Acessibilidade / Reportar erro

Cuidado de enfermagem: percepção dos enfermeiros assistenciais

Atención de enfermería: percepción de los enfermeros asistenciales

Nursing care: how nursing assistants perceive it

Resumos

Pesquisa descritiva, exploratória com abordagem qualitativa realizada em Hospital Universitário da Rede Pública Federal de Fortaleza, Ceará, Brasil. Teve como objetivos compreender a percepção dos enfermeiros assistenciais sobre o cuidado de enfermagem; conhecer as ações desenvolvidas pelos enfermeiros que são reconhecidas como atividades de cuidado. Participaram oito enfermeiras da unidade de terapia intensiva pós-operatória. Utilizou-se como instrumento de coleta de dados um questionário com perguntas abertas e análise ocorreu através da análise de conteúdo com formação de categorias temáticas e um quadro que permitiram a melhor visualização dos resultados. Evidenciou-se que embora conheçam e conceituem o cuidado de enfermagem, as enfermeiras têm dificuldades em realizar o cuidado amplo, talvez por estarem sobrecarregadas por procedimentos técnicos realizados no ambiente hospitalar.

Cuidados de enfermagem; Papel do profissional de enfermagem; Enfermeiras


Investigación descriptiva, exploratoria con enfoque cualitativo llevado a cabo en el Hospital Universitario de la Red Pública Federal de Fortaleza, Ceará, Brasil. Los objetivos fueron: comprender la percepción de los enfermeros asistenciales acerca de la atención de enfermería; conocer las acciones desarrolladas por los enfermeros que son reconocidas como actividades de cuidado. Participaron ocho enfermeras de la unidad de cuidados intensivos postoperatoria. Fue utilizado como instrumento de recolección de datos un cuestionario con preguntas abiertas y el análisis se produjo a través del análisis de contenido con la elaboración de temas y un cuadro que permitieron mejor visualización de los resultados. Fue evidente que a pesar de conocer y conceptualizar la atención de enfermería, las enfermeras tuvieron dificultad para lograr la atención amplia, tal vez porque quedaron sobrecargadas con procedimientos técnicos realizados en el entorno hospitalario.

Atención de enfermería; Rol de la enfermera; Enfermeras


This is a descriptive, exploratory study wih a qualitative approach performed in a University Hospital from the Federal Public Network of the city of Fortaleza, state of Ceará, Brazil. It aimed to understand how nursing assistants perceive nursing care amd to know the actions performed by nurses that are recognized as care activities. Eight nurses from the Surgical Intensive Care Unit participated in the study. A questionnaire with open questions was used as an instrument of data collection. Analysis was performed through content analysis with the formation of thematic categories and a framework that allowed the best visualization of results. Results show that, although they know and conceptualize nursing care, nurses have difficulties in achieving the larger care, maybe because they are overloaded with technical procedures performed in hospital environments.

Nursing care; Nurse's role; Nurses


ARTIGO ORIGINAL

Cuidado de enfermagem: percepção dos enfermeiros assistenciais

Atención de enfermería: percepción de los enfermeros asistenciales

Nursing care: how nursing assistants perceive it

Maria Cristina Leite Araújo BorgesI; Lucilane Maria Sales da SilvaII; Ana Virginia de Melo FialhoIII; Lucia de Fátima da SilvaIII

IMestre em Cuidados Clínicos em Enfermagem e Saúde, Enfermeira do Hospital Universitário Walter Cantídio, Fortaleza, Ceará, Brasil

IIPós-Doutora em Enfermagem, Docente do Programa de Pós-Graduação em Cuidados Clínicos em Enfermagem e Saúde da Universidade Estadual do Ceará (UECE), Fortaleza, Ceará, Brasil

IIIDoutora em Enfermagem, Docente do Programa de Pós-Graduação em Cuidados Clínicos em Enfermagem e Saúde da UECE, Fortaleza, Ceará, Brasil

Endereço para correspondência Endereço da autora: Maria Cristina Leite Araújo Borges Rua Capitão Francisco Pedro, 1290, Rodolfo Teófilo 60430-370, Fortaleza, CE E-mail: mcristinaborges@hotmail.com

