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Percepções da equipe de enfermagem sobre seu trabalho em uma unidade de queimados

La percepción del personal de enfermería de su trabajo en una unidad de quemados

How the nursing staff perceives work in a burn unit

Resumos

O objetivo do estudo foi analisar a percepção dos profissionais de enfermagem sobre o seu trabalho em uma Unidade de Tratamento ao Queimado de um hospital público no Rio Grande do Sul. Trata-se de um estudo com abordagem qualitativa, desenvolvido a partir de entrevistas semi-estruturadas com 20 profissionais da equipe de enfermagem. A análise dos dados possibilitou a emergência de três categorias: O significado de trabalhar em uma Unidade de Tratamento ao Queimado; Dificuldades enfrentadas no cotidiano do trabalho; Estratégias utilizadas pela enfermagem no exercício do trabalho. Conclui-se que é dever das instituições, onde as Unidades de Tratamento ao Queimado estão locadas, proporcionar espaços de apoio psicológico no atendimento às demandas dos profissionais que prestam assistência às vítimas de trauma térmico. Às instituições de ensino, enfatiza-se a necessidade de dar maior ênfase a essa área durante a formação dos futuros profissionais.

Equipe de enfermagem; Trabalhadores; Percepção; Queimaduras; Hospitalização


El objetivo de este estudio fue analizar la percepción de las enfermeras acerca de su trabajo en una planta de aguas residuales de un hospital de quemados público de Rio Grande do Sul. Estudio con enfoque cualitativo, desarrollado a partir de entrevistas semi-estructuradas con 20 profesionales del personal de enfermería. El análisis de los datos permitió la aparición de tres categorías: El sentido del trabajo en una Unidad de Tratamiento de Quemados; Dificultades en el trabajo diario, Las estrategias utilizadas por las enfermeras en el desempeño laboral. Llegamos a la conclusión de que es deber de las instituciones, en las Unidades de Tratamiento de Quemados que se alquilan, ofrecer espacios de apoyo psicológico para atender las demandas de los profesionales que asisten a las víctimas de trauma térmico. Instituciones educativas, haciendo hincapié en la necesidad de un mayor énfasis a esta área durante la formación de futuros profesionales.

Grupo de enfermería; Trabajadores; Percepción; Quemaduras; Hospitalización


The aim of this study is to analyze nurses' perception regarding their work in a Burn Unit of a public hospital in the state of Rio Grande do Sul, Brazil. This is a study with a qualitative approach, developed from semi-structured interviews with 20 professionals of the hospital's nursing staff. From the data analysis three categories emerged: The meaning of work in a Burn Unit; Difficulties encountered in daily work; Strategies used by nurses in their work performance. We conclude that it is the duty of the institutions where Burn Units are located to provide spaces for psychological support in attending the demands of professionals who assist victims of thermal trauma. We emphasize the need for educational institutions to place a greater emphasis in this area during the training of future professionals.

Nursing, team; Workers; Perception; Burns; Hospitalization


ARTIGO ORIGINAL

Percepções da equipe de enfermagem sobre seu trabalho em uma unidade de queimados1 1 Originado do trabalho de conclusão do Curso de Enfermagem da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), apresentado em 2007.

La percepción del personal de enfermería de su trabajo en una unidad de quemados

How the nursing staff perceives work in a burn unit

Maria de Lourdes Custódio DuarteI; Luciana LemosII; Lisiane Nunes Nunes ZaniniIII; Zoraide Immich WagnesIV

IEnfermeira, Professora Assistente da Universidade Federal do Pampa (Unipampa), Doutoranda em Enfermagem pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil

IIEspecialista em Urgência e Emergência, Enfermeira Assistencial do Grupo Hospitalar Conceição, Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil

IIIEspecialista em Gerenciamento dos Serviços de Enfermagem, Enfermeira do Apoio Gerencial do Hospital São José do Setor de Neurorradiologia Intervencionista, Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil

IVEnfermeira Assistencial da Unidade de Terapia Intensiva do Hospital Pronto Socorro, Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil

