o grupo de alcoolismo, que está dando certo, reativação do grupo de AA, grupo de tabagismo, bem como estamos encaminhando o grupo de pacientes psiquiátricos (G12).

Grupo de apoio para dependente químico e seus familiares, bem como para os reingressos, re-internações psiquiátricas, palestras educativas visando à prevenção no uso de substâncias químicas (G21).

Visitas residenciais, qualificação da equipe, grupos terapêuticos, envolvimento da família no tratamento (G22).

Como observado, cada município da região da 15ª CRS, representado neste estudo, constrói seu projeto de atenção em saúde mental baseado em suas necessidades e demandas imediatas. Mas um projeto mais amplo é pensado para a região, como, por exemplo, a construção de uma rede de assistência que atenda aos usuários e familiares, bem como, a implantação dos CAPSs. Essa rede de assistência deve possuir um fluxograma dos usuários, ou seja, por onde esses indivíduos precisam transitar em busca de tratamento, tanto na rede ambulatorial quanto hospitalar.

Outro desafio importante é implementar equipes de saúde mental nas unidades básica de saúde e unidades de saúde da família, qualificadas para atender esse tipo de demanda. Além disso, há a necessidade de aumentar o número de leitos em hospitais gerais para internação das pessoas quando da agudização dos sintomas da enfermidade mental, observando protocolos de entrada e saída em cada serviço de atenção, para que o usuário e o tratamento não se percam "no meio do caminho". Todo esse fluxo deverá ser organizado pela 15ª CRS.

Cabe salientar que os profissionais de saúde mental, os gestores, os profissionais vinculados à 15ª CRS e docentes e discentes da Universidade inserida no contexto do estudo estão articulados no intuito de planejar e organizar a assistência em saúde mental, vislumbrando as propostas do Ministério da Saúde relativas à desinstitucionalização e apoio à estruturação de serviços substitutivos. A organização da rede de assistência é apontada, pelos sujeitos estudados, como uma possível medida para a atenção qualificada aos usuários e seus familiares.

No contexto dos cuidados em saúde mental, os serviços substitutivos se revelam como propostas inovadoras, transformadoras e alternativas viáveis para redefinir a atenção psiquiátrica hospitalocêntrica. Constituem, ainda, uma proposta que, além de inovadora, repolitiza o sujeito e a saúde, de modo a produzir movimentos contra ideológicos e contra-hegemônicos no macro espaço – o contexto das políticas públicas – e no micro espaço – quando alcança os processos de trabalho das equipes, a organização dos serviços, a redefinição das práticas dos trabalhadores e as relações que estabelecem com os sujeitos que os procuram(19).

As ações com vistas à ampliação da rede de assistência, juntamente com um atendimento qualificado e condizente com as propostas do Ministério da Saúde, favorecem a integralidade da atenção e valorizam os usuários acometidos por transtornos psiquiátricos e seus familiares, com incentivo a sua autonomia e valorização da vida. Outras atividades incluem a promoção da saúde por meio de ações de educação em saúde e prevenção de usos de substâncias psicoativas entre a população, especialmente crianças e adolescentes.

CONCLUSÕES

Posto que o objetivo deste estudo foi descrever as ações e projetos de intervenção em saúde mental nos serviços de saúde existentes nos municípios da área de abrangência da 15ª Coordenadoria Regional de Saúde, identificou-se, quanto aos serviços, que as equipes de saúde se encontram pouco estruturadas e realizando ações fragmentadas com atividades como as visitas domiciliárias, grupos de apoio e o atendimento individual e familiar. Encontram também dificuldades relacionadas à resistência familiar no tratamento do portador de transtorno mental e à falta de rede de assistência organizada.

Ainda, quanto aos projetos de intervenção em saúde mental, algumas ações são pensadas para a melhoria da assistência, tais como a criação de CAPS em municípios que comportam esse serviço, estruturação das equipes de saúde e organização do fluxo de pacientes entre os municípios da região, com a perspectiva da formação de uma rede regulada pela 15ª CRS.

Com esta pesquisa, vários dados foram levantados quanto às equipes de saúde mental vinculadas a municípios da abrangência da 15ª CRS, suas dinâmicas de trabalho, dificuldades e potencialidades. Os resultados do presente estudo poderão subsidiar o planejamento de atividades nos fóruns regionais de saúde mental a partir das necessidades que emergem do cotidiano de trabalho destes profissionais, aqui expressas, na perspectiva de contribuir com o fortalecimento da referida área na região.

Destacam-se, neste estudo, alguns fatores limitantes relativos à atenção em saúde mental, dentre os quais a falta de equipes de saúde mental e a ausência de redes assistenciais com referências e contrarreferências organizadas e que se comuniquem entre si, bem como a ausência de serviços substitutivos e desinstitucionalizantes.

Este trabalho não se encerra em si e deixa margem para novas pesquisas, tendo em vista o momento histórico pelo qual passa a saúde mental e o seu amplo contexto na realidade pesquisada. Ressalta-se, também, a valoração que representa o trabalho realizado pelos profissionais e gestores em saúde e sua importância para a construção de um sistema de saúde pautado pelos princípios do SUS e os pressupostos da Reforma Psiquiátrica.

3 Wetzel C, Kantorski LP, Sousa J. Centro de Atenção Psicossocial: trajetória, organização e funcionamento. Rev Enferm UERJ. 2008;16(1):39-45.

Recebido em: 16/05/2011

Aprovado em: 02/03/2012

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  • Endereço da autora:
    Maíra Rossetto
    Rua Jeronimo de Ornelas, 527, ap. 03, Santana
    90040-341, Porto Alegre, RS
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      26 Jul 2012
    • Data do Fascículo
      Mar 2012

    Histórico

    • Recebido
      16 Maio 2011
    • Aceito
      02 Mar 2012
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