RESUMO

Pesquisa descritiva, exploratória com abordagem qualitativa realizada em Hospital Universitário da Rede Pública Federal de Fortaleza, Ceará, Brasil. Teve como objetivos compreender a percepção dos enfermeiros assistenciais sobre o cuidado de enfermagem; conhecer as ações desenvolvidas pelos enfermeiros que são reconhecidas como atividades de cuidado. Participaram oito enfermeiras da unidade de terapia intensiva pós-operatória. Utilizou-se como instrumento de coleta de dados um questionário com perguntas abertas e análise ocorreu através da análise de conteúdo com formação de categorias temáticas e um quadro que permitiram a melhor visualização dos resultados. Evidenciou-se que embora conheçam e conceituem o cuidado de enfermagem, as enfermeiras têm dificuldades em realizar o cuidado amplo, talvez por estarem sobrecarregadas por procedimentos técnicos realizados no ambiente hospitalar.

Descritores: Cuidados de enfermagem. Papel do profissional de enfermagem. Enfermeiras.

RESUMEN

Investigación descriptiva, exploratoria con enfoque cualitativo llevado a cabo en el Hospital Universitario de la Red Pública Federal de Fortaleza, Ceará, Brasil. Los objetivos fueron: comprender la percepción de los enfermeros asistenciales acerca de la atención de enfermería; conocer las acciones desarrolladas por los enfermeros que son reconocidas como actividades de cuidado.

Participaron ocho enfermeras de la unidad de cuidados intensivos postoperatoria. Fue utilizado como instrumento de recolección de datos un cuestionario con preguntas abiertas y el análisis se produjo a través del análisis de contenido con la elaboración de temas y un cuadro que permitieron mejor visualización de los resultados. Fue evidente que a pesar de conocer y conceptualizar la atención de enfermería, las enfermeras tuvieron dificultad para lograr la atención amplia, tal vez porque quedaron sobrecargadas con procedimientos técnicos realizados en el entorno hospitalario.

Descriptores: Atención de enfermería. Rol de la enfermera. Enfermeras.

ABSTRACT

This is a descriptive, exploratory study wih a qualitative approach performed in a University Hospital from the Federal Public Network of the city of Fortaleza, state of Ceará, Brazil. It aimed to understand how nursing assistants perceive nursing care amd to know the actions performed by nurses that are recognized as care activities. Eight nurses from the Surgical Intensive

Care Unit participated in the study. A questionnaire with open questions was used as an instrument of data collection. Analysis was performed through content analysis with the formation of thematic categories and a framework that allowed the best visualization of results. Results show that, although they know and conceptualize nursing care, nurses have difficulties in achieving the larger care, maybe because they are overloaded with technical procedures performed in hospital environments.

Descriptors: Nursing care. Nurse's role. Nurses.

INTRODUÇÃO

Na área de saúde, nos deparamos diariamente com situações de cuidado, em todo e qualquer nível de atenção e em qualquer espaço, estamos situados entre pessoas que necessitam de assistência e, mais que isto, de cuidados no sentido amplo da palavra.

A noção de cuidado, em sentido amplo e para além da correção de distúrbios bio-orgânicos, pode levar para a assistência as mais legítimas aspirações por saúde de indivíduos e populações. Assim, o cuidado é uma associação de tecnologias, articulação entre profissionais e ambientes terapêuticos, com o intuito de atender as necessidades peculiares de cada indivíduo(1).

O cuidado se constitui na condição da nossa humanidade, sendo essencial para o desenvolvimento do ser. Refletir sobre o cuidado conduz a questionamentos sobre o que é o cuidado, por que e para quem cuidar, o que muitas vezes leva a diversos significados, sem uma concepção clara e definida. Cuidar é estar com o outro em momentos especiais da vida e das relações como no nascimento, na promoção e recuperação da saúde e, inclusive, na própria morte(2,3). Assim, o cuidado extrapola a perspectiva da enfermagem, sendo uma condição humana.

O conceito de cuidado é amplo e vem sendo discutido, ao longo dos tempos, pela filosofia e, também, pela enfermagem. O tema tem sido frequente em teses de doutorado que buscam fundamentar o conceito como objeto de estudo e trabalho dos enfermeiros sendo esta uma discussão comum no meio acadêmico.