Endereço para correspondência Endereço da autora Maria de Lourdes Custódio Duarte Rua Gonçalves Ledo, 20, ap. 203, Partenon 90610-250, Porto Alegre, RS E-mail: malulcd@yahoo.com.br

RESUMO

O objetivo do estudo foi analisar a percepção dos profissionais de enfermagem sobre o seu trabalho em uma Unidade de Tratamento ao Queimado de um hospital público no Rio Grande do Sul. Trata-se de um estudo com abordagem qualitativa, desenvolvido a partir de entrevistas semi-estruturadas com 20 profissionais da equipe de enfermagem. A análise dos dados possibilitou a emergência de três categorias: O significado de trabalhar em uma Unidade de Tratamento ao Queimado; Dificuldades enfrentadas no cotidiano do trabalho; Estratégias utilizadas pela enfermagem no exercício do trabalho. Conclui-se que é dever das instituições, onde as Unidades de Tratamento ao Queimado estão locadas, proporcionar espaços de apoio psicológico no atendimento às demandas dos profissionais que prestam assistência às vítimas de trauma térmico. Às instituições de ensino, enfatiza-se a necessidade de dar maior ênfase a essa área durante a formação dos futuros profissionais.

Descritores: Equipe de enfermagem. Trabalhadores. Percepção. Queimaduras. Hospitalização.

RESUMEN

El objetivo de este estudio fue analizar la percepción de las enfermeras acerca de su trabajo en una planta de aguas residuales de un hospital de quemados público de Rio Grande do Sul. Estudio con enfoque cualitativo, desarrollado a partir de entrevistas semi-estructuradas con 20 profesionales del personal de enfermería. El análisis de los datos permitió la aparición de tres categorías: El sentido del trabajo en una Unidad de Tratamiento de Quemados; Dificultades en el trabajo diario, Las estrategias utilizadas por las enfermeras en el desempeño laboral. Llegamos a la conclusión de que es deber de las instituciones, en las Unidades de Tratamiento de Quemados que se alquilan, ofrecer espacios de apoyo psicológico para atender las demandas de los profesionales que asisten a las víctimas de trauma térmico. Instituciones educativas, haciendo hincapié en la necesidad de

un mayor énfasis a esta área durante la formación de futuros profesionales.

Descriptores: Grupo de enfermería. Trabajadores. Percepción. Quemaduras. Hospitalización.

ABSTRACT

The aim of this study is to analyze nurses' perception regarding their work in a Burn Unit of a public hospital in the state of Rio Grande do Sul, Brazil. This is a study with a qualitative approach, developed from semi-structured interviews with 20 professionals of the hospital's nursing staff. From the data analysis three categories emerged: The meaning of work in a Burn Unit; Difficulties encountered in daily work; Strategies used by nurses in their work performance. We conclude that it is the duty of the institutions where Burn Units are located to provide spaces for psychological support in attending the demands of professionals who assist victims of thermal trauma. We emphasize the need for educational institutions to place a greater emphasis in this area during the training of future professionals.

Descriptors: Nursing, team. Workers. Perception. Burns. Hospitalization.

INTRODUÇÃO

Este artigo tem sua origem no trabalho de conclusão de Curso de Enfermagem da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), tendo como finalidade conhecer a percepção dos profissionais de enfermagem sobre o seu trabalho em uma Unidade de Queimados(1).

Queimaduras são feridas traumáticas causadas, na maioria das vezes, por agentes térmicos, químicos, elétricos ou radioativos. Atuam nos tecidos de revestimento do corpo humano, determinando destruição parcial ou total da pele e seus anexos, podendo atingir camadas mais profundas como tecido celular subcutâneo, músculos, tendões e ossos(2).

O tratamento de queimaduras caracteriza-se por dor persistente, principalmente durante a troca de curativos, sendo causada, de início, pela ação direta dos estímulos calóricos sobre as terminações nervosas e, posteriormente, pela exposição destes filetes aos diversos estímulos do meio ambiente. Nesta fase, a retirada de tecido necrótico da área queimada expõe, novamente, os filetes nervosos, aumentando a dor(2,3).