Embora existam divergências ao se considerar o cuidado como objeto, essência e foco da enfermagem, é necessário explorarmos cada vez mais o seu significado. É fato que a enfermagem se caracteriza com a profissionalização do cuidado, através da aquisição e aplicação de conhecimentos que subsidiam a sua prática nos diversos campos de atuação(2).

Para alguns autores sobre o tema, embora os enfermeiros denominem o cuidado como a essência da enfermagem, muitos profissionais não têm percebido com clareza suficiente quais as suas características e finalidades(4). Diante disto, nos questionamos: qual a percepção e o conceito de cuidado para os enfermeiros assistenciais? Será que os enfermeiros que estão efetivamente ao lado do paciente, prestando cuidados de enfermagem, conseguem definir o tema?

Para responder a estas questões, objetivamos com este artigo, compreender a percepção dos enfermeiros assistenciais sobre o cuidado de enfermagem e conhecer as ações desenvolvidas pelos enfermeiros que são reconhecidas como atividades de cuidado.

METODOLOGIA

Trata-se de uma pesquisa descritiva, exploratória com abordagem qualitativa que é aquela que se aplica ao estudo da história, das relações, das percepções e opiniões que os seres humanos fazem de como vivem, sentem e pensam(5). Foi realizada na unidade de pós-operatório de um hospital-escola público da rede federal de Fortaleza, Ceará, que é parte integrante da Universidade Federal do Ceará. A escolha do local se deu por este ser um importante campo de formação de diversos cursos de graduação e pós-graduação da universidade, inclusive, para o curso de enfermagem.

Os sujeitos foram escolhidos por amostragem intencional, utilizando como critérios de inclusão, ser enfermeiro atuante na unidade de terapia intensiva pós-operatória do hospital, ter disponibilidade para responder o questionário e aceitar participar da pesquisa através da assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Do total de dez enfermeiras da unidade, oito aceitaram participar da pesquisa, já que duas enfermeiras estavam ausentes do setor, por licença médica, no período de coleta dos dados.

A coleta de dados ocorreu no mês de novembro de 2010, através de questionário composto por dados de identificação e duas perguntas abertas que foram entregues as participantes, permitindo-lhes a livre descrição dos pensamentos e sentimentos, e recolhidos imediatamente após o preenchimento. A análise dos dados, ocorreu pela análise de conteúdo, que diz respeito à técnica de pesquisa que permite a replicação e validade de inferências de dados de um contexto, por meio de procedimentos científicos(5) com agrupamento em categorias temáticas e um quadro e discutidos à luz da literatura. Para melhor compreensão e garantia da privacidade dos participantes, as falas foram identificadas pela letra E, seguida do número de ordem.

O trabalho foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa da instituição, tendo sido aprovado (098.09.10). Os aspectos éticos foram respeitados conforme Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde(6).

APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO

Os sujeitos da pesquisa foram oito enfermeiras, com idade média de 39,6 anos (± 4,1), com tempo de graduação que varia entre 11 e 22 anos, com média de 16 anos (± 3,8) e que trabalham no setor em média há 7,6 anos (± 3,39). Todas são pós-graduadas em pelo menos uma área em enfermagem, sendo que duas delas possuem duas especializações e uma possui mestrado. Duas enfermeiras são mestrandas.

Apresentação das categorias da análise de conteúdo

As respostas foram agrupadas em categorias temáticas foram elas: cuidado de enfermagem: atendimento das necessidades humanas básicas e gerenciamento do cuidado; cuidado de enfermagem: trabalho em equipe e processo interativo; cuidado de enfermagem: perspectiva emancipatória; cuidado de enfermagem: sentido amplo.

Cuidado de enfermagem: atendimento das necessidades humanas básicas e gerenciamento do cuidado

Esta categoria temática foi assim denominada porque descreve a compreensão das enfermeiras sobre o cuidado. Para elas, cuidar é desenvolver ações diretas ou indiretas, que visam atender as necessidades dos pacientes.

Ações voltadas para as necessidades do paciente de forma holística, enfatizando a segurança... (E.1).

[...] procedimentos que visem atender as necessidades físicas, biológicas, espirituais e psicológicas (E.2).

Ações desenvolvidas após a identificação das necessidades do cliente [indivíduo, família, comunidade] (E.6).

[...] proporcionar conforto, continuidade terapêutica, segurança e bem-estar (E.3).

Percebemos que as enfermeiras retratam o cuidado de enfermagem como o atendimento às necessidades humanas básicas. Este conceito foi inicialmente apresentado pela enfermeira brasileira Wanda de Aguiar Horta em sua teoria denominada Teoria das Necessidades Humanas Básicas. Esta teoria identifica o processo de sistematização da assistência de enfermagem em seis fases interligadas, são elas: histórico de enfermagem, diagnóstico de enfermagem, plano assistencial, prescrição de enfermagem, evolução e prognóstico(7). É provável que a lembrança por este conceito resulte do maior conhecimento das enfermeiras sobre esta teoria, que foi a pioneira dentre as brasileiras.

As falas também enfatizam que o cuidado de enfermagem inclui medidas de conforto e segurança. Mais uma vez vemos conceitos importantes serem lembrados, já que alguns teóricos da enfermagem se reportaram ao termo conforto definindo-o como estado de alívio, encorajamento e, ratificam que ele pode ser definido por aspectos de natureza física, social, psicológica, espiritual e ambiental. Assim, o conforto não é apenas um conceito, mas sim um complexo constructo de interesse para a enfermagem(8).

É interessante notar que o conceito de conforto, na perspectiva dos sujeitos, tem sido muito abordado em situações de saúde, doenças crônicas e de fases pré e pós-operatório(8), que são exatamente a clientela mais freqüente da unidade onde atuam as enfermeiras pesquisadas. O conceito de segurança também foi lembrado no sentido de garantir o princípio bioético da não maleficência.

Como ações que visam atender as necessidades básicas dos pacientes, as entrevistadas consideraram que o cuidado não ocorre apenas através de ações diretas. Para elas, o cuidado também resulta de ações indiretas, ou seja, relacionadas à gerência do cuidado de enfermagem.

[...] é o gerenciamento da prática (E.1).

Todo e qualquer procedimento, quer seja técnico ou administrativo, que vise atender as necessidades do paciente (E.2).

[...] significa prestar assistência de enfermagem, ou seja, realizar atividades administrativas e/ou assistenciais voltadas diretamente ou indiretamente para o ser humano (E.7).

As depoentes lembraram a importância do gerenciamento da assistência de enfermagem no que diz respeito aos aspectos técnicos, administrativos e humanos. O enfermeiro assistencial, enquanto coordenador da equipe de enfermagem, gerencia o cuidado prestado pela equipe e assegura ao paciente as condições necessárias para o seu atendimento.

O diferencial do gerenciamento feito pelos enfermeiros como sendo, de fato, o gerenciamento do cuidado será o seu posicionamento diante do modo como desenvolvem o seu trabalho(9). Para isto, os enfermeiros devem ter como alvo as necessidades do pacientes com relatado nos depoimentos. Assim, as ações de cuidado direto e indireto devem estar integradas. O enfermeiro ao desenvolver estas ações deverá utilizar conhecimento científico e compromisso ético.

Cuidado de enfermagem: trabalho em equipe e processo interativo

Nesta categoria, as entrevistadas definem o cuidado de enfermagem como um trabalho inerente a equipe, além disso, caracterizam o cuidado como um processo interativo.

É o cuidado prestado ao paciente pela equipe de enfermagem (E.3).

[...] procedimentos centrados na pessoa humana, a partir do relacionamento com outro ser (E.4).

[...] envolve as relações interpessoais, a subjetividade e o respeito mútuo (E.8).

Foi lembrado nesta temática o cuidado de enfermagem enquanto um trabalho em equipe já que é realizado por pessoas com diferentes níveis de formação que prestam assistência ao paciente, cada um com a sua importância e de acordo com as respectivas responsabilidades legais.

A participação de diversos profissionais no cuidado à saúde propicia o envolvimento de todos os componentes da equipe e favorece a disponibilidade destes profissionais(10). Assim, o processo de trabalho em enfermagem é desenvolvido em equipe e, espera-se do enfermeiro, que ele tenha competência para exercer a liderança e a habilidade em influenciá-la em prol dos objetivos identificados como sendo de bem comum(11).