O ser humano, que passa pelo trauma térmico, torna-se um paciente extremamente difícil e complexo de cuidar(4). Os primeiros momentos de lucidez após o acidente, as dores que acompanham o tratamento diário e o longo tempo de internação, entre outros aspectos, requerem um cuidado especializado e humanizado(5).

A equipe de enfermagem, nesse contexto, deve estar atenta para o controle da dor, administrando sedativos e analgésicos, além de providenciar conforto físico e suporte emocional para o paciente. Assim, a assistência de enfermagem ao grande queimado é complexa, exigindo abrangência de conhecimentos técnicos e científicos, necessitando, também, de perícia para lidar com as respostas emocionais do paciente e de seus familiares, o que poderá contribuir para a reabilitação precoce(6).

Ao desenvolver seu trabalho em unidades críticas, a equipe de enfermagem vive situações limítrofes, pois seu cotidiano envolve casos de emergência, o que faz com que o limiar entre a vida e a morte torne-se tênue. Além disso, o sofrimento do trabalhador da equipe de saúde é, também, decorrente do sofrimento do outro, principalmente quando a sua possibilidade de proporcionar alívio a esse sofrimento é limitada(7,8).

O interesse em desenvolver o tema surgiu no decorrer da graduação quando se percebeu que há pouco interesse de parte dos profissionais de enfermagem na assistência a esses pacientes, notando-se manifestações que vão desde a negação do cuidado à incerteza de como reagiriam se fossem destinados a trabalhar em uma unidade de tratamento ao queimado. Justifica-se, também, a escolha da temática pelo fato de existirem poucos estudos sobre a atuação da equipe de enfermagem nestes setores. Esses fatores instigaram-nos na busca por compreender a percepção de tais profissionais sobre o seu trabalho em unidades diante de pacientes tão complexos, tanto do ponto de vista do conhecimento técnico quanto do envolvimento emocional.

Nesse cenário, torna-se importante abordar as percepções da equipe de enfermagem sobre o seu trabalho em uma Unidade de Tratamento ao Queimado, provocando reflexões para a área. Neste estudo, entende-se que as instituições de saúde possuem um papel de extrema importância na disponibilização de recursos no apoio ao trabalho das equipes.

Então, questiona-se: Qual a percepção da equipe de enfermagem sobre o seu trabalho em uma unidade de queimados? A partir deste questionamento, o presente estudo tem, por objetivo geral, analisar a percepção dos profissionais de enfermagem sobre o seu trabalho em uma Unidade de Queimados. E, por objetivos específicos, desvelar as dificuldades enfrentadas no cotidiano do trabalho e identificar as estratégias utilizadas pela equipe de enfermagem para o exercício do seu trabalho com pacientes queimados.

METODOLOGIA

Estudo de abordagem qualitativa, de caráter exploratório-descritivo(9), tendo sido realizado em uma Unidade de Tratamento ao Queimado de um hospital público no Rio Grande do Sul. Essa unidade possui dez leitos, admitindo crianças e adultos, vítimas de queimaduras.

Foram convidados, a participar do estudo, todos os 35 integrantes que compunham a equipe de enfermagem da referida unidade (seis enfermeiros, nove técnicos de enfermagem e vinte auxiliares de enfermagem). O tipo da amostra foi intencional, por convite, tendo, como critério de inclusão, o tempo mínimo de um ano de vínculo com a instituição e estar trabalhando no período da coleta de dados, independente do turno de trabalho. Foram excluídos cinco profissionais, dois por razão de férias e três que estavam em licença saúde. Assim, foram entrevistados 20 integrantes da equipe, sendo quatro enfermeiras, sete técnicos de enfermagem e nove auxiliares que concordaram em participar do estudo.

A coleta dos dados ocorreu no período de março a abril de 2007, por meio de entrevistas individuais semiestruturadas, consistindo de quatro principais questionamentos: Como é, para você, trabalhar em uma unidade de tratamento ao queimado? Quais sentimentos permeiam o seu trabalho? Você sente alguma dificuldade em trabalhar com esses pacientes? Você utiliza alguma estratégia que ajuda no desempenho do seu trabalho?

Procedeu-se à leitura integral das entrevistas, adotando-se o referencial de análise temática para apreciação crítica do conteúdo, buscando-se encontrar os trechos significativos para a constituição dos temas abordados em artigos consultados para prédeterminação dos eixos temáticos, em relação ao objetivo do estudo(9). Seguindo-se os passos de préanálise e exploração do material, foi possível realizar a organização e a leitura repetida do corpus de pesquisa. Posteriormente, procedeu-se ao tratamento e interpretação dos resultados obtidos, descritos em unidades de registro e de contexto, que permitiram o agrupamento de idéias relevantes em categorias, representadas por três eixos temáticos de discussão, a saber: O significado de trabalhar em uma unidade de tratamento ao queimado; Dificuldades enfrentadas no cotidiano do trabalho; Estratégias utilizadas pela enfermagem no exercício do trabalho. Os sujeitos, que compuseram a amostra do estudo, foram numerados de um a vinte na ordem em que foram entrevistados e denominados de E (enfermeiros), T (técnicos de enfermagem) e A (auxiliares de enfermagem).

A pesquisa foi aprovada pelo comitê de ética do referido hospital, conforme protocolo nº 001.001974.07.6, sendo considerados os aspectos éticos envolvendo seres humanos, em conformidade com o previsto na Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde(10). Os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido após terem sido informados sobre os objetivos da pesquisa.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

O significado de trabalhar em uma Unidade de Tratamento ao Queimado

É preciso compreender o sentido do trabalho em uma Unidade de Tratamento ao Queimado, visto que o desafio dessa prática de cuidados coloca os profissionais em contato constante com situações graves de saúde(8). O sentimento de satisfação em promover o alívio do sofrimento do outro pode significar a reposição de energias ao trabalhador(7). Assim, nessa categoria, foram elencados, a saber: 1) o prazer de trabalhar na unidade; 2) contribuição para a reabilitação do queimado; e, 3) medidas de prevenção contra queimaduras pelos profissionais.

Foi evidenciado, na fala dos entrevistados, o prazer de trabalhar em uma unidade de tratamento ao queimado, caracterizando o trabalho como diferente, apesar de salientarem que o trabalho é deveras desgastante. Dessa forma, a permanência, no setor, ainda pode ser explicada pela adaptação ou envolvimento com as atividades da unidade e com os pacientes, como se observa nos seguintes depoimentos.

Gosto de trabalhar com queimados por ser diferente. É um grande desafio a cada dia (T3).

Gosto de trabalhar na unidade de queimados. Acho o trabalho interessante, apesar de ser bastante desgastante (A8).

A assistência, prestada a esses pacientes, é considerada desafiante e diferente por um dos entrevistados, parecendo sobrepor-se ao trabalho tido como desgastante em vista da gravidade dos pacientes atendidos. O desgaste mental é encontrado em profissões como a enfermagem, cuja proximidade do contato entre paciente e equipe exige dedicação excessiva, sobretudo em unidades consideradas críticas(8,11). A dor causada pela queimadura e o convívio com as constantes queixas de dor dos pacientes manifesta-se como causadores de desgaste na equipe de enfermagem(8).

O sentimento de contribuir para o processo de reabilitação, perceber a melhora da lesão e de receber a visita dos pacientes depois da alta, foi evidenciado como aspecto gratificante do trabalho.

É gratificante poder contribuir com pacientes tão sofridos (A2).

Gratificante é quando vê que o paciente sai restabelecido, quando vê no dia-a-dia a melhora, tanto da parte da lesão quanto da parte clínica. Quando ele vem dar um retorno. Muitos voltam para nos rever (A5).