O cuidado também foi descrito como um processo de relacionamento humano, interativo, ou seja, uma relação entre o cuidador e o ser cuidado, onde ambos se transformam à medida que o cuidado acontece(12).

Ressaltamos que o estabelecimento de uma relação adequada entre o profissional e o usuário dos serviços, contribui para a humanização da assistência, pois o cuidar pressupõe além do saber técnico, ele demanda um olhar amplo que permita conhecer o ser humano em sua totalidade. Ou seja, o cuidado é relacional(10,12,13).

Cuidado de enfermagem: perspectiva emancipatória

Esta categoria temática reflete a visão das enfermeiras sobre o cuidado em uma perspectiva emancipatória. As enfermeiras consideram que o cuidado de enfermagem oferece a oportunidade de autonomia ao paciente. Assim, ao cuidador, cabe auxiliar o ser a tornar-se independente e, desta maneira, a assumir o próprio cuidado.

É torná-lo o mais independente possível deste cuidado, tornando-o autônomo para cuidar de sua própria saúde (E.5).

[...] buscando a autonomização do sujeito que está sendo cuidado (E.8).

As falas nos reportam a teoria de déficit de autocuidado de Dorotéa Orem. Esta teorista criou um tipo de sistematização, onde o enfermeiro intervém naquelas situações em que o paciente não pode agir por si só, ou seja, quando ele possui um déficit de autocuidado. O grau de dependência do paciente pode ser determinado por três níveis, são eles: o totalmente compensatório, quando o indivíduo não pode realizar suas atividades de autocuidado, o parcialmente compensatório, que é quando o enfermeiro e o paciente atuam conjuntamente para realizar estas atividades e o de apoio-educação no qual o paciente é estimulado a assumir o seu próprio cuidado(14). Nos depoimentos, vemos que o cuidado é definido como um evento temporário, que estimula o paciente a tornar-se independente.

Cuidado de enfermagem: sentido amplo

Esta categoria temática foi assim denominada por apresentar as falas que refletem o cuidado numa visão ampliada.

É o compromisso e a responsabilidade de cuidar de alguém fragilizado, é acolhê-lo, escutá-lo e também proteger e resgatar juntamente com este ser, sua condição de uma boa saúde (E.5).

O cuidado de enfermagem vai muito mais além do que o simples assistir, ajudar o indivíduo em suas necessidades humanas básicas, vai além do saber estruturado e das tecnologias duras [...] (E.8).

Os depoimentos referem o cuidado de enfermagem numa perspectiva ampla que abrange tecnologias leves, já que, o trabalho em saúde não pode ser visualizado na lógica do trabalho morto, expresso em equipamentos e saberes tecnológicos, mas acontece em processos de intervenção em ato, com tecnologias de relações, de encontros de subjetividades(15). As enfermeiras em seus depoimentos, concluem que o cuidado de enfermagem é amplo, envolve mais do que um simples "fazer," envolve compromisso, responsabilidade, conhecimento, vinculo e acolhimento.

Na segunda parte do questionário, foi solicitado às pesquisadas que enumerassem em suas dinâmicas de trabalho, as ações que consideram cuidados de enfermagem, as respostas foram organizadas na Tabela 1 a seguir.

Foram enumerados, pelas enfermeiras, cinco grupos de ações consideradas como "cuidado de enfermagem". A supervisão da equipe foi enumerada uma vez, o uso de tecnologias leves (citadas como sendo: acolher, orientar, conversar) foi lembrado três vezes; a identificação de Necessidades Humanas Básicas (NBHs) foi lembrada quatro vezes; a realização e a implementação da Sistematização da Assistência de Enfermagem foi citada cinco vezes e a realização de procedimentos técnicos (descritas como: realização de curativos, aspiração de secreções, higienização do paciente, administração e aprazamento de medicamentos, passagem de sondas, punções venosas, mudanças de decúbito, coleta e realização de exames) foi lembrada dezoito vezes.