Apesar do sofrimento relacionado à atividade desenvolvida na unidade de tratamento ao queimado, percebe-se, também a alegria pela alta, refletindo o êxito do empenho da equipe em desenvolver um cuidado de enfermagem efetivo(6). A convivência com o paciente na unidade, testemunhando diariamente o seu esforço de luta pela vida, estimula o desenvolvimento de um trabalho qualificado, ainda mais quando há retorno dos pacientes à unidade para agradecer os cuidados que lhes foram proporcionados.

O trabalho, na unidade de atendimento ao queimado, trouxe muitas reflexões aos profissionais, dentre elas, maneiras diferentes de encarar a vida, dando valor aos pequenos detalhes que, antes, passavam despercebidos.

Aprendi que a pele é um tesouro a ser preservado, e que a autoimagem é fundamental para autoestima (E1).

Passei a ver a vida sem tanta frescura. O mais importante é viver, sorrir. Passei a levar minha vida com uma visão mais liberal das coisas (A7).

A pele, um órgão vital ao ser humano, passa a ser valorizada pelos profissionais na medida em que percebem a falta que ela faz às vítimas de queimaduras, ressaltando ser fundamental para a formação do conceito de autoestima e autoimagem das pessoas. Dessa forma, o convívio com esses pacientes faz com que os profissionais reflitam suas atitudes e até mesmo suas vidas, de uma forma bastante intensa, dando outra dimensão ao trabalho(6).

A prevenção de acidentes, envolvendo queimaduras, foi lembrada nas entrevistas. O trabalho, em uma unidade de atendimento ao queimado, passou a fazer sentido na vida desses profissionais na medida em que tomam cuidado para evitar queimaduras, pois, em sua prática profissional, visualizam as consequências de tais acidentes.

Passei a antever situações de risco ao ver a dor de outros (T5).

Observo agora o que pode ocasionar um acidente onde há presença de fogo. Me tornei extremamente cautelosa (T2).

Na vida pessoal, tu te tornas uma pessoa mais cuidadosa, cautelosa com coisas que possam causar acidentes (E3).

Embora não tenha sido objeto deste estudo, os profissionais mostraram-se muito preocupados com a prevenção desses acidentes após terem iniciado o trabalho na referida unidade, adotando, no âmbito pessoal, medidas para evitar queimaduras. Já, no âmbito social(11), não são percebidas campanhas de prevenção de forma estruturada na esfera estadual e, tampouco, no âmbito federal, tendo em vista o aumento da população e, também, dos índices de acidentes por queimaduras. Essas campanhas colocariam, em debate, os acidentes envolvendo fogo e as situações consideradas previsíveis, oferecendo alerta à sociedade como um todo. Nesse sentido, destaca-se o reconhecimento do papel social da enfermagem na unidade de tratamento ao queimado no que diz respeito à prevenção de tais acidentes.

Dificuldades enfrentadas no cotidiano do trabalho

O trabalho desenvolvido, em uma unidade de tratamento de pessoas queimadas, pela equipe de enfermagem, é permeado por dificuldades enfrentadas no cotidiano. Assim, nessa categoria, foram elencados: 1) O primeiro dia de trabalho e o choque inicial; 2) a culpabilização da família pelo acidente; 3) o despreparo e o receio de trabalhar com crianças; e, 4) o preconceito enfrentado pelos pacientes.

O choque inicial, ao ingressar no setor pela primeira vez e prestar assistência a esses pacientes, traz, à tona, a sensação de não conseguir tocar em uma pessoa sem pele e a de sentir a dor dos pacientes.

Quando cheguei aqui, me abalei, pensei que não seria capaz de tocar numa pessoa sem a pele (A9).

É bastante chocante trabalhar com o paciente queimado, parece que algumas vezes sentimos sua dor (T5).

Os profissionais podem reagir de diferentes formas perante as demandas do seu trabalho: ou sofrem, tornando o seu trabalho desgastante, ou permanecem indiferentes perante o sentimento e a dor do outro(12). No entanto, um dos entrevistados destaca sua preocupação de se colocar no lugar do outro, verbalizando sentir a dor do paciente, transparecendo o sentimento de compaixão e de empatia em sua fala. Assim, o choque inicial do trabalho com esses pacientes pode ser percebido de diferentes formas pelos trabalhadores. Para alguns, pode ser o início de um grande desgaste emocional na sua jornada de trabalho; para outros, pode ser um estímulo para a superação de seus receios.

O sentimento de culpabilização, do familiar, pelo acidente, principalmente em crianças, transparece na fala de um técnico de enfermagem, o que demonstra um julgamento dos profissionais a partir de suas experiências pessoais. O ato de julgar influencia a atenção dispensada aos familiares, como evidenciado a seguir.

A gente costuma julgar as mães pelos acidentes com seus filhos, mas a partir de um acidente que ocorreu comigo, mudei meu conceito e também o tratamento com as mães (T3).

Nesta fala, nota-se que o julgamento das mães, por parte da equipe, em relação ao ocorrido com os filhos, a partir de uma experiência familiar e pessoal de acidente com fogo, faz com que o profissional, no entanto, reconsidere os preconceitos e pré-julgamentos, acolhendo, melhor, essa família(13,14). Desta forma, experiências na vida pessoal repercutem na área profissional. Muitas vezes, a história do acidente afeta a relação do profissional com o paciente e a família, principalmente quando o paciente é uma criança, pois o julgamento decorrente de como ocorreu o acidente e das pessoas envolvidas no mesmo poderá estar presente na atitude do profissional(15).

A história do acidente e o julgamento dos profissionais estão presentes, também, junto ao paciente adulto. O profissional questiona as circunstâncias nas quais aconteceu o trauma térmico e as relaciona com a história de vida do paciente e com seu comportamento durante o tratamento(15). Esse julgamento também tem implicações para os familiares bem como para as próprias vítimas de queimaduras, pois estão à mercê de quem presta o cuidado.

A equipe de enfermagem da Unidade de Tratamento de Queimados estudada deixa clara sua preferência em executar os cuidados a pacientes adultos, em detrimento do cuidado a crianças, pois referem que estas sofrem muito durante todo o tratamento. Os profissionais sentem-se vulneráveis e, muitas vezes, despreparados para cuidar da criança queimada, pois acabam sofrendo junto com as crianças vítimas de trauma térmico. Comprova-se esta questão diante dos depoimentos a seguir.

Não gosto de trabalhar com criança, a criança não entende o sofrimento. É mais difícil! (T4).

Também não gosto de trabalhar com crianças, pois elas sofrem muito durante o tratamento. É muito complicado (E4).

A queimadura é considerada uma agressão devastadora ao ser humano devido às sequelas nos âmbitos físico e psicológico de suas vítimas, principalmente em crianças ou adolescentes(14). Dessa forma, os entrevistados manifestam a dificuldade de lidar com a dor da criança tendo em vista que esta não consegue verbalizar o local da sua dor, deixando os profissionais confusos e sem muitos recursos para enfrentar essa situação.

No cuidado com as crianças, o efeito de perceber os próprios sentimentos diante do sofrimento do outro é potencializado quando, reflexivamente, visualizam seus filhos ou parentes próximos, resultando em uma experiência que lhes causa pesar intenso. Com o paciente adulto, a percepção é diferente. Para muitos profissionais da saúde, os adultos deveriam compreender a dor e não manifestá-la por meio de choros(14).

A preocupação de alguns profissionais quanto às perspectivas após a saída dos pacientes da unidade e o retorno à sociedade foi evidenciada nas falas, além do sentimento de frustração e impotência em relação às marcas físicas que ficarão para sempre.

Por mais que o paciente vá se recuperar, não será totalmente, não terá cura total. Isto aqui não é nada, você tem que ver depois, eles ficam piores do que estão agora, com as cicatrizes. Por isso, às vezes fico frustrada (A4).