Ao relacionarmos a Tabela 1 com as falas das entrevistadas, vemos que, embora as profissionais tenham definido o cuidado de forma ampla, com vistas ao atendimento do ser humano de forma holística, ao enumerarem as atividades de cuidado que realizam, houve predomínio de procedimentos técnicos, em detrimento do uso das tecnologias leves.

Pensar no cenário hospitalar como lócus para o cuidado de enfermagem e para as tecnologias leves a ele incorporadas implica em conhecer esta realidade e refletir sobre ela para posicionar-se diante deste contexto de trabalho próprio que gera implicações para o cuidado de enfermagem(16).

Assim, é preciso pensar no hospital também como espaço de cuidado amplo que envolve tecnologias leves, inclusive. Este posicionamento, não pode estar somente no discurso dos profissionais, mas deve estar incorporado à sua realidade da assistência de forma indissociável.

Outro ponto a ser observado é que, embora enumerem como ações de cuidado a realização e implementação da Sistematização da Assistência de Enfermagem (SAE), o setor onde estas profissionais trabalham não tem todas as fases do processo implantadas. Ou seja, embora elas reconheçam a SAE como um "cuidado de enfermagem", não a realizam de forma completa.

O fato é preocupante, pois a aplicação do processo de enfermagem possibilita ao enfermeiro a prestação de cuidados individualizados centrada nas necessidades humanas básicas e norteia a tomada de decisões em várias situações vivenciadas pelo enfermeiro enquanto coordenador da equipe de enfermagem(17), ou seja, embora, os enfermeiros possam utilizar esta importante ferramenta para orientar seu trabalho, observamos dificuldades na implantação da SAE em todas as suas fases.

Sobre a necessidade de se implantar a SAE em hospitais escola, estudiosos(17) em trabalho realizado em 2005, lembram que o hospital universitário, campo fundamental às práticas de enfermagem, deveria priorizar e adotar um modelo de assistência de enfermagem que proporcione condições essenciais para a formação do enfermeiro, fato que diverge da realidade encontrada naquele estudo e corroborada por este.

Sem dúvida, a aplicação do processo de enfermagem irá proporcionar aos alunos e profissionais de enfermagem oportunidades de conhecer e aplicar uma assistência qualificada, entretanto, para que isto ocorra, é necessário realizar um diagnóstico do trabalho da equipe de enfermagem, ressaltando o preparo técnico e científico sobre o processo de enfermagem, bem como os problemas existentes da não aplicação deste(17).

É importante ressaltarmos que toda e qualquer perspectiva de mudança que vise à melhoria da qualidade da assistência deve apostar em processos interacionais re-significados entre os usuários dos serviços e os profissionais, analisando os obstáculos e potencialidades mediante as experiências dos sujeitos, visando uma produção de cuidados mais ampla(18).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Embora muitos teóricos considerem o conhecimento dos enfermeiros sobre o cuidado seja superficial, o que pudemos perceber, através da análise das falas, é que o cuidado aparece sobre muitas formas no cotidiano destas enfermeiras assistenciais.

Para elas, o cuidado de enfermagem são ações que visam: atender as necessidades humanas básicas e gerenciar o cuidado; realizar um trabalho em equipe sendo, portanto, um processo amplo e interativo, baseado em conhecimento científico.

O que percebemos é que as enfermeiras, embora conheçam e conceituem o cuidado de enfermagem, têm dificuldades em realizar este cuidado amplo, talvez por estarem sobrecarregadas por procedimentos técnicos realizados no ambiente hospitalar.

Parece-nos claro que existe uma dicotomia entre o que se deseja ser o cuidado de enfermagem "idealizado" e o que de fato se consegue desenvolver na prática cotidiana vivenciada por estas profissionais.

Estes resultados devem nos levar a reflexões sobre os limites e possibilidades do cuidado de enfermagem, onde se possa unir o pensar e o fazer. A congruência destes dois aspectos trará aos enfermeiros maior satisfação com o seu trabalho e, certamente, maior visibilidade à profissão, além de contribuir para um cuidado integral que tanto se deseja vivenciar, tanto pelos profissionais quanto pelos usuários dos serviços de saúde.