Dessa forma, o profissional lembra que o tratamento é apenas uma das etapas que esses pacientes devem superar, pois, após essa fase de dor física, eles ainda terão que lidar com a dor emocional de visualizar as cicatrizes da queimadura(16). Quanto mais visível e extensa a queimadura, maiores são os sentimentos negativos em relação à imagem corporal que acarretam sofrimento psíquico e demandam atenção especializada na reabilitação(17).

A equipe entrevistada refere perceber que os pacientes, que tiveram alta da unidade de queimados, sofrem, no seu cotidiano, preconceito em relação às cicatrizes, as marcas deixadas pelas queimaduras.

Um paciente me contou que sofreu preconceito dentro do ônibus, quando um outro passageiro encostou na sua mão, retirando-a rapidamente quando percebeu que a mão dele tinha várias cicatrizes. A gente fica triste, porque sabe o que vai acarretar depois de sair da unidade (A5).

Muitas das vítimas com queimaduras acabam apresentando cicatrizes e estas, por sua vez, representam um grande potencial de exclusão social e preconceito(18). Atualmente, algumas pessoas ainda acham que podem contaminar-se ao encostar-se em uma cicatriz o que evidencia falta de informação e de esclarecimentos. Assim, a auxiliar de enfermagem deixa transparecer, em sua fala, preocupação em relação ao sofrimento que as cicatrizes poderão ocasionar na vida da pessoa.

A marca da queimadura transforma-se em um pré-conceito a um atributo muito depreciativo e que diferencia, negativamente, seu portador em relação ao grupo. No caso dos que sofreram graves queimaduras, a cicatriz é vista como sinal da degradação sofrida, característica que os afasta da normalidade, transformando-se em símbolo de não pertinência social(19,20).

Estratégias utilizadas pela enfermagem no exercício do trabalho

O compromisso em oferecer assistência de qualidade, para muitos profissionais, perpassa a necessidade de buscar ajuda de apoio psicológico para enfrentar situações de estresse, tanto pelas condições adversas de trabalho quanto pelas condições críticas e instáveis dos pacientes. Faz-se importante levar em consideração que as pessoas apresentam características próprias e, por serem diferentes, apresentam respostas diferentes quando são expostas a situações semelhantes.

Alguns depoimentos demonstram o interesse dos profissionais em receber algum apoio psicológico ou apoio ao grupo visando um melhor enfrentamento das adversidades relativas ao cuidado do paciente queimado. A inclusão da chefia, nessas atividades, foi lembrada por um entrevistado:

Acho que deveriam ter grupos onde fosse possível colocar nossas angústias e queixas (E2).

Acredito que ajudaria muito ter apoio psicológico, e a chefia, deveria ter também (A3).

A necessidade da escuta, seja ela especializada ou não, surge como um apoio para os membros da equipe, promovendo senso de união e a compreensão de aspectos emocionais relacionados ao cuidado ao paciente que sofreu queimadura(20). Assim, os fatores que desencadeiam as reações dos profissionais frente ao cuidado de enfermagem ao paciente, que sofreu queimaduras, como as suas formas de enfrentamento, dependem de significados culturais aprendidos ao longo da vida dessas pessoas(6).

Ressalta-se a dificuldade que as instituições têm para atingir níveis de satisfação dos profissionais de saúde, o que sugere o desenvolvimento de programas de apoio com o intuito de avaliar e satisfazer as necessidades dos profissionais. Para que isso ocorra, é preciso que a estrutura organizacional promova esse espaço e, assim, possibilite a participação de todos profissionais inseridos neste contexto(8).

No entanto, como a instituição, na qual está localizada a unidade estudada, não oferece qualquer dispositivo de apoio à equipe de enfermagem, foi identificada a iniciativa individual pela busca de conforto, psicológico ou interacional, com os colegas do setor, como um recurso para manterem-se saudáveis e melhorar a qualidade de assistência a esse tipo de paciente, o que é apresentado a seguir.

Buscamos apoio uns nos outros (T4).

Eu recebo muita ajuda da psicologia, pois acho que faz parte de uma boa assistência saber o manejo certo para cada paciente (E1).