Recebido em: 07/02/2011

Aprovado em: 01/03/2012

  • 1. Ayres JRCM. Cuidado: tecnologia ou sabedoria prática? Interface Comun Saúde Educ. 2000;4(6):117-23.
  • 2. Waldow VR. Cuidar: expressão humanizadora da enfermagem. Petrópolis: Vozes; 2006.
  • 3. Souza ML, Sartor VVB, Padilha MICS, Prado ML. O cuidado de enfermagem: uma aproximação teórica. Texto Contexto Enferm. 2005;14(2):266-70.
  • 4. Bub MBC, Medrano C, Silva CD, Wink S, Liss PE, Santos EKA. A noção de cuidado de si mesmo e o conceito de autocuidado na enfermagem. Texto Contexto Enferm. 2006;15(n esp):152-7.
  • 5. Minayo MCS. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. 11ª ed. São Paulo: Hucitec; 2008.
  • 6
    Ministério da Saúde (BR), Conselho Nacional de Saúde. Resolução 196, de 10 de outubro de 1996: diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisa envolvendo seres humanos. Brasília (DF); 1996.
  • 7. Dell'Aqua MCQ, Miyadahira AMK. Ensino do processo de enfermagem nas escolas de graduação em enfermagem do estado de São Paulo. Rev Latino-Am Enfermagem. 2002;10(2):185-91.
  • 8. Mussi FC. Conforto: revisão de literatura. Rev Esc Enferm USP. 1996;30(2):254-66.
  • 9. Rossi FR, Lima MADS. Fundamentos gerenciais para a prática do cuidado. Rev Esc Enferm USP. 2005;39(4):460-8.
  • 10. Hoga LAK. A dimensão do profissional na humanização da assistência à saúde. Rev Esc Enferm USP. 2004;38(1):13-20.
  • 11. Rocha CL, Oliveira DOS, Galli MC, Santos NEC. Liderança na gestão de pessoas: competências requeridas pelo enfermeiro. In: Cunha KC, coordenadora. Gerenciamento na enfermagem: novas práticas e competências. São Paulo: Martinari; 2005. p. 43-9.
  • 12. Paes MR, Maftum MA, Mantovani MF. Cuidado de enfermagem ao paciente com comorbidade clínico-psiquiátrica em um pronto atendimento hospitalar. Rev Gaúcha Enferm. 2010;31(2):277-84.
  • 13. Wendhausen ALP, Rivera S. O cuidado como princípio ético do trabalho em enfermagem. Texto Contexto Enferm. 2005;14(1):111-9.
  • 14. Ramos IC, Chagas NR, Freitas MC, Monteiro ARM, Leite ACS. A teoria de Orem e o cuidado ao paciente renal crônico. Rev Enferm UERJ. 2007;15(2):444-9.
  • 15. Merhy EE. Em busca de ferramentas analisadoras das tecnologias em saúde: a informação e o dia a dia de um serviço, interrogando e gerindo trabalho em saúde. In: Merhy EE, Onocko R, organizadores. Agir em saúde: um desafio para o público. São Paulo: Hucitec; 1997. p. 113-60.
  • 16. Silva DC, Alvim NAT, Figueiredo PA. Tecnologias leves em saúde e sua relação com o cuidado de enfermagem hospitalar. Esc Anna Nery. 2008;12(2):291-8.
  • 17. Andrade JS, Vieira MJ. Prática assistencial de enfermagem: problemas, perspectivas e necessidade de sistematização. Rev Bras Enferm. 2005;58(3):261-5.
  • 18. Fontana RT. Humanização no processo de trabalho em enfermagem: uma reflexão. Rev RENE. 2010;11(1):200-7.
  • Endereço da autora:
    Maria Cristina Leite Araújo Borges
    Rua Capitão Francisco Pedro, 1290, Rodolfo Teófilo
    60430-370, Fortaleza, CE
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      27 Jul 2012
    • Data do Fascículo
      Mar 2012

    Histórico

    • Recebido
      07 Fev 2011
    • Aceito
      01 Mar 2012
    Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Escola de Enfermagem Rua São Manoel, 963 -Campus da Saúde , 90.620-110 - Porto Alegre - RS - Brasil, Fone: (55 51) 3308-5242 / Fax: (55 51) 3308-5436 - Porto Alegre - RS - Brazil
    E-mail: revista@enf.ufrgs.br