A ausência de suporte psicológico institucional fez com que cada profissional da enfermagem procurasse estratégias para aliviar as tensões do cotidiano do trabalho na Unidade de Tratamento ao Queimado. Cada recurso utilizado representa a busca individual ou coletiva para qualificar o cuidado. Assim, a necessidade de apoio psicológico é nítida e deveria ser considerada, sempre, na área da enfermagem, tendo em vista que estes profissionais estão expostos a situações estressantes por serem responsáveis pela assistência ao paciente que sofreu queimaduras e por terem que lidar com seus próprios conflitos e emoções(11).

Ainda que as demandas psicológicas sejam excessivas, elas podem ser menos danosas no momento em que os trabalhadores criam estratégias para lidar com as dificuldades do seu trabalho. Dessa forma, as condições adversas do contexto de trabalho da equipe estudada parecem ser amenizadas quando se nota altos níveis de interação social entre os membros da equipe.

O apoio mútuo entre os membros da equipe promove senso de união e compreensão de aspectos emocionais relacionados ao cuidado do paciente que sofreu queimaduras. Para os trabalhadores de enfermagem, harmonia, união, respeito, compartilhar experiências, são situações que tornam o trabalho melhor, menos penoso e sofrido, proporcionando uma assistência qualificada.

Um clima de compreensão e respeito favorece o compartilhamento de experiências e vivências, bem como oportuniza condições do livre exercício de expressão para opinar e sugerir acerca das questões assistenciais. Estas, quando acatadas ou levadas em consideração, são percebidas como situações que conduzem a um trabalho melhor e mais prazeroso(11). É no próprio trabalho que alguns trabalhadores encontram possibilidades de superar insatisfações e melhorar sua qualidade de vida, por meio do convívio e da solidariedade.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Percebemos, ao longo desse estudo, que os profissionais da equipe de enfermagem mostram-se sensíveis às vítimas de queimaduras, apesar de enfrentarem inúmeras dificuldades no cotidiano de trabalho nessa unidade. O trabalho desenvolvido em uma unidade crítica requer, do profissional, preparo físico e emocional.

O trabalho, realizado pela enfermagem com pacientes queimados, foi percebido como prazeroso por contribuir no processo de reabilitação das vítimas, o que proporciona, a esses agentes da saúde, reflexões no campo pessoal. Assim, as situações, em que ocorreram os acidentes com fogo, levam-nos a criar estratégias de prevenção no cotidiano de suas vidas.

O início do trabalho com pacientes queimados é percebido como chocante, levando os profissionais da unidade de tratamento a queimados a culpabilizar as famílias pelo acidente. As perspectivas de retorno do paciente à sociedade e o preconceito das pessoas em relação às cicatrizes da queimadura foram percebidos, pela enfermagem, como características que dificultam a reinserção social dos pacientes queimados, no pós-alta.

No entanto, o apoio psicológico ao paciente e aos próprios membros do grupo são estratégias individuais utilizadas, por esses profissionais, na tentativa de qualificar o seu trabalho e a assistência aos pacientes. Portanto, entende-se que é dever das instituições, onde as Unidades de Tratamento ao Queimado estão locadas, proporcionar espaços de apoio psicológico no atendimento às demandas dos profissionais que prestam assistência às vítimas de trauma térmico. Às instituições de ensino, destaca-se a necessidade de dar maior ênfase a essa área durante a formação dos futuros profissionais.

Recebido em: 07/07/2011

Aprovado em: 02/03/2012

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  • Endereço da autora
    Maria de Lourdes Custódio Duarte
    Rua Gonçalves Ledo, 20, ap. 203, Partenon
    90610-250, Porto Alegre, RS
    E-mail:
  • 1
    Originado do trabalho de conclusão do Curso de Enfermagem da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), apresentado em 2007.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      26 Jul 2012
    • Data do Fascículo
      Mar 2012

    Histórico

    • Recebido
      07 Jul 2011
    • Aceito
      02 Mar 2012
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